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“Passávamos o dia
juntos, discutindo tudo, falando de tudo.
versão
Agora, nos encontramos uma vez por semana.”
O mais consagrado estilista brasileiro precisou Há seis meses, Regina abriu com Arthur uma
abrir mão da estrutura familiar de sua
empresa. Demitiu até a mãe e o irmão para loja de roupas para bebês e gestantes. “Ela
aumentar as vendas, licenciar mais produtos e sofreu muito”, afirma Herchcovitch.
multiplicar o faturamento. Virou referência no
negócio da moda Regina e Arthur não foram os únicos
Ivan Padilha dispensados. Nesse período, Herchcovitch teve
de cortar outros 40 funcionários. A estrutura
da empresa, hoje com 54 empregados, entre
fábrica, escritório e lojas, ficou enxuta demais
para o enorme galpão construído em 2005 no
bairro da Barra Funda, na região central de
São Paulo. Foi lá onde Herchcovitch concedeu
a primeira das duas entrevistas a Época
NEGÓCIOS. Duas semanas depois, o ateliê-
fábrica foi transferido para o lugar onde
funcionava antes, na loja da rua Haddock
Os últimos dois anos foram os mais difíceis na Lobo, nos Jardins. A mudança aconteceu
vida do estilista Alexandre Herchcovitch. O pior enquanto Herchcovitch apresentava sua
momento, afirma, foi quando precisou demitir coleção na semana de moda de Nova York.
a mãe, Regina, e o irmão caçula, Arthur. Com Pior: a parte dos fundos da loja estava
a experiência de quem administrou durante emprestada a um amigo, o jornalista Renato
anos a própria confecção de lingerie, Regina de Cara, que havia montado lá uma galeria de
era uma espécie de faz-tudo no ateliê. “Eu arte e teve de sair às pressas. Herchcovitch
dizia quantas unidades de cada modelo seriam agora divide a sala três vezes menor com as
produzidas”, afirma Regina. “Tenho olho bom mesmas quatro pessoas de seu staff mais
para isso. Vejo as roupas na arara e digo: essa próximo: o braço direito Maurício Ianês, os
calça vai vender 500 peças, essa camisa vai estilistas Antônio Gomes e Stella Sunaga e o
vender 5 mil.” Simpática, doce no trato, era gerente de marketing, Daniel Raad. “Tinha um
adorada por todos os funcionários. Mãe e filho escritório nota 10. Agora é nota 4”, afirma.
trabalhavam juntos desde a criação da marca, “Tive de retroceder dez anos para continuar
em 1994, e são muito apegados. Herchcovitch avançando.”
não vai para a cama sem antes ligar para dar
boa-noite à mãe. Arthur cuidava das finanças O sacrifício da estrutura familiar foi o doloroso
da empresa. “Sinto muita falta da convivência preço pelo sucesso profissional. Os últimos dois
anos foram também os de maior crescimento. parte do capital dos sócios em ativos não
O bom momento pode ser medido por financeiros, de energia elétrica ao mercado
números, com os quais Herchcovitch tem imobiliário. “Entrar na área de consumo
muita familiaridade – quando criança, pedia sempre foi um desejo”, afirma Gabriel
para ter aulas particulares de matemática, sua Felzenszwalb, um jovem de 30 anos, nomeado
matéria favorita, mesmo tirando boas notas. CEO da InBrands. “Decidimos entrar no ramo
Em 2007, foram vendidas 50 mil peças das de vestuário de luxo por três razões: o público
duas linhas da marca, o prêt-à-porter, mais é fiel às marcas, é um mercado sem a
fino, e o jeanswear. O faturamento aproximado concorrência de grandes redes varejistas e as
foi de R$ 7,5 milhões. Em 2009, o volume foi empresas do setor são muito deficitárias, mas
um pouco maior, de 60 mil peças, mas o com grande potencial de crescimento.”
faturamento aumentou substancialmente, para
R$ 30 milhões. A diferença é resultado do SÓCIO CAPITALISTA
aumento do preço médio da roupa, de R$ 150 A formação de conglomerados da moda é uma
a unidade para os atuais R$ 500. Este ano, o tendência. A francesa LVMH controla as marcas
salto deve ser ainda maior. O crescimento das Louis Vuitton, Fendi e Marc Jacobs, entre
vendas nas lojas, nesses primeiros meses do outras. Sua principal concorrente, o grupo
ano, foi de 80%, na comparação com 2009, também francês PPR, gerencia grifes como
devido principalmente ao planejamento de Gucci, Yves Saint Laurent e Balenciaga. No
entrega e à estratégia de sortimento. Se esse Brasil, esse movimento dá os primeiros passos.
ritmo for mantido, a marca terminará o ano No início de 2008, antes de fechar com a
com 108 mil peças vendidas – o que InBrands, Herchcovitch chegou a divulgar a
representará um faturamento de R$ 54 venda de sua marca à holding Identidade
milhões. Moda. Controlada pelo grupo brasileiro de
investimentos HLDC, a I’M, como é chamada,
O sofrimento pessoal e a alegria profissional de já era dona da Zoomp, da Cúmplice e da Fause
Alexandre Herchcovitch, 38 anos, têm a Haten. “Acertamos um valor, mas na hora de
mesma origem: a sociedade com a InBrands, assinar me disseram que receberia 10% à vista
um agressivo conglomerado financeiro dirigido e o resto seria dividido em cinco anos”, conta
por executivos afeitos a cálculos e planilhas, Herchcovitch. “Soube que outros estilistas
mas sem intimidade com as agulhas. Em estavam com parcelas em atraso. Desisti do
agosto de 2008, Herchcovitch anunciou a negócio.” O acordo foi cancelado. Um mês
venda de 70% de sua empresa ao grupo. A depois, a InBrands procurou Herchcovitch. Em
holding é formada pelo PCP, braço de capital agosto de 2008, a nova sociedade foi
de risco do banco UBS Pactual, e o empresário anunciada e a vida do estilista, para o bem e
Nelson Alvarenga, dono da grife Ellus. Desde o para o mal, nunca mais seria a mesma.
início dos anos 2000, o Pactual vem investindo
Com a parceria, a InBrands ficou responsável underground paulistano, perdeu o espírito
pelas funções administrativas e financeiras da transgressor e passou a enfeitar canecas da
grife. Em tese, Herchcovitch responde apenas Tok Stok e toalhas da Zêlo. O estilista já criou
pela criação, mas, na prática, continua uniformes para os atendentes da rede
negociando licenciamentos e compartilhando McDonald’s e também para os garçons do
decisões estratégicas. Como sócio, tem direito Dalva e Dito, restaurante do chef Alex Atala.
a veto em qualquer decisão. A InBrands é Atualmente, tem cerca de 200 produtos
dona, além da Ellus, de duas outras marcas, a licenciados, que rendem, no mínimo, R$ 60
2nd Floor e a Isabela Capeto. Também milhões ao ano (veja quadro). Desse total, ele
controla os dois maiores eventos da moda embolsa entre 5% e 10%, de acordo com cada
brasileira, o São Paulo Fashion Week e o contrato, algo, portanto, entre R$ 3 milhões e
Fashion Rio. O investimento inicial nas quatro R$ 6 milhões. Este mês, devem chegar às lojas
grifes foi de quase US$ 200 milhões. Com esse os tênis Pony com desenhos Herchcovitch.
aporte, o fundo melhorou o sistema de Duas parcerias, com uma marca de
distribuição das marcas. bonequinhos de toy art e uma fabricante de
bolsas de náilon, acabam de ser fechadas no
Hoje, as roupas Alexandre Herchcovitch são Japão, onde o estilista é bastante popular e
vendidas em 180 multimarcas, o dobro do ano mantém sua única loja no exterior, além de um
passado. O plano é terminar 2010 com 300 showroom em Nova York. A meta é terminar o
pontos. Duas lojas serão abertas nas próximas ano com mais dez contratos de licenciamento.
semanas, uma no Fashion Mall do Rio de
Janeiro, outra no shopping Iguatemi, em São RESPOSTA DO MERCADO
Paulo. A ideia é inaugurar mais seis lojas nos O corte de custos foi uma determinação da
próximos anos e ainda reformar as duas de InBrands. Por isso a saída do enorme galpão
São Paulo. “Tivemos de fazer a lição de casa da Barra Funda e a redução na folha de
ao chegar na empresa”, afirma Cristiano Frois, pagamento, até das pessoas mais próximas do
diretor comercial. “Ajustamos os preços das estilista. Felzenszwalb, o CEO da InBrands,
peças, o que antes não acontecia de modo retruca: “A saída da mãe e do irmão foi
muito científico, e aceleramos as parcerias para decidida em comum acordo”. O choque de
licenciamento.” gestão entre uma empresa essencialmente
familiar e um grupo financeiro conhecido pela
Os licenciamentos de produtos são uma fonte voracidade por lucros foi inevitável. “Em tudo
bastante rentável. A assinatura Herchcovitch já na vida é preciso ter paixão e
estampou isqueiros Bic, xampus Seda, cuecas profissionalismo”, afirma Herchcovitch. “Preciso
Lupo, cadernos Melhoramentos, celulares aprender gestão e eles precisam aprender
Motorola, e até Band-Aid. Seu famoso desenho moda. Se não fosse a sociedade, o crescimento
da caveira, tão ligado ao início da carreira, no seria muito lento.” Diz uma amiga de
Herchcovitch: “São duas visões de mundo da atriz Scarlett Johansson na capa da revista
completamente diferentes, mas o pior já W e numa exposição no MoMA de Nova York.
passou. Essa última coleção foi aplaudida no
mundo inteiro, e com isso o Alexandre vai O gosto pela moda surgiu cedo. Aos 5 anos,
conseguindo se fortalecer para impor suas Herchcovitch já dava palpites nas roupas da
ideias. A melhor resposta é sempre a do mãe. “Todos os dias ele ligava a televisão para
mercado”. assistir ao programa do Clodovil”, diz Regina.
De família polonesa, estudou no Iavne,
Em janeiro, o estilista apresentou sua coleção tradicional colégio judaico de São Paulo. Os
outono-inverno na semana de moda de São pais eram sempre chamados pela diretoria por
Paulo. As roupas inspiradas no folclore do causa de seus penteados esquisitos e roupas
Leste Europeu arrancaram aplausos. extravagantes. “Ele sempre pedia para eu
“Alexandre Herchcovitch é uma espécie de costurar uma camiseta diferente. Quando tinha
emblema para a recente criação brasileira, e 16 anos, comprei para ele uma máquina de
do sucesso de seu desfile feminino depende, costura”, afirma a mãe. Quando chegou o
de certa forma, o êxito de todo o evento”, momento do vestibular, Herchcovitch prestou
escreveu, na revista da São Paulo Fashion artes plásticas e entrou na Faap. Lá, conheceu
Week, a amiga Erika Palomino, a primeira Maurício Ianês. Com boa parte do corpo
jornalista a acompanhar sua trajetória. Em tatuado, um alargador em cada orelha, Ianês
fevereiro, ele repetiu o desfile na semana de tornou-se stylist, o criador do conceito de cada
moda de Nova York. Boa parte do público era coleção da marca. É ele quem supre
formada por fãs do Japão. Foi o mesmo Herchcovitch de referências refinadas, como
sucesso. filmes do realismo socialista.
Assinatura de valor
CHOICE BAG
PRODUTO: bolsas
PREÇO MÉDIO: R$ 180
PEÇAS VENDIDAS POR ANO: 48 mil
FATURAMENTO ANUAL ESTIMADO: R$ 8,6 milhões
MICASA
PRODUTOS: tapetes, bancos, mesas
PREÇO MÉDIO: R$ 15 mil
PEÇAS VENDIDAS POR ANO: 150
FATURAMENTO ANUAL ESTIMADO: R$ 2,2 milhões
MELISSA
PRODUTOS: sandálias
PREÇO MÉDIO: R$ 100
PEÇAS VENDIDAS POR ANO: 140 mil
FATURAMENTO ANUAL ESTIMADO: R$ 1,4 milhão
TOK STOK
PRODUTOS: canecas, luminárias, poltronas
PREÇO MÉDIO: R$ 254
PEÇAS VENDIDAS POR MÊS: não divulgado
FATURAMENTO ANUAL ESTIMADO: não divulgado