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CRISTOLOGIA II

A OBRA DA REDENÇÃO

Prof. Dr. Pe. Fernando Rocha Sapaterro

Tábua de Matérias

1. A Redenção em geral
a) O propósito da Encanação
b) A controvérsia como condicionada ou incondicionada predestinação da encarnação
c) Conceito e possibilidade da Redenção
d) Necessidade e Liberdade da Redenção
2. A Realização da Redenção por meio de 3 ações de Cristo
a) O Ensino (obra profética)
b) O Pastoreio (obra real)
c) O Sacerdócio (obra sacerdotal)
3. A Conclusão gloriosa da obra da Redenção de Cristo
a) Cristo nos Infernos
b) A Ressurreição de Cristo
c) A Ascensão aos Céus
4. A Mãe do Redentor [Disciplina especí ca da Escola de Teologia]

JOÃO PAULO II. Redemptoris missio. (sobre a salvação operada por Jesus Cristo)
_______________. Redemptoris mater. (sobre a mãe do Redentor e o papel de Maria na Igreja)
_______________. Redemptoris custos. (sobre o guardião do Redentor, São José)

DENZIGER-HÜNERMANN. Compêndio dos símbolos, de nições e declarações da fé e moral. SP: Loyola,


2007.
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OTT, Ludwig. Fundamentals of Catholic Dogma. Dublin: The Mercier Press, 1962. (traduzido do
inglês: Fernando Rocha Sapaterro); pp. 175-195.

II. A Redenção em geral


Redenção ou Salvação são apenas duas palavras com sentidos idênticos na Teologia. Ambas dizem
respeito ao perdão dos pecados e das suas consequências, a danação ou a perda da graça (eterna
ou temporal).

A. O propósito da Encanação
Perguntar-se sobre o propósito da encarnação, é perguntar “para quê” o Filho de Deus,
desceu do céu, e veio a este mundo, como homem. O Símbolo nicenoconstatinopolitano declara:
qui propter nos homines et propter nostram salutem descendit de caelis et incarnatus est [“e para nós,
homens, e para nossa salvação desceu do céu e se encarnou”].
O Senhor Jesus Cristo desceu do céu para nossa salvação, i.é., para nos redimir. Tal fato é
testemunhado pelo profeta Isaías, que diz: “Dizei aos turbados de coração: Sede fortes, não temais;
eis que o vosso Deus virá com vingança, com recompensa de Deus; ele virá, e vos salvará” (Is 35,4).
Quando o anjo Gabriel anuncia a Maria que ela conceberá e dará à luz um menino, também diz
qual é o propósito daquilo (encarnação): “E dará à luz um lho e chamarás o seu nome JESUS;
porque ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21).
No evangelho de São João, há um outro propósito para a encarnação: glori car o Pai com a
glória que Ele merecia desde o princípio: “Eu glori quei-te na terra, tendo consumado a obra que
me deste a fazer” (Jo 17,4)

B. A controvérsia como condicionada ou incondicionada predestinação da encarnação


A Encarnação de Deus na história por meio de seu Filho, Jesus Cristo, é um fato. O problema
é saber se a encarnação está condicionada ou não ao pecado de Adão, i.é., se acaso Adão não
tivesse pecado Deus teria se encarnado da mesma maneira ou não? Essa controvérsia nasceu entre
duas escolas medievais de teologia: o tomismo e o escotismo.
O tomismo defende que o primeiro motivo da encarnação do Filho de Deus é a redenção da
humanidade, e por isso, sem a queda dos nossos primeiros pais não teria acontecido. Já os
escotistas vêem que na ordem de coroar a obra da Criação, o Filho de Deus teria se tornado homem
mesmo sem a queda - todavia, já num corpo impassível.
A resposta tomista tem inúmeras fontes da Escritura. Podemos citar 1Tm 1, 15: “Esta é uma
palavra el, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores,
dos quais eu sou o principal.” Podemos citar ainda a famosa asserção de Jo 3,17 “Porque Deus
enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse
salvo por ele.”
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A resposta escotista, embora não tenha tantas passagens da Escritura para corroborar, tem
algumas signi cativas, dentre as quais, Col 1,15-19:
O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; porque nele
foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam
tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por
ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E
ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos,
para que em tudo tenha a preeminência. Porque foi do agrado do Pai que toda a
plenitude nele habitasse.

C. Conceito e possibilidade da Redenção


Podemos considerar a Redenção objetiva ou subjetivamente. Objetivamente, a Redenção é a
obra do Redentor, subjetivamente a Redenção é a realização da Redenção em homens individuais,
ou a aplicação dos frutos da Redenção aos homens individuais (Justi cação). A obra de Redenção
de Cristo efetuou a salvação da humanidade do fardo do pecado. Mas o pecado, por sua própria
natureza, é um afastamento de Deus (aversio a Deo) e um desvio para a criatura (conversio ad
creaturam). Assim, a obra da Redenção deve consistir em se afastar da criatura e se voltar para
Deus (cf. Col. 1, 13).
A Redenção signi ca a libertação dos homens da tirania do pecado e de seus males
associados (servidão ao diabo e morte). Como tal, é chamado, ἀπολύτωσις=redemptio, i.é., “resgate
num sentido bem estrito”. Esse sentido estrito da Redenção pode ser traduzido pelo “resgate”
operado por Jesus Cristo como uma aquisição de um bem (a humanidade) que tinha sido tomado
de Suas mãos, o qual é transcrito por São Pedro em sua primeira carta: “Sabendo que não foi com
coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que
por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um
cordeiro imaculado e incontaminado” (1Pd 1,18-19).
Podemos citar várias fontes das Escrituras que tratam da “Redenção” nesse sentido estrito:
“Sendo justi cados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3,24);
“Mas vós sois dele, em Jesus Cristo, o qual para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e
santi cação, e redenção” (1 Cor 1,30); “Em quem temos a redenção pelo seu sangue, a remissão das
ofensas, segundo as riquezas da sua graça” (Ef 1,7); “Em quem temos a redenção pelo seu sangue,
a saber, a remissão dos pecados” (Col 1,14); “E por isso é Mediador de um novo testamento, para
que, intervindo a morte para remissão das transgressões que havia debaixo do primeiro
testamento, os chamados recebam a promessa da herança eterna” (Hb 9,15).
Redenção signi ca também “restauração da união sobrenatural do homem com Deus” que
foi destruída pelo pecado. Como tal, é chamado de ταταλλαγή=expiação. Isso pode ser
encontrado nas seguintes passagens:
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Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu
Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E não
somente isto, mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo,
pelo qual agora alcançamos a reconciliação. Portanto, como por um homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os
homens por isso que todos pecaram. Porque até à lei estava o pecado no mundo,
mas o pecado não é imputado, não havendo lei. No entanto, a morte reinou desde
Adão até Moisés, até sobre aqueles que não tinham pecado à semelhança da
transgressão de Adão, o qual é a gura daquele que havia de vir. Mas não é assim o
dom gratuito como a ofensa. Porque, se pela ofensa de um morreram muitos, muito
mais a graça de Deus, e o dom pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo,
abundou sobre muitos. E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou.
Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom
gratuito veio de muitas ofensas para justi cação. Porque, se pela ofensa de um só, a
morte reinou por esse, muito mais os que recebem a abundância da graça, e do dom
da justiça, reinarão em vida por um só, Jesus Cristo. Pois assim como por uma só
ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um
só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justi cação de vida.
Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores,
assim pela obediência de um muitos serão feitos justos. Veio, porém, a lei para que a
ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça; Para que,
assim como o pecado reinou na morte, também a graça reinasse pela justiça para a
vida eterna, por Jesus Cristo nosso Senhor. (Rm 5, 10-21)
Cf. Rom. 5, 10ss. ; 2Cor 5, 18ss; Col 1,20.

A Redenção objetivamente considerada, foi cumprida através do ensino e da atividade de


direção de Cristo. Em um grau supremo, no entanto, foi efetuado pela expiação vicária (Cristo-
sacerdote) e pelos méritos de Cristo em Sua morte sacri cial na Cruz (Cristo-vítima). Através da
Expiação, o insulto oferecido a Deus pelo pecado foi contrabalançado, e a lesão à honra de Deus foi
reparada. Através dos méritos de Cristo, as riquezas sobrenaturais da salvação foram adquiridas as
quais são para serem dispensadas na Redenção subjetiva.
A possibilidade da Redenção através da expiação de Cristo e através de Seus méritos deriva
de Sua constituição divino-humana, em virtude da qual Ele é o mediador entre Deus e a
humanidade. 1Tm 2,5 diz: “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens,
Jesus Cristo homem”. Ele é o mediador do NT.
Em Cristo há duas instâncias: a ontológica (da ordem do ser) e a ética (da ordem das ações),
produzindo efeitos nas duas ordens. Na ordem ontológica e ética, ou seja, na ordem do ser e da
atividade, o Deus-Homem Jesus Cristo é o natural e, como tal, o único mediador entre Deus e o
homem. A mediação sobrenatural derivada da graça em todos os outros que não Cristo (Moisés, de
acordo com Dt 5, 5, os Profetas e os Apóstolos, os sacerdotes da Antiga e Nova Aliança, os anjos e
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os santos) é imperfeito e subordinado à única mediação natural de Cristo. Cristo exerceu e exerce a
atividade de mediação através das ações de Sua natureza humana (homo Christus Jesus). Em
consequência da verdadeira distinção entre as duas naturezas, era possível que Ele pudesse
realizar atos mediadores como homem e recebê-los como Deus. Isso resolve a objeção de que
Cristo não poderia agir como mediador entre Si mesmo e a humanidade. (Cf. S. Th. I 26. 1-2)

D. Necessidade e Liberdade da Redenção


1. A necessidade da parte do homem (O homem não pode redimir-se a si mesmo)
O Concílio de Trento ensina: “No pecado de Adão, sendo feitos impuros e por natureza
lhos da ira, eles eram servos do pecado e sob o poder do diabo e da morte a tal ponto que nem os
gentios pelo poder da natureza nem os judeus através da letra da Lei Mosaica poderiam se libertar
ou se livrar dela por si mesmos”. Este Dogma é contradito pelo pelagianismo, que atribuiu o poder
da auto-redenção ao livre arbítrio; e pelo racionalismo moderno com suas várias teorias de auto-
redenção.
Em sua Epístola aos Romanos, o Apóstolo São Paulo ensina que todos os homens, judeus e
pagãos, estão sob a maldição do pecado e que são justi cados por um presente gratuito do amor
Divino em virtude da Redenção (Rm 3,23ss): “Pois todos pecaram e precisam da glória de Deus
(=graça da Redenção), sendo justi cados livremente por Sua graça através da Redenção que está
em Cristo Jesus.”
O ensinamento patrístico é expresso nas palavras de Santo Agostinho: “Eles podem se
vender, mas não podem se redimir” Comentários aos Salmos 95, 5. A razão intrínseca para a
necessidade absoluta da Redenção para o homem caído reside, por um lado, no in nito da culpa
do homem e, por outro lado, na sobrenaturalidade absoluta do estado de graça. Como um ato de
uma criatura (o ensa Dei activa), o pecado é de fato nito, mas como insulto ao Deus In nito (o ensa
Dei passiva) é in nito e, consequentemente, exige uma expiação de valor in nito. Mas um mero
homem não pode fornecer tal expiação.

2. A Liberdade da parte de Deus


a) Deus não foi obrigado a redimir a humanidade por uma compulsão interna ou
externa.
A Redenção é um ato totalmente livre de Amor Divino e de Divina Misericórdia (libertas
contradictionis). Como até mesmo a elevação do homem ao estado sobrenatural é um presente
gratuito do Amor Divino, então ainda mais livre é a restauração da unidade sobrenatural com
Deus que foi destruída pelo pecado grave. O Apóstolo São Paulo começa a Epístola aos Efésios com
uma eucologia sobre a graça de Deus que se manifesta tão magni camente na Redenção através de
Jesus Cristo. Ele designa a Redenção como um “Mistério da vontade Divina, que Ele nos deu a
conhecer de acordo com Seu bom prazer” (Ef 1,9), cf. Ef 2,4ss.
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A visão de Santo Atanásio (Or. de incarn Verbi 6) que a honra de Deus exigiu a Redenção,
deve ser entendida como uma alta adequação, já que em outros lugares ele enfatiza decisivamente
a natureza gratuita da Redenção. Santo Anselmo de Cantuária (Cur Deus homo II, 4) ensina que
Deus foi obrigado a nos redimir por causa da imutabilidade de Seu Decreto de benção para o
homem. Ele sustentava que quando Deus, apesar de Seu conhecimento prévio do pecado, resolveu
de toda a eternidade criar o homem e abençoá-lo, seguiu-se dessa resolução Divina livre uma
necessidade de redimir a humanidade (necessitas consequens).

b) Mesmo no pressuposto da Resolução Divina da Redenção, a Encarnação não era


absolutamente necessária.
Santo Tomás como St. Agostinho (De agone Christ. 11, 12), ensina contra Santo Anselmo de
Cantuária (Cur Deus homo Il 6 et seg.) que Deus, através de Sua Onipotência, poderia ter resgatado
a humanidade de muitas outras maneiras (libertas speci cationis). S. Th. III, 2. Seria uma limitação
indevida da Divina Onipotência, Sabedoria e Misericórdia, se a Encarnação fosse representada
como o único meio de Redenção que Deus pode, sem prejuízo à Sua justiça, conceder perdão e
graça ao pecador arrependido, mesmo sem uma expiação (adequada) ou qualquer expiação.

c) Se Deus exigiu uma expiação completa, a Encarnação de uma Pessoa Divina era
necessária.
O insulto in nito a Deus inerente ao pecado grave pode ser totalmente contrabalançado
apenas por um ato in nito de expiação. Ninguém além de uma Pessoa Divina pode realizar tal
expiação. Até esse ponto, uma necessidade hipotética (condicionada) da Encarnação pode ser
mantida. Em um sentido mais amplo, também se pode falar de necessitas congruentiae, na medida
em que a Encarnação de uma Pessoa Divina foi o meio mais apropriado de Redenção, porque
revela mais gloriosamente as perfeições de Deus e dá os motivos mais fortes para a busca da
humanidade pela perfeição religiosa e moral. São João Damasceno, De Fid. Orth. I. B. I. ; S. Th. III
1,1-2.
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3. A Realização da Redenção por meio de 3 ações de Cristo
a) O Ensino (obra profética)
b) O Pastoreio (obra real)
c) O Sacerdócio (obra sacerdotal)

Por ações de Cristo são entendidas as funções através das quais o propósito da Redenção foi
realizado. Cristo cumpriu a obra de Redenção através de seu triplo ofício: o ofício de ensino, o
ofício de pastor e o ofício sacerdotal. As três ações são indicadas em João 14, 6: “Eu sou o caminho
(pastoral), a verdade (ensino) e a vida (sacerdotal).”

I. O ofício de Ensino ou ação profética


1. O Signi cado Soteriológico do ofício de Ensino de Cristo
O signi cado soteriológico do ofício de ensino de Cristo decorre disso: a ignorância religiosa
é uma consequência do pecado, que adentrou o mundo através da sedução do diabo, o pai da
mentira (Jo 8,44). Cf. Rm 1,18ss.; Jo 1,5; 3, 19. O Redentor que veio “para destruir as obras do
diabo” (1Jo 3,8) e para libertar a humanidade de sua escravidão, teve que primeiro tirar da
humanidade a escuridão espiritual decorrente do pecado e trazer a luz do verdadeiro
conhecimento. Cristo testemunha o poder redentor da verdade nas palavras: “A verdade vos
libertará” (Jo 8,32).

2. Cristo como Mestre e Profeta de acordo com o Testemunho das Fontes de Fé


«Cristo é o Profeta Supremo prometido na Antiga Aliança e o mestre absoluto da humanidade.»
A profecia de Moisés em Dt 18, 15: “O Senhor teu Deus levantará para ti um PROFETA da
tua nação e dos teus irmãos como eu, a Ele ouvirás”, é, no Novo Testamento, aplicado a Cristo. Cf.
At 3,22; Jo 1,45; 6, 14. Cristo se designa como a Luz do Mundo (Jo 8,12; 12,46), chama a Si a
Verdade (Jo 14,6) e considera o anúncio da verdade como único da Sua essência (Jo 18,37; 8,40),
aprova a saudação “Mestre e Senhor” (João 13,13) e a rma ser o “único mestre” dos homens “Nem
sejam chamados de mestres: porque Um é o seu Mestre, Cristo" (Mt 23,10). Na consciência de Sua
autoridade de ensino única, Cristo transfere Seu direito de ensinar todos os homens para os outros
(Mt 28,19; Mc 16,15ss). Seus ouvintes falam da poderosa impressão causada por Seu ensinamento:
“Nunca um homem falou como este homem” (Jo 7,46; cf. Mc 1, 22).
A Epístola aos Hebreus vê em Cristo o último e o supremo portador da Revelação de Deus (Hb
1,1ss.): “Em tempos diversos e de várias maneiras, Deus falou em tempos passados para os pais e
pelos Profetas, por último de tudo nestes dias para nós por Seu Filho.”
Os Padres da Igreja exaltam Cristo como o mestre da verdade. Santo Inácio de Antioquia o
chama de “a cândida boca por meio de Quem o Pai falou a verdade” (Rm 8,2), “nosso único
mestre” (Magn 9,1). Os antigos apologistas cristãos, em particular, enfatizam a sublimidade do
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ensinamento cristão acima de toda a sabedoria humana, como foi revelada e garantida pela
Palavra Encarnada, a Sabedoria Divina que apareceu na forma humana. Cf. São Justino, Apol. II,
10. A base nal da autoridade única do Ensinamento de Cristo reside na União Hipostática.

Il. O Ofício Pastoral ou Régio de Cristo


1. O Signi cado Soteriológico do Ministério Pastoral de Cristo
O objetivo do ofício pastoral de Cristo era mostrar à humanidade caída o caminho certo para
seu m último sobrenatural. Enquanto o ofício de ensino é direcionado à compreensão, pela
pregação da Verdade Divina, o ofício de pastor está preocupado com a vontade do homem,
inculcando as exigências nela da Lei Divina e de um espírito de obediência aos mandamentos de
Deus.

2. As Funções do Ofício Pastoral de Cristo


O ofício de Pastor exercido por Jesus Cristo possui 3 funções: legislativa, judicial e punitiva.

3. Cristo como o Legislador e Juiz da Humanidade


O Concílio de Trento declarou contra o ensinamento de Lutero (segundo o qual Cristo não
havia dado mandamentos, mas apenas promessas), que Cristo não é apenas nosso Redentor, mas
também nosso Legislador. Os Credos atestam a Realeza do Cristo Ressuscitado e Sua segunda
vinda no Julgamento Final. O Credo dos Apóstolos confessa: “está sentado à direita de Deus Pai,
donde há de vir julgar os vivos e os mortos”. O Credo Nicenoconstantinopolitano proclama a
duração eterna do Reino de Cristo: “e o Seu Reino não terá m”. O Papa Pio XI, em 1925,
estabeleceu uma festa especial pela Quas primas, em homenagem à Realeza de Cristo.
O Novo Testamento con rma as profecias do Antigo Testamento da Realeza Messiânica (cf.
Sl 2; 44; 71; Is. 9,6ss.; Dn. 7, 13ss.). O Anjo Gabriel anuncia: “O Senhor Deus Lhe dará o trono de
Davi, seu Pai; e Ele reinará na Casa de Jacó para sempre. E de Seu Reino não haverá m.” (Lc 1,32).
Cristo, diante de Pilatos, confessa ser um rei. Em resposta à pergunta de Pilatos: “Você é um Rei?”
Ele dá a resposta a rmativa: “Você diz que eu sou um rei” (Jo 18,37, mas ao mesmo tempo enfatiza
o caráter celestial de Seu Reino: “Meu reino não é deste mundo” (Jo 18,36; cf. Jo 6,15; Mt. 22,21).
Seu pode real ultrapassa céu e terra. “Todo o poder foi dado para Mim no céu e sobre a terra (Mt
28,18). No Apocalipse, São João chama Cristo de “o Príncipe dos reis da terra” (1,5); “Rei dos reis e
Senhor dos senhores” (19,16).
Cristo con rmou particularmente Seu poder de lei na promulgação da lei básica de Seu reino
(descrito no Sermão da Montanha) e na organização do Reino de Deus na terra, ou seja, da Igreja.
Ele decide com autoridade sobre a obrigação da Lei Mosaica, dá a nova lei do amor (Jo 13, 34;
15,12) e exige a estrita observância de Seus mandamentos (Jo 14,15; 15,10; Mt. 28, 20).
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Ao Seu poder supremo de legislar corresponde o Seu poder judicial supremo. Jesus
testemunha: “Pois o Pai não julga nenhum homem, mas designou todo julgamento ao Filho” (Jo
5,22). O julgamento que o Filho deverá fazer será imediatamente executado: “E irão estes para o
tormento eterno, mas os justos para a vida eterna.” (Mt 25,46).
Os Padres, con ando nas profecias do Antigo Testamento e em Sua própria reivindicação,
atribuem a Cristo o título de Rei. (Cf. Martyrium Polycarpi, 9, 3; 17, 3; Santo Irineu, Ad. haer. I 10, 1).
Já no início do segundo século, temos uma interpolação cristã para o Sl 95,10: Dominus regnavit a
ligno (Cf. Carta de Barnabé 8, 5: São Justino, Apol. I 41; Dial. 73). O Rei que governa da madeira (da
Cruz) é Cristo, o Rei. O Papa Pio XI ensina na Encíclica Quas primas, que Cristo, em razão da União
Hipostática, possui não apenas um poder indireto, mas também direto sobre as coisas temporais,
mesmo que Ele não tenha feito uso disso durante Sua vida terrena.

III. O Ofício Sacerdotal


De acordo com o ensinamento dos racionalistas modernos, a atividade redentora de Cristo
tinha apenas um signi cado pedagógico. Está limitado ao Seu ensinamento e ao Seu exemplo, pelo
qual o homem deve ser movido para sua atividade de santi cação pessoal. Assim, os esforços de
Cristo oferecem simplesmente um apoio à nossa auto-redenção.
De acordo com o ensinamento da Revelação, Cristo não apenas trouxe à humanidade um
novo conhecimento de Deus e de Suas exigências, mas também removeu o abismo entre Deus e a
humanidade que havia sido feito pelo pecado. Cristo efetuou essa reconciliação da humanidade
caída com Deus através de Sua obra sacerdotal.

1. Realidade da obra sacerdotal de Cristo: O Deus-Homem Jesus Cristo é um Sumo Sacerdote.


O Concílio de Éfeso (431) ensina com São Cirilo de Alexandria, que o Verbo, Ele Mesmo, a
Palavra que vem de Deus, tornou-se Sumo Sacerdote quando Ele se tornou homem e carne como
nós. Assim, como homem, Ele é Sacerdote. Na Antiga Aliança, o sacerdócio de Cristo é dito em Sl
109,4: “O Senhor jurou e não se arrependerá: Tu és um sacerdote para sempre, de acordo com a
Ordem de Melquisedeque.” O caráter messiânico dessas palavras é con rmado por Mt 22,42ss; Hb
5,6.10; 7,17.21. A Epístola aos Hebreus contém um tratado formal sobre o sacerdócio de Cristo (3,1;
4,14ss; 7,1ss.). O autor ressalta que Cristo cumpriu pessoalmente todas as exigências do sacerdócio.
“Cada sumo sacerdote tomado dentre os homens é ordenado para os homens nas coisas que
pertencem a Deus, para que ele possa oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (5,1); Cristo tinha a
natureza humana em comum conosco, homens, para que ele pudesse ter simpatia com as nossas
fraquezas (4,15); Ele foi chamado por Deus ao sacerdócio (5,5ss.); para todos aqueles que O
obedecem, Ele é o autor da salvação eterna (5, 9); oferecendo-se na Cruz como um sacrifício de
expiação (7,27; 9,28).
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O sacerdócio de Cristo é exaltado acima do sacerdócio levítico da Antiga Aliança. Compare a
relação de Melquisedeque, que era um modelo de Cristo, com Abraão (7,1ss.). De acordo com o Sl
109,4, Cristo foi instalado no ofício sacerdotal através de um juramento de Deus (7,20ss.) ; Ele
possui um sacerdócio que não cessa (7,23ss.) ; Ele é santo, inocente, imaculado, separado de todos
os pecadores (7,26ss.) ; Ele é o Filho de Deus consumado na eternidade (7,28); através de Seu ato
único de auto-sacrifício, Ele lavou os pecados dos homens (7,27).
Os Padres, desde o início, reiteram os pensamentos da Epístola aos Hebreus. São Clemente de
Roma chama Cristo: “o Sumo Sacerdote de nossos dons sacri ciais” (Epístola aos Coríntios, 36, 1).
Santo Inácio de Antioquia diz em relação ao sacerdócio de Cristo: “Bons são os sacerdotes (da
Antiga Aliança), mas melhor é o Sumo Sacerdote para quem o Altíssimo é con ado” (=Jesus Cristo;
Filadelfos. 9, 1). São Policarpo chama Jesus Cristo “O Sumo Sacerdote Eterno” (Filadelfos. 12, 2).
O sacerdócio de Cristo começa com a União Hipostática. A tarefa adequada do sacerdote
consiste em ser um mediador entre Deus e os homens (S.Th. III 22, I). A posição intermediária
ontológica, que é um pressuposto para o exercício da atividade mediadora, pertence a Cristo em
razão da União Hipostática.
O sacerdócio de Cristo é de duração eterna, pois a dignidade sacerdotal de Cristo fundada
na União Hipostática permanece para sempre, e também porque a operação de Seu sacerdócio
perdura eternamente naqueles redimidos que desfrutam para sempre da Visão Beatí ca. Mais uma
vez, a disposição sacri cial de Cristo, na medida em que consiste em louvor e ação de graças,
perdura por toda a eternidade. Cf. S.Th. III 22, 5.

2. O Exercício do Serviço Sacerdotal ou o Sacrifício de Cristo


a. Conceito de Sacrifício
A função mais essencial do ofício sacerdotal é o sacrifício. Hb 8,3 : “Porque todo o sumo
sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios”. O Concílio de Trento declara: “Sacrifício e
sacerdócio são, pelo ordenamento divino, tão conectados um com o outro que ambos existem em
todas as ordens de salvação (in omni lege)”.
Por sacrifício deve-se entender no sentido mais amplo, a rendição de algum bem por causa
de um bom objetivo. O signi cado religioso ligado ao sacrifício no sentido mais amplo é cada ato
interior de auto-rendição a Deus e toda manifestação externa da disposição sacri cial interior, por
exemplo, oração, doação de esmolas, morti cação. Cf. Sl 50,19; 140,2; Os 14,3; Rm 12,1. No sentido
litúrgico mais estreito, o sacrifício é um ato religioso externo, no qual um presente perceptível
aos sentidos é oferecido por um servo ordenado de Deus em reconhecimento da soberania e
majestade absolutas de Deus e, desde a Queda, em expiação a Deus. Em um sacrifício,
distinguimos: a) Um dom sacri cial visível (res oblata) que representa a coisa que está sendo
sacri cada, b) Um sacerdote sacri cial (minister sacri cii) que está autorizado a aparecer diante de
Deus como representante da comunidade, c) O propósito do sacrifício ( nis sacri ci), que consiste
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principalmente no reconhecimento da majestade absoluta de Deus através da adoração, ação de
graças, súplicas, e secundariamente na reconciliação com Deus através da expiação, d) Um ato de
sacrifício (actio sacri ca, sacri cium visibile), que representa de forma aparente aos sentidos a
disposição sacri cial interior (sacri cium invisibile) através da oferta do dom sacri cial.

b. O Sacrifício de Cristo na Cruz: Cristo se ofereceu na cruz como um sacrifício verdadeiro e


adequado
O Concílio de Éfeso (431) ensina com São Cirilo de Alexandria: “Ele (Cristo) se ofereceu por
nós como um suave odor (isto é, como um sacrifício agradável) ao Deus e ao Pai”. As decisões
doutrinárias do Concílio de Trento sobre o Sacrifício Sagrado da Missa pressupõem o caráter
sacri cial da morte de Cristo na Cruz. O racionalismo se opõe a esse dogma. De acordo com Hb
8-10, os sacrifícios da Antiga Aliança eram modelos da morte de Cristo na Cruz. O Profeta Isaías
não só prediz a Paixão e a Morte do futuro Messias, mas também que Ele a aceitaria
voluntariamente como um “sacrifício de culpa” pelos pecados da humanidade Cf. Is 53,7-12. São
João Batista, o último dos Profetas, seguindo Isaías, vê em Cristo o Cordeiro do Sacrifício, que
assumiu sobre Si os pecados de toda a humanidade, a m de expiá-los. Jo 1,29 : “Eis o Cordeiro de
Deus que tira os pecados do mundo.”
São Paulo, mais claramente, testemunha o caráter sacri cial da morte de Cristo na Cruz. Ef
5,2: “Cristo também nos amou e se entregou por nós, uma oblação e um sacrifício a Deus como um
suave odor (como um sacrifício agradável)”. 1Cor 5,7: “Pois Cristo nossa Páscoa foi sacri cado por
nós”. Rm 3,25: “Ao qual Deus propôs para propiciação (ἱλαστήριον1) pela fé no seu sangue”. O
sangue expiante é, no entanto, de acordo com a Sagrada Escritura (cf. Lv. 17, I1) sangue sacri cial.
Hb 9,1-10.18 descreve a superioridade do sacrifício oferecido por Cristo na Cruz sobre os
sacrifícios do Antigo Testamento, 9, 28: “Então também Cristo foi oferecido para expiar os pecados
de muitos” Cf. 1João 2,2.
O próprio Cristo designou indiretamente Sua morte na Cruz como um sacrifício pelos
pecados dos homens, utilizando termos bíblicos sacri ciais - “dar a vida”, “derramar seu sangue”.
Mt 20,28; Mc 10,45: “o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua
vida em resgate (λύτρον=preço de resgate) de muitos“. Na inauguração da Santa Eucaristia, Ele
indica o caráter sacri cial de Sua morte. Lc 22,19: “Este é o meu sangue do novo Testamento que
será derramado por muitos para a remissão dos pecados”.
Os Padres, desde o início, consideraram a morte de Cristo na Cruz como um sacrifício pelos
pecados da humanidade. O autor da Epístola a Barnabé 7,3 diz: “Ele mesmo desejou oferecer o vaso
da vida (=Seu Corpo) como sacrifício pelos nossos pecados, para que o modelo dado em Isaac fosse
agora cumprido” (Clemente de Alexandria, Pedagogo 5, 23, 1; Santo Agostinho, Cidade de Deus, X,
20, Sobre a Trindade IV, 14, 19.

1 ἱλαστ ριον signi ca propiciação ou oferenda propiciatória, i.é., a oblação por meio da qual aplaca-se a ira divina.
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O caráter sacri cial da morte de Cristo na Cruz pode ser estabelecido, especulativamente, na
medida em que todas as exigências de um ato sacri cial foram cumpridas. Cristo como homem
estava ao mesmo tempo sacri cando como sacerdote e sendo o dom sacri cial (vítima). Como
Deus junto com o Pai e com o Espírito Santo, Ele também foi o receptor do sacrifício. O ato de
sacrifício consistia no fato de que Cristo, em uma disposição da mais perfeita auto-rendição, cedeu
voluntariamente Sua vida a Deus, permitindo que Seus inimigos O matassem, embora Ele tivesse o
poder de impedi-los. Cf. Jo 10, 18.

c. A Importância Soteriológica do Sacrifício de Cristo


Mesmo que todas as atividades individuais de Cristo tenham valor redentor para nós, e
como um todo componham a obra da Redenção, ainda assim Sua atividade redentora encontra seu
apogeu na morte do sacrifício na Cruz. Por esta razão, é, por excelência, mas não exclusivamente, a
causa e ciente da nossa redenção.

c 1. O ensinamento da Igreja: Cristo, por Seu Sacrifício na Cruz, nos resgatou e nos reconciliou com
Deus.
O Concílio de Trento ensina que Nosso Senhor ofereceu Sua vida na Cruz para nossa eterna
redenção. O mesmo Concílio se refere ao único mediador Jesus Cristo: “que em Seu sangue nos
reconciliou com Deus nos fez justiça e santi cação e redenção” (1Cor 1,30).

c 2. Testemunho das Fontes da Fé


c 2.1 Cristo considera a doação de Sua vida como “uma redenção para muitos” (λύτρον ἀντὶ
πολλῶν Mt 20,28; Mc 10,45). De acordo com isto São Paulo ensina que Cristo se entregou como
resgate pela humanidade e que o efeito de Sua morte de sacrifício foi o nosso resgate. 1Tm 2,6:
“Que Se deu em redenção (ἀντίλυτρον) para todos.” Rm 3,24: “Ser justi cado livremente por Sua
graça, através da redenção que está em Jesus Cristo (διὰ τῆς ἀπολυτρώσεως)”. Cf. Ef 1,7; Col 1,14;
1Cor 6,20; 1Pd 1,18; Ap 5,9. A escravidão da qual Cristo comprou a humanidade através de Sua
morte sacri cial é a escravidão do pecado (Tt 2,14: “O qual se deu a si mesmo por nós para nos
remir de toda a iniqüidade”; cf. Ef 1,7; Col 1,14; Hb 9,12ss), a escravidão da lei mosaica (Gal 3,13:
“Cristo nos resgatou da maldição da lei”; cf. Gal 4,5; Rm 7,1ss.), a escravidão do diabo (Col 1,13:
“O qual nos tirou da potestade das trevas” cf. 2,15; Hb 2,14) e a escravidão da morte (2Tm 1,10: “o
qual aboliu a morte”
c 2.2 Cristo indica o poder expiatório de Sua morte na inauguração da Eucaristia: “Este é o
meu sangue do Novo Testamento, que deve ser derramado para muitos para a remissão do
pecado” (Mt 26,28). São Paulo atribui a reconciliação dos pecadores com Deus, que é a restauração
da relação original da criança com o pai e da amizade com Deus, pela morte de Cristo. Rm 5,10:
“Quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de Seu Filho.” Col. 1, 20:
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“Agradou bem ao Pai através Dele (Cristo) para reconciliar todas as coisas consigo mesmo, fazendo
a paz através do sangue de Sua Cruz”, cf. 2Cor 5,19; Ef 2,13ss. ; 1Pd 3,18; 1Jo 1,7; 2, 2; 4,10.
Desde o início, os Padres insistem nas ideias bíblicas de resgate e expiação. Santo Irineu,
apelando para as passagens da Epístola aos Efésios (1,7; 2,13ss.), diz: “Como entre Ele (Cristo) e nós
existe uma comunhão (ou seja, a comunhão da carne e do sangue), o Senhor reconciliou a
humanidade com Deus, reconciliando-nos através do corpo de Sua carne e nos resgatou através de
Seu sangue”. (Adv. haer. V 14, 3)

3. Teorias Patrísticas Inadequadas da Redenção


A partir dos esforços para explicar o dogma da Redenção especulativamente, várias teorias
da Redenção se desenvolveram nos tempos patrísticos.
A) Santo Irineu de Lyons († cerca de 202) iniciou a chamada teoria da recapitulação ou teoria
mística da Redenção, que, a partir de Ef 1,10 (ἀνακεφαλαιώσασθαι = recapitular : Vulgata:
instaurar) ensina que Cristo como o segundo Adão, salvou e uniu a Deus toda a raça humana.
Nesta visão, a salvação do homem já havia ocorrido em princípio através da Encarnação do Filho
de Deus. Junto a essa teoria que deu à Paixão e à Morte de Cristo apenas um signi cado
subordinado, Santo Irineu também expõe o ensinamento paulino de resgate e reconciliação através
da morte de Cristo na Cruz. Cf. Adv. haer. III 16, 9; IV 5, 4; V 1, 1ss; 14, 2-5; 16, 3; 17, 1.
B) Orígenes († 254) mudou o ensinamento paulino do resgate do homem do domínio do
diabo para uma teoria não bíblica do resgate. Ele sustentava que o diabo, pelo pecado de Adão,
havia adquirido um domínio formal sobre a humanidade. Em ordem de libertar a humanidade
dessa tirania Cristo deu sua vida ao diabo como resgate mas o diabo foi enganado, pois não foi
capaz de manter por muito tempo seu domínio da morte sobre Cristo. Outros explicaram que o
diabo perdeu seu domínio sobre a humanidade, tentando injustamente estender esse direito a
Cristo também. Apesar do fato de que esse erro foi generalizado, o ensino patrístico manteve-se
furiosamente com o ensinamento bíblico da reconciliação do homem com Deus através da morte
de Cristo na Cruz. A noção de um domínio do diabo sobre a humanidade caída foi energicamente
refutada por Santo Anselmo de Cantuária.

d. Expiação Vicária de Cristo


d 1. A Noção de Expiação
Por expiação em geral entende-se a satisfação de uma demanda. No sentido mais restrito,
signi ca a reparação de um insulto. Esta ocorre através de um voluntário desempenho que supera
a injustiça feita. Se tal desempenho através de seu valor intrínseco contrabalança completamente a
crueldade da culpa de acordo com as exigências da justiça, a expiação é adequada ou de valor
total; se não é proporcional à crueldade da ofensa e é aceita como su ciente puramente por
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consideração graciosa, é inadequada ou não de valor completo. Se a expiação não for realizada
pelo próprio infrator, mas por outro em seu lugar, é expiação vicária (satisfactio vicaria).

d 2. Realidade da Expiação Vicária de Cristo


Cristo, através de Seu Sofrimento e Morte, fez expiação vigária a Deus pelos pecados do
homem. O Concílio de Éfeso ensina com São Cirilo de Alexandria: “Se alguém disser que Ele
(Cristo) ofereceu a oblação por Si mesmo, e não apenas por nós, que ele seja anátema.” O Concílio
de Trento diz de Jesus Cristo: “Quem por sua mais sagrada Paixão sobre a cruz ofereceu satisfação
por nó a Deus Pai”. O Concílio Vaticano I pretendia elevar o ensinamento da satisfação vicária de
Cristo ao status de um dogma formal. A Sagrada Escritura contém o ensinamento da expiação
vicária, não explicitamente, mas por implicação. Isaías (53,4ss.) prediz do Servo de Deus, ou seja,
do Messias, que Ele, o Sem Pecado, pelos nossos pecados e em nosso lugar, sofreria e morreria
como um cordeiro inocente de sacrifício, para obter para nós paz e justi cação. Cristo expressou a
ideia da expiação vicária nas palavras: “O Filho do Homem veio ... para dar à Sua vida uma
redenção para muitos" (Mt 20,28). “Eu dou minha vida pelas minhas ovelhas” (Jo 10,15). A noção
de expiação vicária aparece distintamente em São Paulo também 2Cor 5,21: “Aquele que não
conheceu o pecado, Ele se fez pecado por nós: para que possamos ser feitos a justiça de Deus nele”
Gal 3,13: “Cristo nos redimiu da maldição da lei, sendo feito maldição por nós.” De acordo com
Rm 3,25ss., a justiça de Deus é revelada na demanda e aceitação do sacrifício de expiação vicário
de Cristo, “para a revelação de Sua justiça”. Cf. 1Pd 2,24; 3,18.
Desde o início, os padres da Igreja estavam familiarizados com a ideia da expiação vicária de
Cristo. Discípulo dos Apóstolos, São Clemente de Roma, comenta: “Por causa do amor que Ele
tinha por nós, Nosso Senhor Jesus Cristo, de acordo com a vontade do Pai, deu Seu sangue por
nós, Sua carne por nossa carne e Sua alma por nossas almas” (Epístola aos Coríntios 49, 6). Cf. Carta
a Diogneto, 9, 2.
Santo Anselmo de Cantuária († 1199) em seu diálogo Cur Deus Homo penetrou
especulativamente e construiu uma teoria sistemática da Redenção sobre a ideia da expiação
vicária de Cristo, que se baseia nas Escrituras e na tradição. Enquanto os Padres, na explicação da
obra de santi cação de Cristo, procedem mais da contemplação das consequências da Redenção e,
portanto, enfatizam o lado negativo da Redenção, ou seja, o resgate da escravidão do pecado e do
diabo, Santo Anselmo procede da contemplação da culpa do pecado. Isso, como um insulto
oferecido a Deus, é in nito e, portanto, exige uma expiação in nita. Tal expiação, no entanto, pode
ser alcançada apenas por uma Pessoa Divina. Para ser capaz de representar assim a humanidade,
essa pessoa deve ser, ao mesmo tempo, homem e Deus.

d 3. A Perfeição Intrínseca da Expiação de Cristo


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d 3.1 A Expiação Vicária de Cristo é adequada ou de pleno valor, em razão de seu mérito
intrínseco. Quando a Sagrada Escritura designa o precioso sangue de Cristo, ou o desiste de Sua
vida, como um resgate por nossos pecados, o pensamento básico é que a expiação oferecida é de
igual valor à culpa dos pecados. Cf. 1Pd 1,19; 1Cor 6, 20 ; 1Tm 2,6.
A razão intrínseca da adequação da expiação de Cristo está na União Hipostática. As ações
de Cristo possuem um valor in nito intrínseco, porque o principium quod é a Pessoa Divina do
Logos. Assim, a expiação de Cristo foi, através de seu valor intrínseco, su ciente para
contrabalançar o insulto in nito oferecido a Deus, que é inerente ao pecado. De acordo com o
ensinamento dos escotistas e dos nominalistas, era adequado apenas em virtude da aceitação
externa de Deus.
d 3.2 A Expiação Vicária de Cristo é superabundante, ou seja, o valor positivo da expiação é
maior do que o valor negativo do pecado. O Papa Clemente VI declarou na Bula do Jubileu
Unigenitus Dei lius do ano de 1343, que Cristo havia derramado seu sangue copiosamente, por
assim dizer, em riachos, mesmo que uma pequena gota de sangue, por causa da união hipostática
com o Logos, teria sido su ciente para a Redenção de toda a raça humana.
No paralelo entre Adão e Cristo (Rm 5,12ss.) São Paulo ensina que a medida da bênção que
parte de Cristo ultrapassa a medida da maldição que parte de Adão. v.20: “Onde quer que os
pecados aumentem, a graça tornou-se superabundantemente copiosa.”
São Cirilo de Jerusalém diz: “A injustiça de pecadores não era tão grande como a Justiça Dele
que morreu por nós; nós não pecamos à extensão do que Ele transcende através da justiça, ao dar
Sua vida por nós” (Cat. 13, 33). Cf. São João Crisóstomo In ep. ad Rom. 10, 2.

d 4. A Perfeição Externa da Expiação de Cristo


d 4.1 Cristo não morreu apenas pelos predestinados.
d 4.2 Cristo morreu não apenas pelos éis, mas por toda a humanidade, sem exceção.
No ano de 1653, o Papa Inocêncio X condenou como herética a proposição de que Cristo
morreu exclusivamente pela salvação dos predestinados. No ano de 1690, o Papa Alexandre VIII
rejeitou a a rmação de que Cristo ofereceu a Si mesmo a Deus apenas pelos éis. O Concílio de
Trento: “Uma vez que o Pai Celestial enviou Seu Filho aos homens para que Ele pudesse redimir
os judeus que estavam sob a Lei e para que os gentios que não seguiam a justiça pudessem receber
justiça e que todos pudessem receber a adoção de lhos. Ele Deus propôs ser a propiciação através
da fé no seu sangue por nossos pecados e não apenas pelos nossos mas pelos do mundo inteiro.”
A Sagrada Escritura claramente ensina que a universalidade da obra da Redenção e com ela
indiretamente a expiação de Cristo. 1Jo 2,2: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” Cf. Jo 3,16ss.; 11,51ss; 2Cor 5,15: “E ele
morreu por todos”. 1Tm 2,6: “O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos”.
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Os Padres que vivem antes da eclosão da controvérsia pelagiana ensinam unanimemente
tanto a generalidade da vontade de santi cação de Deus quanto a generalidade da expiação vicária
de Cristo. São Clemente de Roma escreve: "Vamos ver o sangue de Cristo e perceber o quão
precioso é para Deus, Seu Pai, porque ele, derramado para nossa salvação, trouxe a graça do
arrependimento ao mundo inteiro” (Cor 7, 4). Cf. Santo Irineu Adv. haer. III 22, 4. Na Sexta-feira
Santa, o dia comemorativo da morte de redenção de Cristo, a Igreja ora pela salvação de toda a
humanidade.
A universalidade da expiação vicária de Cristo refere-se apenas à Redenção objetiva. Cristo
fez expiação su ciente para todos os homens, sem exceção. A apropriação subjetiva dos frutos da
Redenção é, no entanto, dependente do cumprimento de certas condições, da fé (Mc 16,16) e da
observação dos Mandamentos (Hb 5, 9; 2Pd 1,10). Assim, os Estudantes distinguem entre
su cientia (adequação) e e cacia (e cácia, sucesso) da expiação, e ensinam que Cristo ofereceu
expiação para toda a humanidade, secundum su cientiam, mas não secundum e caciam. Em outras
palavras: primeiramente, a expiação de Cristo é universal; e em segundo lugar, é particular.
d 4.3 A Expiação de Cristo não se estende aos anjos caídos. O ensinamento de Orígenes,
segundo o qual a restauração de todas as coisas (apokatastasis; cf. At, 3, 21) em virtude da Expiação
de Cristo também libertará os anjos caídos do inferno, foi rejeitado como heresia por um Sínodo
em Constantinopla. Isso contradiz a natureza eterna das dores do inferno, que é claramente
atestado na Sagrada Escritura. Cf. Mt. 25, 46; 18, 8; 3, 12; 2Tes 1,9.

e. Méritos de Cristo
e 1. A Noção de Mérito
Por mérito entende-se um trabalho concluído em benefício de outro sobre quem estabelece
uma reivindicação de recompensa, ou a reivindicação de recompensas baseada no trabalho. De
acordo com a recompensa devido em justiça ou meramente por graça, o mérito é um meritum de
condigno ou um meritum de côngruo. A obra de Cristo de redenção é, ao mesmo tempo,
satisfatória e meritória, na medida em que, por um lado, remove a relação de culpa entre a
humanidade e Deus e, por outro lado, estabelece uma reivindicação de recompensa por parte de
Deus.

e 2. Meritoridade da Paixão e Morte de Cristo: Cristo, através de Sua Paixão e Morte, mereceu a
recompensa de Deus.
O Concílio de Trento ensina que a origem do mérito da justi cação de Jesus Cristo é que Ele,
através de Sua Santíssima Paixão, mereceu a justi cação para nós. O mesmo Conselho estabelece
que o pecado original é removido apenas pelos méritos de Cristo, e que através do Batismo os
méritos de Cristo são aplicados a adultos e crianças. A Sagrada Escritura não usa a palavra
“mérito”, mas ensina explicitamente a doutrina do mérito de Cristo. Cf. Fil. 2, 9: “por aquela causa
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(tornando-se obediente até a morte) Deus O exaltou.” Hb 2,9: “Vemos, porém, coroado de glória e
de honra aquele Jesus que fora feito um pouco menor do que os anjos, por causa da paixão da
morte, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todos”. A exaltação é a recompensa de
Sua obediência no sofrimento.
O mérito das ações de Cristo pode ser especulativamente estabelecido em razão do fato de
que todas as condições de um mérito verdadeiro e adequado foram cumpridas. Eles eram livres,
moralmente bons, sobrenaturais, realizados no estado de peregrinação terrena e no estado de
graça, e tinham a Divina promessa de recompensa (Is 53, 10). Como ações de uma Pessoa Divina,
eles possuíam um valor meritório in nito. Como toda a obra da vida de Cristo, não apenas Sua
Paixão e Morte, tem um valor expiatório, também é meritório.

e 3. Objeto do Mérito de Cristo


e 3.1. Cristo mereceu por Si mesmo a condição de exaltação (Ressurreição, Trans guração do
corpo, Ascensão ao Céu. Cf. Fil 2, 8ss.; Hb 2, 9; Jo 17, 4; Lc 24, 26; Ap 5, 12, os Padres Latinos,
relendo com Fil 2, 8ss., falam dos méritos da humildade e da obediência, e designam a glori cação
de Cristo como Sua recompensa e remuneração. Santo Hilário de Poitiers diz: “Por conta do mérito
da humildade (ob humilitatis meritum) Ele recupera a forma de Deus na baixeza que Ele assumiu”
(In Ps. 53, 5). Santo Agostinho comenta: “Através da humilhação, ele mereceu a trans guração. A
trans guração é a recompensa pela humilhação” (In loan. tr. 104, 3). Cf. S.Th. III 19, 3.

e 3.2. Cristo merecia todas as graças sobrenaturais recebidas pela humanidade decaída. O
Decretum pro Jacobitis declara que “ninguém foi libertado do poder do Diabo, exceto pelos méritos
do mediador Jesus Cristo”. De acordo com o ensinamento do Concílio de Trento, "ninguém pode
ser justo se os méritos da Paixão de Cristo não forem comunicados”. É uma doutrina fundamental
a de São Paulo de que a salvação só pode ser adquirida pela graça merecida por Cristo. Rm 3,24ss;
5,15ss; 7,24ss.; Ef 2, 4ss. O Apóstolo St. Pedro testemunhou perante o Conselho Superior: “Nem há
salvação em nenhum outro.” At 4, 12. Os Padres da Igreja designam a graça sobrenatural como
gratia Dei per Jesus Christum ou gratia Christi. A palavra meritum é aplicada na literatura patrística
ao mérito que Cristo adquiriu apenas por Si mesmo.
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3. A Conclusão gloriosa da obra da Redenção de Cristo
a) Cristo nos Infernos
b) A Ressurreição de Cristo
c) A Ascensão aos Céus

A Exaltação de Cristo

I. A Descida de Cristo ao Inferno (à mansão dos mortos): Após Sua Morte, a alma de Cristo, que foi
separada de Seu corpo, desceu para o submundo
O submundo é o lugar de detenção para as almas do justo da era pré-cristã, o chamado
vestíbulo do inferno. A versão tardia do Credo dos Apóstolos (século V) contém o artigo: descendit
ad inferos; da mesma forma, o Credo Quicumque (D.75-76). O IV Concílio do Latrão (1215) declara
mais explicitamente: descendit ad inferos, ... sed descendit in anima (desceu aos infernos … mas desceu
em alma).
A doutrina da descida de Cristo aos infernos, como o racionalismo sustenta, não se inspira
nos mitos pagãos, mas na Revelação do Antigo Testamento da condição intermediária entre a
morte e a ressurreição, na qual as almas que partem permanecem no submundo (Xeol). Em relação
à Sua permanência no submundo durante o período entre a morte e a ressurreição, Jesus diz: “Pois
como Jonas estava na barriga da baleia três dias e três noites, é preciso que o Filho do homem
permaneça no coração da terra três dias e três noites (Mt 12,40). A expressão “coração da terra”
(καρδία τῆς γῆς) não signi ca o túmulo, mas o submundo, que foi visualizado como sendo
localizado no interior da terra, como estava em seu coração. Esta interpretação é apoiada pelo
paralelo a Jn 2, 3 (“barriga do inferno”) (κοιλία ᾅδον), bem como pela visualização do Antigo
Testamento de que o ponto de partida da ressurreição é o submundo, o lugar de detenção das
almas que partiram. São Pedro, falando da Ressurreição de Cristo, diz: “Deus O ressuscitou tendo
solto as tristezas do inferno (do império da morte), pois era impossível que Ele fosse mantido pela
morte.” At 2, 24. A dissolução da "destruições da morte" (de acordo com outra forma de leitura:
“dos ventos de Hades") é um símbolo da libertação dos mortos do submundo (cf.4Esdr 4, 41 ; Col.
1,18: “O primogênito dos mortos”). Referindo-se à passagem do Salmo 15,10 “pois não deixarás a
minha alma no infernos, nem permitirás que o teu Santo veja a corrupção”, nós lemos: “prevendo
isso, Ele (Davi) falou da Ressurreição de Cristo, porque nem Ele foi deixado no inferno: nem Sua
carne viu corrupção” (At 2, 31).
São Paulo em Rm 10,6ss. testemunha a permanência de Cristo no submundo: “Mas a justiça
que é pela fé diz assim: Não digas em teu coração: Quem subirá ao céu? (isto é, a trazer do alto a
Cristo) ou: Quem descerá ao abismo? (isto é, a tornar a trazer dentre os mortos a Cristo).” Também
é notável a fórmula que estava em uso frequente: ”Para ressuscitar ou levantar ou da morte” (ἐκ
fi
νεκρῶν), e que em sua aplicação a Cristo a rma que Sua alma antes da Ressurreição estava no
Império dos Mortos, ou seja, no submundo.
A passagem Ef 4, 9: “Ora, isto - ele subiu - que é, senão que também antes tinha descido às
partes mais baixas da terra? Ele ascendeu’ o que é isso, mas porque Ele também desceu para as
partes mais baixas da terra?" É, de acordo com o contexto, ser entendido, não da descida de Cristo
ao submundo, mas de Sua descida na Encarnação do céu “para as partes inferiores da terra”. A
interpretação da passagem 1Pd 3,19ss.: “Em que (=no espírito) também vindo Ele pregou a esses
espíritos que estavam na prisão que tinham sido algum tempo (nos dias de Noé) incrédulos”, é
incerta; no entanto, a incerteza não se refere tanto ao fato quanto ao propósito da descida de Cristo
ao submundo.
A tradição testemunha por unanimidade o fato da descida de Cristo ao submundo. Santo
Inácio de Antioquia escreve que Cristo havia “despertado os Profetas dos mortos, que eram Seus
discípulos em espírito, e que O aguardavam como seu professor em Sua chegada” (Magn. 9, 2). São
Justino e Santo Irineu citam uma passagem apócrifa em Jeremias, na qual eles vêem a descida de
Cristo ao inferno: ”O Senhor, o Santo Deus de Israel, pensado Ele de Sua morte que dormiu na
terra da sepultura, e Ele desceu até eles para anunciar-lhes a salvação.” (Santo Irineu, Adv. haer. IV
33, 1, 12 e V 31, 1: “A m de liberá-los e salvá-los”). Cf. São Justino, Diálogos 72; 99; Santo Irineu
Adv. haer. III 20, 4; IV 22, 1; IV 33, 1. 12; V 31, 1 (com prova bíblica) ; Epid. 78. Tertuliano, De anima 7;
55. Santo Hipólito, De antichristo 26, 45. Santo Agostinho atesta a fé original da Igreja ao dizer:
“Quem além de um incrédulo pode negar que Cristo estava no submundo?” (Ep. 164, 2, 3). Além
disso, a literatura apócrifa testemunha a crença da Igreja na descida de Cristo ao Inferno. Compare
as Odes de Salomão (uma composição cristã do século II d.C.) Nos. 17 e 42.
O propósito da descida ao Inferno foi, de acordo com o ensinamento geral dos teólogos, a
libertação do justo no Limbo pela aplicação dos frutos da Redenção, ou seja, pela comunicação da
Visão Beatí ca. Cf. S. th. III 52, 5; Cat. Rom. I 6, 6.

II. A Ressurreição de Cristo


1. Dogma: No terceiro dia após Sua Morte, Cristo ressuscitou gloriosamente dos mortos. A
Ressurreição de Cristo é uma verdade básica do cristianismo, que é expressa em todos os símbolos
da Fé e em todas as regras da Fé da Igreja antiga.
Cristo, como enfatiza o Décimo Primeiro Sínodo de Toledo (675), ressuscitou através de Seu
próprio poder (virtute propria sua). A fonte de Sua Ressurreição é a União hipostática. A Principal
Causa da Ressurreição foi a Palavra, junto com o Pai e o Espírito Santo; a Causa Instrumental eram
as partes da humanidade de Cristo, alma e corpo que estavam hipostaticamente unidas com a
Divindade. Quando a Sagrada Escritura (por exemplo, At 2, 24; Gal 1, 1) a rma que Cristo foi
ressuscitado por Deus ou pelo Pai, essas a rmações devem ser tomadas como se referindo à Sua
humanidade. Cf. Cat. Rom. I, 6, 8.
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Todas as formas de racionalismo nos tempos antigos e modernos (hipótese de engano,
hipótese de morte aparente, hipótese de visão), negam a Ressurreição de Cristo. Compare a
condenação do Modernismo pelo Papa Pio X. D. 3401ss.

2. Fundação: No Antigo Testamento, a Ressurreição de Cristo é, de acordo com a exposição


de São Pedro e São Paulo (At 2, 24ss.; 13, 35ss.), anunciado em Sl 15, 10: “Porque não deixarás a
minha alma no inferno nem darás o teu santo para ver a corrupção.” A Ressurreição do Messias é
pressuposta também em Is. 53,10: O servo de Deus que se deu como sacrifício por culpa “verá uma
semente de longa duração (terá uma posteridade duradoura)” e executará o plano do Senhor.
Cristo de nitivamente profetizou que ressuscitaria dos mortos no 3º dia após sua morte. Cf.
Mt 12,40; 16,21; 17,22; 20,19; 27,63; 28,6; Jo 2,19. A realidade da ressurreição é provada pelo fato do
túmulo vazio - uma remoção furtiva do cadáver estava, nas circunstâncias, fora de questão - e das
muitas aparições durante as quais Jesus falou com Seus discípulos, permitiu que Ele fosse tocado
por eles e comia com eles. Cf. Mt 28; Mc 16; Lc 24; Jo 20-21 ; 1Cor 15, 3ss.; A Ressurreição de Cristo
é o centro do ensinamento doutrinário apostólico. Os Apóstolos dão um forte testemunho da
Ressurreição do Senhor Jesus Cristo; cf. At 1, 22; 2, 24. 32; 3, 15; 13, 30ss.; 17, 3. 18; 26, 23.
O Corpo do Cristo Ressuscitado estava em um estado de glória, como é evidente a partir de
um estudo das circunstâncias das aparências e da supremacia do Cristo Ressuscitado sobre os
laços do espaço e do tempo. O Cristo Ressuscitado reteve as feridas em seu corpo Trans gurado
como sinais do seu triunfo sobre a morte. Jo 20,27: “Põe seu dedo aqui e veja minhas mãos. E traga
sua mão aqui e coloque-a do meu lado e não seja in el, mas crente.”
Os Padres da Igreja atestam a Ressurreição do Senhor com grande ênfase e com total
unanimidade contra o materialismo pagão e contra a incredulidade judaica.

3. Signi cado: Para o próprio Cristo, a Ressurreição foi a entrada na condição de Glória, que
foi a recompensa por Sua auto-rebaixamento no sofrimento.
Do ponto de vista soteriológico, a Ressurreição, ao contrário da Morte de Cristo, não é a
causa meritória da nossa Redenção, mas é a conclusão vitoriosa da obra da Redenção. Pertence, no
entanto, à completude da Redenção e, portanto, está associada nas Sagradas Escrituras, à morte na
Cruz, como um todo completo. Cf. Rm 4, 25. É o modelo da nossa Ressurreição espiritual do
pecado (Rm 6, 3ss.) e o modelo e a promessa da ressurreição de nossos corpos (1Cor 15, 20ss.; Fil 3,
21).
Do ponto de vista apologético, a Ressurreição é o maior de todos os milagres de Cristo e,
como a realização da profecia, a prova mais forte da verdade de Seus ensinamentos. Cf. 1Cor 15,
14ss.

III. A Ascensão de Cristo ao Céu


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1. Dogma: Cristo ascendeu de corpo e alma ao céu e sentou-se à direita do Pai.
Todos os Credos de acordo com o dos Apóstolos confessam: ascendit ad coelos, sedet ad
dexteram Dei Patris omnipotentis (ascendeu aos céus, sentou-se à direita de Deus Pai onipoitente). O
Caput Firmiter diz mais exatamente: ascendit pariter in utroque (ascendeu igualmente ambos, i.é., na
alma e na carne).
Cristo ascendeu ao Céu de Seu próprio poder e de fato como Deus no Poder Divino e como
homem no poder de Sua alma trans gurada que move Seu corpo trans gurado. Em relação à
natureza humana de Cristo, também se pode, seguindo as Escrituras, a rmar que ela foi levada ou
elevada ao Céu (por Deus) (Mc 16, 19; Lc 24, 51; At 1, 9. 11). Cf. S. th. III 57, 3 ; Cat. Rom. I 7, 2.
O racionalismo se opõe a esse dogma e procura explicar a origem da crença na Ascensão por
um empréstimo do Antigo Testamento (Gn 5, 24; tomada de Enoque; 2Rs 2, 11; ascensão de Elias)
ou da mitologia pagã, mas ao fazê-lo omite ver as diferenças básicas. A semelhança, se houver, de
forma alguma signi ca dependência. O testemunho de nitivo da era apostólica não deixa espaço
para a formação de lendas.

2. Fundação: Cristo predisse Sua Ascensão (cf. Jo 6, 63; 14, 2; 16, 28; 20, 17) e realizou isso no
quadragésimo dia após Sua Ressurreição na presença de muitas testemunhas. Mc 16, 19: “E o
Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi levado para o Céu e senta-se à direita de Deus.” Cf.
Lc 24, 51; 1Pd 3, 22.
Os Padres dão testemunho unânime da Ascensão de Cristo. Todas as antigas regras da Fé
mencionam isso junto com a Morte e a Ressurreição, Cf.Santo Irineu, Adv. haer. I 10, 1; III 4, 2;
Tertuliano, De praescr. 13 ; De virg. vel. I ; Adv. Prax. 2; Orígenes, De princ. Eu praef. 4.
A expressão bíblica “sentar-se à direita de Deus”, que remonta ao Sl 109, 1 e que é
frequentemente usado nas Epístolas dos Apóstolos (Rm 8, 34; Ef 1, 20; Col 3, 1; Hb 1, 3; 8, 1; 10, 12;
12, 2; 1Pd 3, 22) a rma que Cristo, elevado em Sua humanidade acima de todos os anjos e santos,
ocupa um lugar de honra e participa da honra e da glória, e do poder jurídico e judicial de Deus.
Cf. São João Damasceno, De de orth. IV 2.

3. Signi cado: Do ângulo cristológico, a Ascensão signi ca a elevação nal da natureza


humana de Cristo à condição de glória Divina.
Do ponto de vista soteriológico, é a conclusão culminante do trabalho da Redenção. De
acordo com o ensinamento geral da Igreja, as almas do justo da era pré-cristã também se moveram
com o Salvador para a glória do Céu. Cf. Ef 4, 8 (após Sl 67, 19). “Ele ascendeu no alto; Ele fez do
cativeiro, cativo” (Ascendens in altum captivam duxit captivitatem). No Céu, Ele prepara um lugar
para os que são Seus (Jo 14, 2ss.), intercede por eles (Hb 7, 25); “Sempre vivendo para fazer
intercessão por eles" (Vulgata: para nós) (Hb 9, 24;Rm 8, 34; 1Jo 2, 1) e lhes envia dons de Sua graça,
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especialmente o Espírito Santo (Jo 14,16; 16,7). No m do mundo Ele virá novamente com grande
poder e glória para julgar o mundo (Mt 24, 30). A Ascensão de Cristo é o arquétipo e a promessa de
nossa própria ascensão ao Céu. Ef 2,6: “em Cristo Jesus” (que é a causa de nossa união mística com
Cristo, a Cabeça). “Ele nos levantou juntos e nos fez sentar juntos nos lugares Celestiais.”

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