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A LENDA DO FOGO
Copyright © by Florencio Rekayg Fernandes
ISBN: 978-65-86967-48-7
CDD: 306.089
2022
PĨ TO KÃMÉN
Kanhgág ag mỹ tóg jagy tĩgtĩ Minarã jykre ti. Hãra kyjẽn ũn kyrũ , ka-
nhró mré jykre há, ti jyjy ã vỹ Fiietó he mũ, kỹ tóg Minarã tỹ nén ven tũg ẽn
ki kanhrãn sór mũ. Kỹ tóg vẽsỹ Sãgsó kupri han mũ kỹ tóg ti ĩn ra tĩ mũ ti pĩ
tỹ gru nĩ ẽn tá.
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Ti fẽr tóg sir kãgãg tỹ mrãnh ke mũ, Fiietó tóg sir pĩ gru vãn kỹ tĩ mũ.
Kỹ tóg ã rã hã. Fág féj tóg grug mũ sir ti tỹ tĩ pẽ to ven kỹ.
Kỹ pĩ gru ẽn tóg kufy pẽ tĩ, vãn kỹ tĩ ũ, kỹ tóg sir tag tugrĩn, nẽn mág
ẽn pũn mág han mũ, kỹ ag tóg pĩ kónhko gé mũ mũ ãjag ĩn ra, kỹ ag tóg sir
pĩ nĩ nĩ he mũ.
Kỹ sir pũr mág han kar kỹ, nẽn mág tóg sir pũr ja nĩ kỹ ẽg tóg ga tag
ag to: Campos Gerais he tĩ, campos de Palmas he tĩ kara Campos de Guara-
puava he tĩ.
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A LENDA DO FOGO
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Tão logo suas penas de ave secaram, Fiietó pegou uma brasa com o
bico e fugiu. Mais adiante, pousando no galho de um pinheiro reavivou a
brasa e com ela pôs fogo em uma grimpa.
Como o ramo era muito pesado, era difícil transportá-lo pelo mato,
o que acabou provocando um incêndio. Os Kaingang aproveitaram para
levar tições para suas casas. Desde então, passaram a ter suas próprias fo-
gueiras sempre acesas.
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TATAYPY RÃ REGUA RE
Koroaro kuery voi ndoayvu porãi havei Minarã pe. Ha’erã ma peteĩ
ara ma peteĩ kunumi hi’arandu va’e Fiietó, oikuaa pota ma Minarã arandu,
ha’erã ma oikuaa ma mba’exa pa ojapo tataypy re.
Ka’erã ma ha’epy ojou Iaravi ojau oinỹ rã, yakã goio py - xopin
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Ha’evy mamje onhemombo yy py, ha’e oeja yy xyry ogueraa aguã
kunha va’ea katy, ha’evy kunha oexa ava va’e inhakymba rã, ha’evy mamje
ogueraa guataypypy.
Hare ỹ ĩ re ipepo ipirupa, Fiietó ojopy peteĩ tãpyĩ ha’e ojava ovy,
ha’evy ka’aguyre ma opytu’u vy omoendy pinho rakãgue re.
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THE FIRE TALE
In the land of the Kaingang, nobody knew how to make fire, therefo-
re nobody benefited from it. Nobody but Miranã, an indigenous one from a
strange race that kept the fire in their fireplace and was always guarded by
their daughter, Iaravi, who looked after it as a treasure.
The Kaingang did not accept this kind of selfishness. Until one day,
a young one, Fiietó, intelligent and cunning, decided to find out Minarã’s
secret. The young one morphed into a white jackdaw and went to the area
where the fire burned inside Minarã’s hut.
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beautiful Iaravi, who saw the poor wet jackdaw and took it near the fire for
warmth.
As soon as its feathers dried out, Fiietó grabbed an amber with its
bick and flew away. Further up, landing on a branch of a pine tree, it revi-
ved the amber and set fire to a pine vine.
Since the vine was rather heavy, making it difficult to carry through
the woods, the bird ended up causing a wildfire, thus taking the opportuni-
ty to get some embers to its people’s homes, which ended up having their
own fires ever since.
After the wildfire, extensive forest areas became the fields we know
today: the Gerais fields, the Palma fields and the Guarapuava fields.
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LA LEYENDA DEL FUEGO
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vio a la pobre ave totalmente empapada y la recogió, trayéndola para junto
del fuego.
En cuanto sus plumas de ave se secaron, Fiietó tomó una brasa con
el pico y huyó. Más adelante, posando en la copa de una araucaria, reavivó
la brasa y con ella prendió fuego a una rama.
Como la rama era muy pesada, era difícil transportarla por la mata,
y, a causa de eso, acabó iniciando un incendio. Los Kaingang aprovecharon
la ocasión para apoderarse de las chispas. Desde entonces sus chozas pa-
saron a tener su propio hogar, siempre encendido.
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LA LÉGENDE DU FEU
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la ravissante jeune fille. Elle vit le pauvre oiseau trempé, le sortit de l’eau et
l’amena auprès du feu.
Dès que ses plumes d’oiseau séchèrent, il prit une braise avec son
bec et s’enfuit. Un peu plus loin, se posant sur la branche d’un pin, il raviva
la flamme et mit le feu à un brin sec.
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Sou Florencio Rekayg Fernandes, do povo Kaingang,
marca tribal Kamẽ (rá téj). Nasci em 31 de dezembro de 1976,
na Terra Indígena de Rio das Cobras, cidade de Laranjeiras do
Sul, filho de Silvio Kaginh Fernandes e de Dona Judite Fygso
Fernandes. Sou casado com Fabieli Wollinger de Almeida Fer-
nandes, indígena do povo Xokleng, e tenho três filhos. Convo-
cado pelas lideranças indígenas da Terra Indígena de Rio das
Cobras para assumir umas das vagas de professor na Escola
Indígena Coronel Nestor da Silva, fiz o curso de magistério
e assim pude me aprofundar na função. Fiz Graduação em
Pedagogia na Universidade Católica Diocesana do Sudoeste
(concluída em 2004) e tornei-me especialista em Orientação, Supervisão e Gestão Es-
colar pelas Faculdades Integradas Camões. Em 2016, me tornei Mestre em Educação
pelo programa de pós-graduação em Educação na Universidade Estadual de Maringá
(UEM). Atuei como professor no curso de formação de docentes indígenas na discipli-
na de didática de língua Kaingang, sou tradutor e intérprete de língua Kaingang pelo
Tribunal de Justiça do PR, além de ser professor pedagogo no Colégio Estadual Leôncio
Correia, em Curitiba (PR), pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná do Quadro
Próprio do Magistério. Atualmente também sou doutorando no Programa de Pós-Gra-
duação em Antropologia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Coleção Retomadas
A Universidade e seu conceito universal de criação do conhecimento foi e
ainda é centro de emanação dos propósitos e diretrizes dos invasores colonizado-
res do mundo moderno. Muitas vezes, cria conceitos que legitimam o mundo moder-
no, controlando, classificando e definindo nossos povos indígenas originários.
Por essa razão, esta instituição se torna instrumento operado pela coloniza-
ção para silenciar os saberes e ciências dos nossos povos indígenas originários. No
entanto, as universidades estão sendo instigadas pelos povos indígenas que têm
ocupado esses espaços a repensar e a pensar outros conceitos e formas de se rela-
cionar com a Terra, o que tem ampliado os debates acerca das cosmologias e dos
modos de vida.
A necessidade da ampliação desses debates não surge da boa vontade das
universidades e de seus operadores, mas, sim, da fustigante fricção do movimento
dos povos indígenas, que abrem espaço no meio universitário e trazem outras pers-
pectivas, expandindo as discussões acerca dos povos, da relação com a Terra, da
relação com a vida e da relação com o consumo. Nossos povos são povos cúmplices
da Terra, bem diferente do povo do mundo moderno que é o povo do consumismo.
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A questão cosmológica dentro das universidades vem ganhando visibilida-
de, velocidade e força a partir de diferentes movimentos articulados pelos povos
indígenas originários. Hoje, de certa forma é bem mais comum tratar esse tema em
algumas universidades. Porém, nossas cosmologias ainda são abordadas a partir do
pensamento e cosmovisão dos invasores brancos, que teimam em querer nos ensi-
nar a como pensar a vida da mesma forma que eles pensam.
Essa é uma questão mal abordada pelos doutores das universidades, que
aludem a nossos povos numa perspectiva genérica do mundo moderno. Cada povo
é um mundo, uma cosmovisão, uma perspectiva. Cada povo tem uma maneira de
viver, sentir e perceber a Terra e o território onde está. Logo, para uma proposta de
aproximação e diálogo entre nossos povos e a Universidade é necessário que esta
entenda que nossos povos não são genéricos.
A Universidade em seu nome abriga o conceito do universal e nossos povos
são plurais. Para a universidade ampliar o debate com os povos indígenas originá-
rios, ela tem que rever seu conceito de universalidade. A partir da tentativa de diá-
logo entre universidades e povos indígenas podemos pensar como esse movimen-
to será importante para afirmar as retomadas das narrativas dos povos indígenas
originários. Com a ampliação do debate cosmológico, poderemos compor trocas
de conhecimentos, numa convivência entre nossos mundos indígenas e o mundo
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moderno. A Universidade pode deixar de ser um espaço de colonização e se tornar
um espaço de amplificação dos plurais modos de vida.
A proposta da Coleção Retomadas é apresentar e retomar outras perspecti-
vas de vida, sensibilidade e pensamento trazidos pelos povos indígenas originários,
por meio do a) questionamento da história oficial do mundo moderno, do b) relato
das experiências coletivas indígenas de sentir e perceber a Terra e da c) expansão e
apresentação das retomadas indígenas conceituais, buscando criar e ampliar áreas
de pensamento acerca da própria Universidade e para além dela.
Precisamos enxergar cultura além da visão de mercado, além de um ciclo
vicioso de reafirmação de um poder hegemônico e de epistemologias forjados das
correntes que nos amarram ao passado criado pelo colonizador e que, até hoje, nos
impedem de reconhecer outros modos de vida. Dar voz aos nossos parentes e asse-
gurar-lhes o direito de registrar suas vivências sob uma perspectiva sua, apresentar
cosmovisões de resistência que impulsionam nossa retomada por uma cosmologia
que respeite a vida e as diferenças, que lhes são naturais.
A Coleção Retomadas é fruto da coragem de romper estruturas e conven-
ções que insistem em nos apartar do que somos como condição para sermos ouvi-
dos. É um ato de insubmissão, em que nós indígenas nos desvencilhamos da con-
dição passiva, limitada e muda de objeto de estudo em que somos descritos por
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aqueles que não partilham de nossos mundos, para mostrar que também somos su-
jeitos que contribuem para a construção de saberes. É uma chamada de retomada,
um movimento pela pluralidade de conhecimentos que não podem ser acessados
por aqueles que não se permitem ver além da generalização das identidades artifi-
ciais que nos impuseram.
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