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Manejo de microbacias 1

Reutilizar e reciclar a água é um dever de todos


O engenheiro agrônomo Maurício

Roberto Fernandes é formado pela

Universidade Federal de Viçosa, MG. Possui

mestrado em Solos, com especialização

em Israel e na França. Atuou por vários

anos como consultor autônomo na área de

Estudos Ambientais para empreendimentos

hidrelétricos, agrícolas e minerários.

Atualmente, é coordenador técnico de

bacias hidrográficas da Emater-MG e

garante que a melhor estratégia para

preservação desses recursos é atuar

localmente com efeitos globais.


Maurício Roberto Fernandes
Coordenador Técnico de Bacias Hidrográficas da EMATER-MG

IA - Em Minas Gerais, quando e onde senta uma variação significativa de ecos- esses trabalhos são conduzidos por asso-
se iniciaram os trabalhos de Ma- sistemas que nos leva a difundir técnicas ciações de produtores e comunidades
nejo Integrado de Bacias Hidro- de manejo de bacias diferenciadas pa- rurais que são os principais atores desse
gráficas (MIBH) e como estão ra cada região fisiográfica do Estado. cenário. A estratégia de trabalho do
atualmente? Assim, algumas regiões apresentam-se MIBH, em Minas Gerais, determina que
em estádio mais avançado de implanta- as médias e grandes bacias hidrográficas
Maurício Fernandes - Minas Gerais
ção desta técnica, como o Sul de Minas, são constituídas por pequenas bacias,
é um Estado estratégico com relação aos
Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Esses que devem ser a base dos trabalhos
recursos hídricos, em especial os super-
trabalhos foram iniciados no Sul de Mi- inerentes à produção e ao desenvolvi-
ficiais. Com exceção da Bacia Amazô-
nas, nos municípios de Varginha e Pouso mento sustentável.
nica, as principais bacias hidrográficas
brasileiras originam-se no território mi- Alegre, devido à maior conscientização
das respectivas comunidades rurais para IA - Qual a importância do meio rural
neiro. Dentre estas, destacam-se as dos
os aspectos ambientais. para a qualidade e quantidade
rios: São Francisco, Grande, Paranaíba
das águas em Minas Gerais?
e Doce. Os trabalhos de MIBH, em Minas Em nível municipal, as bacias traba-
Gerais, têm reflexos nacionais. Isto impli- lhadas são aquelas que se inserem nestes Maurício Fernandes - Cerca de 70%
ca em dizer que o governo federal deve territórios. Para gestão dos trabalhos são da superfície do Estado são constituídos
investir com maior intensidade nos re- constituídas ou apresentadas comissões por áreas rurais e isto quer dizer que a
cursos hídricos mineiros. municipais orientadas para a questão grande área coletora e distribuidora de
Por outro lado, Minas Gerais apre- ambiental. Nas bacias hidrográficas, águas de chuvas e superficiais é repre-

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sentada pelo espaço rural. O meio rural rural, destacam-se: a conscientização IA - Como são feitos esses treina-
está mais próximo das condições naturais dessas comunidades e a organização de mentos?
que o meio urbano, o que justifica a ên- comissões, diagnósticos participativos de
Maurício Fernandes - Esses treina-
fase dos trabalhos ambientais no pri- problemas ambientais e técnicas ade-
mentos receberam o título de Raids -
meiro. quadas para atenuação, prevenção e
colheita de chuvas para produção de
Todavia, os trabalhos ambientais no correção dessas situações, segundo a
águas. Consistem na discussão de mé-
meio rural refletem significativamente no realidade física e socioeconômica de
todos e técnicas que potencializem o
meio urbano, especialmente nos setores cada bacia hidrográfica.
aproveitamento efetivo das águas de
da economia como hidroenergético,
chuvas, considerando-se as bacias hidro-
abastecimento público com água potável, IA - Como tem sido feita a capacita-
gráficas como compartimentos coletores
abastecimento industrial e atividades ção técnica de extensionistas dentro
destes recursos naturais, que, na maioria
minerárias. Dessa forma, a sociedade deste enfoque de MIBH?
dos casos, têm sido perdidos sob a for-
urbana deve valorizar o produtor e a
Maurício Fernandes - Não é sufi- ma de escoamento superficial (enxurra-
área rural, não só como produtora de
ciente que apenas os extensionistas rurais da).
alimentos, fibras e energia, mas também
sejam capacitados. Faz-se necessária O escoamento superficial excessivo
como fornecedora de água em quali-
uma capacitação de técnicos das mais deflagra problemas altamente negativos
dade e quantidade desejáveis para to-
diversas áreas que atuam no municí- para as comunidades rurais e urbanas,
das as atividades de sobrevivência hu-
pio. como as erosões do solo, inundações,
mana.
A EPAMIG e a Emater-MG vêm de- assoreamento de rios, lagos e represas.
senvolvendo, em nível de regiões e de Por outro lado, o escoamento superficial
IA - Quais as medidas tomadas pela
bacias hidrográficas, cursos técnicos excessivo leva à baixa infiltração das
extensão rural com relação às ba-
visando diagnósticos ambientais e pro- águas de chuva, responsáveis pelo
cias hidrográficas?
postas técnicas estratégicas e operacio- abastecimento das águas subterrâneas,
Maurício Fernandes - O MIBH, que nais dentro de cada uma dessas reali- e, conseqüentemente, influi na regulari-
em sua essência consiste no uso e ocupa- dades. Esses treinamentos têm enfatizado zação de vazões de nascentes e cursos
ção dos recursos naturais renováveis mais a regularização da quantidade e
d’água.
dentro de critérios de sustentabilida- qualidade de água.
de, exige trabalhos interdisciplinares e, Considerando que as águas, tanto su-
IA - Quais são as principais dificuldades
sobretudo, interinstitucionais. Assim, a perficiais quanto subterrâneas, são o
no processo de MIBH?
Emater-MG atua com uma variada ga- resultado do equilíbrio ou desequilíbrio
ma de parceiros, destacando-se institui- na interação entre os recursos naturais Maurício Fernandes - Trata-se de
ções ligadas à agropecuária, sanea- de uma bacia hidrográfica, a caracte- uma mudança de paradigma nos as-
mento básico, hidroenergia, mineração rização dos ecossistemas regionais, pectos relacionados como o uso e a ocu-
e indústrias/agroindústrias. Os mais im- identificando-se suas potencialidades e pação do espaço rural e, em especial,
portantes parceiros, entretanto, são os limitações, constitui a estrutura básica na interação de processos de produção
produtores e comunidades rurais, que para planejamentos rurais sustentáveis. agrossilvipastoril com os recursos natu-
têm como matéria-prima para produ- As situações identificadas nas regiões e rais renováveis. Como em toda mudan-
ção e sobrevivência os recursos naturais municípios demandam ações prioritárias ça, coexistem aqueles que a aceitam e
renováveis, especialmente o solo, a água para as bacias hidrográficas, onde se a praticam (inovadores) e aqueles que
e a vegetação. inserem os mananciais de consumo hu- continuam com os métodos convencio-
Entre as principais ações da extensão mano e desenvolvimento social. nais. No caso específico das práticas do

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MIBH, é fundamental o associativismo e damental a mudança de uma engenha- escasso e de importância vital e estra-
as atividades participativas entre produ- ria agressiva, para uma engenharia tégica. Um exemplo desta conscien-
tores e comunidades rurais que ainda ambiental em todas as suas especia- tização foi a realização, em caráter
deixam muito a desejar no meio rural lidades . pioneiro, do I Seminário Mineiro de
mineiro. Por outro lado, faz-se necessá- Água-Negócios, cujo tema central foi
rio um novo enfoque nos métodos de IA - Quais são os grandes usuários e "A colheita de chuvas para produção
extensão rural, para que a paisagem na- beneficiários com o MIBH? de águas". Esse evento contou com a
tural, em interação com as respectivas Maurício Fernandes - Toda ativida- participação dos grandes usuários e
comunidades, passe a ser considerada de econômica do ser humano será be- enfatizou medidas concretas para ga-
como um sistema, em que as unidades neficiada com o trabalho que visa à rantia de quantidade de água desejável
produtivas rurais estão inseridas, bem co- garantia da qualidade e quantidade de para todos.
mo as respectivas bacias hidrográficas. água propiciada pelo MIBH, desenvol- A água normalmente é vista apenas
Considero que a adequação à ne- vido em especial nas áreas rurais. Os como insumo, entretanto, ela também
cessidade de compatibilizar, em nível de grandes usuários/beneficiários, como as é produto, matéria-prima, energia e re-
bacias hidrográficas, os aspectos produ- atividades agrossilvipastoris, hidroener- siduária. Jamais poderá ser considera-
tivos, de preservação e de recuperação géticas, de saneamento, industriais/agro- da rejeito...
de recursos naturais torna-se o primeiro indústrias e minerárias, já se conscien- Reutilizá-la e reciclá-la é um dever
obstáculo a ser vencido. É também fun- tizaram de que a água é um recurso de todos os usuários.

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A pesquisa é fundamental para a sustentabilidade


das atividades agrossilvipastoris
O engenheiro agrônomo Sérgio Mário Regina é
formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de
Queiroz” (Esalq/Piracicaba-SP), com mestrado em
Fitotecnia pela Universidade Federal de Viçosa.
Possui um vasto currículo em diversos programas e
projetos em todo o Estado. Assessor técnico da
EPAMIG, Sérgio Regina, exerce, também, os cargos
de presidente do Subcomitê da Bacia Hidrográfica
do Rio Verde, membro da Comissão Técnica de
Pesquisas de Hortaliças e Frutas da Embrapa,
conselheiro curador da Faped/Embrapa Milho e
Sorgo e coordenador e idealizador do Programa Raid
Colha Chuvas para a Produção de Água, Recarga de
Aqüíferos e Controle de Inundações.
Sérgio Mário Regina
Assessor Técnico da EPAMIG

IA - O que a pesquisa tem feito para ção e Preservação de Recursos Naturais. de água através dos cursos do Programa
contribuir no processo de Manejo A EPAMIG vem atuando com eficiência Raid Colha Chuvas para a Produção de
e Conservação das Bacias Hidro- no controle de poluições agrossilvipas- Água e Recarga de Aqüíferos.
gráficas (MIBH)? toris, visando à qualidade de água. As
contribuições da Empresa têm sido muito IA - Como as instituições de pesquisa
Sérgio Regina - A pesquisa tem fei-
importantes também na criação de culti- devem atuar neste processo?
to pouco, deveria fazer mais. O treina- vares resistentes ou tolerantes a doenças
mento em MIBH é uma prioridade tam- e a pragas, porque são tecnologias que Sérgio Regina - Devem intensificar
bém para pesquisadores. Uma gran- levam à redução de gastos com pulveri- as pesquisas que assegurem tecnolo-
de contribuição, no caso específico da zações de agrotóxicos e fertilizantes. Os gias poupadoras de matérias-primas,
EPAMIG, tem sido o lançamento de sistemas de produção animal desen- de recursos naturais, de energia, de in-
publicações que versam sobre meio am- volvidos pela EPAMIG, com prioridade sumos, de resíduos e de rejeitos nos sis-
biente, conservação de solos e agora so- para animais mais rústicos, criados a temas de produção vegetal, animal e
bre bacias hidrográficas. A EPAMIG tem pasto, proporcionam redução de custos, agrossilvipastoris. As pesquisas devem
apoiado a coordenação de eventos sobre especialmente com nutrição, e de po- atentar para tecnologias reutilizadoras
bacias hidrográficas. Estive em todos os luições. dos recursos já citados e, posteriormen-
Centros Tecnológicos da Empresa, há Mas, sem dúvida, a maior contri- te, tecnologias recicladoras. Criar tecno-
cerca de quatro anos, ministrando cur- buição da EPAMIG tem sido a difusão logias de segurança para destinação fi-
so a pesquisadores sobre Recupera- de conhecimentos na área de qualidade nal de rejeitos inevitáveis, não recicláveis,

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e também tecnologias de tratamento de Gerais, dando ênfase aos levantamen- informações tecnológicas extrapoladas
efluentes. tos dos ecossistemas físicos de suas res- de outros países com condições eda-
Na área de insumos, deve-se dar es- pectivas aptidões e restrições para a foclimáticas totalmente diversas do Brasil.
pecial atenção aos estudos e pesquisas ocupação racional das glebas e solos O registro desses ingredientes ativos em
(não extrapoláveis) para as condições produtivos, resguardando as áreas de todos os ministérios responsáveis deveria
regionais de nossos solos e de nossas recarga de aqüíferos, visando à com- basear-se em um horizonte maior de
águas. Esses estudos e pesquisas devem pulsória proteção de mananciais de pesquisas realizadas pelas empresas
abranger mais a área de ingredientes consumo e dessedentações e desenvol- federal e estadual de pesquisa e pelas
ativos de agroquímicos e resíduos de me- vimento social. A EPAMIG deverá criar universidades de ciências agrárias. Estas
tais pesados. Devem abranger também tecnologias e conhecimentos para mo- pesquisas deveriam ser efetuadas nas
as pesquisas sobre meias-vidas, coe- nitorações mais científicas de polui- condições de nossos principais pólos de
ficientes de partição, efeitos das diversas ções e contaminações de solos e águas produção agrossilvipastoris. Nesses pó-
degradações, sobretudo, elevação de em bacias hidrográficas trabalhadas. los, as pesquisas devem ser aferidas
pH, percentuais de água, de matéria Essas monitorações, em parceria com para posteriormente serem efetuados
orgânica, de carbono e de atividades companhias hidrelétricas e de sanea- os registros, as difusões tecnológicas e
microbiológicas, atentando para os pro- mento, podem estimar as responsabili- as posteriores promoções comerciais. O
dutos intermediários e finais formados dades de cargas poluidoras dos gran- mais importante para ingredientes ati-
depois destas degradações. As pesqui- des grupos de usuários em médias e vos é conhecer os seus coeficientes de
sas precisam atentar também para as pequenas bacias hidrográficas. Buscar partição (adsorção) e também as suas
dispersões e deslocamentos miscíveis pesquisas de fitotecnia e zootecnia com meias-vidas (permanências) em águas
de ingredientes ativos e metabólitos em potenciais de redução dos impactos e e solos brasileiros. As áreas de recargas
colunas dos solos mais representativos passivos ambientais em solos e águas das de lençóis freáticos e de aqüíferos de
de nossas produções vegetais e animais. diversas regiões produtoras do Estado. nossos mananciais não poderiam per-
Num futuro próximo, devem-se promo- Um exemplo clássico seria a manuten- mitir, por exemplo, a utilização de in-
ver, também integradas com o Cetec, ção de pHs elevados para que a absorção gredientes ativos de baixos coeficientes
Embrapa, Copasa e universidades fede- de nutrientes pelas plantas seja quase de partição (abaixo de 100), princi-
rais de Lavras, Viçosa e Uberlândia, pes- completa, evitando arrastamentos e palmente em períodos chuvosos e sob
quisas e estudos simulados em estação- lixiviações de nutrientes. intensas e perdulárias irrigações. A pes-
piloto de tratamento de água sobre a quisa deverá dedicar especial atenção
eficácia de processos de remoção desses aos excessos de correções, adubações
IA - Como ocorre e como solucionar a
ingredientes ativos, metabólitos e de de plantio e de cobertura e aos resíduos
contaminação das bacias hidro-
metais pesados. Em cooperação com o de metais pesados e elementos-traços
gráficas pelo uso de agrotóxicos e
IMA deverá ser pesquisada a ocorrência que ocorrem em fertilizantes isolados,
agroquímicos?
de agroquímicos nos produtos colhidos em suas formulações e também nos cor-
e respectivas regiões produtoras nas ca- Sérgio Regina - Lamentavelmente retivos calcários utilizados no Estado.
deias produtiva, alimentar e ambiental. a poluição de bacias hidrográficas tem Todas as bacias hidrográficas trabalhadas
A pesquisa deverá buscar parcerias mul- sido observada somente pelo uso in- devem contar com um diagrama unifilar
tiinstitucionais e transdisciplinares para devido de agrotóxicos, herbicidas, in- destacando pontos para análises de
descrever técnica e socioeconomica- seticidas e fungicidas. De fato a grande qualidade e de toxicidade de água. Atra-
mente os principais pólos de produção maioria de ingredientes ativos utilizados vés de um perfil inicial, deve ser proce-
agrossilvipastoril do estado de Minas pelas culturas no Estado baseia-se em dido um programa de monitorações de

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quantidade de sedimentos de Índice de IA - Como a política agrícola e a Ciên- sub-bacias hidrográficas. Há também
Qualidade de Água (IQA) e Índice de cia e Tecnologia devem trabalhar recursos destinados pela Copasa atra-
Toxicidade de Água (ITA), para avaliar para o desenvolvimento das ca- vés do Sistema Integrado de Proteção
cientificamente os resultados alcançados deias produtiva, alimentar e am- Ambiental de Mananciais (Sipam) e de
de melhoria das águas. biental? convênios com a Cemig para prote-
ção conservacionista de reservatórios
IA - Como as atividades agrossilvi- Sérgio Regina - Primeiro elabo-
de hidroenergia no baixo Rio Grande,
pastoris podem-se tornar auto- rando e implantando projetos executivos
em parceria com a Emater-MG. No
sustentáveis? de alto interesse aos nossos pólos de entanto, o alto interesse do executivo
produção agrossilvipastoris. Os projetos e legislativo mineiros em recuperar e
Sérgio Regina - Citando Jean Marc
devem ser completos e abranger um preservar seus mananciais de águas
Von Der Weid, Agricultura Sustentável 1 e
bom número de subprojetos que alcan- superficiais e/ou profundas e, também,
2: “É interessante notar que se as formu-
cem as cadeias produtiva, alimentar e o interesse das companhias de água
lações teóricas da agroecologia, a prá-
ambiental. Cada projeto deverá abran- tratada e de hidroenergia em manter
tica da pesquisa e do desenvolvimento
ger no mínimo um subprojeto que avalie a quantidade e a qualidade de água
rural continuam presas aos modelos con-
os impactos e os passivos ambientais dos de seus reservatórios estão reclamando
vencionais agroquímicos motorizados,
sistemas de produção, beneficiados com a destinação dos recursos do Fundo
numa espécie de fuga para adiante, na
novas tecnologias nas cadeias produtiva Estadual dos Recursos Hídricos (Fhidro),
qual não se aplicam os novos paradig-
e alimentar. já regulamentado pelo governo do Es-
mas, a não ser no linguajar adotado
tado para financiamento de pequenos
pelos técnicos, cientistas, administradores
IA - Quais são os programas e recur- e médios agricultores organizados nos
e políticos, que continuam a fazer o mes-
sos que os governos têm apresen- altos segmentos de bacias hidrográfi-
mo que sempre fizeram, isto é, aplican-
tado? cas estratégicas. Estes financiamentos
do os mesmos princípios da Revolução
Verde”, percebemos que nossos pes- deverão ser destinados prioritariamen-
Sérgio Regina - Desde 1976, os re- te à elaboração e implantação de pro-
quisadores estão atentos a este conceito
cursos destinados aos programas de jetos executivos que visem o desenvol-
e procuram realmente criar tecnologias
recuperação e preservação de recursos vimento florestal sustentável e de prote-
poupadoras, reutilizadoras e recicladoras
naturais (sobretudo, matas, solos e águas) ção e a recuperação de pastagens nas
para assegurar a busca progressiva da
têm sido escassos e irregulares. Res- regiões formadoras de águas das prin-
agrossustentabilidade dentro de uma
saltem-se alguns recursos especiais dos cipais bacias hidrográficas do Estado
racional transição entre o suplementar
Projetos de Execução Descentralizada da (sobretudo na Mantiqueira). Esses re-
e o complementar. Para tanto, quatro
palavras de ordem são básicas e deve- Secretaria do Meio Ambiente e Desen- cursos pela regulamentação do Fhidro

rão ser desenvolvidas por professores, volvimento Sustentável (Semad) para um poderão ser destinados a fundo perdido
pesquisadores e extensionistas: Reduzir reduzido número de pequenas bacias para obras e serviços coletivos de gran-
(diminuir/poupar) matéria-prima, insu- hidrográficas em projetos demonstrati- de alcance social, financiando a implan-
mos, energia, resíduos e rejeitos; Reuti- vos e exemplares. Vale lembrar a contri- tação de práticas conservacionistas em
lizar e Reciclar matéria-prima, insu- buição do Ministério da Agricultura para condições atrativas aos nossos produ-
mos, energia e resíduos. Destinar com o Programa Pró-nascentes, com a mes- tores: prazo de 12 anos, carência de três
segurança os rejeitos (mesmo os iner- ma finalidade, beneficiando pequenos anos, 3% de juros ao ano e 20% de con-
tes). produtores organizados em pequenas trapartida.

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REVISTA BIMESTRAL
ISSN 0100-3364

Manejo e preservação
INPI: 1231/0650500

COMISSÃO EDITORIAL
Márcio Amaral das microbacias:
Marcos Reis Araújo
Marcelo Franco uma conscientização política
Antônio M. S. Andrade
Luthero Rios Alvarenga
José Braz Façanha A demanda por alimento em todo o mundo é crescente, devido
EDITOR ao aumento populacional acompanhado da melhoria das condições
Vânia Lacerda
materiais de vida da sociedade. O Brasil, por sua vasta extensão
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Maria Inês Nogueira Alvarenga e Miralda Bueno de Paula territorial, tem um potencial eminentemente agrícola, em que a explo-
COORDENAÇÃO EDITORIAL ração da terra e a maior produtividade muitas vezes vêm sendo
Marlene A. Ribeiro Gomide

AUTORIA DOS ARTIGOS


obtidas com alto custo econômico e ambiental. Torna-se, portanto,
Antônio Cláudio Davide, Cláudio Milton Montenegro Campos, Cláudio fundamental conciliar resultados econômicos com preservação am-
de Souza Magalhães, Ênio Resende de Souza, João Luiz Lani, José Márcio
Rocha Faria, José Maria de Lima, Leandro Roberto Feitoza, Luiz Roberto
biental para a produção de alimentos.
Guimarães Guilherme, Maria Inês Nogueira Alvarenga, Marilusa Pinto A sustentabilidade da produção agropecuária não se constitui num
Coelho Lacerda, Marx Leandro Naves Silva, Maurício Roberto Fernandes,
Mauro Resende, Miralda Bueno de Paula, Patrícia Vaz, Renê Luís de Oliveira problema apenas técnico, mas desloca-se para âmbitos sociais.
Rigitano, Robério Anastácio Ferreira, Rose Myrian Alves Ferreira, Schirley
Cavalcante Alves, Sérvulo Batista de Rezende e Soraya Alvarenga Botelho
Questões ambientais como a conservação dos solos e a preservação

REVISÃO LINGÜÍSTICA E GRÁFICA


das microbacias não dizem respeito apenas a uma tecnologia de
Marlene A. Ribeiro Gomide e Rosely A. Ribeiro Battista Pereira manejo, mas a uma conscientização política. Os recursos naturais
NORMALIZAÇÃO devem ser mantidos em benefício das sociedades rural e urbana,
Fátima Rocha Gomes
para isso é preciso uma ação governamental justa, com equilíbrio
PRODUÇÃO E ARTE
Digitação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes entre o custo de produção e o preço final do produto agrícola para o
Formatação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes
Capa: Lamounier Lucas Pereira Júnior produtor.
Programação visual: Lamounier Lucas Pereira Júnior
A EPAMIG, em seus 26 anos de pesquisa, tem procurado contribuir
IMPRESSÃO
para a recuperação e preservação do meio ambiente. A necessidade
PUBLICIDADE de produção de alimentos, aliada à conservação dos recursos naturais,
Miguel Talini Marques Filho
Assessoria de Marketing
Av. José Cândido da Silveira, 1.647 - Cidade Nova
poderá levar à prática de uma agropecuária sustentável. Esta edição
Caixa Postal, 515 - CEP 31.170-000 - Belo Horizonte-MG
Fone: (31) 3488-8473 - Fax: (31) 3488-8473 do Informe Agropecuário tem como objetivo despertar o interesse

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sem autorização escrita do editor. Todos os direitos são
rural na manutenção das áreas urbanas, a partir do manejo das
reservados à EPAMIG.
microbacias.
Os artigos reunidos nesta publicação fornecem uma visão
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - .-
Belo Horizonte: EPAMIG, 1977 - . abrangente das microbacias e seu manejo, com ênfase para pro-
v.: il.

Bimestral
cedimentos que visem a sua preservação e a implantação de uma
Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatística. -
v.1, n.1 - (abr.1975). agricultura sustentável.
ISSN 0100-3364

1. Agropecuária - Periódico. 2. Agricultura - Aspecto Márcio Amaral


Econômico - Periódico. I. EPAMIG.
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Manejo de microbacias 9

A água como elemento fundamental da paisagem


em microbacias
Schirley Cavalcante Alves 1

Resumo - Partindo do conceito de microbacias, ressalta-se a grande variedade de mo-


tivos paisagísticos presentes neste ambiente e mostra a importância estética destes na
representação da paisagem através dos tempos; tanto no aspecto material ou físico,
como os riachos, cascatas etc, quanto no aspecto imaterial ou cultural através dos
mitos e símbolos representados pela água, elemento captado, reservado e purificado
pelas microbacias. Através de uma rápida análise da evolução do conceito da paisagem
no Brasil, ressalta-se a importância da apreensão cultural do conceito da paisagem e
conclui-se que o mito da abundância é um dos fatores responsáveis pelos danos
ambientais contemporâneos. Por fim, diante dos questionamentos atuais sobre quan-
tidade e qualidade da água, a paisagem é colocada como importante ferramenta de
sensibilização e desmitificação da abundância deste elemento na cultura brasileira,
colaborando, assim, para com os critérios e indicadores da sustentabilidade no manejo
de microbacias hidrográficas.
Palavras-chave: Bacia hidrográfica; Motivos paisagísticos; Indicadores de sustenta-
bilidade.

INTRODUÇÃO Entendemos por motivo paisagístico a mo verdadeiro santuário ecológico.


razão pela qual se age na paisagem, desen- Os motivos paisagísticos encontrados
A bacia hidrográfica é uma unidade
volvendo uma composição paisagística. nas microbacias foram representados nos
geográfica formada por uma área da super-
Poderíamos dizer que o motivo paisagístico seus mais variados aspectos, no decorrer
fície terrestre, que contribui na formação e
está para a representação da paisagem (in dos tempos, através da poesia e da arte
no armazenamento de um determinado cur-
visu ou in situ), assim como o tema está dos jardins.
so d’água. para a música Na arte dos jardins, desde a antiguida-
As microbacias ou bacias de cabeceiras, Dentro do espaço geográfico definido de estes motivos paisagísticos foram re-
segundo Castro (1999), são pequenas áreas pelas microbacias, podemos distinguir vá- presentados. Por exemplo, o Amalthaeum,
de terras localizadas em regiões monta- rios destes motivos paisagísticos, tais como uma das primeiras composições paisagís-
nhosas, que formam as nascentes e drenam nascentes, riachos, florestas, bosques, cas- ticas que surgiram nos parques romanos,
córregos e riachos. catas e cachoeiras, todos girando em torno representava uma nascente, onde Zeus
Uma bacia hidrográfica, geralmente é do elemento água. teria passado seus primeiros anos de vida
formada por inúmeras microbacias, que por As microbacias, ambiente responsável aos cuidados de uma Ninfa. Para ter aces-
sua vez possuem inúmeros pequenos ria- pela origem da água, elemento purificador, so ao Amalthaeum, era preciso percorrer
chos, que formam a malha de drenagem formam um verdadeiro jardim natural, que um caminho por entre os plátanos que con-
dessa bacia. devido a sua escala facilitam a percepção tornavam um riacho. Temos aí, nesta com-
Esta unidade geográfica, a microba- humana como unidade paisagística. Com- posição, a representação de três motivos
cia, além de dar origem aos cursos d’água, parado ao Jardim do Éden, citado na Bíblia, paisagísticos de uma microbacia: a nascen-
nos presenteia com inúmeras paisagens, onde o “Senhor Deus fez brotar da terra te, o riacho e sua mata ciliar.
pois, por serem geralmente montanhosas, toda sorte de árvores de aspecto agradável Segundo Grimal (1994), nos jardins o
apresentam o elemento água escoando em e de frutos bons para comer... e de onde ideal de frescor sempre foi simbolizado
grande velocidade e com aspecto crista- saía um rio para regar o jardim”, o ambiente pelos riachos e canais de água corrente,
lino. das microbacias deve ser considerado co- inspirados nos ambientes das microbacias.

Enga Agrícola, M.Sc., Doutoranda em Jardins, Paysages, Territoires, Av. Dra Damina Zakhia, 193/B, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail:
1

jmca@ufla.br

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10 Manejo de microbacias

No estilo de jardim pitoresco é que en- representá-las. Assim, pode-se verificar, na traditórias: “a água torrencial opõe-se à
contraremos o motivo dos riachos que in- maioria das representações das florestas água calma; a água depurativa das nas-
terligavam os lagos em cursos sinuosos brasileiras, que os riachos são uma cons- centes e fontes opõe-se aos dilúvios e às
entre bosques e pradarias. O estilo pito- tante. Na obra de Martin Johnson Heade, inundações, a água pura opõe-se à água
resco, marcado pelo primado dos valores Brazilian Forest, tem-se o curso d’água co- usada”.
pictóricos sobre a natureza observada, tam- mo criador da perspectiva e do ponto de Mas, apesar desta pluralidade, a água
bém chamado de inglês, surgiu na Ingla- fuga (Fig. 2, p.51). é antes de tudo o solvente universal. Por
terra entre 1720 e 1730 e foi inspirado nos Dentro do ambiente da microbacia a este motivo ela é fonte da fecundidade e
temas chineses e nos cenários das pintu- água permanece como elemento centra- da vida germinativa, o que a faz então um
ras de Nicolas Poussin e Claude Lorain, lizador dos motivos paisagísticos. Mesmo elemento voluptuoso por excelência. Além
pintores do século XVII, que representa- quando ela não está presente visualmente, disso, sua imagem é associada também à
vam a mitologia em paisagens da Arcádia pode-se percebê-la através do ruído do seu idéia do líquido medicinal, através das
italiana. escoar, motivo paisagístico representado fontes da juventude e das fontes de águas
Na atualidade, são os pequenos pânta- na arte dos jardins através das fontes. medicinais. Como a água é o elemento que
nos que surgem como motivo das grandes lava, sua virtude purificadora substitui sua
obras paisagísticas contemporâneas. Como MITOS E SÍMBOLOS DA ÁGUA função nutritiva.
exemplo, o Parque de Bercy, em Paris, que, A mitologia grega gira em torno dos te- Didier (1998), para explicar que a água,
além de oferecer plantas aquáticas, objetos mas Céu e Terra. Neste dualismo, o homem através dos seus mitos e símbolos, repre-
que causam grande admiração aos homens, vai-se apropriando progressivamente do senta todas as características, dificuldades
incitam o aparecimento das aves, reme- elemento sólido e a Terra torna-se o símbolo e comportamentos dela mesma dentro da
tendo à estética criada por Maupassant, da possessão, da propriedade e do indi- sociedade contemporânea, lembra da frase
que acreditava ser nas paisagens miste- vidualismo. de Claude Watelet2: “a água está para a
riosas dos pântanos (Fig. 1, p.51), que se A água é então o plural e são inúmeras paisagem assim como a alma está para o
encontraria o provável lugar da criação. as divindades relacionadas com ela. Ninfas, corpo”.
Náiades, Nereidas, oceânicas e sereias são Dentro desta afirmativa, voltamos nos-
No romance Nouvelle Heloise, escrito
representantes do elemento água dentro sa atenção à origem deste elemento e nota-
por Rousseau, por volta de 1760 na França,
da mitologia grega, largamente utilizadas mos a importância do ambiente microbacia
tem-se uma descrição deste estilo, no jardim
nos jardins romanos e no estilo clássico da como gerador da alma de nossas paisagens
de Júlia:
arte dos jardins. reais. Quando falamos de paisagens é im-
“Todas estas pequenas estra-
A água também conserva seu caráter portante lembrar que, além do seu conceito
das, estavam bordadas e eram atra-
religioso. No cristianismo, a falta d’água é dentro do espaço concreto, tem-se ainda o
vessadas por uma água límpida
um símbolo de necessidade espiritual, ao conceito cultural desta palavra, que se
e clara, que às vezes circulava o
passo que sua presença significa refrigério apresenta com grande peso, dentro da per-
gramado e as flores em sulcos
e bênção. Tem-se, ainda, a água do batismo cepção humana e que, muitas vezes, deter-
quase que imperceptíveis, ou en-
que tira o pecado original e a água benta mina suas atitudes. Diante de problemas
tão em riachos correndo sobre um
utilizada para abençoar pessoas, lugares e tão graves no manejo das microbacias,
pedregulho que tornava a água
coisas. No catolicismo, têm-se as águas que torna-se importante uma revisão cultural
ainda mais brilhante. Víamos fon-
brotam dos santuários e a água que mistu- da formação deste conceito nas culturas
tes borbulhar e sair de dentro da
rada ao vinho simboliza a união das nature- européia e brasileira.
terra, e alguns canais mais pro-
zas humana e divina de Cristo. Na umbanda,
fundos, nos quais a água calma e CONCEITOS EUROPEUS
tem-se Iemanjá, a rainha das águas, deusa
passiva refrescava os objetos só DA PAISAGEM
poderosa que recebe de seus súditos, uma
de olhar.”
vez por ano, oferendas que são lançadas A paisagem é hoje um tema de grandes
Mas não é apenas a arte dos jardins e a sobre as águas dos rios e do mar. No es- pesquisas em vários campos de atuação,
poesia que representam estes motivos en- piritismo a água é um dos veículos da boa tais como, agricultura, arquitetura, geo-
contrados nas microbacias, a pintura e a energia. grafia, biologia, direito, etnologia, história,
fotografia também os privilegiam. Na re- Além desse caráter religioso, Bachelard, sociologia, artes etc. Assim, dentro de um
presentação pictural das florestas os ria- citado por Didier (1998), mostra-nos que campo tão diverso, ela apresenta uma in-
chos são de suma importância. São eles esta qualidade da água de ser manifes- finidade de conceitos, o que nos obriga a
que criam as clareiras e perspectivas natu- tada em diferentes formas, sólida, líqui- pensar um pouco sobre a etimologia desta
rais destas, dando condições ao artista de da e gasosa, conduz a simbologias con- palavra.

Claude Watelet crítico e escritor sobre jardins na França no século XVIII, autor de “Arts des jardins”
2

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.9-14, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 11

Segundo Roger (1991), a palavra pai- dos europeus ao chegarem no Brasil, era (1994), estes apresentavam uma percepção
sagem apareceu pela primeira vez no sécu- da terra de belezas e riquezas naturais inco- estético-científica. Nestes álbuns da visão
lo XVI, na Holanda, para designar uma mensuráveis, citadas na carta de Pero Vaz das paisagens brasileiras predominou-se
pintura. Portanto, paisagem é um conceito de Caminha ao rei, por ocasião do desco- o estilo pitoresco, onde pressupõe-se a har-
de origem artística e que por isso demanda brimento. monia entre o homem e a natureza. Neste
uma apreciação estética. Hoje em dia, a pai- Aquele pequeno mundo europeu que, estilo de representação paisagística, mui-
sagem em muitos casos passou a ser inter- até a chegada de Colombo nas Américas, tas vezes a água se apresenta sob a for-
pretada como meio ambiente, o que é um se imaginava acabar em uma grande ca- ma de riachos cristalinos ou de pequenas
outro conceito que deve ser considerado. choeira nos confins do mundo, ganhou represas e pântanos, próximos às resi-
Meio ambiente é um conceito mais recente uma amplitude considerável e, então, o dências, conforme pode-se notar na Fi-
em relação à paisagem, sua origem é ecoló- homem ocidental pôde-se apoderar das gura 3 (p.52).
gica. O conceito de meio ambiente surgiu riquezas dos trópicos. Em uma rápida análise, percebe-se que
com a teoria de Haeckel, em 1866, e, portan- Estas impressões dos europeus para os motivos paisagísticos das microbacias
to, este demanda um tratamento científico. com a paisagem brasileira foram marcadas geraram grande parte das gravuras, das
Segundo Pitte (1983), “a paisagem é a ainda pelas descrições dos viajantes que pinturas e ainda dos relatos da paisagem
expressão observável pelos sentidos, na estiveram no Brasil, principalmente no pitoresca brasileira presentes nos álbuns
superfície da terra, da combinação entre a decorrer do século XIX, época dos grandes dos viajantes estrangeiros, conforme se
natureza, as técnicas e a cultura dos ho- pensadores iluministas na Europa e das nota nas descrições de Langsdorff, tra-
mens. A paisagem é essencialmente mu- grandes expedições naturalistas. duzidas por Haro (1996), naturalista alemão
tante e só pode ser apreendida na sua dinâ- As imagens encontradas nos trópicos que esteve na ilha de Santa Catarina, no
mica, isto é, na história que lhe restitui sua por estes pensadores da cultura ocidental, século XIX, “Nas proximidades de cada
quarta dimensão”. os remeteram aos modelos do paraíso, que choupana encontra-se, geralmente à som-
Já para Roger (1991), a paisagem só contracenando com os conceitos da abun- bra dos pés de laranjeiras, uma fonte de
existe quando é enquadrada pelo olhar ou dância, fertilidade e fecundidade, muitas água cristalina”.
pela pintura. “A paisagem exige cultura e vezes os levaram a reflexões metafísicas. Um outro estilo de paisagem encon-
um distanciamento”, para obtermos assim A necessidade de sentir a natureza exu- trado nestes álbuns é o sublime, marcado
uma visão do todo, unitária e com uma certa berante, repetida muitas vezes por estes pela representação de uma natureza ex-
abstração, um recuo. Logo, a paisagem con- viajantes, marca a construção cultural da cepcional e gigantesca diante de um ho-
siste em uma forma de representação da paisagem brasileira. Esta mistura do olhar mem pequeno e insignificante, conforme a
natureza, ou seja, mais precisamente, em e do sentir, intrínsecas da formação da pai- Figura 4 (p.52). Mesmo que este estilo não
uma maneira de esquematizá-la, que permita sagem deste país, de uma certa forma remete tenha sido o mais encontrado na repre-
uma apreciação estética. à necessidade de obter um ambiente sadio, sentação pictural das paisagens do Brasil,
para se conseguir contemplar uma paisagem nota-se diante do comportamento dos bra-
FORMAÇÃO DO no Brasil. Para os europeus, que possuem sileiros com relação à natureza, que o sen-
CONCEITO BRASILEIRO uma cultura pictural incomparavelmente timento do imigrante europeu em relação à
DE PAISAGEM maior que a brasileira, o conceito paisa- natureza brasileira era do sublime, ou seja,
Como muitos dos problemas encontra- gístico é fundamentado na imagem como de uma grandiosidade sem limites e, por
dos no manejo das microbacias, tais como afirma Lassus, citado por Roger (1991): isso incitava apenas ao desfrute, esque-
poluição, desmatamento e desperdício, “Existe uma diferença, uma irredutibilidade cendo-se dos cuidados.
podem ser explicados pela evolução cul- de uma água limpa a uma paisagem. Po- Este mito do país de riquezas sem fim,
tural da percepção da paisagem, mesmo demos facilmente imaginar que um lugar só foi começar a ser derrubado na década
tendo o europeu como o principal com- poluído faça uma bela paisagem, e que ao de 60, quando a terra foi vista pelo homem
ponente étnico do povo brasileiro, é preciso contrário, um lugar despoluído não seja a partir da lua. Aí então o que já se sabia foi
uma retrospectiva dos valores e impres- necessariamente belo”. materializado pela imagem e a natureza ili-
sões da natureza do Brasil, para se conhe- No caso das microbacias, o belo se mis- mitada da América alcançou seus limites, o
cer melhor a evolução do conceito da paisa- tura com o bom e, para se obter uma aprecia- que provocou uma mudança de referência
gem na sua história e compreender as raízes ção estética, precisa-se do suporte científico sensível e de escala de apreensão.
do comportamento dos brasileiros com da qualidade, que se deve basear na susten- A partir de então, houve a revolução
relação à natureza. tabilidade deste ambiente, assegurando sua verde, citada por Didier (1998), que desen-
Quando os europeus chegaram ao Bra- perduração no espaço e no tempo. cadeou a afirmação dos valores ecológicos.
sil, encontraram uma civilização de índios Os viajantes europeus do século XIX Começaram a surgir questionamentos so-
completamente integrada com a natureza. que passaram pelo Brasil, quando voltavam bre alguns comportamentos do homem
O mundo se abria aos navegadores e eles à Europa, escreviam e publicavam os re- moderno em relação à natureza. No Brasil,
chegaram na terra da fartura. A impressão latos de suas viagens. Segundo Belluzzo começaram-se a questionar certos hábitos
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intrínsecos em sua cultura, com relação à enchente”. Neste caso, a enchente não po- tório dos quatro elementos fundamentais.
natureza. Como exemplo, o problema do lixo de ser responsabilizada pela presença do Na ausência de um deles, estas regras per-
e do desmatamento. lixo, mas sim o homem que o joga nas bor- mitem a substituição de um elemento por
Voltando um pouco na história percebe- das dos rios e riachos. outro através da metáfora.
se que no Rio de Janeiro no século XIX, O descaso do brasileiro para com seus Entre estes elementos fundamentais, o
segundo Alencastro (1997), existiam os es- rios e riachos é evidente também na zona céu e a terra estarão sempre presentes na
cravos chamados tigres, que eram encar- urbana. Quando se pensa nas grandes ca- paisagem, logo os elementos que jogam
regados de levar os dejetos domésticos até pitais da Europa e faz-se um paralelo entre com esta metáfora são a água e o fogo e,
a praia (Fig. 5, p.53). Gilberto Freyre, citado estas e as grandes capitais brasileiras, per- dentre estes dois, no ambiente das mi-
por Alencastro (1997), afirma que esta faci- cebe-se claramente a negligência da cul- crobacias a água é fundamental. Aqui ela é
lidade de dispor de tigres retardou a insta- tura destas para com a água. Basta pensar início, meio e fim, já que nos oferece o fres-
lação da rede de esgotos nas cidades do na relação que há entre Paris e o rio Sena, e cor, o ruído, os animais, o microclima para
Império e, hoje, pode-se afirmar que de uma São Paulo e o rio Tietê. o surgimento dos vegetais e, ainda, os vá-
certa maneira o mito da abundância d’água rios cenários provenientes de seu movi-
retarda a implantação do tratamento de OS QUATRO ELEMENTOS mento em cursos sinuosos, seja ele dentre
esgotos no Brasil. Segundo Cauquelin (1989), a paisagem rochas ou simplesmente sobre a terra,
Sabemos que no Brasil, na época do Im- não é outra coisa senão a apresentação formando ainda corredeiras e cascatas que
pério, estas atitudes não ocorriam somente cultural instituída desta natureza que nos dão graça e charme a este ambiente.
na capital e nem que eram apenas as águas envolve. Desde os antigos gregos, os prece- Além do lado estético, o manejo de mi-
do mar que recebiam todos os dejetos. Os dentes da cultura ocidental, os componen- crobacias é hoje centro de grande interesse
rios também eram, e ainda são, vítimas deste tes da phusis, ou seja, da física natural, são dos pesquisadores e governantes, pois a
comportamento da nossa sociedade. Redes os quatro elementos: água, fogo, terra e ar. cada dia a água se torna objeto de disputa
de esgotos foram feitas, mas estas não rece- Estes elementos representam as for- entre os países ou as regiões, como por
bem o mínimo de tratamento. O que acaba- ças básicas que regem a natureza. Segun- exemplo na bacia do Nilo, onde o Egito e o
mos por fazer foi simplesmente trocar de do Clément & Hak, citados por Cauquelin Sudão reclamam pelas águas provenientes
agente: dos tigres para as tubulações. (1989), dentro da simbologia oriental, o das montanhas de oito países: Burundi, Re-
Esta contaminação da água está pre- géomancien chinês interpreta as formas da pública Democrática do Congo, Eritréia, Etió-
sente tanto no meio urbano, quanto no meio natureza, segundo regras complexas de re- pia, Quênia, Uganda, Ruanda e Tanzânia.
rural, onde esta não se apresenta de for- presentações simbólicas entre o relevo, a Constatados esses dados, a FAO/Unesco
ma tão evidente. Torna-se necessária uma terra, as montanhas, o sol, a vegetação e as (Montagnes... 2000), neste momento de
maior atenção dos governantes, para a construções. São análises que compreen- preparação para o Ano Internacional da
conscientização da população rural, sobre dem a morfologia, a estética e a semântica, Montanha, em 2002, notou que a atual falta
esta realidade. através de uma transposição alegórica e de regulamentação do uso da água tem
As microbacias, sistemas frágeis e de metafórica. Castro (1999) cita que os chine- causado problemas diplomáticos entre al-
suma importância dentro do abastecimento ses na antigüidade tinham o provérbio: guns países. Assim, a Unesco pretende
de água da população como um todo, além “controlar a montanha é controlar o rio”. sensibilizar a população da importância de
de sofrerem com a poluição, tanto domés- Isto mostra que possuíam noções claras organizar e regulamentar a distribuição, o
tica quanto de pesticidas, também sofrem sobre a formação e a dinâmica dos rios. uso e o tratamento das águas das monta-
com os desmatamentos indiscriminados, Segundo Cauquelin (1989), entre uma nhas para promover a paz.
que estão acabando com as matas ciliares, paisagem e um panorama completos, a di- Diante de um tão amplo espectro de
resultado da falta de uma educação am- ferença está na presença ou não dos quatro importância e demanda sobre o elemento
biental da população rural. Sabemos que elementos. Segundo esta autora, no século água, Didier (1998) anuncia o seguimento
no caso dos lixos domésticos, hábitos XVIII, época em que a baia de Nápoles foi da revolução verde: a chamada revolução
simples, tais como a separação do lixo or- constantemente celebrada como a mais azul, que se desenvolve no contexto de
gânico, que pode ser reaproveitado den- bela paisagem do mundo, este julgamento uma visão pela água, pela vida e pelo meio
tro da própria propriedade, do não-orgâni- é atribuído aos viajantes europeus, pela ambiente. Pois acima de tudo é a água que
co, que pode ser reciclado, no meio urbano presença dos quatro elementos reunidos também mata a sede e que renova a vida
mais próximo, já mudariam muito nossas em um só lugar: a água do mar, o céu e a ter- dos homens, dos animais, das plantas e do
paisagens. É cada vez mais comum ver-se ra, perceptíveis entre as ilhas e suas mar- planeta.
rios com suas matas ciliares ornadas de gens, e o fogo, representado pelo Vesúvio,
pedaços de plásticos nos galhos das árvo- que mesmo adormecido, lança sempre suas A ÁGUA COMO UM
res. Tal fenômeno é explicado pela popu- chamas na imaginação. ELEMENTO RARO
lação como resultado da enchente. É co- Neste apelo à imaginação, criam-se re- Segundo Didier (1998), a história da
mum escutar a frase: “isto foi trazido pela gras de transformação dentro deste reper- relação do homem com a água modifica-se
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Manejo de microbacias 13

com o tempo. Na Europa, da antigüidade consomem cerca de 70% da água doce do de água, é preciso lembrar que estas não
ao século XVIII, a água era mercadoria de planeta. são renováveis e terminam rapidamente.
consumo raro e foi apenas no século XIX, Este dado cria a questão sobre a maneira
A qualidade da água
nos países ocidentais, que se descobriram como tem sido conduzida a irrigação, que,
A poluição da água pode ser considera-
os tempos da água comunitária, conduzida em grande parte dos casos, molha a lavoura
da uma das primeiras causas de sua diminui-
através de técnicas hidráulicas. Então pas- sem levar em consideração a evapotrans-
ção. Segundo dados da Unesco, citado por
sou a ser consumida de forma tão habitual piração que depende do clima, do tipo de
Didier (1998), 450km3 de água usada são jo-
que o homem foi-se esquecendo de sua solo e dos fatores de cada cultura. O que
gados por ano sobre as águas de superfície
raridade. No Brasil, não se conheceu época se tem visto é o uso indiscriminado da água
e quase um terço da população dos países em
de consumo raro de água, pois no século para a irrigação, gerando desperdício em
desenvolvimento é privado de água potável.
XVIII são relatados apenas problemas em algumas regiões e causando falta em outras.
A água, que por sua natureza é solvente
relação à vazão de esgotos, jamais de abas- O consumo de água por habitante do-
biológico, coletor de produtos, fator de
tecimento. Pode-se perceber isto nas pin- brou entre 1940 e 1990. Ao mesmo tempo a
instabilidade microbiológica, desempenha
turas de viajantes estrangeiros do século população mundial duplicou. Constatou-
cada vez mais o seu papel de intermediário
XIX, como a Cascatinha da Tijuca (Fig. 6, se que o volume d’água consumida quadru-
entre o saudável e o não saudável.
p.53) de Henri-Nicolas Vinet, que celebram plicou. Além do problema do consumo de
Segundo Figuerêdo (1999), a degrada-
as paisagens aquáticas do Brasil. água, depara-se também com o problema
ção das águas superficiais é causada prin-
Com base em descrições históricas e de sua distribuição, pois nos últimos cin-
cipalmente pelos seguintes fatores:
diante de tais representações, pode-se afir- qüenta anos o número de habitantes do
a) lançamento in natura dos esgotos
mar que o abastecimento de água nunca meio urbano aumentou de 300 milhões, para
domésticos;
representou um problema para a maioria 2 bilhões de pessoas. Isto aumentou tam-
dos brasileiros (exceto em algumas regiões). bém o problema de distribuição de água, b) lançamento de efluentes líqüidos in-
Mas às portas do século XXI, já se obser- que já se apresenta bastante desigual entre dustriais;
va na Europa, um retorno da situação de as regiões. c) disposição inadequada dos lixos urba-
precariedade da água e, no Brasil, o início Segundo Didier (1998), na África, assim nos;
da manifestação deste fenômeno. Os tem- como no Oriente médio, mais de 230 milhões d) erosão do solo e assoreamento de ma-
pos da água escassa estão de volta e a fal- de pessoas dispõem de menos de 1.000 m3 terial carreado;
ta dela ameaça cada vez mais regiões do de água por ano, o que já se pode consi- e) usos indiscriminados de nutrientes e
mundo. derar uma situação crítica. Vinte países já defensivos agrícolas.
A maioria das projeções indica que ca- se apresentam em estado de penúria em Assim, a água que é restituída aos meios
minhamos para uma situação de extrema relação ao problema da falta d’água e, em naturais sem tratamento prévio, além de
escassez, ou mesmo de falta de água, den- 2025, a previsão é de que serão trinta e cin- não poder ser utilizada, é nociva ao próprio
tro de 50 anos, se este insumo não for admi- co países. ambiente. Esta poluição é provocada pelos
nistrado dentro dos padrões que assegu- O Brasil, neste sentido, é privilegiado, usos doméstico, público e industrial, além
rem a sua disponibilidade e preservem sua pois, segundo Rollemberg (2000b), ele está do uso agrícola. Este último é ainda inten-
qualidade (Rollemberg, 2000a). dentre os dez países que detêm 60% da sificado pelo uso de adubos e pesticidas
Este incrível volume de água que cobre água doce do mundo, contando com 8% da agricultura contemporânea. Os pro-
a terra, pode nos levar à falsa conclusão desta. Da água doce brasileira, 70% encon- dutos de uso agrícola, mesmo quando não
de que se trata de um bem abundante e tram-se na região amazônica e os outros se pratica a rega, são transportados pelo
inesgotável. A água doce, própria para o 30% estão distribuídos desigualmente pelo escoamento resultante da precipitação.
consumo humano e para a produção de ali- país, atendendo a 93% da população. Tais Segundo Didier (1998), o aumento da
mentos, não passa de 1%, pois 97% do vo- dados mostram que é preciso encarar este poluição nos rios dos países industria-
lume total são de água salgada dos mares grande desafio. lizados é considerável. São nitratos, pesti-
e oceanos e 2% são de gelo (Rollemberg, Existem limites para o aumento de dis- cidas, microorganismos, metais pesados,
2000b). ponibilidade da água e, se aparecerem no- o preço de uma superprodução jamais vista
A água está presente em múltiplas ati- vos recursos, é preciso pensar no custo antes. E este excesso da má utilização da
vidades do homem e, como tal, é utilizada que eles implicarão e no acesso a eles pelas água desencadeia a salinização da terra.
para finalidades diversificadas. Estes ní- camadas mais pobres da sociedade, o que Segundo a FAO/Unesco, citada por
veis de consumo atingem seu maior índi- pode desencadear problemas sociais e am- Didier (1998), dos 237 milhões de hectares
ce dentro das atividades de abastecimento bientais. Soluções tais como a transferên- de terras agrícolas, trinta milhões já estão
doméstico e público, produção de energia cia da água de uma região para a outra, ou a gravemente danificados. Assim, grandes
elétrica e dentro das atividades industriais e dessanilização da água do mar, são de custo planícies de zonas semi-áridas estão per-
agrícolas, que, segundo Rollemberg (2000a), elevado e, quanto às reservas subterrâneas dendo sua capacidade de produção, por
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.9-14, nov./dez. 2000
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causa da acumulação de sais causada pelo investir somas consideráveis no design. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
uso de pesticidas e pela irrigação. Segundo Amaral (2000), a atividade ru- ALENCASTRO, L.F. de. Vida privada e ordem
Segundo Figuerêdo (1999), no caso par- ral brasileira tem passado por profundas privada no Império. In: ALENCASTRO, L.F.
ticular de países em desenvolvimento como modificações, não podendo mais ser consi- de; NOVAIS, F.A. (Ed.). História da vida
o Brasil, 80% dessa degradação é causada derada apenas no âmbito das atividades privada no Brasil-Império: a corte e a
modernidade nacional. São Paulo: Companhia
pelos esgotos domésticos. Logo, o tratamen- agropecuárias, pois o meio rural ganhou das Letras, 1997. p.11-93.
to desses dejetos significaria uma melhora novas funções e passou a oferecer água,
AMARAL, M. Sustentabilidade: o desafio da
considerável na qualidade de nossas águas. ar, turismo, lazer e bens de saúde. Tornou- pesquisa. Informe Agropecuário, Belo
se impossível o tratamento do mundo rural Horizonte, v.21, n.202, p.3, jan./fev. 2000.
Necessidade da preservação independente do mundo urbano. BELLUZZO, A.M. de M. O Brasil dos via-
Dentro do conceito de desenvolvimen- O manejo de microbacias hidrográficas, jantes: a construção da paisagem. São Paulo:
to sustentável, a questão ambiental é im- segundo Lima (1999), é uma estratégia Metalivros/Salvador: Fundação Emílio
perativa. Mas é necessário pensar também holística do uso dos recursos naturais re- Odebrecht, 1994. v.3.
em uma lucratividade, pois a produção sus- nováveis, de tal maneira a salvaguardar os CABANEL, J. Paysage paysages. Paris: Jean-
tentável demanda o equilíbrio entre o lucro Pierre de Monza, 1995. 167p.
valores do solo, da água e da paisagem.
e o suporte de produção. Na agricultura, a Assim, é preciso conscientizarmos de que CASTRO, P.S. Bacias de cabeceira: verdadeiras
água assim como o solo e a biodiversidade caixas d’agua da natureza. Ação Ambiental,
a estética da paisagem no âmbito da con-
Viçosa, n.3, p.9-11, 1999.
constituem a base deste suporte de pro- servação, pode ser utilizada como suporte
CAUQUELIN, A. L’invention du paysage.
dução agrícola. de ação, tanto de sensibilização, revelan- Paris: Plon, 1989. 181p.
O homem contemporâneo ciente dos li- do as belezas naturais à sociedade local, DIDIER, S. Ménager, aménager l’eau: plaidoyer
mites do planeta e da necessidade de explo- quanto de apreensão de uma realidade pour un liquide préciaux. Cahiers d’Agri-
rar com sabedoria a natureza hoje, para não complexa. Pois não existe fatalidade e a culture, v.7, n.4, p.255-334, 1998.
faltar no futuro, criou este conceito de sus- ação dos homens pode ser apreendida FIGUERÊDO, S.V. de A. Produção quantitativa e
tentabilidade. A partir de então, constatou- através da paisagem, que é constituída de qualitativa de água. Ação Ambiental, Viçosa,
se a necessidade de criar os critérios e os um conjunto de sinais que reflete a reali- n.3, p.7-8, 1999.
indicadores de sustentabilidade, parâme- dade: assim, o espetáculo do acúmulo de GRIMAL, P. L’art des jardins. Paris: Presses
tros de essencial importância na atualida- lixo nas águas pode significar tanto a falta Universitaires de France, 1994. 127p.
de, nas mais diversas áreas. de leis e regulamentos, quanto o fato de HARO, M.A.P. de. Ilha de Santa Catarina:
Estas demandas contemporâneas de sus- rela-tos de viajantes estrangeiros nos séculos
não serem respeitadas, ou, ainda, que as
XVIII e XIX. Florianópolis: UFSC, 1996.
tentabilidade, segundo Lima (1999), refle- autoridades públicas dão pouca impor- 236p.
tem a percepção atual que o homem tem tância à qualidade de vida de seus admi-
LIMA, W. de P. A microbacia e o desenvolvimen-
para com o ambiente, ela inclui a produção nistrados. to sustentável. Ação Ambiental, Viçosa, n.3,
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responsável pela criação das séries foto-
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primeira constituída pelos elementos geo- gráficas. Estas funcionam como forma de f.htm Consultado em 03 ago. 2000.
gráficos, que podem ser naturais ou cria- sensibilização e questionamento sobre a PITTE, J.R. Histoire du paysage français.
dos pelo homem. A segunda, o que se re- evolução da paisagem francesa junto aos Paris: Taillandier, 1983. 2v. Collection
leva da percepção, ou seja, da estética (belo atores e comandatários. Approches.
ou feio) e da ética (bom ou ruim). No Brasil, dentro do manejo das mi- ROGER, A. Le paysage occidental: rétrospective
Segundo Cabanel (1995), a atitude de crobacias, a paisagem entra no âmbito da et prospective. Le Débat, Paris, n.65, p.14-
querer tratar somente do material, funcional sustentabilidade como uma importante 28, mai/juin 1991.
e econômico, independentemente daquilo ferramenta de comunicação e desmitifica- ROLLEMBERG, R. Água fonte de vida.
que é da ordem imaterial, ou “afetiva”, é Disponível site Rollemberg. URL: http:/
ção, acessível e compreensível junto à po-
www.rollemberg.com.br/Agua3.htm Con-
estar pronto para o fracasso. Quanto ao pulação, conscientizando-a da importância sultado em 26 jul. 2000a.
belo, este é um elemento motor entre os da conservação dos motivos paisagísticos
ROLLEMBERG, R. Água que vem da terra e
homens. Um bom exemplo são os indus- desta unidade geográfica. A paisagem re- o céu. Disponível site Rollemberg URL: http:/
triais, que souberam compreender que para presenta ainda para os técnicos, o objeto www.rollemberg.com.br/Agua1.htm Consul-
vender melhor seus produtos era preciso de apreensão de uma realidade complexa. tado em 26 jul. 2000b.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.9-14, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 15

Sub-bacias hidrográficas: unidades básicas para


o planejamento e a gestão sustentáveis das atividades rurais
Ênio Resende de Souza 1
Maurício Roberto Fernandes 2

Resumo - O uso dos recursos naturais, sem o conhecimento e a observância de suas


interações, vem potencializando impactos ambientais negativos nos ambientes rurais
e urbanos. Os principais componentes das bacias hidrográficas - solo, água, vegetação
e fauna - coexistem em permanente e dinâmica interação, respondendo às interferências
naturais (intemperismo e modelagem da paisagem) e àquelas de natureza antrópica
(uso/ocupação da paisagem), afetando os ecossistemas como um todo. Nesses com-
partimentos naturais - bacias/sub-bacias hidrográficas - os recursos hídricos constituem
indicadores das condições dos ecossistemas no que se refere aos efeitos do desequilíbrio
das interações dos respectivos componentes. Podem-se determinar com razoável
consistência prioridades nas intervenções técnicas para correção e mitigação de impactos
ambientais negativos que ocorram nas bacias/sub-bacias hidrográficas. Estas vêm-se
consolidando como compartimentos geográficos coerentes para planejamento in-
tegrado do uso e ocupação dos espaços rurais e urbanos, tendo em vista o desen-
volvimento sustentado, no qual se compatibilizam atividades econômicas com qualidade
ambiental.
Palavras-chave: Bacia hidrográfica; Desenvolvimento sustentável; Gerenciamento;
Manejo integrado; Recursos naturais; Meio ambiente.

INTRODUÇÃO sustentáveis, inerentes ao local ou região lacionado com o espaço territorial adotado
onde forem aplicados. para o planejamento, uma vez que, na maioria
De modo geral, as abordagens de plane-
Alguns instrumentos de planejamen- dos casos, a área geográfica, em questão,
jamento das atividades antrópicas e do uso
dos recursos naturais, com base em modelos to e gestão, enfocando o desenvolvimento tem seus limites de contorno estabelecidos
clássicos, têm falhado por dissociarem as sustentável e envolvendo a participação da artificialmente (como é o caso do espaço mu-
questões socioeconômicas dos aspectos sociedade organizada, estão sendo utiliza- nicipal, que tem seus limites estabelecidos
ambientais inerentes. Falta, nesse caso, o co- dos atualmente. Dentre esses instrumentos, por critérios políticos/administrativos), di-
nhecimento das dinâmicas ambiental e destacam-se o Plano Diretor Municipal (por ficultando a harmonização dos interesses de
socioeconômica e do conflito que, por ven- força da Lei Orgânica dos Municípios), a desenvolvimento e de preservação ambiental.
tura, exista entre as metas de desenvolvimen- Agenda 21 local, o Plano Municipal de De- As abordagens de planejamento e ges-
to socioeconômico e a capacidade de supor- senvolvimento Rural Sustentável (PMDRS) tão, que utilizam a bacia hidrográfica como
te dos ecossistemas (Pires & Santos, 1995). ou Plano de Desenvolvimento Local Sus- unidade básica de trabalho, são mais ade-
Para reverter essa situação é fundamen- tentável (PDLS) e o Plano Diretor de Bacia quadas para a compatibilização da produção
tal o estabelecimento de planos que utili- Hidrográfica. Persistem porém, na maio- com a preservação ambiental; por serem uni-
zem uma abordagem sistêmica integrada e ria desses instrumentos de planejamento, dades geográficas naturais (seus limites
participativa, envolvendo o estudo das di- dificuldades de compatibilizar os aspectos geográficos - os divisores de água - foram
mensões antrópicas, biofísicas e econô- socioeconômicos com os aspectos ambien- estabelecidos naturalmente), as bacias hi-
micas e das formas de desenvolvimento tais. O ponto central deste conflito está re- drográficas possuem características bio-

1
Engo Agro, M.Sc., Coord. Técnico Meio Ambiente, EMATER-MG - DETEC, Av. Raja Gabaglia, 1.626, CEP 30350-000 Belo Horizonte-MG.
E-mail: bacias@emater.mg.gov.br
2
Engo Agro, M.Sc., Coord. Técnico Manejo de Bacias Hidrográficas EMATER-MG – DETEC, Av. Raja Gabaglia, 1.626, CEP 30350-000 Belo
Horizonte-MG. E-mail: bacias@emater.mg.gov.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.15-20, nov./dez. 2000


16 Manejo de microbacias

geofísicas e sociais integradas. tituindo, em relação à última, uma sub-bacia. b) bens dos Estados: as águas superfi-
Por outro lado, é em nível local que os Portanto, os termos bacia e sub-bacias hi- ciais ou subterrâneas, fluentes, emer-
problemas se manifestam. As pessoas re- drográficas são relativos. gentes e em depósito, ressalvadas,
sidentes nele são, ao mesmo tempo, cau- O termo microbacia, embora difundido nesse caso, as decorrentes de obras
sadoras e vítimas de parte dos problemas. em nível nacional, constitui uma deno- da União.
São elas que convivem com eles e as que minação empírica, sugere-se a sua subs-
Essa definição não desobriga o pro-
mais têm interesse em resolvê-los. Leis, tituição por sub-bacia hidrográfica
cesso como um todo. Deve-se considerar
normas, regulamentos e fiscalizações pu- A bacia hidrográfica é também deno-
inicialmente a real indissociabilidade das
nitivas podem ter pouco significado, se a minada de bacia de captação, quando atua
águas integrantes do ciclo hidrológico.
população não estiver sensibilizada para o como coletora das águas pluviais, ou ba-
Existem casos de rios federais, com aflu-
problema. cia de drenagem, quando atua como uma
entes estaduais e vice-versa. No caso das
Participação implica em envolver, ativa área que está sendo drenada pelos cursos
águas subterrâneas, os aqüíferos, enten-
e democraticamente, a população local em d’água (Silva, 1995).
didos como estruturas que retêm águas
todas as fases do processo de planejamen- Por constituírem ecossistemas com o
infiltradas, podem ter prolongamentos além
to e gestão (diagnóstico, implementação das predomínio de uma única saída, as bacias
das fronteiras estaduais, passando, por-
soluções, avaliação dos resultados etc.). hidrográficas possibilitam a realização de
tanto, a ser de domínio federal. Essas
As atividades desenvolvidas no con- uma série de experimentos (Valente &
águas, assim, podem ser federais ou es-
texto das bacias e sub-bacias hidrográficas Castro, 1981). As bacias hidrográficas tam-
taduais, diferente do que se popularizou
potencializam as parcerias interdiscipli- bém constituem ecossistemas adequados
como titularidade dos Estados. A ca-
para avaliação dos impactos causados pela
nares e interinstitucionais e estimulam a racterização vai depender das direções dos
atividade antrópica, os quais podem acar-
participação das comunidades locais. fluxos subterrâneos e das áreas de recarga
retar riscos ao equilíbrio e à manutenção
(alimentação) e se as obras para sua cap-
da quantidade e da qualidade da água, uma
BACIAS E SUB-BACIAS tação foram contratadas pelo poder público
vez que estas variáveis são relacionadas
HIDROGRÁFICAS: federal (Brasil, 1997).
com o uso do solo (Fernandes & Silva, 1994
CONCEITOS E FUNDAMENTOS No entanto, para efeitos operacionais,
e Baruqui & Fernandes, 1985).
têm sido consideradas:
As medidas para manejo integrado dos A subdivisão de uma bacia hidrográfica
recursos naturais renováveis, em especial de maior ordem em seus componentes (sub- a) bacia hidrográfica estadual: quan-
solo/água/planta, devem considerar como bacias) permite a pontualização de problemas do a sua rede de drenagem (desde
unidades coerentes para planejamento as difusos, tornando mais fácil a identificação as nascentes que a compõem, até a
bacias e suas respectivas sub-bacias hidro- de focos de degradação de recursos naturais, sua foz) está inserida dentro do ter-
gráficas em nível de municípios e regiões, da natureza, dos processos de degradação ritório do Estado;
enfocando medidas inerentes à produção, ambiental instalados e o grau de comprome- b) bacia hidrográfica municipal: quan-
à recuperação e à preservação dos recursos timento da produção sustentada existente do a sua rede de drenagem (desde
naturais renováveis. Nestes compartimen- (Fernandes & Silva, 1994). as nascentes que a compõem até a
tos geográficos interagem as comunidades sua foz) está inserida dentro do ter-
rurais com os componentes dos meios fí- Conceitos de ritório do município.
sico e bióticos. bacias hidrográficas
quanto à sua ocupação A água como
Conceitos de bacia e territorial indicadora da qualidade
sub-bacia hidrográfica A partir da Constituição Federal, de ambiental das bacias
O termo bacia hidrográfica refere-se a outubro de 1998 (Brasil, 2000), todos os hidrográficas
uma compartimentação geográfica natural corpos d’água passaram a ser de domínio A água é um recurso singular, pois além
delimitada por divisores de água. Este público, sendo: de servir a uma ampla gama de usos, possui
compartimento é drenado superficialmen- a) bens da União: os rios, lagos e quais- a qualidade de atuar como substância in-
te por um curso d’água principal e seus quer correntes de água em terrenos dicadora dos resultados da manipulação
afluentes (Silva, 1995). Os conceitos de de seu domínio, ou que banhem mais da terra pelo homem.
bacia e sub-bacias relacionam-se a ordens de um Estado, sirvam de limites com O deflúvio de uma bacia hidrográfica
hierárquicas dentro de uma determinada outros países, ou se estendem a terri- resulta de fluxos líquidos superficiais e
malha hídrica (Fernandes & Silva, 1994). tório estrangeiro ou dele provenham, subsuperficiais (Resende et al., 1995) e pode
Cada bacia hidrográfica interliga-se com bem como os terrenos marginais e as ser considerado como o produto residual
outra de ordem hierárquica superior, cons- praias fluviais; do ciclo hidrológico, o qual é influenciado
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.15-20, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 17

por três grandes grupos de fatores, ou seja, estas áreas podem ser constituídas pelos estabelecida de acordo com a largura do
clima, fisiografia e uso de solo. Dessa forma, topos de morros e chapadas. curso d’água. A vegetação ciliar é de fun-
a qualidade da água de uma bacia hidro- damental importância na contenção de
gráfica depende das suas interações no Zonas de erosão sedimentos, erosão de margens, regula-
sistema, tanto no plano espacial quanto Imediatamente abaixo das áreas de rização de vazões e proteção da fauna
temporal (Souza, 1996). recarga, distribuem-se as vertentes em aquática. Contudo, a vegetação ciliar deve
A qualidade de cada corpo d’água está declives e comprimentos de rampas favo- estar associada com outras práticas de
relacionada com a geologia, o tipo de solo, ráveis a processos erosivos, podendo ser manejo integrado de bacias hidrográficas.
o clima, o tipo e a quantidade de cobertura acelerados pelo uso impróprio. Estas áreas,
vegetal e o grau e modalidade de ativida- dentro das bacias hidrográficas, são deno- Interação entre
de humana dentro da bacia hidrográfica minadas zonas de erosão. Nelas o escoa- recursos naturais
(Lake..., 1988 e Valente & Castro, 1981). mento superficial tende a predominar sobre e atividades antrópicas
Assim, o uso e ocupação das bacias o processo de infiltração. em bacias hidrográficas
hidrográficas refletem, em última instância, Podem ser cultivadas com lavouras No início, o processo de gerenciamento
na qualidade e na quantidade das águas anuais/perenes e pastagens, desde que sis- e planejamento de bacias hidrográficas
superficiais e subterrâneas (Ranzini, 1990). temas de controle à erosão sejam implan- visava basicamente à solução de problemas
tados, de forma que os comprimentos de relacionados com a água, com prioridade
Zonas hidrogeodinâmicas rampas sejam seccionados através de faixas para o controle de inundações, para os
de bacias hidrográficas vegetativas de retenção, terraços, cordões abastecimentos doméstico e industrial, para
e suas implicações na em contorno e outras medidas adequadas a irrigação ou para a navegação. O enfoque
capacidade ambiental de a cada situação e condições climáticas. principal dessa estratégia continua, em
suporte do solo Implantando-se estas técnicas, reduz-se o muitos casos, sendo a água, sem atentar
As características e distribuição dos escoamento superficial e aumenta-se a infil- para o manejo adequado dos outros re-
solos dentro das bacias hidrográficas de- tração. Estas áreas são as principais con- cursos ambientais da bacia hidrográfica que
terminam, em função da sua capacidade tribuintes para o carreamento de sedimen- também influenciam, quantitativa e quali-
ambiental de suporte, as diferentes alter- tos para os cursos d’água e reservatórios tativamente, o ciclo hidrológico (Pires &
nativas para uso e ocupação sem com- e podem causar assoreamento e elevação Santos, 1995).
prometimento do meio ambiente, sobretudo da turbidez das águas superficiais. Uma vez que as etapas principais do ciclo
a qualidade e quantidade de água em cir- hidrológico se processam nos limites dos
culação dentro da respectiva bacia hidro- Zonas de sedimentações - divisores de água, as bacias hidrográfi-
gráfica. várzeas cas constituem-se nas unidades coerentes
De modo geral, a paisagem pode ser O segmento mais baixo das bacias para implantação de medidas integradas
dividida em zonas hidrogeodinâmicas, hidrográficas são as planícies fluviais, (envolvendo todos os recursos naturais/am-
como a seguir. vulgarmente denominadas várzeas, que bientais) de controle do balanço infiltrações/
constituem a zona de sedimentação (de- escoamento superficial das águas das chu-
Zonas de recarga posição) nas bacias hidrográficas. vas. Enquanto a infiltração das águas de
Os solos profundos e permeáveis lo- Sobretudo nas regiões mais aciden- chuvas são altamente benéficas, garantindo
calizados em áreas de relevo suave, são tadas, estas planícies apresentam consi- o abastecimento do lençol freático e a dispo-
fundamentais para abastecimento dos derável aptidão para o uso agropecuário, nibilidade hídrica para as plantas, o escoa-
lençóis freáticos. Estas áreas, portanto, são especialmente para a agricultura familiar. mento superficial (enxurrada) constitui perda
denominadas de zonas de recarga e devem, Algumas destas planícies, entretanto, irreversível das águas, durante a estação chu-
dentro do possível, ser mantidas sob vege- apresentam sérios riscos de inundações que vosa, pelas bacias hidrográficas, além de
tação nativa. Se estas áreas forem utilizadas podem inviabilizar a instalação de infra- causar erosão, inundações e transporte de
e ocupadas com atividades agropecuárias, estruturas e residências, bem como a uti- poluentes e contaminantes para as águas
a função de recarga pode ser prejudicada lização agropecuária no período das chuvas. superficiais (Fig. 7).
pela impermeabilização decorrente da com- Por outro lado, neste segmento da paisa- Os principais componentes das bacias
pactação dos solos pela mecanização agrí- gem, o lençol freático próximo da superfície hidrográficas - solo, água, vegetação e fau-
cola e pisoteio pelo gado. A utilização de exige cuidados redobrados na implantação na - coexistem em permanente e dinâmica
agroquímicos de baixa retenção pelo solo de fossas sanitárias, fossos para emba- interação, respondendo às interferências
pode levar, fatalmente, à contaminação do lagens de agrotóxicos e na aplicação de naturais (intemperismo e modelagem da
lençol freático carreado pelas águas que agroquímicos de elevada solubilidade. É paisagem) e aquelas de natureza antrópica
infiltram no solo. neste segmento da paisagem que deve (uso/ocupação da paisagem), afetando os
Nas diferentes bacias hidrográficas, permanecer a vegetação ciliar cuja largura é ecossistemas como um todo. Nesses com-
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18 Manejo de microbacias

atende às necessidades do presente sem culturais, com ênfase no primeiro, pois a


Agropecuária comprometer as possibilidades de as ge- capacidade ambiental de dar suporte ao de-
Urbanização
Industrialização rações futuras atenderem suas próprias senvolvimento possui sempre um limite, a
Precipitação Mineração necessidades” (Espinosa, 1993). Esse con- partir do qual todos os outros aspectos
Calor Barragens ceito procura incorporar a conservação serão inevitavelmente afetados (Pires &
Solo Água
ambiental ao crescimento econômico e à Santos, 1995). Em outras palavras, o uso e
eqüidade social. a ocupação são condicionados pelas carac-
Flora Fauna Desenvolvimento sustentável é uma terísticas intrínsecas de cada sub-bacia
expressão que reflete uma grande aspiração hidrográfica. Estas determinam as potencia-
da sociedade, mas que não é facilmente al- lidades e limitações para as diversas modali-
cançável. Tradicionalmente, o planejamento dades de uso/ocupação e a potencialização
tem sido elaborado e implantado de forma de conflitos de interesses.
setorial, com carências muito significativas
Sedimentos
de coordenação e integração intersetoriais.
Resíduos PLANEJAMENTO E GESTÃO DE
Vazão Um dos grandes desafios que enfrentam os
BACIAS HIDROGRÁFICAS
governos e a sociedade, em geral, é o de de-
Determinação de
índices de degradação senvolver e de usar sistemas de gestão, O gerenciamento eficaz de bacias hi-
capazes de fomentar e conciliar os três obje- drográficas requer, antes de tudo, um pro-
Figura 7 - Interações entre os componentes tivos do desenvolvimento sustentável. cesso de planejamento socioeconômico
de uma bacia hidrográfica A proposta para manejo integrado de ambiental dessas unidades, a fim de buscar
recursos naturais em nível de bacias hidro- soluções que se enquadrem dentro dos li-
gráficas refere-se, em última instância, ao mites da capacidade de suporte ambiental
partimentos naturais - bacias/sub-bacias ordenamento do uso/ocupação da paisagem, delas. Dessa forma, são fundamentais a ca-
hidrográficas, os recursos hídricos cons- observadas as aptidões de cada segmento e racterização e o conhecimento da capacida-
tituem-se indicadores das condições dos sua distribuição espacial na respectiva bacia de de suporte, dos riscos ambientais e dos
ecossistemas no que se referem aos efeitos hidrográfica. Trata-se, portanto, de uma pro- objetivos de qualidade ambiental inerentes
do desequilíbrio das interações dos res- posta concreta para desenvolvimento sus- às unidades socioeconômicas (comunida-
pectivos componentes. tentado, aqui entendido como o uso dos des, produtores e famílias rurais) inseridas
Assim, podem-se determinar, com razoá- recursos naturais para fins múltiplos e ocu- na unidade biogeofísica (sub-bacia hidro-
vel consistência, prioridades nas interven- pação dos ecossistemas, observados seus gráfica).
ções técnicas para correção e mitigação de respectivos limites de aptidão, atentando para É imprescindível que em todas as eta-
impactos ambientais negativos que ocorram a prevenção, correção e mitigação de pro- pas do planejamento e do gerenciamento
nas bacias/sub-bacias hidrográficas. váveis impactos ambientais indesejáveis sob de bacias hidrográficas haja a participação
Por isso, as bacias e sub-bacias hidro- o ponto de vista econômico, social e eco- e o envolvimento dos atores sociais, de
gráficas vêm-se consolidando como com- lógico. maneira que esses usuários dos recursos
partimentos geográficos coerentes para Dentro deste enfoque, os recursos na- naturais possam negociar e acatar as nor-
planejamento integrado do uso e ocupação turais são considerados como integrantes mas e diretrizes de uso, de apropriação,
dos espaços rurais e urbanos, tendo em da paisagem em estreita interação entre de conservação e desenvolvimento de seu
vista o desenvolvimento sustentado no seus constituintes. Nenhuma denominação território de forma sustentada. Nesse sen-
qual se compatibilizam atividades econô- é mais apropriada que manejo da paisagem, tido, é fundamental que os usuários tenham
micas com qualidade ambiental. que implica no uso, ocupação e manejo, conhecimento do ambiente que os envolve,
adequando-os às especificidades de cada suas potencialidades e fragilidades, com-
INTEGRAÇÃO ENTRE USO elemento da paisagem nos aspectos de ap- preendendo, assim, os mecanismos de
DOS RECURSOS NATURAIS E tidão múltipla, dinâmica hidrológica, po- regulação do uso do solo e dos demais re-
DESENVOLVIMENTO sição estratégica e inter-relações entre os cursos naturais.
SUSTENTÁVEL EM recursos naturais. A metodologia recomendada para pla-
BACIAS HIDROGRÁFICAS Portanto, o planejamento e o gerencia- nejamento e gerenciamento de bacias hi-
A palavra sustentabilidade tem sua mento de bacias hidrográficas devem in- drográficas incorpora técnicas de análise
origem no latim sus-tenere, que significa corporar todos recursos naturais/ambien- integrada de recursos, envolvendo méto-
sustentar ou manter (Ehlers, 1996). tais da área de drenagem da bacia e não dos participativos.
A Comissão Mundial de Meio Am- apenas o hídrico. Além disso, a aborda- O processo de planejamento socio-
biente e Desenvolvimento definiu desen- gem adotada deve integrar os aspectos am- econômico ambiental consiste em estabe-
volvimento sustentável como “aquele que bientais, sociais, econômicos, políticos e lecer objetivos e metas, definidos pelas ca-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.15-20, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 19

racterizações e diagnósticos participativos, manejo e conservação de solos em nível hidrográficas. Logicamente, as ações/me-
que orientarão o gerenciamento da bacia de propriedades rurais isoladas, pois inte- didas recomendadas são funções de cada
hidrográfica. gram medidas de saneamento básico/saúde realidade biofísica e socioeconômicas das
A etapa de diagnóstico socioeconômico pública, proteção de nascentes, critérios bacias trabalhadas.
ambiental resume a análise das condições para delimitação de reservas florestais/ Com a subdivisão de uma bacia hidro-
socioeconômicas e ambientais atuais diante ecológicas, recuperação de áreas degra- gráfica de maior ordem em seus compo-
do uso e ocupação da bacia hidrográfica e dadas, proposição de alternativas pro- nentes (sub-bacias hidrográficas), tornam-
pode ser dividida em quatro atividades dutivas em consonância com as aptidões se mais viáveis:
distintas: agroclimáticas das bacias hidrográficas e a) a transformação de condições di-
a) inventário e levantamento de dados distribuição dos sistemas viários. Todas fusas de problemas ambientais para
e informações sobre as condições estas medidas são planejadas e implan- condições pontuais, facilitando sua
socioeconômicas sobre os meios fí- tadas, considerando-se o contexto das ba- identificação, seu controle e o esta-
sico e biótico; cias hidrográficas. Em síntese, o elenco de belecimento de prioridades para a
medidas de manejo integrado de bacias operacionalização;
b) levantamento de áreas ambientais
hidrográficas busca adequar a interveniên-
críticas; b) a identificação de focos de degradação
cia antrópica às características biofísicas
c) interpretação, juntamente com os de recursos naturais, da natureza dos
destas unidades naturais, sob gestão inte-
usuários, das informações obtidas processos de degradação ambiental
grativa e participativa, de forma que mini-
nos levantamentos/caracterizações, instalados e do grau de comprometi-
mizem impactos negativos e garanta o de-
relacionando e hierarquizando os mento da produção sustentada;
senvolvimento sustentado.
principais problemas e potencialida- Grande parte das práticas recomen- c) a priorização e hierarquização de sub-
des da sub-bacia hidrográfica, esta- dadas para manejo integrado das bacias bacias hidrográficas para implan-
belecendo seus efeitos principais e hidrográficas é de notório conhecimento tação de medidas atenuadoras da-
paralelos e relacionando os efeitos de técnicos e usuários dos recursos natu- queles processos;
atuais com as causas dos problemas; rais, entretanto, a implantação destas prá- d) a municipalização dos trabalhos, uma
d) análise das informações e classifi- ticas é efetuada isolada e pontualmente, vez que as sub-bacias de menor grau
cação das unidades da paisagem e muitas vezes com reflexos localizados e hierárquico se inserem, em sua maior
dos ecossistemas de acordo com a insignificantes (Fernandes,1998). parte, dentro dos territórios munici-
sua capacidade de suporte, consi- Basicamente as propostas do MIBH pais;
derando suas limitações e potencia- enfocam três linhas mestras, representadas e) as concentrações de esforços téc-
lidades, identificando áreas/usos de como vértices do triângulo da Figura 8, ou nicos, administrativos e financeiros
conflito. seja: produção, preservação e recuperação. em unidades físicas (bacia hi-
Com base nesse estudo e nos aspectos As diferentes ênfases para cada um dos drográfica) bem definidas, refletindo
legais inerentes, o plano poderá gerar um vértices estão em função das especificida- em racionalização operacional e
mapa, enfocando o zoneamento ambiental des de cada bacia/sub-bacia hidrográfica. respectivos recursos. Desta concen-
da bacia hidrográfica. O equilíbrio destas ações básicas reflete tração de esforços resulta uma in-
Nas etapas seguintes, são definidas as concretamente ações de desenvolvimento tegração interinstitucional/interdisci-
questões prioritárias para a bacia hidro- e produção sustentados em nível de bacias plinar efetiva/eficaz;
gráfica e as principais intervenções pro-
f) a quantificação dos custos ambien-
postas, geradas a partir das caracterizações,
tais.
da integração das análises que envolvem
as dimensões ambientais, sociais e eco- Produzir Aplicações do MIBH
nômicas e dos diagnósticos.
Além de constituir um instrumento
A última etapa consiste no estabeleci-
coerente para planejamento do uso dos
mento de um programa de monitoramento e
recursos naturais e da ocupação do espaço
gerenciamento da bacia hidrográfica.
Manejo geográfico, tanto rural quanto urbano, a
sustentável metodologia de MIBH pode ser aplicada
MANEJO INTEGRADO DE
em uma variada gama de atividades ine-
SUB-BACIAS HIDROGRÁFICAS
Preservar Recuperar rentes às atividades antrópicas, sobretudo
(MIBH)
em aspectos relacionados com o Estudo
As práticas de MIBH transcendem a Figura 8 - Ações de manejo integrado de de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto
ainda persistente aplicação de técnicas de bacias hidrográficas Ambiental (EIA/Rima), planos de controle
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.15-20, nov./dez. 2000
20 Manejo de microbacias

ambientais, planos diretores de municípios de extensão rural (Emater-MG) a incorporação REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
e de grandes/médias bacias hidrográficas, de sub-bacias hidrográficas, em nível de mu- BARUQUI, A. M.; FERNANDES, M. R.
recuperação de áreas degradadas, proteção nicípios, ao processo de manejo integrado Práticas de conservação do solo. Informe
de mananciais para abastecimento público dos recursos naturais dentro do contexto de Agropecuário, Belo Horizonte, v.11, n.128,
p.55-69, ago. 1985.
e de reservatórios para geração de energia bacias hidrográficas de nível hierárquico
e perenização de cursos d’água. superior. BRASIL. Constituição. Constituição da Re-
pública Federativa do Brasil: promulgada
Considera-se que um significativo per- Dentro desse enfoque, os territórios mu-
em 5 de outubro de 1988. 25.ed.rev.atual.
centual das áreas das bacias hidrográficas nicipais podem ser subdivididos em peque- ampl. São Paulo: Saraiva, 2000. 307p.
é constituído pelo espaço rural, sendo que nas sub-bacias hidrográficas com caracterís- BRASIL. Ministério do Meio Ambiente dos
nesse espaço as atividades agropecuárias ticas sociofisiográficas próprias, em aspectos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal.
são aquelas que ocupam maiores extensões relacionados com o uso/ocupação, as densi- Política nacional de recursos hídricos.
do espaço geográfico. Os impactos gera- dades demográficas, em nível socioeconô- Brasília, 1997. p.3-11.
dos por estas atividades, além da natureza mico, aos sistemas viário e hidrológico. A EHLERS, E.M. Agricultura sustentável: ori-
tipicamente difusa, podem ser refletidos Figura 9 sintetiza esta estratégia, eviden- gens e perspectivas de um novo paradígma.
nas bacias hidrográficas de ordem hie- ciando a importância das sub-bacias hidro- São Paulo: Livros da Terra, 1996. 178p.
rárquica superior. gráficas no contexto das bacias hidrográficas ESPINOSA, H.R.M. Desenvolvimento e meio
ambiente sob nova ótica. Ambiente, São
Os reflexos das medidas de manejo inte- de ordem hierárquica superior.
Paulo, v.7, n.1, p.40-44, 1993.
grado das bacias hidrográficas transcendem Com a estratificação do território muni-
FERNANDES, M.R. Controle integrado de erosão
às áreas rurais, refletindo em garantia de cipal nos componentes sociofisiográficos hídrica: proposta estratégica para Minas Ge-
abastecimento hídrico, tanto em qualidade (sub-bacias), têm-se a unidade celular polí- rais. In: AÇÃO ambiental. Viçosa: UFV, 1998.
quanto em quantidade, para as populações tica (município) e as unidades celulares FERNANDES, M.R.; SILVA, J. C. Programa
urbanas, processamentos industriais e vida fisiográficas (sub-bacias hidrográficas). As Estadual de Manejo de Sub-Bacias
útil de reservatórios para geração de energia sub-bacias hidrográficas, dentro do ter- Hidrográficas: fundamentos e estratégias.
e lazer. Assim, o espaço rural assume re- ritório municipal, são hierarquizáveis para Belo Horizonte: EMATER-MG, 1994. 24p.
levância não só na produção de alimentos e o estabelecimento de subprogramas muni- The LAKE and reservoir restoration: guidance
fibras, mas também como “produtor” de água cipais de curto, médio e longo prazos. manual. Washington: Environmental Pro-
tection Agency, 1988. 321p.
em qualidade e quantidade satisfatórias ou Dentro da região fisiográfica em que
não, para a utilização múltipla por outros se inserem as sub-bacias hidrográficas pi- PIRES, J.S.R.; SANTOS, J.E. Bacias hidro-
gráficas: integração entre meio ambiente e
segmentos da sociedade. lotos, serão obtidas informações e expe-
desenvolvimento. Ciência Hoje, Rio de
Em Minas Gerais, estado de notória im- riências consistentes de modelos de pro- Janeiro, v.19, n.110, p.40-45, 1995.
portância no contexto hidrológico nacional, dução sustentada, aplicáveis à respectiva RANZINI, M. Balanço hídrico, ciclagem
estabeleceu-se como estratégia para o serviço região. geoquímica de nutrientes e perdas de
solo em duas microbacias reflorestadas
com Eucaliptus saligna Smith, no Vale
do Paraíba, SP. Piracicaba: ESALQ, 1990.
99p. Dissertação (Mestrado em Ciências
Florestais) – Escola Superior de Agricultura
“Luiz de Queiroz”, 1990.
PBH MBH GBH
RESENDE, M.; CURI, N.; REZENDE, S. B.;
CORRÊA, G. F. Pedologia: base para dis-
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SILVA, A.M. Princípios básicos de hidrolo-
gia. Lavras: UFLA - Departamento de En-
Participação do usuário genharia, 1995.
SOUZA, E.R. Alterações físico-químicas no
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decorrentes da atividade agrícola. Lavras:
UFLA, 1996. 91p. Dissertação (Mestrado
Operacionalização de recursos em Engenharia Florestal/Manejo Ambien-
tal) – Universidade Federal de Lavras, 1996.
VALENTE, O.F.; CASTRO, P.S. e. Manejo de
Figura 9 - Relevância das pequenas bacias hidrográficas (PBH), na implementação do bacias hidrográficas. Informe Agrope-
MIBH, em comparação com as médias bacias hidrográficas (MBH) e grandes cuário, Belo Horizonte, v.7, n.80, p.40-45,
bacias hidrográficas (GBH) ago. 1981.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.15-20, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 21

Recursos naturais da microbacia


Marilusa Pinto Coelho Lacerda 1
Maria Inês Nogueira Alvarenga 2

Resumo - São caracterizados, em uma abordagem ambientalista, os principais recursos


naturais de uma microbacia hidrográfica, tais como rede de drenagem, geomorfologia,
geologia, solos, vegetação e suas inter-relações, e são oferecidos subsídios para a ado-
ção de metodologias sustentáveis de manejo. A microbacia de drenagem é natu-
ralmente delimitada por seus divisores de água, constituindo um ecossistema fechado,
que representa uma unidade geográfica ideal para os estudos de planejamento racional
integrado dos seus recursos naturais. Os principais recursos naturais interagem entre
si e entre a distribuição de solos, na elaboração de estudos conservacionistas de uso
sustentável das terras. Assim, o planejamento do uso dos solos pode ser utilizado na
programação de manejo de uma microbacia, visando o controle ambiental.

Palavras-chave: Bacia hidrográfica; Drenagem; Geologia; Geomorfologia; Manejo.

INTRODUÇÃO elaboração de planejamentos racionais de MICROBACIA HIDROGRÁFICA E


uso das terras. Estes programas de uso REDE DE DRENAGEM
A bacia de drenagem, particularmente a
sustentável dos solos preocupam-se com
microbacia, constitui a unidade geográfica Uma microbacia hidrográfica é definida
a conservação dos recursos naturais e en-
ideal para um planejamento integrado dos como o conjunto de terras drenadas por
volvem a análise integrada deles e dos seus
recursos naturais no ecossistema por ela um rio principal e seus afluentes, cuja de-
mecanismos de interdependência. Muitas
envolvido. É naturalmente delimitada por limitação é dada pelas linhas divisoras de
vezes, os planejamentos têm enfoque re-
seus divisores de água e representa um água que demarcam seu contorno. Estas
ducionista e aplicam-se a apenas alguns
ecossistema fechado, facilmente monito- linhas são definidas pela conformação das
segmentos da paisagem geral, o que leva
rável em todos seus aspectos, constituindo curvas de nível existentes na carta topo-
ao desequilíbrio do ambiente natural.
um campo ideal para estudos do compor- gráfica e ligam os pontos mais elevados da
No caso do desenvolvimento agrícola
tamento e da dinâmica dos fatores am- região em torno da drenagem considerada
sustentável, o gerenciamento, aliado à con-
bientais. Nela localiza-se de maneira natural (Cunha & Guerra, 1996).
servação dos recursos naturais, deve ser
o problema da conservação dos recursos apropriado tecnicamente, viável econo- Uma das formas de descrição de uma
naturais, em razão da inter-relação dos seus micamente e aceitável socialmente, sem microbacia é a hierarquização de seus ca-
atributos bióticos e abióticos, o que cor- degradar o meio ambiente (Water..., 1990). nais de drenagem, ou seja, a definição do
responde a uma unidade fundamental de O ecossistema agrícola, no entanto, é bas- número de ordem deles. A ordem oferece
trabalho nos estudos de planejamentos tante heterogêneo, variável de acordo com maior significado hidrológico do que a to-
conservacionistas do meio ambiente. as características dos meios físico e bióti- ponímia que acompanha o canal na res-
Assim, os principais componentes de co que compõem a superfície terrestre, e pectiva carta topográfica, sendo definida
uma paisagem podem ser caracterizados suas inter-relações proporcionam diferen- de acordo com diversas metodologias, e a
por intermédio da avaliação dos recursos tes ambientes. O padrão de uso antrópi- mais utilizada é a hierarquização de micro-
naturais de uma microbacia representativa co, agrícola ou não, é relacionado com esta bacias proposta por Strahler (1952), na qual
de tal paisagem. A rede de drenagem, a distribuição de ambientes. O conhecimento os menores canais, que iniciam a rede de
geologia, a geomorfologia e a vegetação dos recursos naturais permite, então, avaliar drenagem, são considerados de primeira
são recursos naturais que interagem entre a capacidade de uso das terras, que, asso- ordem. Quando dois canais de primeira
si e entre a distribuição de classes de solo, ciada às condições socioeconômicas, cons- ordem se unem, formam um de segunda
considerado o principal recurso natural na tituirá a base do planejamento agronômico. ordem, que poderá receber um de primeira.

1
Geóloga, Dra, Bolsista FAPEMIG, Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: marilusa@ufla.br
2
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: mines@ufla.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000


22 Manejo de microbacias

A união de dois canais de segunda ordem,


a a
forma um de terceira e assim sucessivamen- 1a 11
a
aa
te. Portanto, numa mesma escala e num 1
mesmo tipo de ambiente, uma drenagem de aa
1aa 11
primeira ordem terá sempre menor volume
a
que uma de segunda, menor número de tri- a 11 a
a
22a 1a
butários, menor descarga recebida e assim 1a
a
a
2a 22 a
a aa
1
aa
por diante (Fig. 10). aa
22
As bacias hidrográficas contíguas, de 22
3aa a
1a 1a
1
a

3a
a
qualquer hierarquia, estão interligadas pelos 1
aa
a
divisores topográficos, formando uma rede
aa
22a aa
a
11a
onde cada uma delas drena água, material 1 2
a
2
2a
sólido e dissolvido para uma saída comum a aa a
1a
11a
2
ou ponto terminal, que pode ser outro rio de
hierarquia igual ou superior, lago, reser- 4aa
aa

vatório ou oceano. O sistema de drenagem 1 11


a
a

1a
a
formado é então considerado aberto, onde
ocorre entrada e saída de energia (Guerra & Figura 10 - Hierarquização de bacia de drenagem
Cunha, 1996). FONTE: Strahler (1952).
A bacia de drenagem tem papel fun-
damental na evolução do relevo, uma vez
GEOMORFOLOGIA rentes a todos os compartimentos e for-
que os cursos d’água constituem impor-
mas de relevo. Dessa forma, observações
tantes modeladores da paisagem. França A geomorfologia é a ciência que estuda
geomorfológicas das feições antigas (su-
(1968) atribuiu as variações no padrão de a forma, gênese e evolução do modelado
perfícies aplainadas, relevos residuais etc.)
drenagem à natureza do solo, à posição to- dos relevos de uma paisagem. Representa
conduzem à visualização da paisagem atual.
pográfica e à natureza e profundidade do a expressão espacial de uma superfície,
A geomorfologia moderna procura, ainda,
substrato rochoso. Pelo caráter integra- compondo diferentes configurações da
entender os processos morfoclimáticos e
dor, nas unidades ambientais e, entre elas, paisagem morfológica. É o seu aspecto vi-
pedogênicos atuais, em sua plena atuação;
as bacias de drenagem revelam-se excelen- sível, a sua configuração, que caracteriza o
ou seja, procura entender globalmente a
tes áreas de estudos para planejamentos. modelado topográfico de uma área. Entre-
fisiologia da paisagem, através da dinâmica
As características naturais (topografia, tanto, a geomorfologia não se detém ape-
climática e observações mais detalhadas.
geologia, solos e clima) podem contribuir nas em estudar a topografia, pois envolve
A geomorfologia pode possuir um ca-
para a erosão potencial das encostas e para os processos responsáveis pela configu-
ráter integrador, conforme Guerra & Cunha
os desequilíbrios ambientais das bacias hi- ração de um relevo, que podem ser endó- (1996), na medida que procura entender a
drográficas. Na maioria das vezes, os fa- genos ou exógenos. Os primeiros referem- evolução espaço-tempo dos processos do
tores naturais iniciam os desequilíbrios que se às mudanças ocorridas na litosfera; en- modelado terrestre, tendo em vista escalas
serão agravados pelas atividades humanas quanto os processos exógenos traduzem de atuação desses processos, antes e de-
na bacia (Guerra & Cunha, 1996). A agres- as mudanças ocorridas na atmosfera, bios- pois da intervenção humana, em um de-
são aos recursos hídricos é comum em todos fera e hidrosfera. Na verdade a gênese de terminado ambiente. O geomorfólogo tem
os segmentos da maioria das comunidades um relevo é elaborada pela integração de que estar muito atento a essa intervenção,
antrópicas, mesmo com legislações muito ambos os processos no espaço e no tem- que pode acelerar em poucos anos proces-
bem elaboradas. po (Rostagno, 1999). sos geomorfológicos, o que levaria déca-
Os desequilíbrios ambientais originam- Para Ab’Sáber (1969), a geomorfologia das ou até séculos e milhares de anos para
se, muitas vezes, da visão setorizada dentro é o campo que cuida da compartimentação acontecer.
de um conjunto de elementos que compõem da topografia regional, assim como da ca- É evidente que o relevo atual, cuja di-
a paisagem. A bacia hidrográfica, como racterização e descrição das formas de re- versidade superficial é o produto do intem-
unidade integradora desses setores (na- levo de cada um dos compartimentos. Além perismo da rocha e da cobertura vegetal,
turais e sociais), deve ser administrada com dessas preocupações topográficas e mor- comporta um saldo de interferências que
esta função, a fim de que os impactos am- fológicas básicas, a geomorfologia procura somente pode ser compreendido à custa
bientais sejam minimizados (Guerra & Cu- obter informações sistemáticas sobre a de uma investigação minuciosa das co-
nha, 1996). estrutura superficial das paisagens, refe- berturas superficiais, sem esquecer que a
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 23

base litológica da paisagem é muito in- Portanto, como componente da pai- considerados como fatores geológicos en-
fluenciada pelos diferentes domínios climá- sagem, associado aos demais; o modelado dógenos e exógenos (Popp, 1988). Avalia,
ticos. É dessa forma complexa que os es- de uma paisagem representada por uma mi- também, a resistência das rochas em re-
tudos geomorfológicos podem servir às crobacia pode ser considerado como uma lação aos agentes intempéricos/erosivos,
disciplinas vizinhas e atingir algo mais obje- grande “moldura”, que encaixa e “acomo- segundo sua origem e constituição mine-
tivo para a restauração dos eventos que res- da” os recursos da natureza. ralógica, responsáveis pela elaboração de
ponderam pela evolução do relevo e pelas formas de relevo.
tranformações globais e locais da própria GEOLOGIA As rochas, que constituem a crosta ter-
paisagem (Rostagno, 1999). restre, podem ser associadas nos seguintes
Davis (1989), citado por Melo (1991), A geologia envolve o estudo do subs- grupos genéticos:
criou um modelo de descrição da evolução trato rochoso de uma dada região ou de uma a) rochas ígneas e metamórficas: 95%
da paisagem denominado “ciclo normal de microbacia, ou seja: composição, proprie- do volume, 25% da superfície da cros-
erosão ou ciclo geográfico”, cujo esquema dades físicas e químicas, formas caracterís- ta terrestre;
fundamental é a seqüência de fases evolu- ticas de ocorrência, processos de origem e b) rochas sedimentares: 5% do volume,
tivas cíclicas até o aplainamento gene- idade geológica das rochas. A geologia es- 75% da superfície da crosta terrestre.
ralizado. Forma-se, então, uma superfície trutural analisa o modo de ocorrência das Os Quadros 1, 2, 3 e 4 apresentam a
previamente aplainada que, no decorrer rochas, a espessura e disposição das ca- classificação/caracterização genérica des-
dos estádios de erosão, será dissecada, madas, dobradas ou falhadas, além da forma tes grupos genéticos de rochas.
formando cristas e vales rebaixados e aplai- de ocorrência em massas espessas e com-
nados. O peneplano sofrerá novo rejuve- pactas. RELAÇÃO GEOLOGIA x
nescimento quando, após um novo soer- A petrografia, considerada como base GEOMORFOLOGIA
guimento tectônico, terá início outro ciclo das ciências geológicas, estuda a compo- A natureza das rochas, representada ba-
de erosão. De acordo com Rostagno (1999), sição mineralógica/geoquímica, a classifi- sicamente pela constituição mineralógica/
o modelo de Penck é semelhante ao de cação das rochas e os fenômenos gené- geoquímica e estruturação, sob a ação de
Davis, porém distintos na essência, pois o ticos formadores da crosta terrestre, assim diferentes condições morfoclimáticas e
soerguimento é constante, não havendo como o conjunto geral de processos que agentes de erosão, tais como águas cor-
ciclos, e a erosão está sempre atuando. agem na superfície e no interior da Terra, rentes (erosão linear ou vertical), erosão

QUADRO 1 - Associação genérica de rochas ígneas

Conteúdo em Cristalização Diferenciação Composição mineralógica


Gênese
SiO2 plutônica vulcânica essencial

Magmas graníticos Ácida Granitos Riolitos FK, FNa-Ca, Q

Granodioritos Dacitos FCa-Na, FK, Q, M, B

Intermediária Tonalito Q-dacito FCa-Na, Q, M, B, A

Monzonito Latito FK, FNa-Ca, M

Diorito Andesito FCa-Na, B, A, P

Sienito Traquito FK, Fd(Q)

Magmas toleiíticos Básica Gabros Basalto FCa-Na, B, A(P), [Fe,Ti]

Hornblenditos Basalto A, [Fe,Ti]

Piroxenitos P-basalto P(A), [Fe,Ti]

Ultrabásica Peridotitos P,OL-basalto P(A), OL, [Fe,Ti]

Dunitos OL-basalto OL, [Fe,Ti]

FONTE: Dados básicos: Willians et al. (1982).


NOTA: FK - Feldspato potássico; FCa-Na e FNa-CA - Plagioclásico cálcio-sódicos e sódico-cálcicos; Q - Quartzo; M - Mica branca (moscovita);
B - Biotita; A - Anfibólio; P - Piroxênio; OL - Olivina; Fd - Feldspatóide; [Fe,Ti] - Óxidos de ferro e titânio.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000


24 Manejo de microbacias

QUADRO 2 - Associação genérica de rochas metamórficas

Rochas
Fácies
T(oC) metamórficas Pelíticas Básicas/ Ultrabásicas
Graníticas Calcárias

200-500 Xisto-verde Mica-xistos Xistos-graníticos Carbonato-xistos Clorita-epidoto-xistos/Talco-xistos

300-600 Anfibolito Granada, Estaurolita, Gnaisses Mármore a Anfibólio Anfibolitos


Cianita-xistos e/ou Piroxênio

>500 Granulito Sillimanita-granulitos Granulitos graníticos Granulitos cálcicos Granulitos básicos/ Ultrabásicos

>600 Eclogito _ _ _ Onfacita-piropo (cianita-rutilo)

FONTE: Dados básicos: Willians et al. (1982).

QUADRO 3 - Classificação dos principais tipos de sedimentos clásticos e rochas sedimentares mecânica sob variações da temperatura e
correspondentes decomposição química, reflete suas pro-
Nomes dos sedimentos ou priedades geomorfológicas ou comporta-
Granulometria rochas sedimentares
Grupos mentais em relação à erosão, sintetizadas a
Atterberg
principais seguir, segundo Penteado (1980):
(mm) Sedimentos Rochas
não-consolidados sedimentares a) grau de coesão entre constituintes:
Sedimentos > 200 Matacões Conglomerados é responsável pela velocidade da in-
cisão linear e pelo trabalho de deso-
granulometria 200 a 20 Cascalho grosso Brechas
bstrução. Depende da natureza do
grossa ou psefitos 20 a 2 Cascalho fino
cimento (rochas sedimentares) e da
porosidade e granulação (rochas
Sedimentos 2 a 0,2 Areia grossa Arenitos grosseiros ígneas e metamórficas). As rochas
granulometria 0,2 a 0,02 Areia fina Arenitos finos não compactas facilitam a escultu-
média ou psamitos ração mais rápida de vertentes;
b) grau de permeabilidade: correspon-
Sedimentos 0,02 a 0,002 Silte Siltitos de ao elemento de escoamento. De-
granulometria <0,002 Argila Argilitos pende da comunicabilidade entre os
fina ou pelitos
poros, da existência de juntas e fis-
suras e grau de solubilidade. A per-
FONTE: Dados básicos: Popp (1988). meabilidade afeta o grau de escoa-
mento superficial;
c) grau de plasticidade: facilita a incisão
QUADRO 4 - Principais sedimentos e rochas sedimentares químicas
linear rápida dos canais, dificulta a
infiltração, aumenta o escoamento
Rocha Composição química
superficial e facilita a evolução das
vertentes sob escoamento concen-
Calcário calcítico CaCO3
trado ou difuso. As rochas plásticas
Calcário dolomítico (Ca, Mg)(CO3)2 são sujeitas ao escorregamento;
d) grau de macicez ou ocorrência de
Depósitos ferruginosos Óxidos/hidróxidos de Fe
planos de descontinuidade. Relacio-
Fosforitos Fosfatos secundários nam-se aos tipos de planos de des-
continuidade: planos de sedimen-
Evaporitos Cloretos, sulfatos e nitratos tação ou estratificação, planos de
FONTE: Dados básicos: Popp (1988). clivagem, planos de diáclases; e
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 25

planos de xistosidade. Os planos de maior facilidade de perda de coesão nas naltos tabulares ou subtabulares e vales
descontinuidade favorecem a desa- rochas de granulação mais grossa, assim fortemente encaixados de paredes íngre-
gregação mecânica e penetração da como a composição mineralógica: biotita- mes; a densidade de drenagem é fraca
água, permitindo lubrificação da su- granitos são mais facilmente alterados. acompanhando a rede de diáclases e fis-
perfície de contato entre os planos, Relevo: Predomina a erosão linear sobre a suras.
provocando escorregamentos, con- erosão das vertentes; o relevo caracteriza-
gelamento, expansão e quebramento d) argilitos e xistos
se por vales estreitos, fortemente encai-
ao longo dos planos de descontinui- xados, vertentes abruptas, perfis convexos, Apresentam composição química ho-
dade, onde a erosão mecânica pre- pois o escoamento difuso gerador de ver- mogênea (silicatos de alumínio); elementos
para a rocha para o ataque químico; tentes côncavas é pouco eficiente. Ocorre pouco solúveis e arranjo micrométrico dos
e) tamanho dos grãos: as rochas de presença de matacões e arenas. A rede de grãos, possuindo fraca resistência à erosão
granulação fina resistem melhor à drenagem é bastante ramificada devido à mecânica por escoamento superficial, de-
decomposição do que as de granu- impermeabilidade da rocha; os vales são vido à alta plasticidade e, os xistos apre-
lação grossa, pois estas facilitam os atulhados de areias e seixos. O relevo mais sentam, também, planos de xistosidade;
ataques mecânico e químico; comum é o “mar de morros” ou “meias- porém são quase imunes à decomposição
laranjas”, e os “pães-de-açúcar” em climas química.
f) grau de solubilidade dos elementos
componentes de uma rocha: variá- úmidos. Já em climas frios, caracteriza-se Relevo: A evolução do relevo é relativa-
vel; por agulhas finas, pontões e cumes pon- mente rápida e à medida que a drenagem
teagudos. Em climas secos, predominam as escava os vales, as vertentes são reduzi-
g) grau de heterogeneidade: determi-
planícies arenosas, cristas rebaixadas, vales das, dando formas suavemente onduladas.
na a velocidade do ataque químico;
alargados pela grande contribuição das Em clima úmido, o relevo apresenta-se com
o ataque químico aos elementos mais
arenas das vertentes e pela incompetência aspecto de colinas muito pouco onduladas,
solúveis permite a desagregação dos
do transporte. Enquanto nos climas tempe- de cristas convexas. Nos climas secos, a
demais, rompendo-se a coesão da ro-
rados e nos tropicais quentes e permanen- decomposição química é insuficiente, a
cha.
temente úmidos os granitos dão as saliências paisagem caracteriza-se por vertentes incli-
De acordo com o comportamento das nadas e recortadas pela erosão dos canais.
topográficas, nos climas semi-áridos ou com
rochas em face de erosão, podem-se clas-
estação seca definida, eles correspondem a e) calcários
sificar os principais tipos de rocha que são
porções deprimidas e vales.
responsáveis pela elaboração do relevo em: Rochas sedimentares de origem quí-
Os gnaisses resistem menos que os gra-
mica que apresentam alta solubilidade.
a) quartzitos nitos em climas quentes e úmidos devido à
textura foliada; os vales encaixados em Relevo: Característico, denominado relevo
Rochas sedimentares de composição si-
gnaisses serão mais profundos e mais cárstico. Caracteriza-se pela ausência de
licosa homogênea, equigranular; quando
abruptos; já em climas secos, os gnaisses rede de drenagem organizada, desenvol-
o cimento é silicoso corresponde ao tipo
permanecem em ressalto originando cristas, vimento de galerias e cavernas com formas
de rocha que melhor resiste ao ataque quí-
devido aos planos de foliação metamórfica. de estalactites e estalagmites, rios subter-
mico. São muito resistentes pela homoge-
râneos e dolinas.
neidade, natureza dos grãos e pelo fissura-
c) arenitos
mento que reduz o escoamento superficial.
Rochas sedimentares que apresentam SOLOS
Relevo: Constituem as cristas e arestas mais
planos de descontinuidade (estratificação), Em nível de microbacia hidrográfica, o
elevadas de uma paisagem.
são relativamente homogêneas, e quando conhecimento de ambientes complexos e
b) rochas cristalinas (granitos/ silicificadas em alto grau são impermeáveis. multivariáveis como os ecossistemas na-
gnaisses) Em geral, a grande permeabilidade as tor- turais, ocupados ou não por atividades
São rochas coerentes, duras, impermeá- nam resistentes à erosão, especialmente a antrópicas, é facilitado por sua estrati-
veis, não plásticas, mas possuem planos de química. O ataque se faz através das fis- ficação em segmentos representativos dos
descontinuidade e são heterogêneas, com suras, a partir da base dos conjuntos ro- seus diversos recursos naturais. Estes
cristais de plagioclásio mais intemperizáveis chosos (solapamento basal), por erosão interagem entre si e particularmente na
ao lado de cristais de quartzo de forte resis- mecânica; e, à medida que a base é sola- distribuição dos solos, sendo então a es-
tência ao intemperismo. Daí a facilidade de pada, os flancos desmoronam, segundo tratificação de ambientes por intermédio do
alteração dos granitos, especialmente sob planos verticais de diáclases. A vertente levantamento de solos muito útil (Resende,
certas condições de clima (quente e úmido). recua sem perder a verticalidade. 1983). O solo é o principal recurso natural
O tamanho dos grãos variável explica o Relevo: Os relevos originados apresentam para o aproveitamento agrícola, mas pode
comportamento diferenciado, devido à nitidez das formas com contrastes entre pla- ser esgotado, se mal utilizado.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000
26 Manejo de microbacias

O solo é o resultado da ação do clima e ORGANISMOS


organismos (fatores ativos) sobre rochas CLIMA

e sedimentos (fatores passivos), sob influ-


ência do relevo, depois de um determinado
tempo; podendo ser representado pela
ROCHAS
“equação” expressa na Figura 11. E SOLO
TEMPO
A variabilidade de ocorrência de solos SEDIMENTOS
é muito grande, porque mesmo que a maior
(RELEVO)
parte dos fatores de formação do solo seja
mantida, ao variar um desses componen-
Figura 11 - Fatores de formação dos solos
tes, têm-se produtos (solos) diferentes. Por
FONTE: Dados básicos: Resende et al. (1995).
exemplo, comparando-se os solos de topo
e base de uma encosta, eles vão-se dife-
renciar pelo menos na profundidade e teor volvimento de características pedogené- sempre será um suporte para a transfe-
de matéria orgânica de seus horizontes. Há ticas específicas. Os mais comuns são o rência de energia na Terra.
uma tendência nítida de se encontrar solos horizonte Bw (B latossólico) que é o ho-
mais rasos e mais férteis em condições de rizonte diagnóstico dos Latossolos, o ho- Relação solos x rede de
rizonte Bt (B textural), diagnóstico de várias drenagem
clima seco e quente (Nordeste) e solos mais
profundos e ácidos em condições de clima classes de solos, sendo as mais comuns O modelo ou padrão de drenagem de
frio e úmido (Sul), originários de mesmo os Podzólicos e o Bi (B incipiente) diagnós- uma região ou microbacia corresponde ao
substrato rochoso. tico de Cambissolos. arranjo planimétrico dos cursos d´água,
De maneira geral, em condições de biocli- O horizonte C é aquele que se encontra sugerindo uma tendência de arranjamento.
mas mais ativos (elevada precipitação e/ou menos intemperizado, mais próximo do O estudo do padrão de drenagem é bastante
temperatura), os solos são mais desen- material de origem e, conseqüentemente, é útil, embora seja difícil estabelecer regras
volvidos do que em condições de bioclimas aquele que guarda maior relação com o generalizadas. Existem seis tipos básicos
menos ativos. No que se refere ao desenvol- material de origem. Além desses, existem de padrões de drenagem (Fig. 13). O modelo
vimento do solo, entende-se que sua idade outros horizontes e camadas que definem mais comum em condições brasileiras é o
está mais relacionada com o desenvol- e constituem outros solos. De forma ge- dendrítico. Este padrão forma-se na presen-
vimento do perfil do que com a idade cro- neralizada podemos entender o desenvol- ça de substrato que oferece resistência uni-
nológica propriamente dita. Dessa forma, a vimento dos solos de acordo com o esque- forme na horizontal (Marchetti & Garcia,
idade do solo é avaliada pelo número e de- ma apresentado na Figura 12, segundo 1977).
senvolvimento dos horizontes e/ou ca- Resende et al. (1995). O padrão de drenagem desenvolvido
madas diferenciadas de solo em um perfil. Os solos ocupam posição peculiar nos em uma área é em grande parte função da
Basicamente os solos mais desenvol- ecossistemas, porque são o resultado da relação infiltração/escoamento. Esta razão
vidos são constituídos pela seqüência de ação conjunta de vários fatores ambientais está por sua vez intimamente relacionada
horizontes (A) – (B) – (C) , assentados sobre e, ao mesmo tempo, importantes compo- com as características do solo, embora o
(R), que pode ser a rocha ou sedimentos de nentes do ambiente, por serem suporte de substrato rochoso, clima, relevo e a cober-
origem do solo. A espessura e desenvol- desenvolvimento de várias formas de vi- tura vegetal da região exerçam influência.
vimento desses horizontes varia em função da, que sustentam outras formas de vida e Solos relativamente arenosos, devido à tex-
dos fatores de formação dos solos (Fig. 11) assim sucessivamente; são a base da trans- tura grosseira favorecem a infiltração em
e, de maneira geral, quanto mais distante da ferência de energia na Terra. Assim, depen- detrimento do deflúvio, mostrando um pa-
superfície está o material de origem, mais velho dendo do produto formado, o que inclui a drão pouco denso. Solos relativamente argi-
(intemperizado) é o solo. influência marcante do clima, tem-se uma losos oferecem maior resistência à infiltra-
O horizonte A é o horizonte mineral determinada cobertura vegetal e os demais ção, favorecendo o deflúvio e criando um
superficial dos solos, portanto o mais in- componentes ambientais a ela associados, padrão de drenagem mais denso (Mar-
temperizado; está presente naturalmente em o que expressa uma determinada relação chetti & Garcia, 1977). Um exemplo da rela-
todos os solos, como por exemplo nos Li- ambiental e, conseqüentemente, uma de- ção entre a análise de padrão de drenagem
tólicos, que são solos jovens com seqüên- terminada paisagem. O uso antrópico dos em amostras circulares de redes de drena-
cia A – R. solos também implica em relações am- gem e classes de solo é dado na Figura 14.
O horizonte B, subsuperficial, quando bientais, porque qualquer alteração pro-
presente, é também denominado horizonte voca reações no ambiente, que busca um Relação solos x geologia
diagnóstico, por ser aquele que define a novo equilíbrio ou novas relações. Entre- A geologia, notadamente a petrologia,
classe de solo de acordo com o desen- tanto, em qualquer circunstância, o solo através do estudo das rochas, um dos clás-
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Manejo de microbacias 27

Litólicos Solos com B Solos com B Solos com B Hidromórficos


Aluviais incipiente textural Latossólico Halomórficos
Regossolos (Cambissolos) Tiomórficos
Calcimórficos
Areno-quartzosos
Profundos

HORIZONTES PRINCIPAIS

A A A A A
R C Bi Bt
C C Bw

Figura 12 - Esboço das principais classes de solos do Brasil


FONTE: Dados básicos: Resende et al. (1995).

ginal das rochas (Macias & Chesworth,


1992). A influência do material de origem
nos solos é, então, extremamente impor-
tante ao oferecer condições de se predizer
características e propriedades dos solos
formados, considerando os fatores de for-
mação que atuam intimamente no processo
pedogenético.
Dentrítico
Dendrítico Treliça
Treliça Radial
Radial
O produto final do intemperismo de ro-
chas e sedimentos é o solo - um indivíduo
multifásico, multicomponente, multiva-
riável e tridimensional, que se situa na in-
terface atmosfera-litosfera. Na formação
dos solos ocorrem reações físicas, quími-
cas e biológicas que determinam os dife-
rentes horizontes com suas características
Paralelo
Paralelo Anular
Anular Retangular
Retangular peculiares. A composição mineralógica do
solo será função da constituição geoquí-
Figura 13 - Padrões básicos de drenagem
mica do material originário, considerando
FONTE: Marchetti & Garcia (1977).
o processo atuante na sua formação, assim
como as reações químicas envolvidas. A
sicos fatores de fomação dos solos (Macias cionando a decomposição das rochas e seqüência básica de evolução dos solos
& Chesworth, 1992), reveste-se de grande gênese dos solos (Popp, 1988). As pro- ou grau de intemperização é a seqüência
importância no que diz respeito à gênese e priedades e evolução dos solos, especial- de idade (cronosseqüência), isto é: Li-
classificação dos solos, pois é sobre as ro- mente nos estádios iniciais, são fortemente tossolos < Cambissolos < Solos com ho-
chas que os demais fatores de formação afetados pela composição química e mine- rizonte B textural < Latossolos (Resende et
exercem sua influência no processo de evo- ralógica, assim como a textura e estrutura al., 1995).
lução dos solos (Rotta, 1972). A porção das rochas das quais eles se originaram. O reconhecimento do material de ori-
externa e superfical da crosta terrestre é Alguns autores consideram que a mor- gem indica, então, características e proprie-
fomada por vários tipos de corpos rocho- fologia dos solos, especialmente quando dades do solo formado, considerando os
sos, constituindo o manto rochoso, sujeito as rochas parentais são metamórficas, é fatores de sua formação, assim como o grau
aos agentes de intemperização, propor- geralmente relacionada com a estrutura ori- de intemperização em que se encontram.
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28 Manejo de microbacias

De maneira genérica podem-se estimar algu-


mas destas características e propriedades
dos solos formados, a partir do tipo de
substrato rochoso pelo qual ele se desen-
volveu e vice-versa (Resende et al., 1995).
Estudos de correlação geopedológica na
região de Lavras, MG, realizados por Lacer-
da (1999), permitiram inferir alguns atribu-
tos químicos e físicos de solos B texturais,
partindo-se do critério do conteúdo de
Fe2O3 nas rochas originais, uma vez que este
encontra-se vinculado à composição mine-
ralógica e geoquímica delas (Quadro 5).

Relação solos x
geomorfologia
O relevo é ligado ao fator tempo na gê-
nese dos solos; é, portanto de se esperar
que na paisagem brasileira, onde os pro-
cessos pedogenéticos são ativos, ele tenha
um papel crítico como controlador do tem-
po de exposição aos agentes bioclimáticos
(Resende et al. 1995). Para esses autores,
as partes mais velhas (expostas ao intem-
perismo há mais tempo) são justamente as
grandes e altas chapadas, comuns no ter-
ritório brasileiro; onde ocorrem os solos
mais velhos e lixiviados, muitas vezes co-
Cambissolos
Cambissolos
bertos por vegetação de cerrado, enquanto
as partes rejuvenescidas, mais baixas e mais Latossolos
Latossolos
acidentadas, apresentam, quase sempre, Podzólicos
Podzólicos
vegetação melhor sobre solos mais novos.
Segundo Valério Filho (1984), citado Figura 14 - Mapa de drenagem para três manchas de solos distintos, em amostras
por Rostagno (1999), os aspectos do relevo circulares
influem de forma direta na evolução do per- FONTE: Marchetti & Garcia (1977).

QUADRO 5 - Relações entre material originário da região de Lavras-MG, subdividido em classes de acordo com o conteúdo de Fe2O3 original e alguns
atributos dos solos B texturais

Atributo do Classe 1 Classe 2 Classe 3 Classe 4 Classe 5


solo < 2% Fe2O3 2-3% Fe2O3 3-5% Fe2O3 5-8% Fe2O3 > 8% Fe2O3

Cor do horizonte B Amarelada Amarelo-avermelhado Vermelho-amarelado Avermelhada Vermelho-escuro

Textura Média a arenosa Média Média a argilosa Argilosa Muito argilosa

Macronutrientes Muito pobre - Pobre - Distrófico Moderado - Distrófico Moderado a rico - Rico -Eutrófico
Álico, Distrófico Eutrófico a Distrófico

Micronutrientes Pobre (Zn, Mo) Pobre (Zn, Mo) Moderado Moderado a rico Rico
(Fe, Mn, Zn, Mo) (Fe, Mn, Zn, Cu, V, Co) (Fe, Mn, Cu, Zn, Ni, V, Co)

NOTA: Classe 1 - Rochas com conteúdo muito baixo de Fe2O3 (< 2%); Classe 2 - Rochas com conteúdo baixo de Fe2O3 (2 – 3%); Classe 3 - Rochas
com conteúdo médio de Fe2O3 (3 – 5%); Classe 4 - Rochas com conteúdo alto de Fe2O3 (5 – 8%); Classe 5 - Rochas com conteúdo muito alto
de Fe2O3 (> 8%).
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Manejo de microbacias 29

fil do solo e vice-versa; portanto, ao inter- abordagens tradicionais aos solos. Existem das partes mais elevadas da vertente e pela
pretar a evolução das formas de relevo, muitas maneiras pelas quais se expressa a lixiviação e redeposição de material, que
pode-se dizer que, ao mesmo tempo, está-se integração entre a geomorfologia e a pedo- constitui um forte elo físico entre membros
interpretando a evolução do corpo do solo. logia. Uma delas é o transporte de matéria de uma catena, que é estreitamente análoga
É importante ressaltar que essa inter- de um local para outro; outra é a transfor- ao elo entre horizontes A e B de um perfil
relação entre solo e relevo reflete nas pro- mação das propriedades físicas por reações de solo (Rostagno, 1999).
priedades físicas e químicas do solo. A pe- químicas. Isto porque a forma do relevo No modelo das nove unidades de su-
dogênese é determinada pelo tempo de pode acelerar ou retardar o transporte e tam- perfície do terreno argumenta-se que linhas
exposição do solo. Essa exposição é con- bém as transformações físico-químicas. definíveis de fluxo de material podem ser
trolada pela erosão por unidade de tempo, A compreensão de que determinadas organizadas em unidades do sistema solo-
e a erosão, por sua vez, é influenciada pelo formas de vertentes estavam associadas a paisagem. Em um sistema de vales, as li-
relevo. O tempo de exposição é então fun- determinadas seqüências de solo, con- nhas de fluxo divergem e convergem; os
ção da erosão. Num mesmo tempo, a taxa duziu à formulação do conceito de catena, padrões convexos da curvas de nível con-
de modificação (pedogênese) é função da que é a interação dos solos e formas de duzem ao fluxo divergente e os padrões
intensidade dos processos de formação do relevo e, portanto, dos processos pedo- côncavos ao fluxo convergente. Para Mar-
solo. Logo, quanto maior a erosão, menor lógicos e dos processos geomorfológicos. ques Júnior (1995), o modelo aperfeiçoado
o tempo de exposição do material, o que Esses processos são a chave para as ca- de Conacher & Dalrymple (1977) identificou
determina uma menor taxa de modificação tenas e o motivo pelo qual o conceito tem e definiu nove unidades fundamentais,
no tempo (Resende, 1985). sido tão importante nos estudos de solo e conforme características físicas e morfo-
Gerrard (1981) cita que Penck relacio- de formas de relevo. A ampla aplicabilidade lógicas, registradas como respostas a pro-
nou a progressão da formação de solos com do conceito, contudo, é complicada por cessos pedogeomórficos recentes. Nesse
a maturidade dos processos de vertente, considerações de variações do material de modelo registrou-se com grande ênfase
quando ficou reconhecido que, no esquema origem e das diferenças climáticas (Co- as interações entre os materiais do solo e a
de evolução do relevo, muitos processos de nacher & Dalrymple, 1977). sua movimentação, translocação e rede-
solo também eram processos geomorfo- A caracterização dos diferentes com- posição pela água e gravidade ocorrendo na
lógicos e que a diferenciação entre a geo- partimentos da paisagem, em que ocorrem superfície e subsuperfície do terreno. Con-
morfologia e a pedologia estava sendo obs- processos superficiais e subsuperficiais siderado por associar processos geomórficos
curecida no limite das duas disciplinas. distintos, é de grande importância para os superficiais aos processos pedológicos de
A pesquisa moderna demonstra estrei- estudos de relações solo - geomorfologia. superfície atuais, suas unidades podem
ta relação entre solos e formas de relevo, e O deslocamento vertente abaixo do material mudar através de progressão ou regressão
uma nova disciplina, a Geomorfologia do em solução é de grande significado nos lateral, podendo estar parcialmente ausentes,
Solo ou Pedogeomorfologia, conforme pro- estudos catenários. Dessa forma, os solos ou repetidas na catena, constituindo assim
posta por Conacher & Dalrymple (1977), são afetados pelo influxo de materiais so- um modelo de grande potencial para os es-
parece estar surgindo, incorporando as lúveis, especialmente bases, provenientes tudos em ambientes tropicais (Quadro 6).

QUADRO 6 - Características de cada uma das nove unidades de vertente


Unidade de vertente Processo geomórfico dominante
Interflúvio (0o - 1o) Processos pedogenéticos associados com movimento vertical da água superficial.
Declive com infiltração (2 - 4 )
o o
Eluviações mecânica e química pelo movimento lateral da água subsuperficial.
Declive convexo com reptação Reptação(1) e formação de terracetes.
Escarpa (ângulo mínimo de 45o) Desmoronamentos, deslizamentos, intemperismos químico e mecânico.
Declive intermediário de transporte Transporte de material pelos movimentos coletivos do solo; formação de terracetes; ação das águas superficial
e subsuperficial.
Sopé coluvial (ângulo entre 26o e 35o) Reposição do material pelos movimentos coletivos e escoamento superficial; formação de cones de dejeção;
transporte de material; reptação; ação subsuperficial da água.
Declive aluvial (0o - 4o) Deposição aluvial; processos oriundos do movimento subsuperficial da água.
Margem de curso d’água Corrasão(2), deslizamento, desmoronamento.
Leito do curso d’água Transporte de material para jusante pela ação da água superficial; agradação periódica e corrasão.
FONTE: Christofoletti (1980).
(1) Reptação = deslizamento. (2) Corrasão = deflação, termo usado para indicar o trabalho feito pelo vento destruindo as partes mais salientes, e acumulando
nas áreas relativamente baixas.

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30 Manejo de microbacias

Para Gerrard (1981), a relativa importân- QUADRO 7 - Correlação entre classes de declividade, unidades geomórficas e classes de solos da
cia da lixiviação da solução, do rastejamento região de Lavras (MG)
e dos deslocamentos rápidos de massa de- Classes de declividade Unidades Classes
pende não somente do clima, mas também (%) geomórficas de solo
do ângulo da vertente, de forma que cada
catena é o resultado dos inter-relaciona- 0-3 Relevo plano de topo Latossolos
mentos complexos entre os processos de 0-3 Relevo plano de várzea Solos hidromórficos
solo e de vertente, e será governada pela di-
ferente proporção de erosão para deposição 3-12 Relevo suave ondulado Latossolos
que ocorre sobre diferentes partes da ver- 12-24 Relevo ondulado Solos B texturais
tente.
24-45 Relevo forte ondulado Solos B texturais e Cambissolos
Três fatores diferentes são claramente
importantes na determinação da seqüência > 45 Relevo montanhoso Cambissolos e Solos Litólicos
catenária. A forma da superfície da vertente é
FONTE: Andrade et al. (1998).
obviamente importante, como também a for-
ma da base da rocha intemperizada ou
regolito. A forma da frente de intemperismo é
trolada, devido à dependência tanto da ve- de se relacionar solos com a vegetação,
amplamente controlada pelo tipo e pela
getação e solo como do clima e da interação como mostrado na Figura 15.
orientação estrutural da rocha fresca. Essa
frente de intemperismo pode ser muito va- vegetação-solo. Além da importância da vegetação para
riável e o relacionamento entre ela e a su- A relação do solo com a vegetação na- o conhecimento do ambiente em geral (solo,
perfície da vertente tem significado básico. tural é de grande valia nos trabalhos de clima), ela, junto com os outros organismos,
A esses dois fatores deve ser acrescentada a mapeamentos preliminares de solo, pois o é de extrema importância no processo de
forma do lençol freático. Esses fatores estão clima dá uma idéia dos grandes grupos de formação dos solos. As plantas superiores
ligados de maneira altamente complexa, porém solos. Se a essas informações conhece-se ao estenderem suas raízes dentro do solo
todos são de elevado significado pedo- o substrato de origem dos solos, já se pode agem como amarras (agregantes unindo as
genético e geomorfológico (Rostagno, 1999). chegar com mais acerto às prováveis clas- partículas de solo) e, portanto, prevenindo
Uma catena, em qualquer localidade, é ses de solo. a erosão, sendo que as gramíneas são par-
uma interação complexa de forma de relevo, Os técnicos da Embrapa Solos, segun- ticularmente efetivas neste papel (sistema
solo e tempo. Logo, ela tem que ser con- do Resende et al. (1995), usam a vegetação radicular denso). As raízes podem também
siderada como um fenômeno dinâmico, com original como fase de solo para dar idéia, crescer dentro das fendas das rochas, for-
uma dimensão no tempo e vista como uma na falta de melhores dados, sobre as con- çando sua separação. Quando as plantas
parte essencial dos processos de erosão e dições climáticas da área. É uma outra forma morrem e suas raízes se decompõem, elas
de deposição (Rostagno, 1999).
A geomorfologia de uma área ou micro-
bacia pode, também, ser expressa através da
________________ FLORESTA ____________________________________ ___ CAATINGA___
distribuição de classes de declividade, que,
por sua vez, pode ser correlacionada com
AUMENTO EM:
classes de solos. Andrade et al. (1998)
estabeleceram a distribuição de solos na
. ARIDEZ E NÚMERO DE MESES SECOS
região de Lavras, MG, por meio de correlação . FERTILIDADE DO SOLO
. QUEDA DE FOLHAS
e modelagem geomórfico-pedológica, de-
monstrada no Quadro 7.
CERRADÃO CERRADO CAMPO CERRADO CAMPO SUJO CAMPO LIMPO
Relação solos x vegetação
Quase todos os organismos que ha- AUMENTO EM:
bitam a superfície ou o interior do solo,
afetam o desenvolvimento deste de uma . POBREZA DE NUTRIENTES
. TEOR DE ALUMÍNIO
maneira ou outra. Esses organismos en-
globam plantas superiores, vertebrados,
microrganismos e mesofauna. De acordo Figura 15 - Tendências de relações entre vegetação e algumas propriedades do solo e
com Birkeland (1984), a influência do fator ambiente
biótico na pedogênese é difícil de ser con- FONTE: Resende et al. (1995).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 31

permitem uma livre circulação da água e do em qualquer ponto dependerá das taxas levantamento de solos é bem represen-
ar nos espaços vazios (Fitzpatrick, 1986). relativas de remoção e de formação do so- tativa (Resende, 1983). O planejamento
Uma das principais contribuições das lo (Rostagno, 1999). racional do uso dos solos pode, então, ser
plantas superiores é a adição de matéria Sendo assim, em nível de microbacia utilizado na programação de manejo de uma
orgânica ou serrapilheira na superfície do hidrográfica, a avaliação dos ecossiste- microbacia como um todo, visando o con-
solo. A quantidade total adicionada por mas e de seus recursos naturais é facilitada trole ambiental.
diferentes comunidades de plantas é muito pela estratificação deles; e, em função da O uso dos solos além de sua capaci-
variável, mas isto não serve de indicador grande interação dos demais recursos dade de uso ou classes de uso, tais como
para quantidade de solo formado, que de- naturais com os solos e vice-versa, a estra- as indicadas por Bigarella & Mazuchowski
pende mais da taxa e do tipo de decom- tificação de ambientes por intermédio do (1985) no Quadro 8, provoca degradação
posição. Em síntese, as plantas extraem
água e nutrientes do solo e, sob condições
naturais, retornam a maioria dos nutrientes
para a superfície na forma de serrapilheira PAISAGEM SOLO
que se decompõe e os libera, ficando dis-
poníveis para uma reabsorção. f
f
MANEJO CONSERVACIONISTA
DA MICROBACIA CLIMA
RECURSOS HÍDRICOS

O manejo conservacionista de uma pai- RELEVO


GEOMORFOLOGIA
sagem representada em uma microbacia ORGANISMOS
GEOLOGIA
consiste na adoção de práticas voltadas a
minimizar os impactos negativos da ati- MATERIAL DE
VEGETAÇÃO
ORIGEM
vidade antrópica, particularmente a agro-
pecuária, sobre os recursos naturais reno- ASPECTOS
TEMPO
SOCIOECONÔMICOS
váveis (Zanzini & Prado Filho, 2000).
O ambiente conformado pela microbacia
Figura 16 - Relações entre paisagem e solo
comporta vários microambientes ou sítios
ecológicos diferenciados pelos seus vários
recursos naturais (geomorfologia, geologia, QUADRO 8 - Tipos de usos indicados a diferentes intervalos de classes de declive
clima, tipo de cobertura vegetal e distri-
buição de solos, entre outros). Assim, um Classes de declive
trabalho de estratificação ambiental é fun- Tipo de uso do solo indicado
damental para identificar e mapear esses % Graus
microambientes ou sítios ecológicos que,
por sua vez, estão fortemente relaciona- <1 <1 Agricultura sem restrições
dos com os diversos estratos da paisagem
que compõem um dado ambiente (Silva, 1–6 1–3 Agricultura intensiva
2000). Os ambientes homogêneos resultan-
tes dessa estratificação são chamados por Medidas de conservação ligeiras
Petersen (1996) de “ecopaisagens” ou uni-
6 – 12 3–7 Agricultura com práticas de conservação moderadas
dades básicas de sistematização do com-
portamento dos ecossistemas. Para Toledo 12 – 20 7 – 12 Agricultura com rotação
(1996), as unidades que delimitam as des-
continuidades da paisagem natural são Limite do trator
“unidades ecogeográficas”.
Existe uma grande relação entre o solo Conservação intensiva
e a paisagem (Fig. 16). A paisagem e os
perfis de solos tornam-se um registro de 20 – 45 12 – 24 Culturas permanentes com restrições
como os fluxos internos e externos de ener-
> 45 > 24 Área de preservação obrigatória por lei
gia têm-se dissipado com o decorrer do
tempo. A espessura do solo e do regolito FONTE: Bigarella & Mazuchowski (1985).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000


32 Manejo de microbacias

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.21-32, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 33

Áreas de preservação permanente em uma microbacia


Cláudio de Souza Magalhães 1
Rose Myrian Alves Ferreira 2

Resumo - A expansão da fronteira agrícola, bem como o crescimento urbano de-


sordenado, tem interferido nos recursos naturais, notadamente nos recursos hídricos
e também utilizado dele. Neste contexto, grandes áreas consideradas de preservação
permanente, reconhecidamente protetoras destes recursos naturais, são dizimadas
em prol do desenvolvimento. Apresenta-se, de forma sintetizada, uma parcela da his-
tória e do histórico sobre a compreensão e reconhecimento da função ambiental das
APPs para uma sub-bacia, bem como o resumo da legislação pertinente, em que, são
apresentados direitos e deveres para com a permanente proteção das APPs, con-
sideradas vitais aos seus ecossistemas, portanto, a todos os seres de uma sub-bacia.

Palavras-chave: Conservação; Educação; Legislação; Ocupação do solo; Sub-bacia hi-


drográfica; Bacia hidrográfica.

INTRODUÇÃO vo, geralmente ao longo de cursos d’água, recursos naturais tão necessários a nossa
nascentes, em topos e encostas de morros, existência.
Os problemas ecológicos, geomorfo-
destinados à manutenção da qualidade do Um esforço efetivo, visando à proteção
lógicos e hidrológicos, originados a partir
solo, das águas e também para funcionar dos recursos hídricos deve começar pelo
da ação do homem sobre o meio, têm me-
como “corredores de fauna” (Milaré, 2000). entendimento, através de um processo de
recido constantes reflexões e discussões
Um dos problemas mais relevantes ob- educação, do papel das APPs numa sub-
sobre os objetivos que as nações necessi-
servados nas APPs tem sido o histórico e bacia, para a preservação/conservação dos
tam traçar na planificação e ordenação de
contínuo desrespeito aos ecossistemas que ecossistemas, de forma que garanta o
suas reservas vitais de água, solo, fauna e
as compõem, onde os recursos naturais são fornecimento regular e permanente da água
flora.
utilizados, quase sempre, sem a adoção de potável dos mananciais hoje explorados.
Um dos grandes desafios do homem
para a conservação ambiental é concentrar critérios técnicos/científicos, respeito à le-
gislação pertinente e, muito menos, respeito HISTÓRICO
esforços e recursos para a preservação e
recuperação de áreas naturais considera- ao saber popular. Os primeiros sinais de degradação am-
das estratégicas, pois delas vários ecossis- Assim, numa microbacia hidrográfica, biental e, principalmente, a metodologia de
temas são dependentes. a utilização de práticas inadequadas e de- ocupação irracional, segundo o histórico
Dentre estas áreas, consideradas estra- gradantes, em áreas que deveriam perma- da Legislação Florestal Ambiental do Bra-
tégicas, destacam-se as Áreas de Preser- necer inalteradas, como as APPs, acarreta sil, de Siqueira (1993), tiveram início a partir
vação Permanente (APPs), que têm papel sérios danos ao meio ambiente e, princi- do descobrimento do Brasil, com as fun-
vital dentro de uma microbacia, pois são palmente, aos cursos d’água. Estes ficam dações de vilas, cidades e portos ao longo
responsáveis pela manutenção, preser- vulneráveis pelos efeitos maléficos da ero- da costa, que irá perdurar por mais de quatro
vação e conservação dos ecossistemas ali são, dentre os quais o assoreamento, eu- séculos. Segundo Milaré (2000), a própria
existentes, notadamente dos aquáticos. trofização e diminuição das espessuras da colonização do Brasil foi feita, dentre ou-
As APPs foram criadas pelo Código lâmina d’água. tras, por pessoas que foram degredadas
Florestal Brasileiro (Lei no 4.771/65, alterada Fica evidenciado o importante e vital definitivamente para o país, como pena má-
pela Lei no 7.803), em que os direitos de papel das APPs dentro de uma sub-bacia, xima para o dano ambiental de corte de ár-
propriedade são exercidos, porém com li- pois elas preservam os diversos ecossis- vore de fruto, estipulada pelas Ordenações
mitações. A APP consiste em uma faixa de temas com suas biodiversidades, respon- de Filipinas.
preservação estabelecida em razão do rele- sáveis pelo sentido mais permanente dos Segundo Siqueira (1993), o modelo de co-

1
Engo, Agrícola, M.S., IBAMA - Núcleo Educação Ambiental, Rua Bernardino Maciera, 220, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail:ibama@lavras.br
2
Enga Agra, M.S., IBAMA – Núcleo Educação Ambiental, Rua Bernardino Maciera, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: ibama@lavras.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.33-39, nov./dez. 2000


34 Manejo de microbacias

lonização adotado buscava manter o domí- Código Florestal Brasileiro, o qual com tantes para a sobrevivência de várias espé-
nio territorial e desenvolver a agricultura, o características preservacionistas, previa o cies, que são os recursos hídricos.
que levou inexoravelmente à devastação limite de uso da propriedade de acordo com
florestal com a conseqüente degradação o tipo florestal existente, criava as florestas FUNÇÃO AMBIENTAL DAS APPs
ambiental. protetoras, as remanescentes e as de rendi-
A recente alteração da Lei no 4.771/65,
A competição entre as florestas na- mento, definia os modelos de exploração
através da reedição da Medida Provisó-
turais e a agricultura dessa época foi par- das florestas públicas e privadas, a es-
ria no 1.956-56, de 16/11/00 (Brasil, 2000b)
ticularmente representada pela cultura da trutura do serviço de fiscalização das ativi-
estabelece um conceito da função ambien-
cana-de-açúcar, a qual se situava nas áreas dades florestais, as penas, infrações e res-
tal das APPs e redefine as condições em
mais férteis próximas da costa brasileira. pectivos processos aos infratores (Siquei-
que estas podem ser utilizadas.
Esse tipo de cultivo perdurou por quase ra, 1993).
Os benefícios proporcionados pelos
três séculos, até 1797, quando o Reino de Em 1965, instituiu-se o novo Código
ecossistemas estão relacionados com o
Portugal disciplina o corte de madeiras nas Florestal, pela Lei no 4.771/65 (Pinto, 1996),
conceito de funções ambientais, isto é, a
matas e arvoredos à borda da costa e rios que vigora até os dias de hoje com algumas
navegáveis. Esse primeiro instrumento le- alterações, quando são estabelecidas, den- capacidade de eles fornecerem bens e ser-
gal visava salvaguardar uma reserva de tre outras, as florestas de preservação per- viços que satisfaçam, direta ou indireta-
florestas para atender às necessidades da manente, a exploração das florestas plan- mente, as necessidades humanas (Cons-
Coroa. tadas e nativas, vinculando o consumo à tanja et al., 1997, citados por Santos et al.,
Em 1831, é extinto o monopólio do im- reposição florestal para as grandes con- 1999), categorizado de modo geral em Fun-
pério sobre o pau-brasil e os proprietários sumidoras e, finalmente pelo incentivo ao ções de Regulação, de Suporte e de infor-
de áreas florestais devem conservar as ma- reflorestamento através de deduções fis- mação (Groot, 1992, citado por Santos et
deiras utilizadas pela Coroa numa faixa de cais. al., 1999). Esta proposta ambiental, segun-
dez léguas da costa. Nestas proteções des- Somente no final da década de 60 e do Santos et al. (1999), baseiam-se na pers-
critas prevalece o princípio econômico, do início da de 70 é que se instituiu através do pectiva ambiental em que a manutenção dos
que o conservacionista, propriamente dito. Instituto Brasileiro do Café (IBC), hoje processos ecológicos essenciais (funções
A partir de 1850, iniciaram-se as pres- extinto, o Plano de Renovação Cafeeira, de regulação) e espaço de vida adequado
sões por parte dos proprietários de terras, quando as práticas conservacionistas co- (funções de suporte), proporcionam os
para acabar com as restrições de conser- meçaram a ser implementadas, porém, a requisitos para as funções de produção e
vação de madeiras de interesse da Coroa. visão preservacionista não aconteceu e a de informação.
Assim, em 1876 terminaram as restrições ocupação desordenada das áreas de pre- As perdas dessas funções podem-se
quanto à exploração das madeiras de lei, as servação permanente continuaram. determinar danos irreversíveis aos ecos-
quais permanecem somente para as terras A partir daí, o cerrado brasileiro quase sistemas (Ehrlich & Mooney, 1983, citados
públicas, ou seja, àquelas pertencentes à foi exterminado, por incentivo do próprio por Santos et al., 1999), tornando-se neces-
Coroa. governo brasileiro. Florestas nativas eram sária a aplicação de energia e de dinheiro
Com o fim do ciclo da cana, iniciou-se, erradicadas para formação de florestas ho- para restaurar, mitigar ou substituir as fun-
no final do século XVIII e princípio do sé- mogêneas e, mais uma vez, as APPs em ções afetadas, para o não comprometimento
culo XIX, o ciclo do café, quando grandes torno de nascentes, topo de morro, faixas efetivo da qualidade de vida.
áreas protegidas por florestas nativas, na marginais de cursos d’água e até mesmo A função ambiental das APPs, cobertas
sua maioria em topo de morro, foram dizi- veredas), não foram respeitadas e hoje, as ou não por vegetação nativa, é entendida
madas, e com elas muitas nascentes também conseqüências desta irresponsabilidade na forma da lei, como sendo a de preservar
desapareceram. Outro fator determinante, são sentidas por todos. os recursos hídricos, a paisagem, a esta-
para a degradação destas áreas utilizadas Não podemos esquecer de que o cer- bilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo
para o plantio de café, refere-se à falta de rado e outros ecossistemas também foram gênico de flora e fauna, além de proteger o
práticas conservacionistas, pois é sabido utilizados da mesma forma para a expansão solo e assegurar o bem-estar das popu-
que tais plantios foram feitos morro abaixo, agrícola e pecuária, quando as APPs não lações humanas (Brasil, 2000b).
sem construção de terraços e curva de nível, foram respeitadas. Assim, todas matas ou coberturas ve-
daí surgindo outra forma de degradação Hoje, o cerrado é tido como um dos getais são importantes para a proteção das
de cursos d’água, conseqüente da forma- ecossistemas ameaçados de extinção, jun- áreas onde elas se localizam. Porém, nas
ção de processos erosivos causando asso- tamente com a mata atlântica e a sua recupe- áreas consideradas de preservação perma-
reamento daqueles corpos d’água adja- ração deve começar pelas APPs, principal- nente a cobertura vegetal é imprescindível,
centes às áreas degradadas. mente porque estas áreas são responsáveis pois estes locais são caracterizados pela
Finalmente, em 1934, com o Decreto pela proteção, preservação e manutenção sua fragilidade em função da sua posição
o
n 23.793/34, foi estabelecido o Primeiro de um dos recursos naturais mais impor- no relevo e pela importância na proteção

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Manejo de microbacias 35

que conferem não só ao solo, mas à fauna regiões de relevo muito acidentado com lesivas à sua saúde. Segundo esse sistema,
e à flora. predomínio na ocupação de pequenos pro- por óbvio, a irresponsabilidade era a regra,
Portanto, a manutenção da vegetação dutores rurais fixados nas baixadas fluviais a responsabilidade a exceção. Pelo fato de
florestal destas áreas numa sub-bacia tem que, para conseguirem a sua subsistência, o particular ofendido não se apresentar nor-
grande influência em fatores importantes necessitam utilizar-se das terras mais pró- malmente, em condições de assumir e de-
relacionados com a sua função ambiental, ximas aos cursos d’água e, para tanto, senvolver ação eficaz contra o agressor,
e porque não dizer sócio-ambiental, como usam áreas consideradas de preservação quase sempre poderosos grupos econô-
escoamento das águas de chuva; dissipa- permanente, ou seja, aquelas cobertas com micos, quando não o próprio Estado.
ção de energia do escoamento superficial; vegetação ciliar. Nesse caso, a proteção A partir da Lei no 6.938/81 (Pinto, 1996)
estabilidade de encostas; proteção das dos morros, encostas, nascentes e parte e da Constituição Federal de 1988 (Brasil,
margens de rios e demais cursos d’água; dos seus cursos poderiam ser práticas com- 1992), a questão ambiental passa a ser tra-
estabilização e manutenção de nascentes; pensatórias, recomendadas e exigidas, que, tada legalmente de uma forma mais ampla.
impedimento do assoreamento dos corpos além de repararem o dano, poderiam atenuar Mas, segundo Milaré (2000), infelizmente
d’água; abastecimento do lençol freático o conflito entre preservar e produzir. a proteção ao meio ambiente no país não
promovendo o aumento da água armaze- Não é absurdo afirmar que, para real- recebe do Poder Público a atenção pro-
nada e permitindo o equilíbrio no seu for- mente se estabelecer e promover medidas posta pela Constituição de 1988. Se no pla-
necimento, durante todas as estações do que visem ao saneamento rural de uma no mais amplo, a legislação ambiental é
ano. Estes fatores são vitais para manu- sub-bacia, obrigatoriamente, teremos de festejada, espanta verificar, então, que no
tenção principalmente do ciclo hidrológico realizar a integração da defesa das APPs terreno da realidade, isto é, das atividades
de uma sub-bacia, bem como na ciclagem às outras práticas já utilizadas ou mesmo degradadoras, as normas ambientais não
dos nutrientes, refletindo na qualidade de preconizadas, sendo ainda necessária a tenham sido capazes de alcançar os obje-
vida de todos os seres. efetivação de uma política educacional de tivos que justificam sua existência, o prin-
Destacamos a seguir outras funções base, sem a qual, todas e quaisquer medi- cipal deles sendo a compatibilização entre
ambientais das APPs dentro de uma sub- das tomadas não passarão de meros pa- o crescimento econômico e a preocupação
bacia (Santos et al., 1999): liativos. com o meio ambiente. E por quê?
a) controle biológico, manutenção da Desta forma, proteger APPs é garantir O Poder Público justifica-se com prio-
biodiversidade, armazenamento e re- e conferir pilar fundamental para conser- ridades mais urgentes, geralmente de cu-
ciclagem de matéria orgânica, nu- vação dos nossos recursos hídricos, fauna nho econômico, e a coletividade, igualmen-
trientes, resíduos orgânicos e indus- e ecossistemas florestais. te, tem suas dificuldades em compreender,
triais, corredores da fauna; reivindicar e agir efetivamente na proteção
LEGISLAÇÃO do meio ambiente. O resultado dessa omis-
b) produção de recursos genéticos e
são é a degradação ambiental nas mais di-
medicinais; A devastação/degradação do meio am- versificadas formas. O descumprimento da
c) funções de informação como cien- biente é um problema que afeta todas as Constituição Federal e da legislação am-
tífica, educacional e a estética, pois formas de vida do globo. Sua proteção é biental é flagrante.
os ambientes naturais fornecem in- prioridade de todas as nações do mundo, A legislação ambiental brasileira dispõe
finitas oportunidades de enrique- sobretudo, das nações economicamente de alguns instrumentos à disposição do
cimento espiritual, desenvolvimento mais desenvolvidas, que são, comprova- Poder Público e da sociedade na proteção
cognitivo e de recreação, como o tu- damente, as que mais degradam o planeta. do meio ambiente.
rismo no espaço natural. A proteção do meio ambiente tem-se tor- O primeiro instrumento jurídico a nor-
Outras funções ambientais das APPs nado uma questão de sobrevivência. matizar a proteção (as matas ciliares) de
são as referentes à estética, pois com ela No Brasil, conforme Milaré (2000), até APPs foi o Decreto no 23.793, de 23 de ja-
valoriza-se sobremaneira uma propriedade 1980, o conjunto de leis ambientais exis- neiro de 1934 – antigo Código Florestal –
rural, quando entendemos e relacionamos tentes não se preocupava em proteger o que no seu artigo 4o classificava as matas
a paisagem com atrativo turístico, científico meio ambiente de forma específica e global, ciliares como florestas protetoras, visando
e educacional. dele cuidando de maneira diluída, e mesmo à conservação do regime das águas e evi-
Há de se considerar ainda, em relação a casual, e na exata medida de atender sua tando a erosão das terras pela ação dos
sua função ambiental, que a recuperação/ exploração pelo homem. agentes naturais. Nessa classificação eram
conservação e a efetiva proteção das APPs Milaré (2000) ainda comenta que, o Es- consideradas de conservação perene e ina-
devam ser pressupostos básicos nas ações tado, assistente omisso, entregava a tutela lienáveis, a menos que os eventuais adqui-
voltadas a qualquer plano de manejo in- do meio ambiente à responsabilidade ex- rentes se obrigassem por si, seus herdeiros
tegrado para bacias e sub-bacias hidro- clusiva do próprio indivíduo ou cidadão ou sucessores, a mantê-las sob o regime
gráficas. Há, por exemplo, sub-bacias em que se sentisse incomodado com atitudes legal de florestas protetoras. Competia ao
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.33-39, nov./dez. 2000
36 Manejo de microbacias

Ministério da Agricultura a classificação 2) de 50m para os cursos d’água restas e demais formas de vegetação
das matas ciliares nesse regime, sendo que que tenham de 10 a 50m de natural destinadas:
esse regime especial ainda determinava a largura; a) a atenuar a erosão das terras;
isenção de qualquer tributação (Wiedmann 3) de 100m para os cursos d’água b) a fixar as dunas;
& Dornelles, 1999). que tenham de 50 a 200m de
c) a formar faixas de proteção ao
Assim, considerando insuficiente a largura;
longo de rodovias e ferrovias;
proteção às matas ciliares, a Lei no 4.771/65
4) de 200m para os cursos d’água
garantiu-lhes um regime de preservação d) a auxiliar a defesa do território
que tenham de 200 a 600m de
propriamente dito, incluindo-as como uma nacional, a critério das autorida-
largura;
das hipótese de Preservação Permanente. des militares;
5) de 500m para os cursos d’água
Posteriormente, a Lei no 6.938/81, no seu e) a proteger sítios de excepcional
que tenham a largura supe-
artigo 18 deu a essas áreas o status de re- beleza ou de valor científico ou
rior a 600m;
servas ou estações ecológicas, conforme histórico;
a dominialidade seja privada ou pública b) ao redor das lagoas, lagos ou re-
f) a asilar exemplares da fauna ou
(Wiedmann & Dornelles, 1999). No en- servatórios de água naturais ou
flora ameaçados de extinção;
tanto, este status foi extinto com a revo- artificiais;
g) a manter o ambiente necessário
gação do supracitado artigo 18 através da c) nas nascentes ainda que inter-
à vida das populações silvícolas;
Lei no 9.985/00 (Brasil, 2000a) que instituiu mitentes e nos chamados olhos
o Sistema Nacional de Unidade de Con- h) a assegurar condições de bem-
d’água, qualquer que seja a sua
servação da Natureza (SNUC). estar público.
situação topográfica, num raio
Por outro lado, a Lei no 9.433 de 8 de mínimo de 50m de largura; § 1º. A supressão total ou parcial de
janeiro de 1997, que instituiu a Política d) no topo de morros, montes, mon-
florestas de preservação permanente só
Nacional de Recursos Hídricos, segundo tanhas e serras;
será admitida com prévia autorização
Wiedmann & Dornelles (1999), reforça e do Poder Executivo Federal, quando for
e) nas encostas ou parte destas com
reafirma a necessidade jurídica da proteção necessária à execução de obras, planos,
declividade superior a 45o, equi-
das APPs, à medida que a referida lei tem atividades ou projetos de utilidade pú-
valente a 100% na linha de maior
como fundamentos o fato de que a água, blica ou interesse social.
declive;
embora seja recurso natural renovável, é um § 2º. As florestas que integram o pa-
recurso natural limitado, dotado de valor f) nas restingas, como fixadoras de
trimônio indígena ficam sujeitas ao regi-
econômico e um bem de domínio público. dunas ou estabilizadoras de man-
me de preservação permanente (letra g)
Sua disponibilidade deve ser assegurada à gues;
só pelo efeito desta lei”.
atual e às futuras gerações, em padrões ade- g) nas bordas dos tabuleiros ou cha-
quados de qualidade aos respectivos usos padas, a partir da linha de ruptura Quanto às lagoas, lagos ou reserva-
e à prevenção e defesa contra eventos de- do relevo, em faixa nunca inferior tórios d’água naturais ou artificiais, a Lei
correntes do uso inadequado dos recursos a 100m em projeções horizontais; no 4.771/65 não estabeleceu os limites mí-
naturais. h) em altitudes superiores a 1.800m,
nimos para o regime especial de proteção,
A Lei no 4.771/65 estabelece no seu arti- qualquer que seja a vegetação.
o que foi feito pela Resolução Conama
go 2o (alterado pela Lei no 7.803/89) as di- no 04/85 que no seu art. 3o, item II (Cona-
Parágrafo Único. No caso de áreas
mensões mínimas de faixa marginal a serem ma, 1992), instituiu:
urbanas, entendidas como aquelas com-
preservadas para os rios, nascentes, lagos, “ao redor das lagoas, lagos ou reser-
preendidas nos perímetros urbanos de-
lagoas e reservatórios, exercendo-se os vatórios d’água naturais ou artificiais,
finidos por lei municipal, e nas regiões
direitos parciais de propriedade, em que: desde o seu nível mais alto medido ho-
metropolitanas e aglomerações urba-
“Consideram-se de preservação per- rizontalmente, em faixa marginal, cuja
nas, em todo o território, abrangido,
manente, só pelo efeito desta Lei, as largura mínima será:
observar-se-á o disposto nos respecti-
florestas e demais formas de vegetação vos planos diretores e leis de uso do - de 30m para os que estejam si-
natural situadas: solo, respeitados os princípios e limites tuados em áreas urbanas;
o
a) ao longo dos rios ou de qualquer a que se refere este artigo 2 ”. - de 100m para os que estejam em
curso d’água desde o seu nível áreas rurais, exceto os corpos d’água
mais alto em faixa marginal cuja No art. 3o da Lei no 4.771/65: com até 20/ha de superfície, cuja
largura mínima seja: “Consideram-se, ainda, de preserva- faixa marginal será de 50m;
1) de 30m para os cursos d’água ção permanente, quando assim decla- - 100m para as represas hidrelétri-
de menos de 10m de largura; radas por ato do Poder Público, as flo- cas”.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.33-39, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 37

A proteção às veredas também está tral para caracterizar todo espaço ticas, comumente conhecidas como
incluída na Resolução Conama no 04/85, brejoso ou encharcado que contém “vegetação de restingas”;
observando que essa faixa mínima deve nascentes ou cabeceiras de cursos
n) manguesal - ecossistema litorâneo
garantir a proteção da bacia de drenagem d’água de rede de drenagem, onde que ocorre em terrenos baixos su-
contribuinte. há ocorrência de solos hidromór- jeitos à ação das marés localizadas
A supressão de vegetação em APPs, ficos com renques buritis e outras
em áreas relativamente abrigadas e
segundo Brasil (2000b), somente poderá formas de vegetação típica; formado por vasas lodosas recen-
ser autorizada em caso de utilidade públi- f) cume ou topo - parte mais alta do tes, às quais se associam comunida-
ca ou de interesse social, devidamente morro, monte, montanha ou serra; des vegetais características;
caracterizada e motivada em procedimen-
g) morro ou monte - elevação do terre- o) duna - formação arenosa produzida
to administrativo próprio, quando inexis-
no com cota do topo em relação à pela ação dos ventos no todo, ou
tir alternativa técnica e locacional ao em-
base entre 50m e 300m e encostas em parte, estabilizada ou fixada pela
preendimento proposto. Esta autorização
com declive superior a 30% (apro- vegetação;
dependerá do órgão ambiental competen-
ximadamente 17o) na linha de maior
te – Instituto Estadual de Florestas (IEF), p) tabuleiro ou chapada - formas topo-
declividade; o termo “monte” apli-
em Minas Gerais, com anuência prévia, gráficas que se assemelham a pla-
ca-se de ordinário à elevação isola-
quando couber, do órgão federal ou muni- naltos, com declividade média in-
da na paisagem;
cipal do meio ambiente. No caso de vegeta- ferior a 10% (aproximadamente 6o) e
ção com APPs situadas em área urbana, o h) serra - vocabulário usado de manei- extensão superior a 10ha, termina-
município é competente para a referida ra ampla para terrenos acidentados das de forma abrupta; a “chapada”
autorização, desde que este possua conse- com fortes desníveis, freqüentemen- caracteriza-se por grandes super-
lho de meio ambiente com caráter delibe- te aplicados a escarpas assimétricas fícies a mais de 600m de altitude;
rativo e plano diretor mediante anuência com vertente abrupta e outra menos q) borda de tabuleiro ou chapada -
prévia do órgão ambiental estadual compe- inclinada;
locais onde tais formações topográ-
tente, fundamentada em parecer técnico. i) montanha - grande elevação do terre- ficas terminam por declive abrupto,
Para o caso de supressão de vegetação no, com cota em relação à base supe- com inclinação superior a 100% ou
nativa protetora de nascentes, ou de dunas rior a 300m e freqüentemente formada 45o graus.”
e mangues, a autorização somente poderá por agrupamentos de morros;
ser concedida se o caso for de utilidade A Lei no 4.771/65 estabeleceu também,
j) base de morro, monte ou montanha no seu art. 14 que, além dos preceitos gerais
pública (Brasil, 2000b).
- plano horizontal definido por planí- a que está sujeita a utilização destas flores-
E, ainda, para a implantação de reser-
cie ou superfície de lençol d’água tas, “o Poder Público Federal ou Estadual
vatório artificial é obrigatória a desapro-
adjacente ou nos relevos ondulados, poderá prescrever outras normas que aten-
priação e aquisição, pelo empreendedor,
pela cota da depressão mais baixa dam às peculiaridades locais, o que foi re-
também das APPs criadas no seu entorno
ao seu redor; forçado pela Constituição Federal de 1988,
(Brasil, 2000b).
A resolução Conama no 04/85 traz ain- k) depressão - forma de relevo que se (art. 24, VI). Entende-se, assim, que havendo
da definições muito importantes que con- apresenta em posição altimétrica mais legislação estadual, que obedeça a norma
tribuem para melhor identificação das APPs, baixa do que porções contíguas; geral, aos limites da Lei no 4.771/65, esta
quais sejam: poderá ser aplicada. Na sua falta, aplica-se
l) linha de cumeada - interseção dos
de forma subsidiária a Resolução Conama
“a) pouso de aves - local onde as aves se planos das vertentes, definindo uma
no 04/85.
alimentam, ou se reproduzem, per- linha simples ou ramificada, deter-
E, ainda, considerando a necessidade
noitam ou descansam; minada pelos pontos mais altos a par-
do florestamento e reflorestamento de
tir dos quais divergem os declives
b) aves de arribação - qualquer espécie APPs nas terras privadas, o Poder Público,
das vertentes, também conhecida
de ave que migre periodicamente; conforme art. 18 da Lei no 4.771/65, poderá
como “crista”, “linha de crista” ou
c) leito maior sazonal - calha alargada
fazê-lo sem desapropriá-las, se o proprie-
“cumeada”;
ou maior de um rio, ocupada nos pe-
tário não o fizer.
ríodos anuais de cheia;
m) restinga - acumulação arenosa lito- A Lei no 7.754/89 (Pinto, 1996) reafirma
rânea, paralela à linha da costa, de a necessidade de proteção para florestas
d) olho d’água, nascente - local onde forma geralmente alongada, produ- nas nascentes dos rios, estabelecendo a
se verifica o aparecimento de água zida por sedimentos transportados obrigatoriedade de reflorestamento com
por afloramento do lençol freático; pelo mar, onde se encontram asso- espécies nativas nos locais degradados.
e) vereda - nome dado no Brasil Cen- ciações vegetais mistas caracterís- No domínio de Mata Atlântica, as APPs

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.33-39, nov./dez. 2000


38 Manejo de microbacias

têm uma proteção especial, pois sua uti- A lei, ao estabelecer as APPs, fez com propriedade. No entanto estas áreas não
lização é proibida pelo Decreto no 750/93 limitações de formas genéricas, atingindo são consideradas para avaliação do grau de
(Pinto, 1996). propriedades indeterminadas, porém não produtividade das propriedades privadas.
As agressões às APPs eram punidas inviabilizou totalmente o direito de pro- Sendo isentas de tributação e do pagamento
como contravenções penais (art. 26, Lei priedade. Em decorrência disso, Wiedmann do Imposto Territorial Rural, segundo a Lei
no 4.771/65). Em 1998 com o advento da & Dornelles (1999) mencionam que as no 8.171/91 de Política Agrícola em seu art.
Lei de Crimes Ambientais - Lei no 9.605/98 restrições de uso das APPs não demandam 104 § único (Pinto, 1999).
(Brasil, 1999) – essas agressões passaram desapropriação, ou seja, são gratuitas (ônus Para ilustrar o referencial da legislação
a ser consideradas como crime, com penas social), no entanto, estas autoras admitem sobre APPs são apresentadas a seguir as
de até três anos, conforme o crime cometido. que as APPs acarretam um ônus real à Figuras 17 e 18.

Figura 17 - Representação do relevo após intervenção do homem


NOTA: A - Topo de morro degradado; B - Nascente sem proteção; C - Curso d’água formado pela nascente “B” sem proteção;
D - Largura do rio; E - Largura da faixa marginal.

Figura 18 -Representação do relevo como ele deveria permanecer, com todas as APPs de uma sub-bacia protegidas por vegetação
marginal

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.33-39, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 39

CONCLUSÃO tindo assim melhor qualidade de vida para Legislação ambiental aplicada à mata ciliar.
a presente e futuras gerações. In: SIMPÓSIO MATA CILIAR, 1999,
A constatação e o reconhecimento da
Belo Horizonte. Palestras... Ciência e
importância vital das APPs em uma sub-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tecnologia. Lavras: UFLA/CEMIG, 1999.
bacia, principalmente em função da sua
p.1-11.
influência direta sobre valores qualitativos BRASIL. Constituição. Constituição da Re-
e quantitativos, para os diversos recursos pública Federativa do Brasil: 1988. São
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
naturais como a flora, fauna e, em especial, Paulo: Saraiva, 1992. 168p.
os recursos hídricos, nos levam a repensar AGUIAR, R.A.R. de. Direito do meio ambi-
BRASIL. Lei no 9985, de 18 de julho de 2000.
as atitudes protecionistas ao homem, mui- ente e participação popular. Brasília:
Institui o Sistema Nacional de Unidades de
tas das vezes por motivos políticos e/ou IBAMA, 1994. 110p.
Conservação - SNUC e dá outras providên-
econômicos, em detrimento da real pro- cias. Disponível site Planalto (2000). URL: AVALIAÇÃO de impacto ambiental: agentes
teção necessária. http://www.planalto.gov.br Consultado em sociais, procedimentos e ferramentas. Bra-
É nossa função como técnico/cidadãos 6 nov. 2000a. sília: IBAMA, 1995. 132p.
potencializarmos para a sociedade a sua BRASIL. Decreto no 3179, de 22 de setembro
BRASIL. Medida Provisória no 1956-56, de 16
própria participação e envolvimento atra- de 1999. Dispõe sobre a especificação das
de novembro de 2000. Altera os arts. 1o, 4o,
vés da mobilização, motivação e educação, sanções aplicáveis às condutas e ativida-
14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei no
no processo de mudança do comporta- des lesivas ao meio ambiente e dá outras
4771, de 15 de setembro de 1965, que insti-
mento em relação à compreensão da fun- providências. Diário Oficial [da Repúbli-
tui o Código Florestal, bem como altera o
ção ambiental das APPs para a permanente ca Federativa do Brasil], Brasília, n.182,
art. 10 da Lei 9393, de 19 de dezembro
vida de todos os seres de uma sub-bacia. p.1-5, 22 set. 1999. Seção 1.
de 1996, que dispõe sobre o Imposto
A consciência precisa ser levada tanto à
Territorial Rural, e dá outras providências. CONAMA (Brasília, DF). Resolução no 237,
sociedade urbana quanto à rural, pois
Disponível site Planalto (2000). URL: de 19 de dezembro de 1997. Diário Ofici-
ambas poderão ser beneficiadas ou preju- http://www.planalto.gov.br Consultado em al [da República Federativa do Brasil],
dicadas, de acordo ou em função das atitu- 28 nov. 2000b. Brasília, 22 dez. 1997.
des tomadas, sejam preservacionistas/con-
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei FÓRUM GEO-BIO-HIDROLOGIA, 1, 1998.
servacionistas ou somente predadoras.
da vida: a Lei dos Crimes Ambientais - Lei Anais... Estudo em vertentes e microbacia
Quanto à importância da função am-
no 9605/98 e Decreto no 3179/99. Brasília, hidrográficas. Curitiba: Universidade Fede-
biental e mesmo sócio-ambiental destas
1999. ral do Paraná, 1998.
áreas de preservação permanente, princi-
palmente quando nos referimos ao meio CONAMA (Brasília, DF). Resoluções do GRANZIERA, M.L.M. Direito de águas e
rural e, por conseguinte, aos produtores CONAMA 1984/91. 4.ed.rev.aum. Brasília: meio ambiente. São Paulo: Ícone, 1993.
rurais com suas propriedades, é nosso en- IBAMA, 1992. 245p. INFORME AGROPECUÁRIO. Agropecuária
tendimento que estes, após anos de uso MILARÉ, E. Direito do ambiente: doutrina- e ambiente. Belo Horizonte: EPAMIG,
sem o devido respeito aos recursos nelas prática-jurisprudência-glossários. Revista v.21, n.202, jan./fev. 2000.
existentes, notadamente dos hídricos, de- dos Tribunais, São Paulo, 2000. INFORME AGROPECUÁRIO. Conservação
veriam entendê-las como benfeitorias ru- PINTO, W. de D. Legislação federal de meio do solos. Belo Horizonte: EPAMIG, v.19,
rais e como tal protegê-las e conservá-las ambiente. Brasília: IBAMA, 1996. 2081p. n.191, 1998.
valorizando, assim, suas propriedades. Este
SANTOS, J.E.; NOGUEIRA, F.; PIRES, J.S.R.; MINAS GERAIS. Lei Florestal: Lei 10561 de
seria um grande incentivo.
OBARA, A.T.; PIRES, A.M.Z.C.R. Fun- 27 dezembro de 1991. Dispõe sobre a Polí-
É imprescindível que o proprietário ru-
ções ambientais e valores dos ecossistemas tica Florestal do estado de Minas Gerais.
ral não visualizasse as APPs como áreas
naturais: estudo de caso - Estação Ecológi- Belo Horizonte: IEF, 1995. 26p.
perdidas ou inaproveitáveis de uma pro-
ca de Jataí. In: SIMPÓSIO MATA CILIAR, QUIRINO, T.R.; IRIRAS, L.J.M.; WRIGHT,
priedade e sim áreas que estão produzindo
1999, Belo Horizonte. Palestras... Ciência J.T.C. Impacto agroambiental: perspec-
água, carbono, umidade do ar etc., em con-
e tecnologia. Lavras: UFLA/CEMIG, 1999. tivas, problemas, prioridades. São Paulo:
dições de gerar um microclima favorável
p.26-58. Edgard Blücher, 1999.
às outras produções, na mesma proprie-
dade. SIQUEIRA, J.D.P.S. A legislação florestal bra- SILVA, E. Curso de gestão de recursos hí-
Finalmente, devemos entender o meio sileira e o desenvolvimento sustentado. In: dricos para o desenvolvimento susten-
ambiente como patrimônio universal da CONGRESSO FLORESTAL BRASILEI- tado de projetos hidroagrícolas: avalia-
humanidade e que somente com a parti- RO, 7, 1993, Curitiba. Anais... Curitiba: ção do impacto ambiental de projetos
cipação democrática da população conse- SBS/SBEF, 1993. p.367-369. hidroagrícolas. Brasília: ABEAS/Viçosa:
guiremos entendê-lo e respeitá-lo, garan- WIEDMANN, S.M.P.; DORNELLES, L.D.C. UFV, 1998. 88p.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.33-39, nov./dez. 2000


40 Manejo de microbacias

Contaminação de microbacia hidrográfica


pelo uso de pesticidas
Luiz Roberto Guimarães Guilherme 1
Marx Leandro Naves Silva 2
José Maria de Lima 3
Renê Luís de Oliveira Rigitano 4

Resumo - A aplicação de insumos agrícolas nos solos e nas culturas é prática comum na
agricultura, devido à crescente demanda de alimentos. Os principais objetivos do uso
destes insumos são o aumento do suprimento de nutrientes, correção do pH e a proteção
das lavouras, dos patógenos e pragas. Essas práticas, quando mal utilizadas, podem
causar degradação química, com o acúmulo de elementos e/ou de compostos nocivos
em níveis indesejáveis. O estudo do comportamento de pesticidas em solos reveste-se
a cada dia de maior importância em face das suas implicações de natureza ambiental.
O contato do pesticida com o solo e a água pode desencadear vários processos como a
adsorção pelo solo, degradações biótica e abiótica, volatilização, dentre outros. Quando
o pesticida entra no ciclo hidrológico da microbacia, esse pode sofrer lixiviação e
arraste superficial pela enxurrada e sedimentos, contaminando águas subsuperficiais e
superficiais. O pesticida também pode ser absorvido e translocado pelas plantas, podendo
ser transferido para outras cadeias alimentares, através da bioacumulação, aumentando
o risco de contaminação. Para o controle da contaminação é necessário lançar mão de
uma série de medidas no contexto de uma microbacia, considerada unidade básica de
conservação do solo e da água. Fatores como precipitação, tipo de solo, topografia
(declive e comprimento de rampa), cobertura vegetal e práticas de manejo (preparo do
solo, rotação de culturas, cultivo do solo, plantio direto e controle biológico) e
conservação do solo e da água (terraceamento, bacias de captação de água, uso de
plantas de cobertura, quebra-vento e cordões de vegetação), devem ser considerados.
Além desses aspectos, devem ser implementadas tecnologias de aplicação de pesticidas
no intuito de usar doses mínimas e cultivares específicas, assim como o monitoramento
de contaminação de bacias hidrográficas e fiscalização rigorosa no uso desses insumos.
Palavras-chave: Defensivos agrícolas; Manejo; Poluição; Impacto ambiental; Bacia hidro-
gráfica; Água; Solo.

INTRODUÇÃO senvolvimento de um organismo indese- o solo. Geralmente, para situações especí-


Pesticidas são produtos químicos usa- jável são também incluídos nesta catego- ficas, prefere-se o uso de agentes de espec-
dos para controlar ou matar pestes, tais ria. tro mais estreito, direcionados a um tipo
como fungos, bactérias, insetos ou plantas Pesticidas, classificados quanto ao es- específico de peste. Neste caso, os pesti-
indesejáveis que infestam áreas agrícolas, pectro de ação, podem ser de amplo espec- cidas podem ser classificados como her-
ou animais que causam ou transmitem doen- tro, os quais matam todos os organismos bicidas (usados para controlar plantas
ças. Embora os pesticidas sejam geralmente vivos. Neste grupo estão os fumigantes, daninhas); inseticidas (para controlar inse-
associados a substâncias tóxicas, produtos tais como o brometo de metila, usados para tos); fungicidas (para controlar fungos);
químicos que repelem ou impedem o de- proteger grãos armazenados ou esterilizar acaricidas (para controlar ácaros); nemati-

1
Engo Agro, Ph.D., Prof. UFLA-Depto Ciência do Solo, Caixa Postal 37, CEP 37200 Lavras-MG. E-mail: guilherm@ufla.br
2
Engo Agro, D.Sc., Prof. UFLA-Depto Ciência do Solo, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: marx@ufla.br
3
Engo Agro, Ph.D., Prof. UFLA-Depto Ciência do Solo, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: jmlima@ufla.br
4
Engo Agro, Ph.D., Prof. UFLA-Depto Entomologia, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: rigitano@ufla.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.40-50, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 41

cidas (para controle de nematóides) e, até,


rodenticidas (para o controle de roedores). 2.500
2.500
Podem também ser definidos conforme seu 1995
1995
método de dispersão (fumigação, por exem- 2.000
2.000

Vendas (mi. US$)


1996
1996
plo) ou por seu modo de ação (tal como um 1.500
1.500
ovicida, que mata os ovos de uma peste). 1997
1997

Em um sentido amplo, os antibióticos usa- 1.000


1.000
dos na medicina para combater infecções
são também pesticidas (Cunningham & 500
500

Saigo, 1995).
00
Os pesticidas foram primeiramente usa- Inseticidas Fungicidas Herbicidas Outros Total
dos em larga escala na produção agríco-
la, em meados do século IX. Alguns exem- Gráfico 1 - Evolução das vendas de pesticidas no Brasil, no período 1995-1997
plos incluem arsênico, cobre, sais de zinco FONTE: Guilherme (1999).
e compostos naturalmente produzidos
pelas plantas, tais como a nicotina, os quais
foram usados para o controle de insetos e
doenças em culturas. Nas décadas de 30 e Ingrediente ativo Produto comercial Vendas
(total = 113.933t) (total = 265.240t) (total = US$ 2.180.791.000)
40, foram introduzidos compostos orgâni-
cos como o 2,4-D, um herbicida, e o DDT, 11%
16% 14% 24% 7% 21%
um inseticida. Subseqüentemente, quanti-
15%
dades crescentes de pesticidas passaram
a ser usadas nas atividades agrícolas em
todo o mundo (Sparks, 1995). 15% 16%
55% 50% 56%
Os benefícios dos pesticidas no sentido
de garantir a produção de colheitas cres-
centes a um custo razoável são inques- Inseticidas Herbicidas
tionáveis. Entretanto, com o aumento do
uso desses produtos, aumentaram-se as Fungicidas Outros
preocupações com a contaminação de so-
los e águas superficiais e subsuperficiais,
Gráfico 2 - Participação relativa dos herbicidas, inseticidas, fungicidas e outros (acaricidas,
bem como seus efeitos sobre seres huma-
nematicidas, rodenticidas etc.) no consumo de ingrediente ativo e produto
nos e animais. comercial e nas vendas de pesticidas no Brasil em 1997
FONTE: Estatísticas (2000).
PESTICIDAS MAIS USADOS
NO BRASIL
No Brasil, os pesticidas são utilizados de consumo de produto comercial e de inclui cerca de 300 ingredientes ativos isola-
basicamente na agricultura e o seu consu- ingrediente ativo. Estatísticas mais recen- dos ou em misturas e 550 marcas comerciais
mo tem aumentado em taxas muito acima tes revelam uma queda nas vendas de pes- (Estatísticas..., 2000).
daquelas verificadas para o crescimento de ticidas de 1998 para 1999, embora, para o
área plantada. A evolução no consumo po- fechamento do ano de 2000, a expectativa COMO OCORRE A
de ser inferida pelo aumento de cerca de do setor seja de aumento de 10% nas ven- CONTAMINAÇÃO COM
das, voltando-se aos níveis de 1998 (Esta- PESTICIDAS EM MICROBACIAS
42% nas vendas, no período 1995-1997
(Gráfico 1). tísticas..., 2000). A preocupação ambiental com os pesti-
Dentre os pesticidas vendidos no Bra- O Quadro 1 traz algumas informações cidas em microbacias hidrográficas ocorre
sil em 1997, os herbicidas representaram a pertinentes aos herbicidas e inseticidas mais pelo fato de eles poderem ser levados, tan-
maioria (cerca de 56% das vendas), segui- consumidos no Brasil, segundo Racke et to por lixiviação quanto por erosão, para
dos dos inseticidas (21%) e fungicidas al. (1997). Uma lista completa dos produtos além do local a que se destinam, causando
(16%). Outros produtos como acaricidas, em linha de comercialização no Brasil, em possíveis efeitos adversos sobre outros
nematicidas etc., somaram 7% do total. O julho de 1999, pode ser obtida através do organismos que não aqueles considerados
Gráfico 2 ilustra este aspecto, não só em Sindicato Nacional da Indústria de Produ- como peste, no sentido agronômico da pa-
termos de vendas, mas também em termos tos para Defesa Agrícola (Sindag). Esta lista lavra.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.40-50, nov./dez. 2000


42 Manejo de microbacias

QUADRO 1 - Principais herbicidas e inseticidas consumidos no Brasil

Classe/Subgrupo Ingrediente ativo Culturas/Práticas de utilização

Herbicidas
Triazina Ametrina Cana-de-açúcar, citros, café, abacaxi, uva, banana

Triazina Atrazina Milho, cana-de-açúcar, abacaxi, seringueira, sisal, sorgo

Triazina Atrazina + Simazina Cana-de-açúcar, milho, abacaxi, sisal, sorgo, seringueira

Sulfoniluréia Clorimuron Etílico Soja

Fenoxi-ácido 2,4-D Éster Butílico Arroz, trigo, soja, aveia, milho

Fenoxi-ácido 2,4-D Sal Dimetilamina Cana-de-açúcar, milho, trigo, soja, arroz sequeiro, arroz irrigado, aveia, centeio, cevada, café,
açudes, represas ou canais, pastagens formadas, gramados e áreas não cultivadas

Fenoxi-ácido 2,4-D Éster Cana-de-açúcar, arroz, soja, milho, trigo, aveia

Fenoxi-ácido 2,4-D Amina Cana-de-açúcar, café, soja, milho, arroz, trigo, gramados/áreas não cultivadas

Fosfono-amino-ácido Glifosato Milho, soja, trigo, citros, arroz, café, cana-de-açúcar, cacau, banana, ameixa, maçã, nectarina,
pêra, pêssego, uva, seringueira, eucalipto, pastagens, eliminação da soqueira e como maturador,
uso não agrícola e florestal

Imidazole Imazaquim Soja

Imidazole Imazetapir Soja

Uréia substituída Tebutiuron Cana-de-açúcar, pastagens

Nitroanilina Trifluralina Soja, algodão, alho, amendoim, tomate, berinjela, brócolis, couve-flor, couve-manteiga, repo-
lho, pimentão, quiabo, feijão, feijão-vagem, cebola, cenoura, girassol, citros, berinjela, gladíolo,
roseira, fumo, culturas florestais (eucalipto e seringueira)
Inseticidas
Avermectina Abamectina Citros, algodão, plantas ornamentais e flores (crisântemo, rosa, cravo), batata, maçã, melancia,
morango, pepino, pimentão

Carbamato Aldicarbe Citros, café, batata, algodão, feijão

Carbamato Carbofuran Café, arroz, cana-de-açúcar, milho, batata, fumo, banana, algodão, cenoura, amendoim, trigo,
feijão, tomate, repolho
Tratamento de sementes: arroz, algodão, milho, banana

Organofosforado Clorpirifós Algodão, café, batata, citros, fumo, feijão, pastagem, soja, sorgo, tomate, trigo, cevada, couve,
repolho, milho
Formicida

Piretróide sintético Deltametrina Algodão, café, alho, cebola, batata, tomate, fumo, soja, milho, arroz, trigo

Organofosforado Dissulfoton Café, algodão, amendoim, batata, cebola, melão, melancia, feijão, gladíolo, dália, rosa, tomate,
fumo, abacaxi
Tratamento de sementes: algodão

Organoclorado Endossulfan Algodão, café, soja, cacau, cana-de-açúcar

Piretóide sintético Lambdacyhalotrina Algodão, soja, tomate, fumo, trigo, milho, café, batata, cebola, couve, feijão

Organofosforado Monocrotofós Algodão, soja, trigo, amendoim, batata, feijão

Piretróide sintético Permetrina Algodão, soja, café, fumo, tomate envarado, tomate rasteiro, milho, arroz, couve, repolho,
couve-flor, trigo, grãos armazenados (milho a granel)

FONTE: Estatísticas... (2000).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.40-50, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 43

Para se avaliar o potencial de contami- c) tamanho e forma da molécula; nica seja o componente isolado do solo
nação desses produtos em uma microba- d) polaridade e carga da molécula; mais importante na retenção desses com-
cia hidrográfica, é necessário, inicialmente, postos. Assim, a quantidade de pesticida
e) polarização da molécula.
entender o comportamento destas substân- que deve ser aplicada e a capacidade dos
cias no solo, visto que os solos funcionam Estas propriedades determinam a solu- solos de atuar como “filtros” são afetadas
como “filtros” químicos e biológicos que bilidade em água da molécula e a tendên- fortemente pela quantidade de matéria
diminuem o impacto ambiental dos produ- cia desta ficar adsorvida na superfície das orgânica presente nesses. Isto não des-
tos químicos introduzidos na biosfera, quer partículas do solo. A polaridade e a carga carta, porém, a necessidade do conhe-
seja acidental, quer seja proposital. Os solos são propriedades suficientemente impor- cimento de outros atributos do solo, uma
são, dessa forma, a primeira linha de defesa tantes para serem usadas como parâmetros vez que, no caso específico de solos tropi-
para evitar que resíduos dos pesticidas atin- para uma classificação ampla dos pesti- cais, os altos teores de sesquióxidos de Fe
jam as águas. cidas, conforme mostrado na Figura 19. e Al da fração argila podem influenciar
Com relação ao adsorvente, a retenção fortemente a retenção de pesticidas aniôni-
Comportamento dos pesticidas é afetada por vários atribu- cos (Anderson & Guilherme, 1999).
de pesticidas no solo tos físico-químicos do solo, incluindo o Vários mecanismos estão envolvidos
Os solos reduzem a mobilidade de pro- teor e o tipo de argila, o teor de matéria no processo de retenção de pesticidas em
dutos químicos orgânicos de duas ma- orgânica, o pH e a capacidade de troca de solos, o Quadro 2 apresenta um resumo
neiras: pela adsorção (retenção) ou pela cátions. Os pesticidas têm forte afinidade sobre o comportamento das diversas clas-
degradação biológica ou química. Conse- pela matéria orgânica do solo, a qual tem ses de pesticidas em solos, especialmente
qüentemente, a base para se predizer o com- um efeito importante na bioatividade, na no caso de solos tropicais onde, além da
portamento de pesticidas no solo e para persistência, na biodegradabilidade, no matéria orgânica, a contribuição dos ses-
se avaliar o risco de um produto químico potencial de lixiviação e na volatilidade dos quióxidos deve ser levada em conside-
lixiviar-se para o lençol freático ou ser trans- pesticidas. De fato, talvez a matéria orgâ- ração.
portado na água por escoamento superficial
ou pela enxurrada depende da compreensão
da natureza e da extensão dos processos
de adsorção e degradação.
As superfícies minerais e orgânicas dos
solos (também chamadas de adsorventes) CÁTIONS QUATERNÁRIOS DE AMÔNIO
podem adsorver os pesticidas com dife- (diquat, paraquat)
rente força (fraca a fortemente adsorvido),
an
co

dependendo da interação pesticida-adsor- s, iô


ni

BA ói ni
POLARIDADE e SOLUBILIDADE EM ÁGUA

tiô

vente. Interações fortes são indicativas de (s SE n co


(fe
ca

am -tria S S s,
um processo denominado adsorção quími- in zin O
ID ato tc.)
as as
ca, em que uma ligação covalente ou ele- ,e , ÁC nzo i, e
tc be nox
.)
trostática de curta distância ocorre entre a fe
molécula do pesticida e a superfície adsor-
vente. Interações fracas, por sua vez, são
características do processo de adsorção neutro neutro
física, em que as ligações não são muito
energéticas.
A adsorção ou retenção de pesticidas MODERADAMENTE e
nos solos é controlada pelas propriedades FRACAMENTE POLAR (organofosforados,
químicas das moléculas e pelas proprieda- carbamatos, dinitroanilinas, etc.)

des de superfície do solo (adsorvente) em


APOLAR (aromáticos e alcanos clorados,
particular.
hidrocarbonetos poliaromáticos, etc.)
As propriedades relevantes do pesti-
cida são:
ÁCIDO ALCALINO
a) identidade dos grupos funcionais pH
ligados à molécula;
b) acidez ou basicidade dos grupos FIGURA 19 - Classificação dos pesticidas com base em sua polaridade e carga
funcionais; FONTE: McBride (1994).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.40-50, nov./dez. 2000


44 Manejo de microbacias

Poluição e conservação QUADRO 2 - Comportamento dos pesticidas com relação a sua adsorção pelos componentes do solo
da microbacia Tipo de molécula Afinidade por Força de ligação
O monitoramento da qualidade da água
Apolar ou fracamente Sítios apolares (hidrofóbicos) da matéria orgânica Fraca
no Brasil, no que diz respeito à contami-
polar (ácidos húmicos) do solo
nação com pesticidas, não é uma prática
comum. Em países com agricultura alta- Polar, sem carga Grupos polares da matéria orgânica; coordenação Fraca a
mente tecnificada, estudos dessa natu- com metais de alta valência nas superfícies dos razoavelmente
colóides; grupamentos Si-O-Si forte
reza são freqüentes. Um recente estudo
nos Estados Unidos, com 83 pesticidas, Polar, catiônica Grupamentos carboxílicos da matéria orgânica; Forte
revelou que aproximadamente 60% dos sítios de troca catiônica
cursos d’água localizados em áreas agrí-
Polar, aniônica Superfícies de carga variável, como nos Forte
colas continham um teor igual ou superior sesquióxidos de Fe e Al
a 0,05 mg/L de um ou mais dos pesticidas
analisados. Em áreas urbanas, o percentual FONTE: Dados básicos: McBride (1994).
de cursos d’água nessas condições foi de
cerca de 80%. Os pesticidas mais detecta-
dos foram: áreas agrícolas: atrazina (e seu O sistema de manejo convencional do incorporadas nos sistemas alternativos
subproduto, desetilatrazina), metolachlor, solo praticado na região Nordeste do esta- que contribuem em muito para redução dos
cyanazina e alachlor e áreas urbanas: sima- do de Kansas tem comprometido a quali- níveis de atrazina na enxurrada e no sedi-
zina, prometon, 2,4-D, diuron e tebutiuron dade ambiental por causa dos níveis eleva- mento, por reduzirem a erosão hídrica.
(Gilliom et al., 1999). dos de atrazina na enxurrada e alta taxa de Entretanto, a adoção de manejos alterna-
O pesticida presente no material do solo erosão do solo (Quadro 3). Assim, Koo & tivos demanda técnica, tempo e dinheiro,
perdido por erosão, quando atinge cursos Diebel (1996) propuseram uma série de fazendo dessa transição uma tarefa com-
d’água e/ou é depositado em áreas de pre- manejos alternativos em substituição ao plexa. Formulários básicos de sistemas
servação, pode ser liberado com a mudança cultivo convencional, objetivando reduzir transicionais são discutidos em Diebel et
das condições físico-químicas do meio. O esta contaminação. Os sistemas de manejos al. (1993), em que o sistema alternativo é
transporte de pesticidas na água por escoa- alternativos foram os mais bem-sucedidos incorporado gradualmente no sistema con-
mento superficial ou enxurrada tem sido no controle da contaminação e de erosão vencional dentro de um programa previa-
considerado como um dos maiores meios (Quadro 3). Os níveis de atrazina na enxur- mente definido.
de contaminação de rios e lagos (Gaynor rada foram bem inferiores em relação ao Na literatura existe uma série de estudos
et al., 1995). No deflúvio, a água carrega sistema convencional. Os resultados finais mostrando as concentrações de herbici-
substâncias solúveis ou adsorvidas nas sugerem que existe uma necessidade ime- das na água da enxurrada oriundas de áreas
partículas de solo erodido. diata de mudança de filosofia no uso de agrícolas, entretanto estudos relaciona-
Estudos têm mostrado que as perdas alguns produtos. O uso de rotação de cul- dos com as concentrações do herbicida na
de herbicidas variam de 1% a 4%, depen- turas, cultivo mecânico, redução de doses água depositada nas depressões, passível
dendo das práticas de manejo e da declivi- dos produtos e terraceamento são práticas de infiltrar no solo, são poucos. Para carac-
dade do terreno (Hall et al., 1972 e Hall,
1974). Em solos tratados com atrazina, foi
QUADRO 3 - Perdas de solos e contaminação do sedimento e enxurrada com atrazina em sistemas de
estimado que aproximadamente 2% a 5% cultivo convencional e alternativo(1)
do produto aplicado pode ser perdido pa-
ra as águas superficiais (Wauchope, 1978). Sistemas de cultivo do solo
Perdas/Contaminação
O transporte de atrazina e metolachlor por
Convencional(2) Alternativo (3)
enxurrada tem sido observado em nume-
rosos sistemas de águas superficiais nos Sedimentos (t ha-1) 14,58 7,11
Estados Unidos (Tierney et al., 1993, Goolsby
Atrazina no sedimento (g ha-1) 0,50 0,015
et al., 1993 e Spalding et al., 1994). Pesti-
cidas com solubilidade em água superior Atrazina na enxurrada (g ha-1) 27,10 1,75
a 10mg L-1 (atrazina = 33mg L-1) tendem a
FONTE: Dados básicos: Koo & Diebel (1996).
se mover largamente na fase líquida, en-
(1) Valores médios para o período de 1972 a 1991. (2) Valores médios de perdas de solo e contaminação
quanto pesticidas menos solúveis tendem
do sedimento e enxurrada no sistema de preparo convencional com cultivo contínuo de milho (aplica-
a se mover associados à matéria orgânica ção de 1,75 kg ha-1 do princípio ativo da atrazina). (3) Valores médios de perdas de solo e contaminação
solúvel ou adsorvidos em partículas de no sistema alternativo com preparo convencional, uso de rotação de culturas e cultivo mecânico do
solos (Racke, 1990). solo (aplicação de 1,45 kg ha-1 do princípio ativo da atrazina).

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Manejo de microbacias 45

terizar esta contribuição potencial de con- QUADRO 4 - Concentração média de Atrazina e Alachlor nas poças formadas nas depressões da
superfície do solo
taminação, Edwards et al. (1997) desen-
volveram um estudo com o seguinte ma- Herbicidas
nejo: cultivo convencional do milho com
Dias após aplicação
arado de discos e plantio direto do milho Atrazina (mg L-1) Alachlor (mg L-1)
do herbicida
com e sem adubação orgânica. No contro- (1) (1) (1) (1)
t=0 t = 30 t=0 t = 30
le de plantas daninhas foram utilizados
2,24kg ha-1 e 3,36kg ha-1 do princípio ativo, Cultivo convencional sem adubação orgânica
respectivamente, de atrazina e de alachlor.
Após a aplicação dos herbicidas foram 1 6,65 0,51 5,26 0,21

aplicadas chuvas simuladas no 1o e no 32o 32 0,23 0,04 0,39 0,07


dia, procedendo-se, então, à coleta da água Plantio direto sem adubação orgânica
acumulada nas depressões à superfície
do solo, nos tempos t = 0 e t = 30 minu- 1 0,32 0,22 0,57 0,11
tos após a formação da poça (Quadro 4). 32 0,23 0,10 0,07 0,04
Segundo estes autores, as concentrações
Plantio direto com adubação orgânica
mais elevadas de atrazina nas poças fo-
ram encontradas no t = 0 do primeiro dia. 1 0,24 0,44 0,50 0,14
Após 32 dias de aplicação, as concentra- 32 0,17 0,04 0,06 0,02
ções de ambos os herbicidas decresceram
FONTE: Dados básicos: Edwards et al. (1997).
muito em relação à concentração inicial. (1) Tempo após a formação da poça na superfície do solo, em minutos.
Comportamento semelhante ocorreu entre
os tempos de amostragem da poça (Qua-
dro 4). As menores concentrações foram QUADRO 5 - Consumo de pesticidas usados na atividade agrícola na Suécia no período 1981 - 1989
observadas nos sistemas de plantio direto. Toneladas do princípio ativo
A rápida queda na concentração do herbi- Ano
Fungicida Herbicida Inseticida Total
cida nas poças indica que a infiltração no
perfil do solo é o mecanismo preferencial 1981 a 1985 599 3.536 150 4.285
do transporte do herbicida. 1986 869 4.207 160 5.236
Na Suécia, o uso excessivo de pesti-
1987 470 1.781 63 2.314
cidas no início da década de 80 causou
1988 662 2.029 112 2.803
uma série de contaminações ambientais
colocando em risco a fauna, flora e a popu- 1989 445 1.871 50 2.366
lação. Os efeitos ambientais foram obser- FONTE: Dados básicos: Weinberg (1990).
vados na redução da biodiversidade e con-
taminação de solo, lagos e cursos d’água
(Weinberg, 1990). A partir de 1985, o go- Nos Estados Unidos, o uso de varie- ram um estudo sobre transporte de pesti-
verno Sueco acionou as agências National dades de milho e tomate, tolerantes ao cidas por enxurrada e lixiviação em solos,
Agricultural Board (NAB), Environmen- herbicida, resultou num grande impacto cujos resultados são mostrados no Qua-
tal Protection Board (EPB) e National econômico e ambiental na produção agrí- dro 7, onde se observa as porcentagens de
Chemicals Inspectorate (NCI) e propôs um cola. Além do uso de variedades toleran- perdas de solo, água e pesticidas, em rela-
programa para redução do uso de pesti- tes, esta tecnologia considera diversas ção ao cultivo convencional sem uso de
cidas. Em 1986, após três anos de implan- propriedades dos herbicidas, dentre elas, plantas de cobertura. As menores perdas
tação do programa, foi registrada uma a solubilidade em água, a sua meia-vida de solo e pesticidas ocorreram sob plantio
queda de 55% no uso dos pesticidas (Qua- no solo, o índice de adsorção, a toxicidade direto.
dro 5). O programa tinha como principais no solo, o potencial de perda pela enxur- No Quadro 8 são observados os va-
metas o aperfeiçoamento dos equipa- rada e o potencial de lixiviação (Quadro 6). lores de perda de pesticidas por erosão
mentos de aplicação de pesticidas, redução O uso desta tecnologia reduziu a varie- hídrica para os tratamentos com diferentes
nas doses, financiamento de programas de dade de pesticidas utilizados e os custos tipos de cobertura, tais como: solo desco-
subsídio da agricultura orgânica e serviços de produção declinaram (Hayenga et al., berto, trevo, lespedeza e centeio (Stearman
de advertências quanto ao uso indiscri- 1992). & Wells, 1997). Os resultados indicam que
minado de pesticidas. Stearman & Wells (1997) desenvolve- o simazina persistiu no perfil do solo por
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46 Manejo de microbacias

QUADRO 6 - Propriedades dos pesticidas utilizados nas lavouras de milho e tomate

Dose T SO MVS ISS


Pesticidas Cultura PAE PL
(PA ha-1) (DL50 (mg kg-1)) (mg L-1) (dias) (L kg-1)

Atrazina M 2,46-3,7 kg 1.780-3.080 33 60 160 médio grande

Dicamba M 1,17 L 1.707 800.000 14 2 pequeno grande

Cynazina M 1,23-2,69 kg 288 171 20 168 médio médio

Metolachlor M 1,46-2,93 L 2.534-2.780 530 20 200 médio médio

Butylate M 5,56-8,58 L 3.500-5.431 45 12 540 médio pequeno

Alachlor M 4,10-8,19 L 1.800 242 14 190 médio médio

Porpachlor M 9,36-14,04 L 710 580 7 420 médio pequeno

(1) (1) (1)


2,4-D M 0,59-1,17 L 375-805 50 10 1.000 médio pequeno

(1)
Glifosato T 0,34-1,12 kg 5.000 1.000.000 30 10.000 grande pequeno

Pebulate T 4,48-6,72 kg 1.900 60 14 190 médio médio

Napropamide T 1,12-1,24 kg >500->5.000 73 60 600 grande médio

EPTC T 2,24-6,72 kg 1.325-1.630 375 30 280 médio médio


FONTE: Hayenga et al. (1992).
NOTA: M - Milho; T - Tomate; PA - Princípio ativo; T - Toxicidade; SO - Solubilidade em água; MVS - Meia-vida no solo; ISS - índice de adsorção
no solo (constante de partição para carbono orgânico); PAE - Potencial de arraste na enxurrada; PL - Potencial de lixiviação.
(1) Valor estimado.

QUADRO 7 - Comparação de perdas de solo, água e pesticidas em vários sistemas de manejo do solo
Perdas relativas ao cultivo convencional
Área coberta (%)
Sistemas Cobertura
(%)
Solo Água (1) (1)
Simazina 2,4-D

Outono (precipitação de 653mm)

Convencional Descoberto 0 100 100 100 100

Mínimo Centeio 30 27 79 86 26

Mínimo Trevo 30 12 77 94 178

Plantio direto Lespedeza 100 4 97 48 6

Primavera (precipitação de 284mm)

Convencional Descoberto 0 100 100 100 100

Mínimo Centeio 75 1 42 20 58

Mínimo Trevo 75 1 24 13 12

Plantio direto Lespedeza 100 0 38 6 6


FONTE: Dados básicos: Stearman & Wells (1997).
(1) Aplicado 4 kg ha-1 do princípio ativo. Perdas de pesticidas referentes à soma no sedimento e enxurrada.

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Manejo de microbacias 47

vários meses, enquanto o 2,4-D se dissipou QUADRO 8 - Transporte de simazina e 2,4-D na enxurrada e sedimentos em parcelas de perdas sob
solo descoberto, sob cobertura de centeio, trevo e lespedeza para alguns eventos de
após duas semanas. Grande parte da sima-
chuva
zina e do 2,4-D permaneceu na camada de
0 a 20cm do solo, embora parte da simazina Cobertura do solo
Enxurrada + Sedimentos
tenha sido lixiviada para camadas mais SD CE CC CA
profundas no perfil. A principal forma de
transporte dos produtos químicos foi a lixi- Simazina
viação. Somente após dois a três dias, os Total de herbicida (mg) 1680,86 217,64 237,45 121,51
produtos químicos foram retidos no solo
por mecanismos de adsorção. Segundo % do total aplicado 6,9 5,9 6,4 3,3
estudos de Stearman & Wells (1997), maio-
res perdas de água e de sedimento e, con- 2,4-D
seqüentemente, de pesticidas ocorreram no
Total de herbicida (mg) 445,41 16,51 118,66 4,00
solo descoberto (Quadro 8). De 3,3% a 6,9%
e de 0,1% a 3,2% da simazina e do 2,4-D, % do total aplicado 1,8 0,5 3,2 0,1
respectivamente, foram arrastados do sis-
tema pela enxurrada e sedimentos da ero- FONTE: Dados básicos: Stearman & Wells (1997).
NOTA: SD - Solo descoberto; CE - Centeio; CC - Trevo; CA - Lespedeza.
são, sendo mais de 90% da quantidade total
de herbicidas retirado na enxurrada e menos
do que 10% nos sedimentos. As menores tanto, um potencial poluidor de águas sub- seu artigo 1o, as águas doces são classifi-
concentrações de pesticidas na enxurrada terrâneas. cadas, segundo seus usos preponderantes,
e sedimento foram observadas para o trata- Na região de Maria da Fé (MG), uma em cinco classes, quais sejam:
mento com cobertura de lespedeza, segui- das principais bacias produtoras de batata “I - Classe Especial - destino:
do da cobertura com centeio. Estas diferen- do estado de Minas Gerais, análises de
ças entre sistemas de cobertura podem ser a) ao abastecimento doméstico sem
resíduos dos inseticidas em amostras de
causadas primeiramente por diferenças nas prévia ou com simples desinfec-
água, coletadas de março de 1993 a fevereiro
operações de cultivo e manejo do solo, ção;
de 1994, revelaram a presença de resíduos
associadas com os mecanismos de sorção b) à preservação do equilíbrio natu-
do inseticida aldicarbe (Temik) em várias
de pesticidas e taxa de degradação. ral das comunidades aquáticas.
amostras, embora abaixo do limite máximo
No Brasil, os estudos com deslocamen-
permitido (Rigitano & Gouveia, 1995). II - Classe 1 - destino:
tos por erosão hídrica e lixiviação de pes-
Entretanto, por se tratar de um composto a) ao abastecimento doméstico após
ticidas são incipientes. Assim, visando
extremamente tóxico, iniciou-se um progra- tratamento simplificado;
contribuir com estas informações, Correia
ma de monitoramento dos resíduos desses
(2000) desenvolveu estudos objetivando b) à proteção das comunidades aquá-
compostos, envolvendo a Companhia de
avaliar o destino da atrazina no que diz ticas;
Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e a
respeito a sua capacidade de lixiviação no c) à recreação de contato primário
Ufla. Nos anos de 1995 a 1996, não foram
solo ou deslocamento superficial por arras- (natação, esqui aquático e mer-
detectados resíduos de aldicarbe na referida
te na enxurrada, empregando simulação de gulho);
região, o que foi atribuído à redução no
chuvas torrenciais. O estudo foi desenvol- d) à irrigação de hortaliças que são
uso de pesticida. Tal tipo de monitoramento
vido em um Podzólico Vermelho-Amarelo consumidas cruas e de frutas que
deveria ser estendido a outras microbacias
com 12% de declividade. Aplicou-se atra- se desenvolvam rentes ao solo e
com potenciais problemas de poluição
zina na dose de 3kg ha-1 do princípio ativo, que sejam ingeridas cruas sem
ambiental (Curi et al., 1992).
30 dias após o cultivo de milho. A porcen- remoção de película;
tagem de atrazina deslocada pelo escoa- e) à criação natural e/ou intensiva
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
mento da enxurrada e por sedimentos foi (aqüicultura) de espécies desti-
PERTINENTE AOS PESTICIDAS
maior nos dois primeiros dias após a apli- nadas à alimentação humana.
cação. Em amostras coletadas entre 15 e 90 A legislação brasileira que estabelece
III - Classe 2 - destino:
dias após a aplicação do herbicida, os teo- limites à presença de pesticidas em águas
res de atrazina foram inferiores a 2% na é a Resolução Conama no 20, de 18 de ju- a) ao abastecimento doméstico, após
enxurrada e a 0,5% nos sedimentos. A atra- nho de 1986 (Conama, 1992), a qual esta- tratamento convencional;
zina aplicada foi lixiviada e distribuída em belece a classificação das águas doces, sa- b) à proteção das comunidades aquá-
profundidade (< 50cm), representando, por- lobras e salinas do Território Nacional. No ticas;

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48 Manejo de microbacias

c) à recreação de contato primário poníveis permitem a análise de compostos dos, que editou um documento recente con-
(esqui aquático, natação e mer- individuais, com limites mínimos de detec- tendo uma extensa revisão dos padrões pa-
gulho); ção muito inferiores. ra água potável, os quais contemplam uma
d) à irrigação de hortaliças e plantas Tal análise é relevante, pois os com- série de pesticidas (Drinking..., 2000).
frutíferas; postos têm toxicidade muito diferenciada.
Além disso, em outros países, como os da TÉCNICAS ALTERNATIVAS PARA
e) à criação natural e/ou intensiva O USO DE PESTICIDAS
Comunidade Econômica Européia (CEE),
(aqüicultura) de espécies desti-
a legislação é mais rigorosa. A Diretiva Os pesticidas são projetados para ser
nadas à alimentação humana.
no 98/83/EEC, de 3 de novembro 1998, que biologicamente ativos sendo, portanto, de
IV - Classe 3 - destino: trata da qualidade da água potável, estabele- significativo interesse do ponto de vista
a) ao abastecimento doméstico, após ce teores máximos admissíveis de 0,1 μg/L, ambiental. O nível de preocupação é função
tratamento convencional; para qualquer pesticida individualmen- de fatores como a toxicidade do produto,
te, ou 0,5 μg/L, para o caso de misturas de sua persistência no ambiente e o método e
b) à irrigação de culturas arbóreas,
compostos (Strosser et al., 1999). A Orga- a intensidade de aplicação. Progressos, em
cerealíferas e forrageiras;
nização Mundial de Saúde (OMS) também cada uma destas áreas, foram realizados em
c) à dessedentação de animais.
estabelece valores limites para teores dos anos recentes, mas esforços continuados são
V - Classe 4 - destino: pesticidas na água potável. Esses valores aconselháveis (Graedel & Allenby, 1995).
a) à navegação;
com base em considerações toxicológicas Embora a indústria de pesticidas seja
são menos restritivos que aqueles permiti- regulada pesadamente, a necessidade de
b) à harmonia paisagística;
dos pela CEE (Strosser et al., 2000), o mesmo produzir alimentos para populações cres-
c) aos usos menos exigentes.” ocorrendo com as recomendações da Agên- centes tem criado uma forte pressão no
Os artigos 4o a 7o dessa resolução esta- cia de Proteção Ambiental dos Estados Uni- sentido do uso continuado de produtos
belecem os limites e/ou condições para as objetivando controlar pragas, doenças e
águas de classe 1 a 4, incluindo os teores plantas daninhas. Esta é uma tarefa com-
QUADRO 9 - Teores máximos admitidos (em μg/L)
máximos permissíveis para substâncias para substâncias potencialmente pre-
plexa devido à possibilidade de adaptação
consideradas potencialmente prejudiciais, judiciais em águas classificadas co- rápida de algumas populações do orga-
dentre as quais encontram-se alguns pesti- mo doce (salinidade igual ou inferior nismo indesejável, em resposta a alguns
a 0,5%) agentes comuns de controle. Crescentes
cidas. O Quadro 9 traz uma compilação des-
Águas Águas evidências da contaminação de águas
ses teores para uma série de substâncias Substância de classes de classe
orgânicas, incluindo pesticidas, alguns dos 1e2 3
superficiais e subsuperficiais e o conse-
quais não são mais utilizados no Brasil. qüente incremento de controles regulató-
Aldrin 0,01 0,03 rios sobre os pesticidas estão incentivando
A Portaria no 36, de 19 de janeiro de
1990, do Ministério da Saúde (Brasil, 1990), Clordano 0,04 0,3 o desenvolvimento de produtos menos tó-
também estabelece normas e padrões de DDT 0,002 1,0 xicos. O uso de substâncias menos tóxicas
potabilidade da água destinada ao consu- em combinação com práticas como o plantio
Dieldrin 0,005 0,03
mo humano. Os teores máximos de pesti- direto e a aplicação mínima de produtos
Endrin 0,004 0,2
cidas permissíveis na água potável são fitossanitários tem um grande potencial
Endossulfan 0,056 150 para corrigir muitos problemas e minimizar
semelhantes àqueles listados para águas
de classe 3 da Resolução Conama no 20/86 Lindano (gama.BHC) 0,02 3,0 os efeitos ambientais decorrentes do uso
(Conama, 1992), à exceção do 2,4-D, cujo Toxafeno 0,01 5,0
dos pesticidas.
Apresenta-se a seguir, informação com-
valor máximo estabelecido pela Portaria Demeton 0,1 14,0
pilada de Cunningham & Saigo (1995) que
no 36 é de 100 μg/L.
Malation 0,1 100,0 descreve possíveis alternativas aos usos
Destaca-se que a legislação brasileira é
Paration 0,04 35,0 atuais dos pesticidas. Alternativas essas que
bastante confusa e, em parte, desatualizada
Carbaril 0,02 70,0 podem diminuir o consumo de pesticidas
e não consoante com a legislação de outros
entre 50% e 90% sem reduzir a produção e
países. No caso de organofosforados e car- Compostos organofos- a qualidade da colheita ou criar novas do-
bamatos (totais), recomenda-se a realiza- forados e carbamatos 10,0 100,0
enças.
ção de análises pelos métodos da atividade (totais em Paration)
anticolinesterásica, cujo limite mínimo de Mudanças de
2,4-D 4,0 20,0
detecção é igual a 10 μg/L, implicando em comportamento
2,4,5-T 2,0 2,0
teores máximos admitidos até este valor. A rotação de culturas é uma prática que
Contudo, métodos cromatográficos já dis- FONTE: Conama (1992). evita que populações de uma mesma praga
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Manejo de microbacias 49

cresçam. Em alguns casos, o cultivo me- A genética e a biotecnologia podem ser não há nenhuma alternativa ao controle
cânico pode substituir os herbicidas. O uso também importantes aliadas no controle químico, a dose única de um pesticida não
da inundação antes do plantio, quando de pragas, doenças e plantas daninhas. A persistente pode ser aplicada no momento
pertinente, ou o uso de plantas de cober- transferência de genes contendo caracte- em que os insetos ou as plantas daninhas
tura é eficiente para controlar pragas e rísticas desejáveis de uma espécie para estão mais vulneráveis. O monitoramento
plantas daninhas. A restauração de que- outra afim ou mesmo entre espécies não cuidadoso e científico das populações dos
bra-ventos e cordões em contorno, bem co- afins, como ocorre hoje em dia com os orga- organismos indesejáveis para se determinar
mo a vegetação de escoadouros de água, é nismos geneticamente modificados, é exem- o ponto ótimo econômico, bem como a
exemplo de práticas que não somente pre- plo concreto de ações neste sentido. melhor época, tipo e método de aplicação
vinem a erosão do solo, mas também criam Outra opção é o uso de hormônios co- do pesticida, é crítico no MIP.
áreas de refúgio para inimigos naturais das mo atraentes de insetos para armadilhas Culturas que funcionam como arma-
pragas e doenças, através da diversificação localizadas, contendo pequenas quantida- dilha e pequenas áreas plantadas uma ou
de habitats5 . O ajuste de épocas de plan- des de pesticidas, ação esta que pode apre- duas semanas antes da cultura principal
tio pode evitar o ressurgimento de pragas sentar o inconveniente de atrair não so- também são úteis. Estas áreas atingem a
e doenças, enquanto que a mudança de mente insetos-pragas, mas também insetos maturação mais cedo, podendo atrair pra-
campos de monocultura para culturas mis- outros que podem constituir parte da ca- gas e doenças de outras plantas. Procede-
tas torna mais difícil que pragas e doenças deia alimentar de aves e anfíbios, além de se então a um controle químico nesta área
encontrem as colheitas preferidas. polinizadores das plantas cultivadas. restrita, de tal modo que todos os organis-
Uma importante mudança de compor- mos indesejáveis sejam eliminados. A cul-
tamento pode ocorrer também em nossas Manejo integrado de pragas tura que recebeu aplicação de altas doses
atitudes e preferências das pessoas. Os O manejo integrado de pragas (MIP) é de pesticidas é então destruída de maneira
agricultores podem ser persuadidos a en- uma estratégia flexível e ecológica de con- segura para evitar possível exposição e ris-
xergar que a inexistência total de plantas trole com base numa combinação de técni- co de contaminação do homem e do ambi-
daninhas pelo uso de herbicidas pode não cas aplicadas em épocas específicas, cul- ente com o pesticida. Usando-se esta estra-
ser o melhor para o solo ou para o próprio turas específicas e para pragas específicas. tégia, espera-se que o campo principal de
agricultor. Permitir que algumas plantas Usam-se freqüentemente técnicas mecâ- cultivo fique livre da maior parte das pragas
daninhas cresçam entre as fileiras de plantio nicas como alternativa à aplicação química. e doenças e, conseqüentemente, dos pes-
pode fazer mais sentido a longo prazo. O MIP não abdica integralmente do uso de ticidas.
Adicionalmente, os consumidores podem pesticidas, mas sim usa a quantidade míni- Exemplos de programas de sucesso
ter que aprender a aceitar frutas e verduras ma necessária junto com algumas práticas envolvendo o manejo integrado de pragas
menores e menos perfeitas. mecânicas para efetuar o controle. Onde e doenças são sumarizados no Quadro 10.

Controle biológico
Esta prática, que se vale do uso de pre- QUADRO 10 - Situações onde o manejo integrado de pragas foi adotado com sucesso
dadores ou patógenos, pode controlar Local Cultura Comentário
muitas pragas e doenças de maneira mais Massachusetts (EUA) Maçã Redução de 43% no uso de inseticidas
barata e segura comparativamente ao uso
de quantidades maciças de pesticidas. O Brasil Soja Redução de 90% no uso de inseticidas
bacilus thuringiensis ou Bt, por exemplo,
é uma bactéria natural que mata larvas de Costa Rica Banana Eliminação do uso de diversos pesticidas
lepidópteros (borboletas e traças) mas que
é inofensiva aos mamíferos. Grandes espé- África Mandioca (60% da Controle de insetos em 65 milhões de
cies animais, como aves, podem também produção comprometida) hectares em treze países
ser utilizadas no controle de pragas e plan-
tas daninhas em campos de cultivo. Plantas Indonésia Arroz Eliminação de 65 dos 67 pesticidas ante-
repelentes para controle de insetos e insetos riormente usados na cultura; redução de
herbívoros para controlar plantas daninhas 75% nos custos com controle fitossani-
são também alternativas importantes de tário
controle biológico. FONTE: Dados básicos: Cunningham & Saigo (1995).

5
No caso específico de microbacias, a preservação das Matas Ciliares é extremamente importante também para alojar inimigos naturais das
pragas e doenças das culturas.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.40-50, nov./dez. 2000


50 Manejo de microbacias

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2000
Manejo de microbacias 55

Planejamento conservacionista em microbacias


Maria Inês Nogueira Alvarenga 1
Miralda Bueno de Paula 2

Resumo - Para implantação de um sistema agropecuário sustentável é necessário o


conhecimento amplo dos ecossistemas nos quais a atividade será implantada. O pla-
nejamento conservacionista é uma ferramenta de fundamental importância neste
contexto; sendo aqui abordado de forma simplificada, visando atender a um maior
número de usuários, através da sugestão de um roteiro para sua elaboração. Apresenta-
se, também, uma descrição dos principais impactos negativos dos sistemas de produção
nas microbacias, bem como sugestão de técnicas de manejo que venham mitigá-los.
Palavras-chave: Conservação; Manejo; Bacia hidrográfica.

INTRODUÇÃO mo base para trabalho na maioria das pro- Dentro desse contexto, o objetivo é
priedades agrícolas, responsáveis pela apresentar de forma simplificada técnicas
A utilização das terras, salvo algumas
maior parte da produção do país. Além que venham contribuir para colocar em prá-
poucas situações, é feita sem critérios de
disso há alguns levantamentos de solos tica o uso mais racional das terras, em busca
capacidade de uso e/ou aptidão agrícola, o
mais detalhados que cobrem uma área pouco da sustentabilidade. Assim, a elaboração
que tem levado à queda de produtividade,
representativa das áreas agrícolas pro- do planejamento conservacionista em sub-
menor retorno econômico, poluição e as-
dutivas. Outra ferramenta, também de gran- bacias vem ao encontro das necessidades
soreamento de mananciais, rebaixamento
do lençol freático, deslocamento do homem de potencial, é a utilização de informações atuais, ou seja, preservar os recursos natu-
do campo, perda da biodiversidade, entre georreferenciadas, nas quais, através do uso rais, principalmente solo e água que são
outras, resumindo-se em perda ou dimi- de programas específicos como o SPRING, interdependentes. O solo é a caixa de re-
nuição do potencial de sustentabilidade. o SGI etc., obtêm-se, por cruzamento de serva de água, que é essencial para o desen-
Tal comportamento pode ser atribuído planos de informações básicas (declivi- volvimento da vida na terra.
à falta de crédito agrícola, falta de orientação dade, textura do solo, comprimento de ram-
pa, geologia etc.), as classes de uso que, PLANEJAMENTO
técnica etc. Entretanto, o ponto culminante
aliadas às informações de clima e condições CONSERVACIONISTA
é a falta de política agrícola e de educação
da população, que não sabe cobrar de seus socioeconômicas, fornecem mapas de dis- Planejamento conservacionista é uma
dirigentes posições sérias de direciona- tribuição das classes de aptidão agrícola programação de um conjunto de recomen-
mento das políticas de desenvolvimento, das terras. Entretanto, para a grande maioria dações a ser seguido na exploração de uma
que venham contribuir para uma melhoria dos produtores e técnicos que atuam na propriedade agrícola, compatível com a
na qualidade de vida e uma distribuição de extensão, a utilização dos equipamentos capacidade de uso das terras, que especi-
renda mais justa. necessários para obter esses produtos ain- fica as práticas mais adequadas para manu-
Em termos de tecnologias, existe mui- da é utópica, pois nota-se que existe uma tenção e/ou melhoramento dos recursos
ta informação que poderia ser aplicada distância muito grande entre a realidade do naturais: solo, água e vegetação.
categoricamente se houvesse dados bási- produtor e o nível tecnológico desenvolvi- “O uso adequado da terra é o primeiro
cos sobre os recursos naturais (solo, ve- do nas universidades e entidades de pes- passo em direção à agricultura correta. Por-
getação, água, clima, geomorfologia, geo- quisa. Estas dominam tecnologias de Pri- tanto, cada parcela de terra deve ser em-
logia) em escala compatível para o uso em meiro Mundo num país onde a maioria dos pregada de acordo com sua capacidade de
propriedades. Porém, o que se tem de in- produtores vive, muitas vezes, uma reali- sustentação e produtividade econômica, de
formação é o Projeto RadamBrasil, feito pe- dade de Terceiro Mundo, sendo estes os forma que os recursos naturais sejam co-
lo IBGE, em escala 1:1.000.000, que serve verdadeiros necessitados de apoio tecno- locados à disposição do homem para seu
como orientação, mas não é apropriado co- lógico. melhor uso e benefício, procurando ao mes-

1
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: mines@ufla.br
2
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM, Caixa Postal 176, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail: bueno@ufla.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


56 Manejo de microbacias

mo tempo preservar estes recursos para as dação (Lepsch, 1991). Grupos e classes de
gerações futuras” (Lepsch, 1991). A intensidade de uso diz respeito a maior capacidade de uso da terra
Será apresentada uma síntese do Levan- ou menor mobilização imposta ao solo, Os grupos são estabelecidos em função
tamento de Meio Físico com vistas a aten- expondo-o a certo risco de erosão e/ou per- dos tipos de intensidade de uso permitidos
der a técnicos e/ou produtores, que se de- da de produtividade, de forma que os cul- para as glebas; enquanto que as classes
dicam a trabalhos práticos de conservação tivos anuais são considerados de uso mais representam grupos de terras com o mesmo
do solo e que queiram implementar o plane- intensivo que os cultivos perenes e estes grau de limitação de uso e/ou riscos de de-
jamento conservacionista em microbacias. mais que as pastagens. gradação em grau semelhante.
Serão descritas a simbologia e as dire- A expressão encerra os efeitos do meio
trizes básicas que deverão ser utilizadas físico na aptidão da terra para ser explorada, Grupo A
no Levantamento do Meio Físico; com ba- sem sofrer danos consideráveis por desgas- Terras com aptidão para culturas a se-
se nos apontamentos de Bertolini & Bel- te e empobrecimento com cultivos anuais, rem utilizadas com culturas anuais, perenes,
linazzi Júnior (1994) e Pundek (1994). permanentes, pastagens, reflorestamento pastagens e/ou reflorestamento e vida sil-
Os critérios e convenções são adapta- ou vida silvestre. vestre:
dos do Manual para Levantamento Utilitá- O sistema está estruturado em três gru- Classe I: terras cultiváveis sem pro-
rio do Meio Físico e Classificação de Terras pos e oito classes de capacidade de uso, blemas especiais de con-
no Sistema de Capacidade de Uso, editado conforme apresentados na Figura 20. servação;
pela Sociedade Brasileira de Ciência do So-
lo e Ministério da Agricultura, coordenado
por Lepsch (1991).
GRUPOS CLASSES SUBCLASSES UNIDADES DE USO
O planejamento conservacionista é a eta-
pa final, corresponde a fase dinâmica do
trabalho, que deve ser elaborado de acordo
com a capacidade de uso de cada gleba e
1. declive acentuado
com as condições socioeconômicas e climá-
I 2. declive longo
ticas da propriedade. 3. mudança textural abrupta
Basicamente, o planejamento deverá 4. erosão laminar
5. erosão em sulcos
conter um mapa com o projeto do arcabou-
ço da propriedade (estradas, carreadores, II 6. erosão em voçorocas
7. erosão eólica
canais divergentes e escoadouros, cercas, A e
8. depósitos de erosão
9. permeabilidade baixa
construções etc.) e um roteiro descritivo (exceto V)
indicando as melhores explorações para III 10. horizonte A arenoso

1. pouca profundidade
cada gleba, as práticas de conservação do 2. textura arenosa em todo
solo aconselhadas e também um crono- perfil

grama de execução (Bertolini & Bellinazzi, IV 3. pedregosidade


4. argilas expansivas
1994). 5. baixa saturação em bases
s 6. toxicidade de alumínio
7. baixa capacidade de troca

CAPACIDADE DE USO V 8. ácidos sulfatados ou


sulfetos
9. alta saturação com sódio
DAS TERRAS 10. excesso de sais solúveis
11. excesso de carbonatos
A capacidade de uso das terras dá idéia B VI
das possibilidades e limitações da terra,
a 1. lençol freático elevado
2. risco de inundação
3. subsidência em solos
conceituando a sua adaptabilidade para orgânicos
4. deficiência de oxigênio
diversos fins. É uma classificação técnico- VII no solo
interpretativa representando um grupa- c
1. seca prolongada
mento qualitativo dos tipos de solos, sem 2. geada
3. ventos frios
considerar a localização ou característi- C VIII 4. granizo
cas econômicas. As características e pro- 5. neve
priedades são sintetizadas em classes ho-
mogêneas, com o propósito de apresentar Figura 20 - Esquema de grupos, classes, subclasses e unidades de capacidade de uso
a máxima intensidade de uso para uma de terra
determinada gleba, sem risco de degra- FONTE: Lepsch (1991).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 57

Classe II: terras cultiváveis com pro- Subclasses de capacidade - vantagens: caracterizações especí-
blemas simples de conser- de uso ficas e adaptadas em função das
vação; Representam classes de capacidade de condições práticas locais;
Classe III: terras cultiváveis com pro- uso qualificadas em função da natureza da - desvantagens: caracterizações das
blemas complexos de con- limitação, permitindo a adoção de práticas classes de uso criteriosamente de-
servação; conservacionistas mais explícitas. A na- talhadas, sendo difícil generalizar
Classe IV: terras cultiváveis apenas tureza das limitações é designada por le- definições para todas as situações.
ocasionalmente, ou em ex- tras minúsculas em função de sua nature- b) processo paramétrico: considera os
tensão limitada, com sérios za: e - erosão aparente ou risco de erosão, efeitos das características indivi-
problemas de conservação. avaliação do risco de erosão sob cultivo; duais da terra, dando-lhes pesos e
s - limitações relativas ao solo; a - limita- depois combina esses efeitos para
Grupo B ções por excesso de água, prejudicial por obter a capacidade de uso. Utiliza
Terras impróprias para cultivos in- expulsar o ar do sistema poroso, restrin- um quadro-chave (Quadro 1), com
tensivos, mas ainda adaptadas para pas- gindo a respiração das raízes e dificultan- as características da terra diagnos-
tagens e/ou reflorestamentos e/ou vida do o desenvolvimento das plantas; c - li- ticadas no levantamento do meio
silvestre; porém cultiváveis no caso de al- mitações climáticas. Por exemplo: Classe físico, com os graus de limitação que
gumas culturas especiais protetoras do IIIe,s: apresenta limitações por risco de vão determinar a capacidade de uso.
solo: erosão e propriedades do solo. A Classe I, Estabelece-se uma classe para cada
Classe V: terras com drenagem, pe-
pela própria definição, não apresenta sub- parâmetro e, no julgamento do con-
dregosidade e/ou adversi- classes; portanto só pode apresentar res- junto, determina-se como classe
dades climáticas muito pro- trições ligeiras. aquela correspondente ao fator mais
blemáticas para permitir cul- agravante, ou de maior limitação que
Unidades de uso
tivos; cultiváveis apenas a gleba apresente.
em caso de culturas espe- A unidade de uso torna mais explícita a
Apresenta as seguintes vanta-
ciais; natureza da limitação e, assim, facilita a re-
gens e desvantagens:
Classe VI: terras adaptadas em geral comendação e o estabelecimento de prá-
ticas de manejo. Portanto, dentro de cada - vantagens: uma vez estabelecida
para pastagens e/ou reflo-
subclasse (e, s, a, c), pode-se definir qual é a tabela ou chave, ela pode ser apli-
restamento ou vida silves-
a limitação. Por exemplo, IIIe-1: limitação cada objetivamente, de forma que
tre, com problemas simples
pelo risco de erosão em função da de- os operadores possam obter re-
de conservação, cultivá-
clividade; IIIs-1, limitação devido à pro- sultados consistentes em um mes-
veis apenas em casos espe-
fundidade efetiva do solo. As Classes I e mo trato de terra;
ciais de algumas culturas
permanentes protetoras do V, por definição, não apresentam limitações - desvantagens: normalmente não
solo; por risco de erosão. permite considerar as interações
entre fatores, quando os critérios
Classe VII: terras em geral adaptadas
Enquadramento das terras diagnósticos são tomados isola-
somente para pastagens
em classes de capacidade damente para determinação das
ou reflorestamento ou vida
de uso classes e subclasses de capaci-
silvestre, com problemas
complexos de conserva- Existem dois processos para enquadra- dade de uso.
ção. mento das terras em classes de capacidade Para fins de aplicação mais objetiva e
de uso: simplificada, recomenda-se esse proces-
Grupo C a) processo sintético: considera ca- so, para o qual se apresenta como chave o
Terras impróprias para cultivos perenes, racterísticas e qualidades de uma Quadro 1, lembrando-se de que esta é uma
pastagens ou reflorestamentos, porém gleba como um todo, julgando com adaptação na qual se sugerem algumas ca-
apropriadas para proteção da flora e fauna elas a sua adaptabilidade para uso racterísticas de solo a serem diagnostica-
silvestre, recreação ou armazenamento de intensivo com culturas, pastagem das em um levantamento expedito do meio
água: e reflorestamento, comparando-as físico. Entretanto, para situações especiais,
Classe VIII: terras apropriadas apenas com as classes de capacidade de uso, outras características deverão ser acres-
para proteção da flora e fau- até encontrar aquela em que melhor centadas ou mesmo substituídas. Por exem-
na silvestre, recreação ou se enquadre. plo, em áreas com excesso de sais, a carac-
para fins de armazenamen- Apresenta as seguintes vanta- terística salinidade é importante de ser
to de água. gens e desvantagens: diagnosticada.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000
58 Manejo de microbacias

QUADRO 1 – Enquadramento das terras em classes de capacidade de uso

Classes de capacidade de uso


Limitação Notação
I II III IV V VI VII VIII

Profundidade efetiva Muito profunda x x x x x x x x pr1


Profunda x x x x x x x pr2
Moderada x x x x x pr3
Rasa x x x pr4

Drenagem/ permeabilidade do perfil Excessivamente drenada x x x x x x x h1


Bem drenada x x x x x x x x h2
Moderada x x x x x x h3
Mal drenada h4

Pedregosidade Não pedregosa x x x x x x x x pd0


Moderada x x x x x x x pd1
Pedregosa x x x x x x pd2
Muito pedregosa x x x pd3
Extremamente pedregosa x x pd4

Riscos de inundação Muito baixa x x x x x x i1


Baixa x x x x x i2, i4
Moderada x x x x i3, i5
Alta x x x i6, i7, i8
Muito alta x i9

Classes de declive Plano x x x x x x x x A


Suave ondulado x x x x x x x B
Ondulado x x x x x C
Colinoso x x x x D
Forte ondulado x x x E
Montanhoso x x F
Escarpado x G

Grau de erosão laminar Ligeira x x x x x x 1


Moderada x x x x x 2
Severa x x x 3
Muito severa x x 4
Extremamente severa x 5-6

Erosão em sulcos superficiais Ocasionais x x x x x x 7


Freqüentes x x x x x 8
Muito freqüentes x x x x 9

Erosão em sulcos rasos Ocasionais x x x x x 


Freqüentes x x x x 8
Muito freqüentes x x x 9

Erosão em sulcos profundos Ocasionais x x x x 7


Freqüentes x x x 8
Muito freqüentes x x 9

Erosão em voçorocas Ocasionais x x x 7


Freqüentes x x 8
Muito freqüentes x 9

FONTE: Dados básicos: Bertolini & Bellinazzi Júnior (1994).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 59

METODOLOGIA PARA
PROFUNDIDADE EFETIVA - TEXTURA - PERMEABILIDADE
LEVANTAMENTO FATORES LIMITANTES - USO ATUAL
CONSERVACIONISTA DECLIVIDADE - EROSÃO

Algumas estimativas indicam que 40%


da produção líquida primária terrestre, em ter-
mos de apropriação de recursos naturais e Fatores determinantes determinada pelo conhecimento do perfil
energia, já está comprometida para consu- do solo e/ou com trato, classificando-se
Para diagnóstico das classes de capa-
mo humano (Mesquita et al., 2000). Reves-
cidade/aptidão de uso, deverão ser estu- conforme Quadro 2.
te-se, então, de importância o conhecimen-
dados os fatores determinantes de uso da
to dos recursos naturais que estão sendo Drenagem/permeabilidade
apropriados na geração de rendas, surgin- terra, quais sejam: profundidade efetiva,
do perfil (h)
do assim o conceito de sustentabilidade: drenagem ou permeabilidade do perfil do
solo, textura, pedregosidade, declividade, É a capacidade que o solo apresenta de
“desenvolvimento que satisfaz as necessi-
risco de inundação e suscetibilidade à ero- transmitir água ou ar e será determinada
dades da geração presente, sem comprome-
são. pelo conhecimento da textura do solo e da
ter as possibilidades das gerações futuras,
presença ou não de horizonte glei.
em satisfazer suas necessidades” (Nosso..., Profundidade efetiva (pr) As classes de drenagem são adaptadas
1988). Para implantação de um sistema Refere-se à camada de espessura máxi- de Lemos & Santos (1984), de acordo com
agropecuário sustentável é necessário o ma do solo, favorável ao desenvolvimento Uberti et al. (1992), citados por Pundek
conhecimento amplo dos ecossistemas nos
do sistema radicular e ao armazenamento (1994) (Quadro 3).
quais a atividade será implantada.
de umidade, e que difere de uma camada Por esse critério necessita-se do co-
adjacente com impedimentos advindos de nhecimento da textura, para determinação
Levantamento do meio físico
propriedades físicas que impedem ou retar- da classe de drenagem; devendo esta ser
Também chamado de levantamento uti- dam significativamente o desenvolvimento determinada cuidadosamente para cada
litário, é um inventário (diagnóstico) feito das raízes. Normalmente considera-se a so- gleba de terra.
com observações no campo (incluindo inda- ma dos horizontes A e B.
gações aos agricultores), análise de amos- Textura do solo
São impedimentos no perfil: presença
tras de solo, análise de dados climáticos,
ou vestígios do lençol freático, estrutura Refere-se à proporção relativa das fra-
que deverão ser notadas em forma de símbo-
maciça coesa, pedregosidade, camada ci- ções granulométricas que compõem a mas-
los convencionais, nos respectivos mapas,
mentada etc. A profundidade efetiva será sa do solo.
e/ou registradas nos memoriais técnicos des-
critivos. É um levantamento simplificado em
relação ao levantamento pedológico, porém QUADRO 2 - Classes de profundidade efetiva
deve ser feito criteriosamente para os parâ- Profundidade
metros que foram eleitos para ser levantados, Classe Símbolo
(cm)
considerados com influência direta sobre o
risco de degradação do solo pelos fatores Muito profunda > 200 pr1
de desgaste e empobrecimento (declive). Profunda 100-200 pr2
Considera-se fator limitante aquele cri- Pouco profunda 50-100 pr3
tério diagnóstico que afeta adversamente o Rasa <50 pr4
uso da terra e não pode ser corrigido com
FONTE: Pundek (1994).
melhoramentos menores, devendo-se con-
viver com eles, tais como: pedregosidade,
inundações etc. QUADRO 3 - Classes de drenagem

Fórmula mínima Profundidade de


evidência de
É representada por símbolos e notações Classe Textura do perfil Símbolo
mosqueado/gleização
convencionais, dispostas em uma seqüên- (cm)
cia conhecida como fórmula que sintetiza Excessivamente drenada Ausente Arenosa, arenosa a média h1
as condições encontradas na área consi- Bem drenada Ausente ou >100 Argilosa, média, muito argilosa h2
derada como homogênea.
Moderadamente drenada De 50 a 100 – h3
A fórmula mínima obrigatória engloba
critérios, diagnósticos, fatores limitantes Mal drenada <50 – h4
(caso existam) e uso atual: FONTE: Pundek (1994).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


60 Manejo de microbacias

É avaliada através do tato, pela sensa-


ção ao esfregar um pouco de solo úmido
entre os dedos. A areia provoca sensação
de aspereza, o silte, sedosidade e a argila,
pegajosidade.
Quando se avalia a textura, deve-se to-
mar cuidado em homogeneizar a massa do
solo, pois determinados solos exigem que
a massa seja bem trabalhada.
O problema é aferir o tato para deci-
dir no campo quanto às proporções apro-
ximadas dessas frações combinadas na
amostra do solo em questão. Deve-se, nes-
se caso, levar a amostra para determinar a
composição granulométrica em laborató-
rio.
Raramente encontra-se um solo que
seja constituído de uma só fração granu-
lométrica. Daí surgirem as classes de textura
procurando definir as diferentes combina-
ções de areia, silte e argila, como apresen-
tados na Figura 21.
As classes de texturas referem-se às
camadas superficial e subsuperficial do
solo, conforme são apresentados no Qua- Figura 21 - Classes texturais do solo
FONTE: Lemos & Santos (1996).
dro 4.

Pedregosidade (pd)
QUADRO 4 - Textura do solo
A determinação da quantidade de pedras
da terra tem interesse especial para avalia- Textura Textura da camada subsuperficial
ção da facilidade de trabalhos e, nos casos da camada
das pedras pequenas ou fragmentos gros- superficial Muito argilosa Argilosa Média Siltosa Arenosa
seiros, interessa também para avaliação das
Muito argilosa 1/1 1/2 1/3 1/4 1/5
qualidades relacionadas com a conservação
da umidade: controle da erosão hídrica e Argilosa 2/1 2/2 2/3 2/4 2/5
eólica, infiltração de água, desgaste de im- Média 3/1 3/2 3/3 3/4 3/5
plementos agrícolas e desenvolvimento do Siltosa 4/1 4/2 4/3 4/4 4/5
sistema radicular (Lepsch, 1991). Arenosa 5/1 5/2 5/3 5/4 5/5
A pedregosidade poderá ser determi-
FONTE: Bertolini & Bellinazzi Júnior (1994).
nada por visualização local, de acordo com
a Figura 22; e/ou pelo conhecimento do
perfil do solo, o que leva a determinar uma
das classes de pedregosidade, apresen-
tada no Quadro 5 (Pundeck, 1994).

Risco de inundação (i)


O risco de inundação de um solo será
indicado pela freqüência e duração usual 0,1% 3% 15% 50% 90%
em que ocorrem. Sua freqüência é estimada
em razão do intervalo possível de recor-
rência; e a duração, de acordo com o tempo Figura 22 - Padrões para classificação quanto à pedregosidade
em que as águas cobrem o solo. FONTE: Pundek (1994).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 61

a) freqüência: QUADRO 5 - Classes de pedregosidade

ocasional: com mais de 5 anos de re- Presença de pedras


Classe (%) Símbolo
corrência provável;
Não pedregosa < 0,1 pd0
freqüente: entre 1 e 5 anos de recor-
rência; Moderadamente pedregosa 0,1 a 3 pd1

muito freqüente: ocorre uma ou mais Pedregosa 3 a 15 pd2


vezes por ano. Muito pedregosa 15 a 50 pd3
b) duração:
Extremamente pedregosa >50 pd4
curta: dura menos de um dia;
média: dura de dois dias a um mês; FONTE: Pundek (1994).

longa: dura mais de um mês.


Para maior clareza, as notações de riscos
QUADRO 6 - Notações para registro de riscos de inundação
de inundação (freqüência x duração) estão
reunidas no Quadro 6. Freqüência
Duração
Declividade Ocasionais Freqüentes Muito freqüentes
É a inclinação que o solo faz em rela-
Curtas i1 i4 i7
ção a um plano horizontal. Será determina-
da com clinômetro e enquadrada nas clas- Médias i2 i5 i8
ses (Quadro 7). Longas i3 i6 i9

Suscetibilidade à erosão FONTE: Bertolini & Bellinazzi Júnior (1994).

É feita através da observação da ocor-


rência de erosão laminar e/ou em sulcos;
representada por algarismos arábicos de QUADRO 7 - Classes de declividade do solo
um a seis para a erosão laminar e sete a
Classe Declive Símbolo
nove para a freqüência de erosão em sul- (%)
cos. Dependendo da profundidade dos sul-
Plana >2 A
cos, recebe simbologia específica de acor-
do com o Quadro 8. Suave ondulada 2-5 B

a) erosão laminar: Ondulada 5-10 C

1 : ligeira – já aparente, mas com me- Colinosa 10-15 D


nos de 25% do horizonte A removido, Forte ondulada 15-45 E
ou quando não for possível identifi- Montanhosa 45-75 F
car a profundidade normal do hori-
Escarpada >75 G
zonte A de um solo virgem, com mais
de 15cm do horizonte superficial re- FONTE: Bertolini e Bellinazzi Júnior (1994).
manescente;
2 : moderada – 25% a 75% do ho-
QUADRO 8 - Notação de erosão hídrica em sulcos
rizonte A removido ou quando não
for possível identificar a profundida- Freqüência dos sulcos
Profundidade
de normal do horizonte A de um solo dos sulcos
Ocasional Freqüente Muito freqüente
virgem com 5cm a 15cm do horizonte
A remanescente; Superficial 7 8 9
3 : severa – mais de 75% do horizonte
A removido e possivelmente hori- Rasa 7 8 9
zonte B já aflorando, ou quando não
Profunda 7 8 9
for possível identificar a profundi-
dade natural do horizonte A de um
solo virgem, com menos de 5cm do Voçoroca 7V 8V 9V

horizonte A remanescente; FONTE: Bertolini & Bellinazzi Júnior (1994).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


62 Manejo de microbacias

4 : muito severa – todo horizonte A pedregosidade (pd) minação da granulometria, aproveite-se a


já removido e horizonte B bastante inundação (i) mesma amostra para determinação da ferti-
erodido e, algumas vezes, removido caráter abrupto (ab) lidade do solo.
em proporções entre 25% e 75% da caráter vértico (ve)
profundidade original; hidromorfismo (hi) Roteiro de trabalho
seca prolongada (se) Para elaboração do planejamento con-
5 : extremamente severa – horizonte
geada e/ou vento frio (gd) servacionista, é necessário trabalho de cam-
B removido na sua maior parte e com
caráter distrófico (di) po e de escritório. O trabalho de campo deve
horizonte C já atingido, estando o
caráter álico (al) iniciar após elaboração do mapa base da
solo praticamente destruído para fins
baixa CTC (ct) microbacia a ser estudada. O mapa base
agrícolas;
tiomorfismo (ti) pode ser feito a partir de foto aérea, cartas
6 : símbolo reservado para áreas des- sodicidade (so) topográficas do IBGE ampliadas em escala
barrancadas ou translocações de blo- salinidade (sl) adequada para o trabalho de campo (pelo
cos de terra. A área erodida deve ser presença de carbonatos (ca) menos 1:5.000), levantamento topográfico
delimitada no mapa por linha pon-
Outro aspecto da fórmula “obrigatória” etc.; pode ser utilizado até um croquí, como
tilhada, tendo no seu interior o sím-
é a caracterização uso atual da terra, dando base para as atividades de campo.
bolo 6.
indicações sobre a tradição e a experiência Dentre as atividades a serem desenvol-
b) erosão em sulcos – freqüência: dos agricultores, para sugerir possíveis ma- vidas no trabalho têm-se:
7 : ocasional – distanciada mais de 30m; nejos futuros. É representada pelo seguinte: a) atividades de campo: percorrer a área;
8 : freqüente – menos de 30m entre si,
floresta: F delimitar no campo glebas e subgle-
ocupando menos de 75% da área; cerrado: S bas; notar as características pela fór-
caatinga: T mula convencional; marcar cercas,
9 : muito freqüente – menos de 30m
campo nativo: C estradas, afloramentos, áreas inun-
entre si, ocupando mais de 75% da área. complexo vegetacional: O dadas etc.; amostrar o solo.
c) erosão em sulcos – profundidade terreno estéril: E b) atividades de escritório: elaborar mapa
dos sulcos: pastagens: P de levantamento do meio físico; mapa
lavoura: L
7; 8; 9 : sulcos superficiais que se de uso atual; mapa de capacidade de
desfazem com preparo do solo;
horticultura: H
uso; mapa de uso planejado; memo- ⑧

silvicultura: V
rial técnico descritivo.
⑦7 , 8 , 9 : sulcos rasos que po- pastagem nativa: Pn
dem ser cruzados por máquinas agrí- pastagem melhorada: Pm
colas, mas não se desfazem com pre- IMPACTOS DOS SISTEMAS DE
pastagem cultivada: Pc
paro do solo; PRODUÇÃO NAS MICROBACIAS
capineira: Px
7 , 8 , 9 : sulcos profundos que lavoura perene: Lp As tecnologias empregadas nas proprie-
não podem ser cruzados por máqui- lavoura temporária: Lt dades com diferentes sistemas de produ-
nas agrícolas, mas não atingiram o lavoura anual: La ção podem afetar de forma negativa ou po-
horizonte C; fruticultura: Hf sitiva a sustentabilidade das microbacias.
7V; 8V; 9V : presença de voçorocas. olericultura ou fruticultura: Ho Os modelos de produção agropecuária,
araucária: Va quando não eficientes, provocam impactos
Caracterização e essências exóticas: Vd de graves conseqüências econômicas e
notação dos elementos essências nativas: Vn sociais, que se farão sentir ao longo do
necessários ao levantamento pinus: Vp tempo, tais como os descritos a seguir.
utilitário do meio físico eucalípto: Ve
Existem convenções com o objetivo de Erosão
Exemplo de uma fórmula mínima:
padronizar as informações da fórmula De modo geral o preparo do solo tem
mínima. Por exemplo: usam-se letras mi- pr1 2/2 h2 sido feito sem observação de técnicas
pd1 Px
núsculas e algarismos arábicos em posições conservacionistas, predispondo a área à
C - 27
específicas (Quadros 2 a 8); o zero indica degradação. O manejo inadequado e a de-
característica não-diagnosticada; os núme- Observação: a determinação da fertili- gradação do solo têm como conseqüência
ros crescem no sentido do agravamento dade do solo é essencial para a implantação a compactação, que provoca a remoção das
das condições. de cultivos, mesmo que aqui não esteja sen- camadas superiores (erosão). No preparo
Os fatores limitantes específicos são do considerada como determinante da ca- do solo, o técnico deve conhecer a sua
representados por letras minúsculas como pacidade de uso. Entretanto sugere-se que, susceptibilidade à erosão (erodibilidade),
a seguir: quando da coleta de amostras para deter- que se refere às características intrínsecas
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 63

do solo. Assim, solos com erodibilidades estar disponível para sustentar os quando não há dossel de vegetação para
diferentes apresentarão comportamentos fluxos dos rios durante a estação seca. proteção, ocorrendo, conforme Sidiras et
diferentes, sob a mesma forma de cultivo. al. (1984), temperaturas com valores supe-
Dessa maneira a cada grupo e/ou classe de Estradas riores a 40oC a 5cm de profundidade.
solo corresponderá um conjunto de práticas O escorrimento superficial ao longo das
Adubação verde
mais eficientes. Outros fatores que in- estradas nas microbacias pode causar
fluenciam a erosão do solo são os extrín- erosão, com efeitos localizados. Denominou-se adubo verde a planta
secos, que se referem a um manejo ina- cultivada ou não com a finalidade de en-
dequado, o que significa o uso do solo fora riquecer o solo e sua massa vegetal, embora
MANEJO E CONSERVAÇÃO
de sua classe de capacidade de uso. se considere também como adubo verde a
NAS MICROBACIAS
utilização de espécies vegetais, tanto de
Poluição As práticas conservacionistas (Fig. 23, gramíneas como outras espécies naturais
p.54) visam à manutenção da potencialida- ou cultivadas. O cultivo de leguminosas
O termo poluição é dirigido usualmente
de produtiva do solo. Bertoni & Lombardi constitui-se na prática mais difundida pa-
à presença de substâncias tóxicas introdu-
Neto (1990) definem essas práticas como ra essa finalidade. A razão se dá princi-
zidas pelo homem no meio ambiente. O uso
técnicas utilizadas para aumentar a resis- palmente pelo fato de as raízes dessas plan-
intensivo de fertilizantes e de agrotóxicos
tência do solo ou diminuir as forças do tas, em simbiose com bactérias do gênero
provoca o carreamento destes insumos,
processo erosivo. Rhizobium, fixarem o nitrogênio do ar; além
contaminando a água do solo e o lençol
O estado de Santa Catarina, com expe- de sua riqueza em compostos orgânicos
freático. Contudo, muitas vezes a poluição
riência no manejo de microbacias hidro- nitrogenados e a presença de um sistema
é causada por substâncias não-tóxicas,
gráficas, prioriza uma melhor cobertura radicular geralmente bem ramificado e pro-
sendo a erosão considerada também como
vegetal (Silva, 1996); e, em seguida a ado- fundo que promove a reciclagem de nu-
uma parte dos problemas da poluição.
ção do cultivo mínimo ou plantio direto, trientes das camadas inferiores.
associado com subsolagem e adubação Em Minas Gerais essa prática não é mui-
Sedimentação
orgânica para melhorar a estrutura do solo. to difundida. Uma das razões para a não-
Nos cursos d’água em geral, o assorea- Posteriormente, o plantio em nível, culturas adoção pelos agricultores é a falta de re-
mento significa o acúmulo de sedimentos, em faixas, as barreiras vegetais; e, somente torno econômico durante o primeiro ano
resíduos de fertilizantes, corretivos e defen- em último caso, as barreiras mecânicas e a agrícola. No Sul de Minas, em trabalho
sivos agrícolas, o que prejudica a flora, readequação das estradas internas para evi- desenvolvido com guandu, crotalária
fauna, captação d’água, potencializando o tar o escorrimento superficial excessivo. (Crotalária juncea L.), mucuna-preta e
prejuízo dos agricultores. A sedimentação Segundo Shaxson (1988), quase toda feijão-de-porco (Canaculia ensiformis),
assoreando cursos d’água contribui tam- compactação e erosão causadas pelas go- observou-se que o guandu se destacou
bém para o aumento das inundações. tas de chuva poderão ser evitadas se, no tanto em produção de biomassa quanto no
mínimo, 40% a 50% da superfície do solo fornecimento de nutrientes ao solo, se-
Precipitação, escoamento e estiver protegida com algum tipo de co- guido pela crotalária (Paula et al., 1998).
enchentes bertura bem distribuída, que pode ser obtida
Segundo Shaxson (1988), uma parte sig- através das técnicas de manejo. Rotação de culturas
nificativa da água da chuva se perde como A rotação de culturas tem como obje-
escoamento superficial com graves efeitos: Manejo dos resíduos de cultura tivo principal criar melhores condições de
a) diminui o volume de água que seria A manutenção da estrutura, redução da crescimento de uma cultura agrícola, pelo
potencialmente armazenado no solo; temperatura, conservação de umidade, re- plantio desta após o cultivo de culturas
b) age como meio de transporte dos dução da formação de arestas superficiais, adequadas, garantindo a execução de todas
nutrientes erodidos do solo pelo im- melhoria das condições químicas, pela as operações em tempo hábil. A rotação de
pacto (desagregação) das gotas de reciclagem dos nutrientes, promovendo culturas deve assegurar um controle efi-
chuva; maiores rendimentos dos cultivos agríco- ciente de plantas daninhas e pragas com o
las, são benefícios decorrentes da manu- mínimo de despesas (Steinhauser et al.,
c) o fluxo concentrado pode erodir mais
tenção dos resíduos das culturas de inver- citados por Derpsch et al., 1991). Segundo
solo das margens e leito dos canais;
no, deixados sobre o solo para as culturas estes autores, a influência da rotação de
d) uma rápida concentração do escoa- de verão (Desperch et al., citados por Paula culturas sobre a infiltração é muito maior
mento superficial nos cursos d’água et al.,1998). A grande mobilização do solo com o preparo convencional do solo do
naturais pode causar sérias inun- e a incorporação ou queima dos resíduos que com o plantio direto. A rotação de cul-
dações; vegetais podem dificultar o estabelecimen- turas contribui para o arejamento e melhor
e) devido às perdas de água da chuva to das culturas, devido às oscilações de conservação da água de solo; sendo uma
durante a estação chuvosa, haverá temperatura e à umidade em solo descober- medida de grande efeito no combate à ero-
uma redução da água que deveria to, principalmente durante a germinação, são e ao deflúvio de água pluvial.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000
64 Manejo de microbacias

Efeito da calagem fluencia a infiltração da água e perda do KAMPRATH, E.J. Exchangeable aluminum as a
solo por erosão. Técnicas de manejo dos criterion for liming leached mineral soils.
Informações sobre os efeitos da cala-
Soil Science Society of America Pro-
gem nas propriedades físicas do solo são restos culturais, adubação verde etc., prin-
ceedings, Tucson, v.34, n.2, p.252-254,
contraditórias. Kamprath (1970) relata que, cipalmente entre pequenos e médios produ- Mar./Apr. 1970.
nos trópicos, a calagem para neutralizar o tores, são pouco difundidas e/ou utilizadas,
LEMOS, R. da C.; SANTOS, R.D. Manual de
alumínio tóxico não deve ser feita com do- e a prática da queimada como forma de descrição e coleta de solo no campo. 3.ed.
ses acima das necessárias, pois pode ocor- facilitar as operações de preparo do solo e Campinas, SBCS/Rio de Janeiro: EMBRAPA-
rer com isso uma destruição dos agregados plantio ainda é um problema real. CNPS, 1996. 84p.
com diminuição da permeabilidade. Isso É de difícil conciliação o resultado LEPSCH, I. F. (Coord.). Manual para levan-
também foi verificado por Butierres (1980), econômico e a preservação do ambiente. O tamento utilitário do meio físico e classi-
através da diminuição do grau de floculação sentido principal de utilização da terra que ficação de terras no sistema de capaci-
é de caráter privado é dado pelo seu pro- dade de uso: 4a aproximação. Campinas:
em solos do Rio Grande do Sul.
prietário, portanto os resultados financeiros SBCS, 1991. 175p.
Efeito contrário foi observado por Roth
determinam as decisões dele. O produtor MESQUITA, H. A.; PAULA, M.B. de; ALVA-
et al. (1986), através de estudos em lavou-
considera a terra como um bem que lhe pro- RENGA, M.I.N. Indicadores de impactos das
ra cafeeira, onde diferentes níveis de cal- atividades agropecuárias. Informe Agro-
cário necessários para elevar o pH a 5,0 – porciona ganhos financeiros, o que, muitas
pecuário, Belo Horizonte, v.21, n.202, p.57-
6,0 – 6,5 – 7,0 foram aplicados em Latossolo vezes a curto prazo, não combina com as 62, 70-71, jan./fev. 2000.
Roxo Distrófico. Segundo estes autores, a práticas conservacionistas, cujos resulta- NOSSO futuro comum. Rio de Janeiro: FGV/
estabilidade dos agregados aumentou com dos são a longo prazo. Por outro lado, a CMMD, 1988. 430p.
a elevação do pH, havendo um incremento população que necessita do alimento e da PAULA, M.B. de; ASSIS, R.P. de; BAHIA, V.G.;
significativo na infiltrabilidade, e a por- água em boa qualidade desconhece a im- OLIVEIRA, C.V. de. Efeito do manejo dos
centagem de agregados foi correlacionada portância e a necessidade das práticas resíduos culturais, adubos verdes, rotação de
positivamente com os teores de cátions conservacionistas. culturas e aplicação de corretivos nas proprie-
Assim, para que se obtenha sucesso dades físicas e recuperação dos solos. Informe
trocáveis (Ca, Mg) e com o pH.
no programa conservacionista, há neces- Agropecuário, Belo Horizonte, v.19, n.191,
A calagem melhora as condições quí- p.66-70, 1998.
micas do solo em áreas com problemas de sidade de um processo educacional de
conscientização da classe produtora, que PUNDEK, M. Levantamento e planejamento
acidez e promove também maior fixação conservacionista de propriedades rurais em
simbiótica de nitrogênio pelas leguminosas. usufrui das riquezas da terra, e das lideran-
microbacias. In: MANUAL de uso, manejo e
Disso resulta maior crescimento vege- ças políticas, que só dão grande impor- conservação do solo e da água: projeto de
tativo, tendo como conseqüência maior tância ao aspecto econômico, para que a recuperação, conservação e manejo dos re-
retorno de matéria orgânica ao solo. sobrevivência da humanidade não seja cursos naturais em microbacias hidrográficas.
ameaçada. Este processo educacional po- 2.ed.rev.atual. Florianópolis: EPAGRI, 1994.
Correção de erosão nas estradas de ter início em cada município envolven- p.357-384.
As estradas de acesso internas e vici- do ensino, pesquisa, extensão e liderança ROTH, C.H.; PAVAN, M.; CHAVES, J.C.D.;
política, para elaboração e implantação de MEYER, B.; FREDE, H.G. Efeitos das apli-
nais e os carreadores deverão ser bem loca-
cações de calcário e gesso sobre a estabilidade
dos e conservados. As suas saídas laterais um eficiente Programa Conservacionista
de agregados e infiltrabilidade de água em um
de água deverão ser destinadas a bacias nas Bacias Hidrográficas. Latossolo Roxo cultivado com cafeeiros. Re-
de captação e acumulação tecnicamente REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS vista Brasileira de Ciência do Solo, Cam-
implantadas, ao invés de constituírem-se em pinas, v.10, n.2, p.163-166, maio/ago.1986.
simples valas de drenagem que conduzem à BERTOLINI, D.; BELLINAZZI JÚNIOR, R.
SHAXSON, T.P. Produção e proteção integrados
Levantamento do meio físico para de- em microbacias. In: CONGRESSO BRASILEI-
erosão. As obras para correção da erosão nas
terminação da capacidade de uso das RO DE CIÊNCIA DO SOLO, 21, 1997, Cam-
estradas das microbacias incluem: retifica- terras. 2.ed. Campinas: CATI, 1994. 29p. pinas. Anais... A responsabilidade social da
ção, acostamentos, ensaibramentos, corre- (CATI. Boletim Técnico, 175). ciência do solo. Campinas: SBCS, 1988.
ção de leitos, junção com terraços, bueiros, BERTONI, J.; LOMBARDI NETO, F. Conser- p.263-271.
obras de drenagem, canais divergentes etc. vação do solo. São Paulo: Ícone, 1990. 355p.
SIDIRAS, N; DERPSCH, R.; HEINZMANN, F.X.
No manejo das microbacias, deve-se BUTIERRES, M.F.M. Efeito do calcário e Influência da adubação verde de inverno e seu
considerar que estas medidas reduzem as fosfato de potássio no ponto de carga zero efeito residual sobre o rendimento das culturas
perdas do solo, assoreamento dos cursos (PCZ) e grau de floculação em três solos de verão em Latossolo Roxo distrófico. Plan-
d’água, enchentes, aumento da profun- do Rio Grande do Sul. Santa Maria : UFSM, tio Direto, Ponta Grossa, v.2, n.2, p.4-5, 1984.
1980. 59p. Dissertação (Mestrado) – Uni-
didade do lençol freático, com ganhos eco- SILVA, M.C. da. A experiência de Santa Catarina
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KÖPKE, U. Controle da erosão no Pa- (Ed.). O solo nos grandes domínios mor-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
raná, Brasil: sistemas de cobertura do solo, foclimáticos do Brasil e o desenvolvi-
A cobertura do solo com plantas ou plantio direto e preparo conservacionista do mento sustentado. Viçosa: SBCS/ UFV,
restos de cultura é o fator que mais in- solo. Londrina: GTZ / IAPAR, 1991. 272p. 1996. p.771-779.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.55-64, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 65

Restauração de matas ciliares


Antônio Cláudio Davide 1
Robério Anastácio Ferreira 2
José Márcio Rocha Faria 3
Soraya Alvarenga Botelho 4

Resumo - As Matas Ciliares vêm recebendo uma crescente e merecida atenção nos
últimos anos, em função de uma maior conscientização da sociedade no que diz respeito
ao meio ambiente, particularmente à conservação dos recursos hídricos. São discutidas
a importância das Matas Ciliares, a viabilidade de sua implantação em função de fatores
ambientais limitantes, a produção de sementes e mudas e as estratégias de implantação
e de condução da floresta.
Palavras-chave: Reflorestamento ciliar; Revegetação; Recuperação de áreas degradadas.

INTRODUÇÃO caso devem ser entendidas como Matas Freqüentemente, estabelece-se um gran-
Matas Ciliares ou Florestas Ripárias são Ciliares. A vegetação aqui denominada de conflito entre os interesses de utilização
Mata Ciliar é a combinação desses dois dessas áreas, por parte dos proprietários
assim denominadas por assemelharem-se,
conceitos e refere-se às áreas cobertas por das terras e a necessidade de preserva-
na sua função, aos cílios que protegem os
florestas, situadas entre um rio e os sítios ção ambiental estabelecida pela legislação
nossos olhos e, na sua forma, por ocorre-
adjacentes, devendo ser manejada para (Fig. 25, p.54).
rem em faixas estreitas, na forma de ripas.
manter a integridade ecológica e hidrológica As Matas Ciliares são os ecossistemas
Elas podem ser definidas como formações
dos cursos d’água. mais intensamente utilizados e degradados
florestais associadas aos cursos d’água, as
As Matas Ciliares estão relacionadas pelo homem. Por possuírem solos férteis e
quais podem estender-se por dezenas de
no art. 2o da Lei no 4.771/65 (Brasil, 2000), úmidos, elas estão sendo substituídas pela
metros a partir das margens (Fig. 24, p.54) e
que abrange como áreas de preservação agricultura e pecuária, muitas vezes com
apresentam marcantes variações na compo-
permanente as florestas e demais formas incentivos de programas do governo como
sição florística e estrutura da comunidade,
de vegetação existentes ao redor dos rios, o Pró-Várzea, nas décadas de 70 e 80, além
dependendo das interações estabelecidas lagos, nascentes, lagoas e reservatórios, de sofrerem exploração madeireira. Nas re-
entre o ambiente aquático e sua vizinhan- especificando, na maioria das situações, a giões montanhosas, normalmente as estra-
ça (Oliveira-Filho, 1994). Entretanto, esta dimensão mínima da faixa marginal que de- das são construídas margeando os rios.
definição tem sido empregada no sentido ve ser preservada. Essa faixa poderá variar Nestas são comuns a exploração de areia e
amplo, englobando o conceito de Matas de 30m a 600m, dependendo da largura cascalho, com conseqüente solapamento
de Galeria ou Florestas Ripárias, no bioma dos cursos d’água. No caso das nascentes, dos barrancos, queda de árvores e assorea-
Cerrado, que, segundo Walter & Ribeiro mesmo que intermitentes, o raio mínimo de mento dos cursos d’água. Finalmente, por
(1997), são definidas como uma vegetação vegetação deverá ser de 50m. Para as la- serem locais paisagisticamente belos e
lenhosa que margeia as linhas de drenagem goas e reservatórios, naturais ou artificiais, agradáveis, essas áreas são intensamente
natural do terreno. As Florestas de Galeria situados em áreas rurais, a largura mínima utilizadas para urbanização, recreação,
podem circundar lagos, veredas, córregos deverá ser de 50m, para aqueles com área construção de condomínios, clubes, ran-
e pequenos rios e ter estrutura e compo- de inundação de até 20ha, e de 100m para chos de pesca etc.
sição diferente das Florestas Ripárias que os demais. Em áreas urbanas, a faixa deverá A necessidade da presença da vege-
margeiam os grandes e médios rios. Neste ser de 30m. tação ciliar é sem dúvida inquestionável,

1
Engo Agro, D.Sc. Engenharia Florestal/Silvicultura, Prof. UFLA – Depto Ciências Florestais/Pesq. UFLA - CEMAC, Caixa Postal 37, CEP 37200-000
Lavras-MG.
2
Engo Florestal, D.Sc. Fitotecnia/Sementes, Prof. ESACMA – Escola Superior de Agricultura e Ciências de Machado, Praça Olegário Maciel, 25,
CEP 37750-000 Machado-MG.
3
Engo Florestal, M.Sc., Prof. UFLA – Depto Ciências Florestais/Pesq. UFLA-CEMAC, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG.
4
Enga Florestal, D.Sc. Engenharia Florestal/Silvicultura, Prof. UFLA – Dep to Ciências Florestais/Pesq. UFLA-CEMAC, Caixa Postal 37,
CEP 37200-000 Lavras-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000


66 Manejo de microbacias

pelas suas funções. O que se procura ques- de solo que são carreadas pela enxurrada. As Matas Ciliares são áreas de transição
tionar atualmente é se o ônus da preser- A taxa de infiltração de água no solo flo- quanto às propriedades do solo e também
vação desses ecossistemas deveria recair restal pode ser de 10 a 15 vezes maior do quanto ao gradiente de umidade. Geral-
unicamente sobre o proprietário das terras, que numa pastagem e 40 vezes mais que mente, o fator umidade é determinante no
já que seus efeitos benéficos não são ape- num solo descoberto. tipo de vegetação e exerce uma forte pres-
nas locais, chegando a milhares de pessoas são de seleção, o que requer a presença de
que vivem nas áreas de influência de uma c) habitat para a fauna silvestre espécies bem adaptadas a estes ambientes
bacia hidrográfica ou até mesmo distante As Matas Ciliares proporcionam uma (Kageyama et al., 1989). Essas matas cons-
dela, se considerarmos a geração de energia provisão de água, alimento e abrigo para tituem ambientes de grande diversidade de
hidrelétrica. um grande número de espécies de pássaros espécies, na maioria das vezes com índices
e pequenos animais, além de funcionarem superiores aos encontrados em outras for-
FUNÇÕES DAS MATAS CILIARES como corredores de fauna. Essas áreas po- mações florestais.
E FATORES CONDICIONANTES derão ser de grande interesse também para Esse tipo de vegetação apresenta como
PARA A SUA OCORRÊNCIA o ecoturismo. características:
As Matas Ciliares desempenham impor- a) ocupação de uma pequena propor-
d) habitat aquático
tantes funções e seus efeitos não são ape- ção da área total da bacia hidrográ-
nas locais, mas refletem na qualidade de A vida aquática dos rios e lagos é pro- fica;
vida de toda a população sob influência de fundamente beneficiada pela presença de
Matas Ciliares, as quais proporcionam som- b) locais ecologicamente estáveis e bem
uma bacia hidrográfica. Seus principais be- definidos em relação às áreas cir-
nefícios são: breamento para as águas, importante fator
para manutenção da temperatura destas. cundantes mais bem drenadas;
a) qualidade da água Variações bruscas de temperatura da água c) maior produção de biomassa vegetal
As Matas Ciliares possuem função de podem afetar uma grande variedade de e animal do que a vegetação circun-
tamponamento entre os cursos d’água e seres aquáticos e reduzir a reprodução e dante;
as áreas adjacentes cultivadas; melhoram sobrevivência dos peixes. As raízes das d) locais de elevada biodiversidade den-
a qualidade da água e retêm uma grande árvores, além de darem estabilidade às tro do ecossistema florestal.
quantidade de sedimentos, nutrientes, prin- margens, propiciam a criação de tocas, que
cipalmente fósforo (P) e nitrogênio (N), e Segundo Mantovani (1982), citado por
servem de abrigo para peixes e outros orga-
produtos tóxicos. Essas matas conseguem Oliveira-Filho (1994), os principais fatores
nismos. Finalmente, os frutos, flores, folhas
reter cerca de 80% do P e 89% do N prove- condicionantes para a ocorrência das Ma-
e ramos fornecem alimento e abrigo para
nientes do escoamento superficial das áreas tas Ciliares, os quais apresentam-se inter-
pequenas criaturas que vivem no fundo dos
adjacentes. Excesso de P e N na água pro- ligados em maior ou menor intensidade,
rios e lagos, como os insetos, anfíbios, crus-
voca o crescimento exagerado de algas e são:
táceos e pequenos peixes, sendo vitais na
plantas aquáticas, podendo alterar o nível cadeia alimentar. a) hidrológicos: volume de água super-
de oxigênio, com conseqüente mortalidade ficial, profundidade do lençol freá-
A importância das Matas Ciliares não é
de peixes e outras formas de vida aquática. tico, acúmulo de vapor d’água e flu-
apenas local, mas global, e toda a sociedade
Além disso, o custo do tratamento da água xo de água;
deve ser responsabilizada pela sua pre-
para abastecimento urbano será grande- b) geológicos: relacionados com a na-
servação.
mente afetado. As Florestas Ciliares são tureza da rocha matriz, composição
A falta de entendimento desses concei-
também bastante eficientes para recarre- química e biológica do solo e natu-
tos e de conhecimento dos fatores ambien-
gar os aqüíferos subterrâneos através de reza dos aluviões;
tais que são condicionantes para ocorrên-
canais formados no solo pelas raízes das c) topográficos: altitude, declividade e
cia das Matas Ciliares tem contribuído para
árvores. ângulo de abertura dos vales.
uma alta taxa de insucesso nos trabalhos
b) estabilização das margens de recomposição delas. Assim, várias ten- Os constantes alagamentos nas áreas
dos rios tativas de recomposição foram efetuadas de influência das Matas Ciliares são um
As Matas Ciliares permitem a estabi- sem sucesso no estado de Minas Gerais, dos principais fatores de seleção das espé-
lização do solo às margens dos rios através quando sítios sem aptidão ecológica fo- cies que desenvolveram estratégias adapta-
da grande malha de raízes que dá resis- ram reflorestados com espécies típicas de tivas para estes ecossistemas. A umidade
tência aos barrancos. O litter florestal atua outros ecossistemas. Esses erros acarretam e a fertilidade do solo nestas áreas propi-
como uma esponja, retendo e absorvendo grande mortalidade de plantas e/ou o do- ciam condições adequadas para germi-
o escoamento superficial, auxiliando a in- mínio delas pela vegetação competidora, nação e estabelecimento das espécies ve-
filtração da água e a retenção de partículas principalmente as gramíneas. getais.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 67

MATA CILIAR COMO UM água, principalmente nas nascentes, cursos tados por estes tipos de solos têm chances
ELEMENTO DA d’água e reservatórios. mínimas de serem reflorestadas com Mata
BACIA HIDROGRÁFICA Tomando-se como exemplo a sub-bacia Ciliar, já que o efeito de umidade tem-se
Embora a legislação florestal vigente no hidrográfica do Alto Rio Grande, situada dado apenas durante os meses de abril-
país determine faixas mínimas de vegetação entre as regiões Sul e Campos das Ver- maio, quando o reservatório ocupa sua cota
natural, que nos casos dos reservatórios tentes (microrregião Campos da Manti- máxima, para logo em seguida ser paulati-
seria 100m, em grande parte das bacias queira), que abriga os reservatórios das namente deplecionado, chegando à sua
hidrográficas de Minas Gerais, não seria Usinas Hidrelétricas de Camargos e Itutin- cota mínima em outubro-novembro, coin-
possível obter sucesso na implantação de ga, podem-se salientar alguns dados de maior cidindo com o máximo de déficit hídrico
Matas Ciliares, a não ser em poucos pontos importância para os trabalhos de recom- para esta região.
isolados. posição de Matas Ciliares (Quadro 1), a Dos aproximadamente 42% dos solos
O estado de Minas Gerais possui 17 partir de um estudo mais amplo realizado restantes nesta sub-bacia, 34% pertencem
bacias hidrográficas (Bacias..., 1998) que por Carniel et al. (1994). à classe dos latossolos, distribuídos entre
atravessam ecossistemas muito distintos, Nota-se, pelos dados do Quadro 1, que Latossolo Vermelho-escuro, variação una,
representativos de quase todo o Brasil. Com cerca de 58% (46,4% de cambissolo + 11,32% e Vermelho-amarelo, e são passíveis de re-
exceção da bacia amazônica, no aspecto de litólico) dos solos dessa sub-bacia não florestamento com espécies florestais típi-
hidrológico, as principais bacias hidrográ- são aptos ao crescimento de árvores por cas das matas remanescentes da região, de-
ficas do país originam-se em Minas Gerais. apresentarem problemas graves como baixa pendendo de outros fatores, como relevo,
Os principais elementos da bacia hidro- profundidade, baixa permeabilidade e ca- uso anterior da terra, calagem, fosfatagem
gráfica são a área de drenagem, forma, ca- madas de impedimento, aliadas ao déficit e fertilizações. Nesses sítios, devem-se
racterísticas do solo, sistema de drenagem hídrico e à baixa fertilidade. A recomposição plantar espécies pertencentes às forma-
e relevo, com especial atenção à declivi- de Matas Ciliares nestes sítios só é possí- ções florestais que ocorrem em solos mais
dade, responsável pelo escoamento super- vel no fundo dos vales, em faixas estreitas, ricos, normalmente Latossolo Vermelho-
ficial (Rezende, 1998). As bacias devem ser onde ocorre a sedimentação de solo e nu- escuro (Oliveira-Filho & Ratter, 1995), sem
manejadas em seu aspecto macro, de for- trientes, aliada à presença de água. associação com o acúmulo de água no solo.
ma que promova uma melhoria do solo e da As margens dos reservatórios represen- Os solos hidromórficos ocupam 8% da

QUADRO 1 - Algumas características da sub-bacia sob influência dos reservatórios de Camargos e Itutinga, situada entre as regiões Sul e Campos das
Vertentes (microrregião Campos da Mantiqueira - MG) - Alto Rio Grande
Tipos de solos
Características da sub-bacia
Cambissolos Latossolos Litólicos Hidromórficos
(46,4%) (34,46%) (11,32%) (7,82%)

Localização Solos álicos e distróficos LV, LE e LU Solos ácidos Solos com diversas
o o
Latitude 21 00’ a 22 00’ Sul características em
Textura média, argilosa e muito argilosa Relevo suave, leve Fortemente ácidos
Longitude 44 o 00’ a 45o 00’ Oeste comum
ondulado e ondulado
Área: 2.000 km 2 Rasos com pouca profundidade Alta saturação de
alumínio Problemas de
Altitude 700m - 1.800m Relevo ondulado a fortemente ondulado Perfis profundos
drenagem
8 municípios Horizonte A
Encrostamento na superfície Textura argilosa,
pp - 1.000 a 2.600mm cascalhento
muito argilosa
Baixa permeabilidade
CW (Mesotérmico) Pedregoso, rasos
Bem drenados
Cva (Temp. Chuva) Baixa agregação
Relevo forte ondulado
Cwb Muito acidentado e
Deficiência hídrica e montanhoso
acidentado
Vegetação Baixa produtividade biológica Sob vegetação de
Com erosão campo/cerrado
Cerrado e Campo Baixa cobertura vegetal
Baixa fertilidade Fertilidade
Floresta Estacional Semidecídua Processo erosivo acentuado
natural extremamente baixa
(ciliar)
Presença de voçorocas
Floresta Estacional Semidecídua Inapto para agricultura
(em sítios mésicos) Aptidão = Reserva Biológica e florestas
FONTE: Carniel et al. (1994), citado por Davide & Botelho (1999).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000


68 Manejo de microbacias

área dessa bacia, sendo resultantes princi- Na maioria dos programas de implan- região dos reflorestamentos. Devem-se
palmente da influência do excesso natural tação de florestas nativas, pouca atenção estabelecer áreas de coleta de sementes,
de umidade, permanente ou temporária, tem sido dispensada à qualidade das se- que são populações (florestas nativas ou
durante períodos variáveis do ano. Esses mentes, no sentido de que estas sejam plantadas) com composição florística se-
solos deveriam ser totalmente ocupados representativas de uma população de uma melhante a da futura floresta e amplamente
por vegetação ciliar, protegendo as nas- espécie. Kageyama & Gandara (1999) adaptada à região a ser reflorestada.
centes que dão origem aos tributários dos enfatizam a necessidade do entendimento A maioria das espécies florestais da re-
rios que compõem a bacia hidrográfica do do conceito de tamanho efetivo (Ne), que gião Sudeste do Brasil concentra a produ-
Alto Rio Grande. Essas áreas, na maioria vem a ser a representatividade genética que ção de sementes entre os meses de agosto
das vezes, não estão às margens dos reser- uma árvore tem, em função de seu sistema e outubro, embora ocorra produção durante
vatórios, mas distribuídas em centenas de reprodutivo e de sua genealogia. Assim, o ano todo. Um banco de dados sobre os
pequenas propriedades rurais da sub-bacia sementes colhidas de uma árvore podem aspectos da época e métodos de colheita,
e, embora se constituam em áreas de pre- representar um Ne que pode variar de 1 a beneficiamento e armazenamento, além de
servação permanente perante a lei ambien- próximo de 4, dependendo se a espécie é informações sobre dormência e germinação
tal, freqüentemente são manejadas para alógama ou autógama, respectivamente. de sementes das espécies florestais que
produção de grãos e capineiras/canaviais. O tamanho efetivo de uma população ocorrem nas florestas da bacia do Alto
Portanto, existe um conflito de interesses implicará na capacidade de manter suas Rio Grande, foi publicado por Davide et
entre a necessidade imediata de subsistên- características genéticas ao longo de suces- al. (1995).
cia do agricultor e a presente necessidade sivas gerações, de maneira que a colheita Um importante fator que deve ser des-
da conservação dos olhos d’água que dão de sementes deverá priorizar o tamanho tacado é a classificação da árvore na flo-
origem aos principais cursos d’água da efetivo da população, para que a futura flo- resta. Árvores dominadas ou suprimidas
sub-bacia. resta originada dessas sementes represen- apresentam pouca ou nenhuma capacidade
Considerando-se todos estes fatores e te toda a variabilidade genética da espécie. de produzir sementes. Cerca de 90% das
mesmo trabalhando-se apenas em solos de Assim, assumindo-se que uma espécie é sementes são produzidas por árvores domi-
maior potencial, outros fatores podem con- alógama, como acontece com a maioria das nantes e/ou co-dominantes da comunidade
dicionar ou limitar o sucesso na restauração árvores, pode-se adotar um tamanho efeti- florestal. Na prática, isto significa que ape-
de Matas Ciliares. Assim, deve-se deixar vo, adequado para a colheita de sementes, nas aquelas árvores vigorosas, cujas copas
claro que o termo Mata Ciliar muitas vezes como sendo de 50. Segundo Kageyama & dominam as demais, alcançando o dossel e
tem sido confundido com vegetação ciliar Gandara (1999), este valor tem sido aceito recebendo grandes quantidades de luz,
ou vegetação natural, que devem ser pre- na literatura para casos de populações a apresentam grande produção de sementes.
servadas ao longo dos cursos d’água. serem mantidas a médio prazo. Na prática, As árvores isoladas e das periferias das
estes autores sugerem: florestas também são boas produtoras, mas
PRODUÇÃO DE SEMENTES
VISANDO O a) colher sementes de 12-13 árvores de não devem ser coletadas.
REFLORESTAMENTO CILIAR uma população natural grande, ou Com relação às correlações entre gru-
Os principais aspectos que devem ser seja, com mais de 500 árvores; pos ecológicos e características reprodu-
considerados nos sistemas de produção b) reunir as sementes de várias popu- tivas, o que se observa é que espécies com
de sementes florestais, são: lações pequenas, somando-se os Ne comportamento pioneiro produzem se-
individuais; mentes pequenas, dormentes, em grandes
a) número de matrizes coletadas;
quantidades, em diferentes estádios de
b) distância entre matrizes; c) coletar sementes de uma floresta maturação e em intervalos regulares, algu-
c) número de ocasiões em que a árvore plantada, desde que as sementes uti- mas vezes, estendendo-se ao longo do ano.
produz sementes em seu ciclo vital; lizadas para formar essa população Suas sementes, normalmente são ortodo-
tenha um Ne de 50.
d) intervalo entre eventos de produ- xas, ou seja, toleram a dessecação a 3%-
ção; Para todos os casos, deve-se colher a 5% de umidade, podendo ser armazenadas
e) quantidade de sementes produzidas mesma quantidade de sementes de cada a longo prazo, a baixas temperaturas, como
por árvore em cada período de pro- árvore, tomando-se o cuidado de obedecer aquelas proporcionadas por um freezer
dução; uma distância de 50m a 100m entre árvo- doméstico. Espécies mais tardias ou clí-
res. max produzem sementes grandes, poden-
f) duração do período de produção;
Devem-se selecionar árvores vigo- do apresentar anos de máxima produção,
g) classificação da árvore na floresta; rosas, sadias e boas produtoras de se- alternados com um ou mais anos sem pro-
h) grupo ecológico a que a espécie per- mentes, das espécies que compõem uma dução. Suas sementes podem ou não apre-
tence. população particularmente adaptada na sentar dormência e recalcitrância quanto

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 69

ao armazenamento, ou seja, podem perder nosae-Caesalpinoideae). No entanto, den- Substrato, adubação e


totalmente sua viabilidade, quando desse- tre essas espécies, aquelas que apresentam irrigação
cadas a 12%-20% de umidade, além de não germinação epígea, como o jatobá, podem Os substratos utilizados no enchimento
tolerarem o armazenamento a baixas tempe- ser semeadas em sementeira e repicadas dos tubetes apresentam as mais variadas
raturas, o que inviabiliza o armazenamento posteriormente para tubetes pequenos. composições, tendo como característica
a médio e longo prazos. Carvalho (2000) Entre as principais vantagens do uso comum o uso de terra em pequenas pro-
mostrou que 25% das espécies dos rema- do tubete em relação ao saco plástico po- porções. O Quadro 2 apresenta a compo-
nescentes das Matas Ciliares do Alto Rio dem-se citar: sição de alguns substratos usados por
Grande apresentam esse comportamento. a) possibilidade de mecanização no en- empresas que produzem mudas de espécies
chimento com substrato; nativas em tubetes.
PRODUÇÃO DE MUDAS Geralmente, a adubação inicial, que é
b) reutilização dos tubetes e bandejas
PARA IMPLANTAÇÃO DE feita no substrato, é a mesma para todas as
MATAS CILIARES em vários ciclos de produção, redu-
espécies produzidas no viveiro (Quadro 3),
zindo-se, assim, o custo inicial;
Em função do grande número de espé- sendo que a adubação em cobertura é que
c) utilização de uma menor quantidade pode variar, em função dos requerimentos
cies florestais tropicais, o processo de pro-
de substrato; nutricionais das espécies ou de grupos
pagação é bastante complexo. Pouco se
conhece sobre os métodos de produção d) poda natural das raízes, impedindo de espécies, do ritmo de crescimento (ci-
de mudas e em alguns casos é necessário o seu enovelamento; clo de produção) e do regime de irrigação/
desenvolver técnicas para atender espécies e) melhoria da qualidade do sistema ra- chuvas. No entanto, algumas empresas
individuais ou grupos de espécies. dicular; formação de um maior volu- acabam adotando uma adubação em co-
No Brasil, em muitos viveiros, as mudas me de raízes finas; bertura sistemática para todas as espécies
de espécies florestais nativas ainda são (Quadro 3), via água de irrigação, ainda que
f) maior facilidade no manuseio das para algumas delas esta adubação esteja
produzidas em sacos de polietileno, geral-
mudas no viveiro e no campo; sendo feita desnecessariamente. Essa ati-
mente de grandes dimensões. Este sistema
apresenta diversos inconvenientes, como g) maior rendimento no transporte; tude pode ser justificada, considerando-
o custo elevado das mudas, deformações h) utilização de uma menor quantidade se que operações diferenciadas no viveiro
do sistema radicular e o baixo rendimento de mão-de-obra; encarecem as mudas e que o custo do adu-
operacional no viveiro, transporte e plan- bo utilizado representa muito pouco no
i) redução do custo final da muda.
tio. Com o objetivo de reverter esse quadro, custo final da muda.
algumas empresas começaram a produ- Como desvantagens podem-se citar: A irrigação é uma das etapas na pro-
zir mudas de espécies nativas em tubetes a) maior custo inicial de investimento; dução de mudas em tubetes que requer
(Fig. 26, p.54), utilizando a tecnologia exis- maior atenção. O substrato do tubete desi-
b) maior necessidade de irrigação;
tente para espécies de grande interesse drata-se mais rápido que o do saco plás-
c) lixiviação de nutrientes mais intensa, tico, devido ao seu pequeno volume e à
comercial como as de Eucalyptus e de
gerando a necessidade de aduba- ventilação que ocorre em cima e embaixo,
Pinus. Como conseqüência, os viveiros
ções em cobertura. proporcionada pela maneira como os tube-
passaram a produzir mudas a custos redu-
zidos e com maior qualidade.
O tubete é utilizado por várias empresas QUADRO 2 - Composição de alguns substratos usados na produção de mudas de espécies nativas
que trabalham com produção de mudas de em tubetes
espécies nativas. Existem no mercado tube-
Viveiro Composição do substrato
tes de diferentes dimensões, variando de
56cm3 a 288cm3. As pesquisas têm mostra- Ufla (Lavras, MG) 50% de esterco; 20% de casca de arroz carbonizada;
do que o tubete menor é suficiente para a 20% de vermiculita e 10% de terra de subsolo
produção de mudas da maioria das nativas,
ficando o maior para as espécies que apre- Cemig (Usina de Volta Grande) 70% de composto (à base de casca de pinos); 20% de
sentam sementes grandes, maiores que o húmus e 10% de vermiculita
diâmetro superior do tubete, como a cotieira Cemig (Usina de Itutinga) 40% de esterco; 20% húmus; 20% de vermiculita e
(Johannesia princeps - Euphorbiaceae), a 20% de terra de subsolo
palmeira-macaúba (Acrocomia aculeata -
Arecaceae), o jacarandá-banana (Swartzia Cesp (Usina de Paraibuna) 60% de húmus; 30% de casca de arroz carbonizada;
langsdorffii - Leguminosae-Faboideae) e 7% de areia e 3% de terra de subsolo
o jatobá (Hymenaea courbaril - Legumi- FONTE: Faria (1999).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000


70 Manejo de microbacias

QUADRO 3 - Adubações iniciais (no substrato) e em cobertura utilizadas na produção de mudas de espécies nativas em tubetes

Instituição Modo Adubação utilizada

Ufla No substrato (por m3) 2kg de Yorin + 300g de KCl + 500g de sulfato de amônio
Em cobertura 80g de KCl + 1.000g de MAP aplicados em 10.000 tubetes
Início: 30 dias após a germinação ou repicagem
Intervalo: a cada 15 dias

Cemig No substrato (por m3) 5kg de superfosfato simples + 500g de KCl + 300g de FTE-BR12
(Usina de Volta Grande) Em cobertura 30 dias após a germinação: 500g de sulfato de amônio/10.000 tubetes
60 dias após a germinação: 80g de KCl/10.000 tubetes (mantendo a adubação anterior)
120 dias após a germinação: 500g de superfosfato simples/10.000 tubetes (mantendo as
duas adubações anteriores)
Intervalo: a cada sete dias

Cemig No substrato (por m3) 5kg de superfosfato simples + 500g de KCl + 300g de FTE-BR12
(Usina de Itutinga) Em cobertura 30 a 45 dias após a germinação: 500g de sulfato de amônio + 500g de superfosfato
simples + 400g de KCl/10.000 tubetes
Intervalo: a cada sete dias

Cesp No substrato (por m3) 1,5kg de superfosfato simples + 300g de sulfato de amônio + 150g de KCl + 120g de
(Viveiro de Paraibuna) FTE-BR12
Em cobertura A partir de 45 dias após a germinação: 150g de sulfato de amônio + 50g de KCl em 1.000
tubetes, alternando com 150g de sulfato de amônio
Intervalo: a cada 10 ou 15 dias
FONTE: Faria (1999).

tes ficam dispostos, em bandejas suspen- das mudas que deve estar acima de 20cm. ca do ano. Podem-se produzir mudas de
sas. Essas características fazem com que Apesar de ser mais fácil de medir, a altura, espécies florestais pioneiras ou de rápido
aumente a freqüência/quantidade de irri- isoladamente, não é a melhor característi- crescimento em 60-90 dias, obtendo-se mu-
gação, tendo como conseqüência negativa ca para avaliar a qualidade de uma muda, das com 20-30cm de altura, sob condições
a intensificação na lixiviação, tornando ne- já que é fortemente afetada por fatores co- ótimas de nutrição, umidade, luz e tempe-
cessárias as adubações em cobertura. As mo a densidade de encanteiramento. Mu- ratura.
mudas devem ser irrigadas quantas vezes das produzidas a uma densidade de 400 Espécies de crescimento lento, mesmo
forem necessárias no dia, preferencialmen- mudas/m2 alcançarão a altura padrão de sob as condições ótimas citadas, requerem
te através de microaspersores, mantendo 20cm em um período menor do que se mais tempo para atingir valores adequa-
o substrato sempre úmido, sem encharcar. estivessem em uma densidade de 200 mu- dos de altura e diâmetro do colo, podendo
A sensibilidade do viveirista é que vai de- das/m2. Entretanto, na maior densidade, o necessitar de 150 a 180 dias ou mais, para
terminar quando e o quanto irrigar. crescimento em diâmetro do colo ficará alcançar o porte adequado para o plantio.
prejudicado, gerando mudas estioladas, ou Em um experimento de produção de mudas
Qualidade de mudas seja, muito desenvolvidas em altura, mas de tamboril (Enterolobium contortisiliquum
O uso de mudas de melhor padrão de com diâmetro do colo reduzido. Portanto, – Leguminosae-Mimosoideae), mutamba
qualidade está diretamente relacionado além da altura, o diâmetro do colo também (Guazuma ulmifolia – Sterculiaceae) e can-
com uma maior porcentagem de sobre- deve ser avaliado, devendo estar igual ou diúva (Trema micrantha – Ulmaceae), em
vivência após o plantio, além de propor- acima de 3mm, para que a muda seja con- tubetes de 56cm3, utilizando substrato e
cionar um crescimento inicial mais rápido, siderada apta a ir para o campo. adubação do viveiro da Usina de Volta
diminui o número de capinas necessárias Grande da Cemig (Quadros 2 e 3), Faria
na área plantada, implicando na redução Ciclo de produção das (1999) encontrou os seguintes resultados:
dos custos de implantação (Carneiro, 1995). mudas x grupo ecológico as mudas de tamboril atingiram diâmetro
Geralmente, os únicos parâmetros de As mudas de espécies florestais cres- igual a 3mm aos 60 dias, entretanto a altura
qualidade considerados pelos viveiristas cem em taxas diferenciadas, conforme o seu de 20cm só foi alcançada aos 83 dias, sendo
são o aspecto nutricional (visual) e a altura grupo ecológico, genótipo, ambiente e épo- este o ciclo de produção de mudas dessa
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Manejo de microbacias 71

espécie. No caso da mutamba e da can- bastando para tal o isolamento da área com pioneiras. Este método pode ser adaptado
diúva, o diâmetro de 3mm e a altura de 20cm a construção de cercas. ao plantio em sulcos, alternando linhas de
foram alcançados quase que ao mesmo Na regeneração artificial, os modelos espécies pioneiras com linhas de espécies
tempo (72 e 68 dias, respectivamente, para de implantação baseam-se no conceito de clímax, em espaçamentos 1,5m x 2m, 1,5m x
a mutamba, e 72 e 77 dias, respectivamente, sucessão secundária, na qual espécies ou 3m, 3m x 1,5m ou 3m x 2m, optando-se por
para a candiúva). grupo de espécies de diferentes grupos distância entre as linhas de 3m, se o terreno
Existem poucos dados disponíveis com ecológicos sucedem-se em um ecossistema permite a mecanização das operações de
relação aos custos de produção de mudas depois de uma perturbação natural ou manutenção (Fig. 28, p.54). Espaçamentos
de espécies nativas em tubetes. O custo antrópica, até chegar a um estádio estável. mais amplos só devem ser adotados em
médio gira em torno de R$0,18 a R$0,30/mu- Swaine & Whitmore (1988) dividiram as sítios com condições ótimas de crescimento
da, dependendo do número de mudas pro- espécies em três grupos ecológicos: as das árvores, onde estas teriam condições
duzidas no viveiro. Ressalta-se que se trata espécies pioneiras (P), as clímax exigentes de recobrir o solo rapidamente.
de custo médio, ou seja, estão aí conside- de luz (CL) e as clímax tolerantes à sombra As espécies a serem plantadas em cada
radas as mudas de ciclo curto, como as de (CS). As espécies pioneiras ocupam cla- local devem ser, preferencialmente, aquelas
tamboril (Enterolobium contortisiliquum reiras, a partir da germinação de sementes que ocorrem naturalmente nas condições
– Leguminosae - Mimosoideae), que são presentes no banco do solo, apresentando de clima, solo e umidade, semelhantes à
produzidas em menos de três meses, e as crescimento rápido, madeira de baixa den- área a ser reflorestada. Deste modo, uma
de ciclo mais longo, como as de peroba- sidade e ciclo de vida curto, em torno de mistura entre espécies pode ser definida
rosa (Aspidosperma polyneuron – Apo- 15-25 anos, cedendo espaço para as espé- de forma que atenda às características
cynaceae), que levam cerca de dez meses cies clímax, que nesta oportunidade, en- ambientais onde serão plantadas.
para atingir porte de plantio. De qualquer contram-se em banco de plântulas ou em Três estratégias podem ser adotadas:
maneira, o custo é bem inferior ao custo estádio de varas. As espécies clímax tole- a) em áreas próximas a remanescentes
médio/muda no sistema de saco plástico, rantes à sombra germinam e crescem lenta- e com presença de agentes disper-
que fica entre R$0,50 e R$1,00. mente à sombra, possuem madeira mais sores pode-se adotar um modelo
densa, ciclo de vida longo e irão compor o com menor diversidade de espécies
IMPLANTAÇÃO DA MATA CILIAR dossel da floresta adulta. Deve-se salientar dando prioridade às pioneiras, por
O conhecimento dos aspectos envol- que a sucessão é de fundamental importân- recobrirem rapidamente a área e por
vidos na implantação de Matas Ciliares cia no padrão de distribuição das espécies apresentarem ampla interação com a
apresentou grandes avanços na última nos ecossistemas florestais tropicais. fauna, reduzindo-se o custo de im-
década, com o envolvimento de institui- No Quadro 4 estão relacionadas algu- plantação;
ções públicas e empresas privadas, tanto mas espécies quanto ao grupo ecológico e b) em áreas sem remanescentes próxi-
no campo da pesquisa, como nos trabalhos ao habitat, de acordo com Oliveira-Filho et mos, sem dispersores presentes e
efetivos de implantação. O avanço nos al. (1995), de ocorrência no Alto e Médio com solos levemente degradados,
estudos sobre florística, fitossociologia, Rio Grande, com potencial para utilização devem-se adotar modelos com ele-
silvicultura de espécies nativas, aspectos em trabalhos de revegetação de Matas Ci- vada diversidade florística;
de solos e nutrição de plantas, entre outros, liares. No Quadro 5 algumas espécies são c) em caso de áreas profundamente de-
tem permitido a redução dos custos de im- relacionadas quanto à tolerância a inun- gradadas, onde a necessidade mais
plantação de Matas Ciliares e o aumento dação e/ou encharcamento temporários, urgente é o recobrimento do solo,
na qualidade da floresta implantada. que são freqüentes em margens de rios e devem-se usar espécies que apre-
reservatórios. Informações com base nos sentem desenvolvimento satisfa-
Seleção de espécies e levantamentos florísticos são de grande tório naquelas condições, sem se
modelos de plantio importância para o sucesso em tais traba- preocupar, inicialmente com a com-
A revegetação pode ocorrer por méto- lhos. posição florística. Em alguns casos,
dos naturais ou artificiais. Através da rege- O plantio das mudas basea-se no con- o número de espécies plantadas é
neração natural, utilizando-se a técnica do ceito de sucessão secundária, em que espé- muito reduzido, podendo às vezes
pousio (Fig. 27, p.54), a revegetação está cies pioneiras têm a função de recobrir ser composto apenas por espécies
condicionada à existência de um banco de rapidamente o solo, ciclar nutrientes, ven- exóticas, como os eucaliptos (Faria,
sementes no solo, à proximidade de fonte cer a competição com o mato e propor- 1999).
de sementes, à presença de dispersores e cionar sombra às mudas das espécies clí-
às condições do ambiente onde as espécies max. Utiliza-se para tal o esquema de plantio Características físicas e
se desenvolverão. Em termos de nascentes, em quincôncio, onde, em um grupo de químicas do solo
na maioria dos casos, a adoção da técnica cinco mudas, cada muda das espécies clí- Em geral, em áreas severamente antro-
de pousio produz resultados satisfatórios, max é plantada entre quatro de espécies pizadas a serem revegetadas, as condições

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72 Manejo de microbacias

QUADRO 4 - Espécies arbóreas de ocorrência no Alto e Médio Rio Grande, com potencial para utilização em implantação de Matas Ciliares

Espécie
Grupo ecológico Ambiente
Nome científico Nome popular

Cecropia pachystachya Embaúba P MU


Croton floribundus Capixingui P M
Schinus terebinthifolius Aroeirinha P M
Senna macranthera Fedegoso P M
Senna multijuga Cássia-verrugosa P M
Solanum granuloso-leprosum Gravitinga P MU
Trema micrantha Candiúva P M
Anadenanthera macrocarpa Angico vermelho CL M
Arecastrum romanzoffianum Jerivá CL M
Aspidosperma parvifolium Guatambu CL M
Cedrela fissilis Cedro CL M
Ceiba speciosa Paineira CL M
Dendropanax acuneatum Maria-mole CL UM
Enterolobium contortisiliquum Tamboril CL M
Erythrina falcata Eritrina CL UM
Genipa americana Jenipapo CL UA
Inga vera Ingá CL AU
Lithraea molleoides Aroeira-brava CL M
Machaerium nictitans Bico-de-pato CL UM
Machaerium villosum Jacarandá-mineiro CL M
Maclura tinctoria Moreira CL M
Miconia cinnamomifolia Casca-de-arroz CL M
Myrsine umbelata Pororoca CL UM
Ocotea odorifera Canela sassafrás CL M
Persea pyrifolia Maçaranduba CL M
Piptadenia gonoacantha Pau-jacaré CL M
Platycyamus regnellii Pau-pereira CL M
Platypodium elegans Jacarandá-branco CL M
Tabebuia chrysotricha Ipê-tabaco CL M
Tabebuia impetiginosa Ipê-roxo CL M
Tabebuia serratifolia Ipê-amarelo CL M
Tapirira guianensis Peito-de-pombo CL UM
Aspidosperma polyneuron Peroba-rosa CS M
Calophyllum brasiliense Guanandi CS AU
Copaifera langsdorffii Óleo-copaíba CS UM
Ficus insipida Figueira CS AU
Hymenaea courbaril Jatobá CS M
Myroxylon balsamum Óleo bálsamo CS M
Xylopia brasiliensis Pindaíba CS M
FONTE: Oliveira-Filho et al. (1995).
NOTA: P - Pioneira; CL - Clímax exigente de luz; CS - Clímax tolerante à sombra; M - Ambiente mésico; U - Ambiente úmido; A - Ambiente
alagável.
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Manejo de microbacias 73

QUADRO 5 - Espécies que toleram o encharcamento e/ou inundação temporária poração de matéria orgânica e ação de suas
Nome científico Nome popular Família Hábito raízes, e ainda propiciar uma eficiente
proteção do solo contra a erosão. No en-
Calophyllum brasiliense Guanandi Clusiaceae árvore tanto, nas áreas de implantação de Mata
Croton urucurana Sangra d’água Euphorbiaceae árvore Ciliar é um fator indesejável, uma vez que,
na fase inicial de estabelecimento das plan-
Ficus insipida Figueira Moraceae árvore
tas, estas competem diretamente por água,
Genipa americana Jenipapo Rubiaceae árvore luz e CO2. A ocorrência de gramíneas como
Inga vera Ingá Fabaceae-Mimosoideae árvore o capim-gordura (Mellinis minutiflora),
Salix humboldtiana Salgueiro-do-rio Salicaceae árvore brachiária (Brachiaria spp.) e colonião
(Panicum spp.), de caráter agressivo, tem
Sebastiania schottiana Sebastiana Euphorbiaceae arbusto
dificultado sobremaneira o crescimento das
Sesbania virgata Sesbania Fabaceae-Faboideae arbusto árvores, demandando mais tempo para o
FONTE: Oliveira-Filho et al. (1995). estabelecimento da floresta e aumentando
o custo de implantação. O ideal é efetuar
um controle seletivo, respeitando-se a rege-
do solo não são boas para o estabeleci- vermelho (Anadenanthera macrocarpa), neração natural de espécies de interesse.
mento da vegetação. As propriedades pau-pereira (Platycyamus regnellii), jato- Para tanto, é necessário treinar os trabalha-
físicas do solo exercem grande influência bá (Hymenaea courbaril), óleo-copaíba dores para que saibam reconhecer tais
na retenção de água e no desenvolvimento (Copaifera langsdorffii) e fedegoso (Senna espécies. Busca-se evitar a competição
das raízes, refletindo no estado nutricional macranthera) toleram a acidez, enquanto com as plantas invasoras, tendo-se a cons-
das plantas. Nestas áreas, é comum a pre- que o açoita-cavalo (Luehea grandiflora), ciência de que, em alguns casos, o mato
sença de solos compactados e, como con- aroeirinha (Schinus terebinthifolius), ce- é o grande aliado no processo inicial de
seqüência, as plantas não se desenvolvem dro (Cedrela fissilis) e candiúva (Trema recuperação dessas áreas.
de forma satisfatória. No entanto, esta micrantha) são sensíveis à acidez do solo
Combate às formigas
barreira física pode ser superada na fase (Furtini Neto et al., 1999). cortadeiras
inicial de implantação com o preparo do As espécies florestais nativas também
As formigas são consideradas as prin-
solo, o qual consiste em subsolagem, no apresentam respostas diferenciadas com
cipais pragas florestais e são responsáveis
caso de solos altamente compactados; relação ao fornecimento de NPK. Segundo
por causar os maiores danos na fase inicial
aração; gradagem e sulcamento em nível. Furtini Neto et al. (1999), as espécies pionei-
de crescimento das mudas, após o plantio.
No caso de solos rasos, como os cambisso- ras mostram-se mais responsivas à adu-
Portanto, o combate deve ser feito antes e,
los e os litólicos, a estratégia mais viável bação com NPK, quando comparadas às
se necessário, durante e após o plantio,
de revegetação é o plantio de espécies ar- clímax. Lima et al. (1997), trabalhando com
obedecendo-se os dispositivos da Legis-
bóreas de menor porte, as quais ocorrem sete espécies nativas, verificaram que a
lação Federal e Estadual que definem como
naturalmente naquelas condições, como a adição de 20g de N, 40g de P2O5 e 30g de
obrigatória a utilização do receituário agro-
candeia (Eremanthus incanus) e a lobeira K2O/cova proporcionou aumentos no cres-
nômico.
(Solanum lycocarpum). cimento em altura, no diâmetro do colo e
A maioria dos solos destinados aos da copa, os quais variaram de 55% a 323% Outras medidas de proteção
reflorestamentos apresenta fertilidade na- em relação à testemunha, sendo que este da mata implantada
tural muito baixa, traduzida em termos de maior valor foi para o diâmetro de copa da No caso da área plantada se encontrar
baixos valores de bases (Ca, Mg, K e Na), aroeirinha (Schinus terebinthifolius). Faria contígua à área de pastagem, duas medidas
baixa capacidade de troca de cátions, alta (1996), testando o efeito da adição do ester- adicionais devem ser tomadas, visando
relação alumínio/bases e baixa reposição co no plantio, em nove espécies nativas, auxiliar no sucesso do empreendimento. A
natural de nutrientes. Há ainda as perdas também encontrou, para a aroeirinha, a primeira delas é com relação ao fogo. Acei-
de nutrientes por erosão (mais freqüentes maior resposta em crescimento relativo em ros devem ser construídos na divisa da área
em relevos acidentados) e por lixiviação área de copa, aos 36 meses, a qual alcançou reflorestada com a pastagem, com o obje-
(comum em solos fortemente permeáveis). valores 93% maiores que a testemunha. tivo de evitar a entrada do fogo eventual-
Existe uma tolerância diferenciada das mente colocado no pasto. A outra medida
espécies a solos de elevada acidez, carac- Competição com é com relação ao gado, o qual não deve fre-
terizados por um baixo pH, baixos teores plantas daninhas qüentar a área plantada, por causar danos
de cálcio e magnésio e elevada saturação A presença de plantas daninhas numa às mudas plantadas e à regeneração na-
por alumínio. Espécies como o guatambu determinada área pode promover melhoria tural, tanto pela herbivoria como pelo pi-
(Aspidosperma parvifolium), angico- das condições do solo, através da incor- soteio.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000
74 Manejo de microbacias

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(31) 3488-6688
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.65-74, nov./dez. 2000
Manejo de microbacias 75

Sistemas agroflorestais como opção de manejo


para microbacias
Patrícia Vaz 1

Resumo - Sistema agroflorestal é uma nomenclatura nova para práticas antigas de uso
da terra que associam diversas culturas com espécies arbóreas. A semelhança com a
vegetação natural aumenta a sustentabilidade desses sistemas de produção, o que
requer a observação de diversos fatores na implantação e no manejo deles, como a
adequação aos locais na paisagem, a diversidade e a associação de espécies, o estádio
de preservação ou de degradação do ambiente. Economicamente, mostram diversas
vantagens diante dos sistemas de monocultivo, geralmente com menor custo, maior
diversidade de produtos e possibilidades de alcançar melhores preços de mercado.
Palavras-chave: Agrofloresta; Diversidade na produção; Sistemas análogos de pro-
dução; Bacia hidrográfica.

INTRODUÇÃO sem destruir ou afetar adversamente o solo reta enorme amplitude no número de espé-
O manejo de bacias hidrográficas pode e a água (Brooks et al., 1991). cies envolvidas, na disposição das plantas
ser visto como uma forma de proteção da Como a utilização de sistemas agro- no campo, no manejo, enfim, na comple-
vegetação que cobre regiões montanhosas florestais pode contribuir para a elabora- xidade do sistema. Segundo Engel (1999)
ou qualquer área natural, com o único pro- ção do planejamento do uso dos recursos, em Organización para Estudios Tropicales/
pósito de produzir água de ótima qualida- associando produção de bens e proteção Centro Agronomico Tropical de Investiga-
de para o consumo humano. No entanto, a do ambiente? cion y Ensenanza (OTS/CATIE), sistema é
necessidade de alimentos, madeira e fibras definido como “um conjunto de componen-
leva à implantação de sistemas de produção CONCEITUAÇÃO DE SISTEMAS tes unidos ou relacionados de tal manei-
que, muitas vezes, não se adaptam e ainda AGROFLORESTAIS ra que formam uma entidade ou todo”, e
concorrem para a degradação do ecossis- Sistemas agroflorestais (SAFs) são for- os sistemas agroflorestais podem ter seus
tema, normalmente por não serem consi- mas de uso e manejo dos recursos naturais, componentes estreitamente relacionados
derados critérios básicos de proteção dos nos quais as espécies lenhosas (árvores, uns com os outros, bem como ter simples-
recursos naturais. arbustos e palmeiras) são utilizadas em mente duas espécies intercaladas, forman-
Bacias hidrográficas devem ser consi- associação com cultivos agrícolas ou com do apenas um consórcio. Por exemplo,
deradas como unidade fundamental para o animais, no mesmo terreno, de maneira existem SAFs com apenas uma espécie
planejamento do uso e conservação de re- simultânea ou em uma seqüência temporal. arbórea consorciada com outra agrícola,
cursos múltiplos, onde a água, a madeira, Não se trata de um conceito novo, mas sim normalmente dispostas em linhas ou fai-
os alimentos, as fibras, as pastagens, a vida de um novo termo empregado para designar xas, assim como também existem sistemas
silvestre, a recreação e outros componentes um conjunto de práticas e sistemas tradi- envolvendo inúmeras espécies integradas
ambientais podem ser produzidos para cionais de uso da terra, usados principal- entre si e com o ambiente, manejados com
atender às necessidades da crescente po- mente nas regiões tropicais e subtropicais, base nos processos e fluxos naturais. Ape-
pulação mundial. O manejo de bacias hi- apesar de também serem encontrados nas sar de todas essas formas de cultivo serem
drográficas é definido como o processo regiões temperadas (Montagnini, 1992). normalmente denominadas de sistemas
de organizar e orientar o uso da terra e de As diversas culturas e interesses das agroflorestais, existem diferenças extremas
outros recursos naturais numa bacia hidro- comunidades produtoras geram uma gran- quanto ao manejo e mesmo quanto à visão
gráfica, a fim de produzir bens e serviços, de variedade de tipos de SAFs, o que acar- do cultivo e do próprio ser humano dentro

1
Enga Agra, Mestranda em Ciências Florestais, USP-ESALQ. E-mail: ppvsilva@carpa.ciagri.usp.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.75-81, nov./dez. 2000


76 Manejo de microbacias

do ambiente em que vive. devem ter proveniência de locais com clima oeste podem ser mais ensolaradas e mais
De maneira geral, e por definição, siste- semelhante, principalmente quanto à preci- secas.
mas agroflorestais são meios de produção pitação e à temperatura, essa última muito O perfil de uma encosta normalmente
que tendem a uma diversidade maior do relacionada com a latitude e altitude do lu- tem o topo convexo para o céu, podendo
que as monoculturas, o que lhes conferem gar. Ainda que bastante modificadas gene- ser reto na parte mediana ou ter apenas um
algumas vantagens, apesar de requererem ticamente pelo melhoramento, as plantas ponto de inflexão, sendo côncavo na parte
conhecimento muito maior das espécies e, cultivadas têm origem em algum tipo de inferior (Fig. 29). A superfície convexa é con-
por vezes, um manejo aparentemente mais vegetação natural, que deve ser semelhan- trolada pelos escorregamentos, especial-
difícil. A simples existência de um compo- te ao tipo de vegetação em que se pretende mente o rastejamento, e tende a exportar
nente arbóreo no sistema traz inúmeros implantar um sistema. Quanto maior a dis- nutrientes, matéria orgânica, água e solo.
efeitos positivos sobre a fertilidade do solo, tância entre as características do local de Nas partes inferiores, as encostas são con-
controle de erosão e reciclagem dos nutri- origem e as do local de implantação das troladas por transporte de água, que sobre-
entes. Por exemplo, as árvores proporcio- espécies, maior o custo do sistema e me- puja o rastejamento, e são normalmente
nam ao sistema adição de matéria orgânica, nor sua sustentabilidade. côncavas para o céu (Bloom, 1970). Nes-
aumento do teor de nitrogênio (N), mobi- Da mesma forma que se leva em conta sas áreas, acumulam-se os materiais pro-
lização do fósforo (P) para as culturas, re- o clima da região, é preciso observar as vindos de outras partes do relevo.
dução da perda de solos e de nutrientes, diferenças microclimáticas em uma paisa- Tomando como base que as superfícies
absorção nas camadas mais profundas do gem. Dentro de uma microbacia existem convexas são normalmente exportadoras e
solo e deposição na superfície, liberação diversos microambientes diferenciados de- as côncavas são acumuladoras, podem-se
dos nutrientes no momento requerido pelas vido a alguns fatores, principalmente quan- relacionar algumas partes da paisagem no
culturas, melhoria das propriedades físi- to à topografia, que se relacionam com os tocante a características do solo, como dis-
cas do solo, retenção de água e melhoria tipos de solos, retenção de umidade, dis- ponibilidade de nutrientes, teor de matéria
da drenagem, aumento da biomassa de raí- ponibilidade de nutrientes e de matéria orgânica, umidade, entre outras. Além das
zes, de substâncias promotoras de cresci- orgânica, exposição do terreno à luz solar. linhas do perfil da encosta, podem-se exa-
mento e de associações microbianas, cria- Por exemplo, as encostas voltadas para o minar ainda as linhas de nível, que também
ção de microclimas favoráveis, moderação sul recebem pouca insolação, principal- podem ser côncavas (superfícies coletoras
dos efeitos maléficos de condições desfa- mente no inverno, quando podem até mes- de água), retas ou convexas (superfícies
voráveis de solos muito ácidos ou muito mo não receber diretamente a luz do sol distribuidoras de água), o que teoricamente
alcalinos (Montagnini, 1992 e Montagnini por um período. Formam, portanto, um cria nove situações com diferentes níveis
et al., 1997). ambiente muito mais úmido e sombrio e são de exportação ou acúmulo de material. Com
Essas características dos sistemas agro- comumente chamadas de “noruega” na as duas linhas convexas, tem-se a área de
florestais se devem à maior similaridade linguagem popular. Pelo mesmo motivo, as máxima exportação e com as duas linhas
desses sistemas produtivos com as flores- encostas voltadas para o norte e para o côncavas, a área se transforma em um lo-
tas naturais, seus processos e dinâmicas
homeostáticas construídos através dos mi-
lhares de anos em evolução, diminuindo
assim a dependência de insumos externos.
Fica evidente, desse modo, a maior susten- convexo
tabilidade da produção em sistemas agro-
florestais, em relação a monoculturas ou a
cultivos menos biodiversos. Apesar de ser
uma afirmação a se pesquisar melhor, é pos-
sível supor que, quanto maior a similari- reto
dade do sistema produtivo com a vegeta-
ção natural do lugar, maior a sustenta-
bilidade da produção.

COMO IMPLANTAR UM côncavo


SISTEMA AGROFLORESTAL
A vitalidade de qualquer sistema produ-
tivo reside na sua adaptação ao meio onde
se insere. As espécies que não são nativas Figura 29 - Perfil de uma encosta, mostrando o topo convexo e a base côncava

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.75-81, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 77

cal de máximo acúmulo (Fig. 30). como notam que o guapuruvu (Schizolobium ou espécies madeireiras, o que pode gerar
Muitas espécies são adaptadas a deter- parahiba) prefere as regiões boas para a produção por um longo período. Da mesma
minados microambientes, pois desenvol- bananeira, ou seja, com linhas de nível côn- forma, as plantas podem alcançar diversas
veram características fisiológicas, bioló- cavas. Muitas outras espécies também são alturas, como a vegetação natural ocupa
gicas etc., que as permitem viver nesses observadas para indicação de um local seus diversos estratos. Nos sistemas mais
locais, muitas vezes vencendo obstáculos adequado ao plantio de diversas culturas. complexos, a densidade de plantas é bem
que limitam a vida. Da mesma forma, as Essas associações, muitas vezes inseridas maior e isso só é possível com uma boa
espécies cultivadas também apresentam na tradição cultural, podem refletir relações combinação de espécies. Uma árvore de
preferências por determinados microambi- importantíssimas entre as espécies e entre crescimento lento pode ficar ao lado de uma
entes e, em sua maioria, adaptam-se aos essas e o meio, permitindo melhor entendi- outra de crescimento mais rápido. Da mes-
locais mais férteis. A observação das espé- mento do sistema e a elaboração de um ma- ma forma, duas árvores que tenham a mes-
cies nativas e das cultivadas nos micro- nejo mais adequado para o lugar. ma velocidade de crescimento podem fi-
ambientes da paisagem, assim como a per- A escolha das espécies para um SAF car muito perto uma da outra, enquanto
cepção das relações existentes entre essas está diretamente relacionada com o tipo e ocupam lugares diferentes no estrato da
nativas e as próprias plantas cultivadas são o manejo do sistema. Quanto maior o nú- vegetação. Portanto, o conhecimento das
critérios interessantes que podem levar à mero de espécies, maior a complexidade em espécies é um fator essencial para uma boa
composição de sistemas bastante integra- combiná-las, mas alguns critérios podem implantação e manejo do sistema. O Qua-
dos ao meio. Muitos dados já são comuns ser seguidos tornando mais fácil a com- dro 1 dá alguns exemplos de espécies e
na sabedoria popular, arraigados pelos preensão das inter-relações entre essas características que ajudam a formar asso-
anos de experiência contínua. Ao se pensar espécies e o manejo a ser dado para otimizar ciações adequadas.
em plantar bananeiras, é bem provável que o sistema. Além de adequar as espécies ao É preciso observar que a classificação
se escolham áreas de acúmulo, se possível, ambiente, a produção em um SAF pode-se quanto ao estrato não significa exatamente
com linhas de nível côncavas, que são as ampliar com o aproveitamento de duas o tamanho da planta, mas o nível que ela
cabeceiras de nascente. Um outro exem- variáveis praticamente não utilizadas na ocupa em relação as suas plantas compa-
plo é a existência de espécies indicadoras. maioria dos sistemas de produção: o tem- nheiras. Dessa forma, o arroz, por exemplo,
Muitos agricultores sabem que, onde há um po e o espaço. A composição das espécies é de estrato alto, pois, no momento em que
grande pau-d’alho, pode-se plantar feijão, pode incluir plantas com diversos ciclos ele se encontra no sistema, não deve ocor-
que certamente a produção será boa, assim de vida, desde culturas anuais até fruteiras rer planta alguma sobre ele. Já o abacaxi

N Linha de nível Linha de perfil


3 1 Convexa Convexa
2 Reta Convexa
3 Côncava Convexa
6 2
4 Convexa Reta
5 Reta Reta
9 6 Côncava Reta
5
1 7 Convexa Côncava
8 Reta Côncava

8 9 Côncava Côncava
4

Figura 30 - Tipos de vertentes


NOTA: Observam-se as linhas de nível côncavas (coletoras de água), retilíneas e convexas (distribuidoras de água), bem como as
linhas de perfil da encosta côncavas (de lavagem, acúmulo), retas e convexas (rastejamento, exportação), criando-se os níveis
crescentes de acúmulo e decrescentes de exportação.

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78 Manejo de microbacias

QUADRO 1 - Espécies com potencial para composição de sistemas agroflorestais, estrato que ocupam, tipos de terreno e de solos (Continua)

Tipo de solo
Nome comum Nome científico Família Estrato Tipo de terreno
Argiloso Arenoso

Abacate Persea americana Lauraceae Médio alto x

Abacaxi Ananas comosus Bromeliaceae Baixo – \ ∪ x x

Abóbora Cucurbita maxima Cucurbitaceae Médio ∩


Açaí-da-mata Euterpe precatoria Palmae Médio alto –
Amora Morus alba Moraceae Médio – \ x

Aroeira Myracrodruon urundeuva Anacardiaceae Alto – \ x

Arroz Oryza sativa Poaceae Alto – \ ∪ ∩ x

Bacupari Rheedia sp. Guttiferae Médio baixo – ∪


Balsa Ochroma pyramidale Bombacaceae Alto – \

Bálsamo Myroxylon peruiferum Papilionideae (Leg.) Alto – \ ∪ x

Batata-doce Ipomoea batata Convolvulaceae Baixo – \ ∪ ∩ x

Cacau Theobroma cacao Sterculiaceae Médio baixo – \ ∪


Café Coffea arabica Rubiaceae Baixo – \ ∪
Cana-de-açúcar Saccharum officinarum Poaceae Médio – x

Carambola Averrhoa carambola Oxalidaceae Médio –


Castanha-do-pará Bertholletia excelsa Lecythidaceae Emergente – \ ∪ ∩ x

Cedro Cedrela fissilis Meliaceae Alto – \ ∪ x

Copaíba Copaifera langsdorffii Caesalpinoideae (Leg.) Alto – x

Cupuaçu Theobroma grandiflora Sterculiaceae Médio – \ ∪ ∩


Eritrina Erythrina spp. Fabaceae (Leg.) Alto – \

Freijó Cordia alliodora Boraginaceae Médio – ∩ x x

Gengibre Zingiber officinale Zingiberaceae Baixo – \ ∪


Guanandi Calophyllum brasiliensis Guttiferae Alto ∩ x

Hibisco Hibisco sabdariffa Malvaceae Alto – \ x

Jaca Artocarpus heterophyllus Moraceae Médio alto – \ ∩ x

Jambolão Eugenia jambolana Myrtaceae Médio alto – \ ∩


Jatobá Hymenaea courbaril Caesalpinoideae (Leg.) Alto – \ x

Laranja-lima Citrus aurantium Rutaceae Médio ∩ x

Leucena Leucaena leucocephala Mimosoideae (Leg.) Médio alto – \ ∪ ∩


Lichia Lichi sinensis Sapindaceae Médio alto – \ ∩ x

Malvavisco Malvaviscus arboreus Malvaceae Baixo – \ ∪ x x

Mamão Carica papaya Caricaceae Alto – \ ∪ x

Mandioca Manihot esculenta Euphorbiaceae Alto –


Mangostão Garcinia mangostana Guttiferae Médio alto x

Maracujá Passiflora eculis Passifloraceae Alto – \ x

Milho Zea mais Poaceae Alto – \ ∩

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Manejo de microbacias 79

(Conclusão)

Tipo de solo
Nome comum Nome científico Família Estrato Tipo de terreno
Argiloso Arenoso

Mogno Swietenia macrophylla Meliaceae Alto – \ ∩


Mutambo Guazuma ulmifolia Sterculiaceae Médio \ ∩ x

Parapará Jacaranda copaia Bignoniaceae Alto ∩ x

Pau-d’alho Gallesia integrifolia Phytolaccaceae Médio alto – ∩ x

Pupunha Bactris gasipaes Palmae Alto – x



Seringueira Hevea brasiliensis Euphorbiaceae Médio alto – \ ∩ x

Soja Glycine maz Fabaceae (Leg.) Médio alto – ∩


Sumaúma Ceiba pentandra Bombacaceae Emergente – \ x x
Tamboril Enterolobium Mimosoideae (Leg.) Alto – ∩
contorsiliquum
FONTE: Milz (1997).
NOTA: ⎯ : Terreno plano (sem encharcamento);
\ : Sopé de encostas das bacias hidrográficas;
∩ : Terreno convexo;
∩ : Terreno côncavo.

suporta certo sombreamento, podendo fi- essa massa verde como adubação nas plan- a necessidade da adubação química. Esse
car sob copas de árvores, e o mesmo ocorre tas cultivadas. Caso a opção seja a última, é o mesmo processo que ocorre na agri-
com gengibre ou batata-doce. Já a laranja- também pode-se pensar na introdução de cultura, daí a dependência de tantos insu-
lima deve ocupar o estrato médio do sis- uma planta semelhante à invasora, mas que mos e a degradação crescente dos solos e
tema. produza mais massa verde para ser podada. do ambiente. A melhor forma de superar
A associação de duas espécies torna-se Quando essas opções não são escolhidas, essas dificuldades é aumentar a diver-
fácil de ser estabelecida, como feijão na surge a necessidade de combater as plantas sidade do sistema, tendo como modelo a
plantação de eucalipto, café com ingá, espontâneas, que normalmente são mais vegetação natural do lugar.
cacau com eritrina ou com seringueira, o rústicas e mais capazes de sobreviver no Em muitos locais, no entanto, o ambien-
que depende da região onde o sistema se ambiente do que as plantas cultivadas, o te sofreu enormes alterações com as ativi-
localiza, mas certamente haverá sobra de que gera trabalho e custo ao sistema. Ao se dades humanas e todas as características,
espaço no sistema e o tempo também não combaterem essas plantas sem utili- zá- principalmente do solo, foram drasticamen-
será completamente tomado por produção. las dentro de um manejo regenerativo, te perturbadas. Muitas vezes, a recupera-
Com certeza, o fluxo natural introduzirá ocorre diminuição de recursos naturais no ção de ambientes degradados requer a
espécies não desejáveis pelo ser humano, sistema, que regride ecologicamente, pois utilização de espécies bem mais rústicas,
que as tratará como invasoras, ou plantas vários processos naturais são estagnados, provenientes de ecossistemas de regiões
daninhas. Na verdade, a ocorrência dessas o que diminui a reciclagem de nutrientes, com climas geralmente mais secos ou drás-
espécies indesejadas se dá devido à sobra o teor de matéria orgânica, a diversidade ticos, pois essas espécies são aptas a so-
de energia no sistema, que pode ser uti- de vida. Como conseqüência, surgem breviver em condições não previstas na
lizada por diversas espécies que ocupem o outras plantas espontâneas e indesejadas natureza de climas mais amenos e propícios
tempo e o espaço disponíveis, inclusive as no local, porém ainda mais rústicas que as à ebulição da vida. Essas espécies mais
que surgiram espontaneamente no local. anteriores, pois devem suportar um ambi- rústicas podem ser vistas como uma tran-
Nesse caso, existem duas opções: intro- ente regredido. A continuação desse tipo sição para a melhoria do ambiente, além
duzir plantas semelhantes às invasoras (ao de manejo tende a cair em um círculo vi- de uma forma momentânea de gerar algum
tempo de crescimento, ao tamanho final da cioso, ou melhor, numa espiral viciosa, já recurso. Por exemplo, espécies arbóreas co-
planta e à adaptação ao ambiente) e produ- que a qualidade do ambiente vai regredin- mo a Acacia mangium, ou mesmo Pinus
tivas, ou usar as invasoras como planta do com o tempo. Surge, dessa forma, mais eliotis, têm a capacidade de suportar e cres-
geradora de matéria orgânica, utilizando um aumento de custo do sistema, ou seja, cer em ambientes onde apenas restou o

I n f o r m e A g r o p e c u á r i o , B e l o H o r i z o n t e , v. 2 1 , n . 2 0 7 , p . 7 5 - 8 1 , n o v. / d e z . 2 0 0 0
80 Manejo de microbacias

subsolo, ou seja, onde a quantidade de vi- mas de produção. É importante lembrar, florestais (MacDicken & Vergara, 1990). A
da (micro e macroorganismos) ficou extre- porém, que as áreas previstas por lei como essência do uso da terra pelos sistemas
mamente reduzida, a matéria orgânica do Áreas de Preservação Permanente não de- agroflorestais é que uma mesma diversi-
solo foi praticamente toda retirada e muito vem ser alteradas, conforme Código Flo- dade de bens pode ser produzida numa área
provavelmente a disponibilidade de nutri- restal, Lei no 4.771, 15 de setembro de 1965 menor do que em outros sistemas de pro-
entes chegou a níveis inviáveis para a maio- (Brasil, 2000) e, caso já estejam em processo dução. De maneira geral, as vantagens
ria das plantas, principalmente para as cul- de degradação, devem entrar em processo ecológicas da interação entre os compo-
tivadas. No entanto, no caso de se iniciar a de restauração gradual conforme Lei de nentes também são vantagens em termos
recuperação daquele ambiente, essas espé- Política Agrícola, Lei no 8.171, 17 de ja- de uso de mão-de-obra e capital: serão
cies, além de outras que ocupam outro lugar neiro de 1991 (Pinto, 1996). São Áreas de usados menos capital e mão-de-obra para
no estrato da vegetação, ou seja, arbustos Preservação Permanente: topo de morro, a produção da mesma quantidade de pro-
e ervas, podem concorrer para a geração Matas Ciliares (com larguras proporcio- dutos animal e/ou vegetal, em comparação
de renda ou de recursos, como madeira, nais à largura do rio), ao redor de lagos, com os sistemas de monocultura. Isto,
ervas medicinais, material para artesanato. lagoas ou reservatórios de águas naturais porque a entrada de capital e mão-de-obra
Nesse caso, porém, muitas plantas devem ou artificiais, nas nascentes, nas encostas está diretamente relacionada com a área
ser introduzidas com o intuito de permane- com declividade maior do que 45o (100% utilizada. Evidentemente, existem exceções
cer no local, incrementar a quantidade de de declividade), restingas, bordas de ta- a essa regra, como por exemplo a proteção
vida, a reciclagem dos nutrientes, o teor de buleiros ou chapadas e altitudes acima de necessária às árvores plantadas em pastos,
matéria orgânica no solo, promovendo a 1.800m. A manutenção da vegetação natu- compondo sistemas silvipastoris.
restauração da vegetação. ral nesses locais tem a função ambiental de Uma possível economia de mão-de-
O preparo do solo também é um aspecto preservar os recursos hídricos, a paisagem, obra pode ser em virtude do sombreamento,
a ser observado na implantação de um SAF. a estabilidade geológica, a biodiversidade, que pode levar a uma redução de capina e
Dependendo da intensidade do manejo a o fluxo gênico da fauna e flora e proteger o à melhoria da eficiência do trabalho das
ser dado, nem sempre é preciso um revolvi- solo. Para os sistemas agroflorestais circun- pessoas e dos animais, devido ao ambiente
mento total do solo, que normalmente é uma vizinhos, a manutenção dessas florestas mais ameno. Algumas economias no uso
das causas da degradação na agricultura. tem importância significativa por forne- de recursos não se devem somente às inte-
Solo descoberto é sempre sinônimo de cerem fontes de propágulos, chuvas de se- rações biológicas entre os componentes,
lixiviação de nutrientes, perda de matéria mentes, recursos biológicos para animais mas à combinação de certas atividades que
orgânica, aumento de erosão. Quanto maior polinizadores e dispersores, aumentando seriam impossíveis dentro de sistemas de
o revolvimento do solo, maior a minera- assim a regeneração natural e, conseqüen- monoprodução. Por exemplo, a coleta de
lização da matéria orgânica, o que dispo- temente, a dinâmica dos ecossistemas pro- lenha em árvores dispersas no pasto po-
nibiliza inicialmente nutrientes para as dutivos. de ser simultânea ao trato do rebanho.
plantas. Porém, se o sistema não tiver capa-
Um outro exemplo é o uso de cercas vivas.
cidade de incorporar todo esse recurso dis- ANÁLISE TÉCNICA E Estimativas da Tunísia mostram que o
ponível, a tendência é regredir o ambiente. ECONÔMICA custo com cercas de arame é três vezes
Por isso, o ideal é aumentar tanto quanto
Em termos econômicos, os sistemas superior ao necessário com cercas feitas
possível a diversidade e a ocupação das
funções no sistema agroflorestal, de ma- agroflorestais, comparados com outros com plantas com espinhos. Por fim, uma
neira que não venha a desperdiçar o re- sistemas de uso da terra, têm valores mais redução no custo da unidade de mão-de-
curso natural que já havia na área, trans- altos de produção com o mesmo custo e/ obra pode ser obtida com a dispersão das
formando-o em plantas manejadas e pro- ou alcançam o mesmo valor de produção atividades ao longo do ano, como por
dutivas. Uma opção para os que não têm com custos menores. Quando o valor de exemplo, devido ao atraso de algumas
interesse em aumentar a diversidade é fa- produção é maior, normalmente ocorre colheitas. Os preços de mercado e/ou o
zer um cultivo mínimo, geralmente em cur- um aumento da produção ou no preço da custo da mão-de-obra tendem a ser mais
vas de nível, revolvendo apenas a linha de unidade produzida, seja pela época de colo- baixos fora dos períodos de pico. Um estu-
plantio, ou mesmo em faixas. As plantas cação no mercado, seja pela melhor quali- do conduzido numa propriedade cafeei-
que permaneceram podem ser roçadas e dade do produto. O menor custo de produ- ra na Costa Rica mostrou que o pico da
utilizadas como adubação verde. ção pode ser obtido com a diminuição da colheita de café numa parcela sem Cordia
Dessa forma, levando-se em conta o quantidade e/ou do preço do insumo. Esses alliodora ocorreu duas semanas e meia
aspecto geomorfológico de uma micro- resultados são possíveis principalmente antes do pico de colheita de uma parcela
bacia, podem-se adequar o uso da terra, o devido às interações biológicas existentes sem as árvores (MacDicken & Vergara,
manejo e as espécies que formarão os siste- entre os componentes dos sistemas agro- 1990).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.75-81, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 81

EXPERIÊNCIAS EM ÁREAS exemplo, são antecipados basicamente pela poda das árvores e pela dinamização da
JÁ IMPLANTADAS poda das plantas e constituem as princi- biota do solo para disponibilização de
pais ações do manejo, além do plantio. A nutrientes, em função do incremento pe-
Há cerca de 15 anos, em 1985, o agri-
proposta de manejo agroflorestal de Ernst riódico de matéria orgânica de qualidade
cultor e pesquisador Ernst Götsch iniciava
Götsch traz os processos naturais e sua diferenciada, resultante da prática da po-
suas plantações de cacau no Sul da Bahia.
capacidade restauradora para dentro do da.
Os quarenta anos de agricultura de corte e
queima que o precederam haviam deixado sistema de produção, tornando possível a
as terras empobrecidas e secas as diversas geração de produtos e de renda ao mesmo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
fontes de água que existiam no local. tempo que restaura e/ou mantém os recur-
BLOOM, A.L. Superfície da terra. São Pau-
Cinco anos depois, durante os quais sos naturais e o ambiente, imprimindo o
lo: Edgard Blücher, 1970. 184p.
Ernst foi elaborando e aprimorando o mé- mesmo balanço energético positivo da su-
cessão natural. BRASIL. Lei no 4771, de 15 de setembro de
todo de manejo agroflorestal direcionado
De fato, Peneireiro (1999) avaliou, em 1965. Institui o novo Código Florestal.
pela sucessão, a paisagem já havia se trans- Disponível site Planalto (2000). URL:
formado e vicejava uma agrofloresta ain- seu trabalho de tese, o sistema da proprie-
http://www.planalto.gov.br Consultado em
da nova, mas já produtiva. Além disso, dade de Ernst Götsch e mostrou que o ma-
2000.
17 fontes voltavam a verter água nova- nejo alterou significativamente a vegetação
e o solo. Comparou um sistema agroflo- BROOKS, K. N.; FFOLLIOT, P. F.; GRE-
mente.
restal manejado por 12 anos com uma área GERSEN, H. M.; THAMES, J. L.
Em 1996, um ano considerado fraco para
de capoeira, em pousio, de igual idade e Hydrology and the management of
a agricultura, algumas áreas chegaram a
submetida somente aos processos natu- Watersheds. : Iowa State University Press,
produzir 50 arrobas/ha de cacau, 14 arrobas
rais de sucessão. A vegetação da área agro- 1991. 391p.
acima da média do Sul da Bahia (Peneireiro,
1999). A produção e a recuperação do am- florestada apresentou maior diversidade e ENGEL, V.L. Introdução aos sistemas agro-
biente se deram sem insumos, corretivos equabilidade, além de marcado avanço florestais. Botucatu: Fundação de Estudos
ou defensivos. sucessional em relação à área de capoeira. e Pesquisas Agrícolas e Florestais, 1999.
Desde meados da década de 90, uma Esse avanço foi detectado pelas espécies 70p.
praga irremediável do cacaueiro toma di- e famílias de plantas que ocorriam em cada MACDICKEN, K. G.; VERGARA, N.
mensões vultosas, comprometendo seria- área, bem como pela fauna edáfica. Na área T. Agroforestry, classification and
mente a produção da região. A vassoura- de capoeira, predominaram as Melastoma- management. New York: John Wiley,
de-bruxa (Crinipellis perniciosa) se dis- taceae e as espécies predadoras da fauna 1990. 382p.
semina nas propriedades vizinhas, mas não edáfica, ao passo que, nos sistemas agro-
MILZ, J. Guía para el estabelecimiento de
chega nem mesmo a comprometer os sis- florestais, sobressaíram as Mimosaceae,
sistemas agroforestales en Alto Beni,
temas, tampouco a produção das agro- Apocinaceae e Lauraceae e as espécies sa-
Yucumo y Rurrenabaque. La Paz: DED,
florestas, que parecem imunes à dissemi- prófagas. 1997. 91p.
nação da doença. Os solos dos sistemas agroflorestais
MONTAGNINI, F. Sistemas agroforestales:
A idéia básica desse manejo agro- apresentaram maior teor de P, principal-
principios y aplicaciones en los trópicos.
florestal é essencialmente copiar a forma e mente na camada superficial do solo. Nos
2.ed. San José: Organización para Estudios
a dinâmica dos processos naturais. Os primeiros 5cm de profundidade, a quan-
Tropicales, 1992. 622p.
sistemas produtivos deverão ter a compo- tidade de P foi sete vezes maior, sendo qua-
sição, estrutura e funcionamento seme- tro vezes maior na camada de 5cm a 20cm. MONTAGNINI, F.; JORDAN, C.F.; MATA
Numa profundidade de 40-60cm, as quan- MACHADO, R. Reciclage y eficiencia
lhantes à vegetação natural do local, ou
tidades de P da capoeira e da agrofloresta en el uso de nutrientes en sistemas
seja, terão espécies, densidade e fisionomia
agroforestales. Yvyraretá, Argentina:
adequadas ao ambiente, diferentes para eram muito semelhantes.
1997.
cada diferente região. A função ecofisio- O P é o elemento essencial mais proble-
lógica de cada planta dentro da sucessão mático, principalmente nos trópicos úmi- PENEIREIRO, F.M. Sistemas agroflorestais
é o princípio básico para introdução e reti- dos. Segundo Peneireiro (1999), o alto teor dirigidos pela sucessão natural: um es-
rada das espécies no sistema, o que signi- de P solúvel encontrado na camada super- tudo de caso. Piracicaba: ESALQ, 1999.
fica que a demanda ambiental, o porte, a ficial do solo da área manejada pode ser 138p. Dissertação (Mestrado) - Escola Su-
velocidade de crescimento de cada espécie explicado pela atuação conjunta do bom- perior de Agricultura “Luiz de Queiroz”,
devem-se adequar ao local onde será plan- beamento de nutrientes pelas raízes das Universidade de São Paulo, 1999.
tada. Os processos naturais de renovação, árvores das camadas mais profundas do PINTO, W. de D. Legislação federal de meio
como a ação do vento e de formigas, por solo para a superfície, potencializado pela ambiente. Brasília: IBAMA, 1996. 2081p.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.75-81, nov./dez. 2000


82 Manejo de microbacias

A microbacia no contexto dos assentamentos agrícolas


Mauro Resende 1
João Luiz Lani 2
Sérvulo Batista de Rezende 3
Leandro Roberto Feitoza 4

Resumo - Reflexão sobre alguns aspectos pertinentes à microbacia como unidade de


planejamento e sua importância nos assentamentos agrícolas; desenvolvimento
sustentável; papel do solo como estratificador de ambientes; uso de indicadores am-
bientais locais; características pertinentes aos assentados, aos técnicos e à sociedade
consubstanciados nas políticas públicas. Concluiu-se que a microbacia, por já estar
fisicamente integrada, facilita o trabalho de integração de atividades; para que haja
desenvolvimento sustentável é necessário que as relações campo-cidade sejam re-
vistas; a pequena agricultura, ainda que familiar-empresarial, tende a estimular os
pequenos e médios sítios urbanos em contraposição às megalópoles; a legislação
restritiva de uso da terra atinge principalmente o pequeno agricultor, com pouco ou
nenhum impacto sobre o agricultor empresarial; a prioridade para a conservação e
uso da água pode tornar o pequeno agricultor um produtor de água, recebendo da
sociedade urbana e industrial por isso; os assentamentos devem priorizar áreas que
minimizem a deficiência de nutrientes: as de solos eutróficos e as de solos distróficos
mas conservadores de nutrientes; as chaves de identificação de ambientes e o uso de
indicadores ambientais locais podem ajudar na interação técnicos-comunidade e no
processo de descentralização; os técnicos são os intermediários naturais entre agri-
cultores e administração pública, deles deve depender a orientação segura para as
políticas públicas específicas; a grande dificuldade para o associativismo exige uma
atuação do poder público no estímulo e tutela cuidadosa desse processo.
Palavras-chave: Bacia hidrográfica; Desenvolvimento sustentável; Assentados.

INTRODUÇÃO É possível ao homem ocupar algum espaço ficador de ambientes (Resende & Rezende,
O título deste artigo sugere a pergunta: sem algum tipo de degradação? Assim, o 1983). O agricultor, particularmente o pe-
o que tem a ver microbacia com assenta- que se busca é a otimização das relações queno, com mais sensibilidade pelo conví-
mentos agrícolas? Na microbacia, como em homem-natureza para que se minimize a vio com o meio ambiente, tem percebido
outros lugares, deve-se buscar o equilíbrio degradação, de modo mais sustentável isto e demonstra-o ao se referir, quanto ao
entre a produção de alimentos e a ocupa- possível (Fig. 31). seu endereço, que mora no Córrego Boa
ção harmônica do espaço (ordenamento Buscando essa otimização, o ideal, no Vista, Vista Alegre etc. O córrego, no seu
territorial), com o mínimo de degradação. uso da terra, quer para os pequenos agri- linguajar, a microbacia hidrográfica, no
Nas atividades produtivas, entre elas as cultores (assentamentos - agricultura fami- linguajar técnico, integra todos os fenô-
agrícolas, sempre há alguma degradação. liar), quer para os grandes (empresários), é menos naturais. O mau uso do solo na parte
Para ilustrar isso, basta examinar os alimen- tomar a bacia hidrográfica como a unidade superior, pelos seus vizinhos, irá afetar a
tos que se tem à mesa. Haverá muitos deles de planejamento e, dentro desta, a classe parte de baixo, com assoreamentos, en-
capazes de ser produzidos sem, por exem- de solos (identificada com o uso de indi- chentes, destruição das lavouras nas áreas
plo, alguma redução da cobertura vegetal? cadores locais). O solo é o melhor estrati- próximas do córrego, inutilização das ca-

1
Engo Agro, Ph.D., Prof. Aposentado UFV, Rua Gomes Barbosa, 99 – Centro, CEP 36570-000 Viçosa-MG. E-mail: Resende@solos.ufv.br
2
Engo Agro, D.Sc., Prof. Adj. UFV – Depto Solos, Campus Universitário, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: lani@solos.ufv.br
3
Engo Agro, Ph.D., Prof. Aposentado UFV, Parque do Ipê, Casa 29 – Silvestre, CEP 36570-000 Viçosa-MG. E-mail: servulo@solos.ufv.br
4
Engo Agro, Ph.D., Pesq. EMCAPER, Rua Afonso Sarlo, 130 – Bento Ferreira, CEP 29000-000 Vitória-ES.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.82-94, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 83

degradação. Aqueles que vivem da terra


Alimento não têm condições, na maioria dos casos,
dentro dessas relações injustas, de arcar
com as custas da conservação e manuten-
ção da diversidade.
Este trabalho objetiva discutir alguns
aspectos pertinentes a essas questões: o
desenvolvimento sustentável; o papel
dos recursos naturais da microbacia nes-
sa sustentabilidade; o papel do solo como
estratificador de ambientes e o uso de indi-
cadores locais; as características perti-
nentes aos assentados, aos técnicos e as
Degradação Espaço implicações disso tudo nas políticas pú-
blicas.
Figura 31 - Necessidade de procurar um equilíbrio entre a produção de alimentos e a
ocupação do espaço e minimizar a degradação
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL

cimbas, poços, tanques de peixes e outros. observação e a análise integrada, mesmo O desenvolvimento sustentável “aten-
Além desses efeitos, não é incomum, se apenas qualitativa, são mais eficientes de às necessidades do presente sem com-
por exemplo, no semi-árido brasileiro, car- para a compreensão de fenômenos com- prometer a possibilidade de as gerações
reamento de propágulos de plantas (por plexos. futuras atenderem as suas próprias neces-
exemplo tiririca, Cyperus spp.) trazidos pe- A pressuposição de que, ao se conhe- sidades” (Nosso..., 1998).
lo arrombamento de açudes de montante. cer as partes de um sistema, conhece-se o A sustentabilidade dos processos pro-
Mas, ao avançar para o novo milênio, agu- todo não é válida sempre, porque há, com dutivos numa microbacia pressupõe o aten-
ça-se a percepção de ser a água o recurso freqüência, o surgimento de propriedades dimento aos seguintes princípios bási-
mais escasso. Nesse aspecto a microbacia emergentes (Odum, 1985). É como se as cos:
traz, até na sua definição, a informação peças de um quebra-cabeça somente cum- a) conservação dos recursos renová-
clara de que é aí onde as políticas públicas prissem sua finalidade se articuladas num veis;
de conservação de água devem atuar mais jogo já montado. Nos agroecossistemas,
b) adaptação da agricultura ao ambien-
efetivamente no que se refere à manuten- em particular, as vinculações ultrapassam
te: as práticas de convivência nor-
ção. Práticas tão decantadas, como irriga- os limites restritos da microbacia, tudo
malmente adotadas pelos pequenos
ção, devem receber cada vez menos ênfase dependendo das circunstâncias. O fato de
agricultores, mais baratas e de me-
no que se refere à criação de novos proje- plantar café depende tanto da exposição
nos riscos atendem mais a este pres-
tos e mais no sentido de aumentar a efi- do solo, quanto do mercado internacional,
suposto;
ciência dos já existentes. É possível que indicado, por exemplo, pela bolsa de Nova
a sociedade, visando à otimização das York. Essa complexidade e incerteza dos c) manutenção de um nível alto, porém
relações homem-natureza e premiando a agroecossistemas devem ser compensadas estável de produtividade (Altieri,
conservação dos recursos em mínimo, ve- por políticas públicas. A economia agrícola 1989).
nha, em algumas circunstâncias, a pagar não pode viver sem alguma forma de aju- Gips (1986) menciona que a agricultura
aos pequenos agricultores para conservar da do poder público em parte alguma do sustentável deve ser ecologicamente cor-
a água para os centros urbanos e indus- mundo (Guimarães, 1982). reta – a qualidade dos recursos naturais é
triais. A utilização e/ou manipulação dos ecos- mantida; economicamente viável – auto-
Os agroecossistemas, em particular nu- sistemas é mais harmoniosa dentro do con- suficiente; socialmente justa – as necessi-
ma microbacia, onde há um encadeamento texto do melhor uso dos recursos naturais dades básicas são atingidas; humana – to-
de fluxos de matéria (água, solo, vento) e e não da maior produtividade, sem levar das as formas de vida são respeitadas; e
de relações entre as pessoas (pela vizi- em consideração a degradação ou a exaus- adaptável – as comunidades rurais são
nhança, pela água e pelas vias comuns), tão dos recursos naturais. A noção da sus- capazes de se ajustar às condições de agri-
manifestam-se numa trama de interdepen- tentabilidade deve ser inserida. A relação cultura desenvolvendo-se como um pro-
dência entre as suas variáveis. A interde- entre preços pagos à produção primária e cesso, numa condição democrática e parti-
pendência é a lei do universo. Assim, a os dos insumos estimulam sobremaneira a cipativa.
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84 Manejo de microbacias

Um enfoque pouco freqüente é definir: As pressões para gastos menores de RECURSOS NATURAIS:
sustentável para quem? No caso da ativi- energia, a necessidade de absorver mão- SUSTENTABILIDADE E
dade agropecuária, implícita, em princípio, de-obra e a queda brutal na qualidade de INDICADORES
nos assentamentos está sendo objetivada vida nas grandes cidades devem estimu-
A microbacia, por estar entre o talvegue
a sustentabilidade de quem? Hoje, mais do lar uma reflexão mais profunda sobre as
(a parte mais baixa da paisagem) e o divisor
que ontem, graças em grande parte às vantagens e desvantagens no que se refere
de água, ou entre a montante e a jusante,
pressões pelos ativistas da reforma agrária, à ocupação do espaço rural. O estímulo à
tende a apresentar o máximo de variação
a sociedade está ficando mais consciente agricultura familiar (que pode ser empre-
de recursos, mesmo a pequenas distâncias.
de que está em jogo não campo ou cida- sarial, como nos países mais adiantados
As plantas, entre elas as culturas, depen-
de, mas o sistema campo-cidade. As me- do mundo) tem, necessariamente, outros
dem basicamente de radiação, água e nu-
galópoles de hoje são um atestado claro benefícios indiretos. Um deles, e talvez o
trientes (Fig. 32); nos agroecossistemas,
de que houve uma ruptura no campo sem mais importante, é evitar a metropolização.
ecossistemas especiais, produtivos, com
um preparo, em tempo hábil, para que as Isso não significa reduzir a urbanização.
forte troca com o exterior, o uso de imple-
pequenas e médias cidades participas- Uma grande densidade de propriedades
mentos mecânicos é também importan-
sem positivamente do processo. Houve um menores tende a semear um grande número
te. Os outros fatores, como deficiência de
esvaziamento relativo de amplas áreas no de pequenas vilas e cidades. É o processo
de urbanização sem metropolização. oxigênio (drenagem), vento, pragas e doen-
campo e pequenas cidades e uma concen-
Uma pergunta pertinente à sustenta- ças são, de certa forma, coadjuvantes dos
tração descomunal em áreas metropoli-
bilidade é: para quê e para quem? Para a principais. O fato de qualquer planta, em
tanas. Isso caracteriza o Terceiro Mundo.
sociedade atual ou para a futura? Essas princípio, poder ser cultivada em solução
É interessante lembrar que até as iniciativas
são perguntas importantes. Há, no mo- hidropônica, sem solo, indica isso.
do governo federal, por exemplo, a zona
franca de Manaus, estimularam a metropo- mento, uma grande massa de população
Radiação
lização. Hoje, vive-se um caos urbano e uma despreparada para atividades mais refina-
desagregação no campo. A sociedade cita- das. As atividades agrícolas são as mais Todos os recursos, radiação, água e nu-
dina, estimulada pelo interesse das indús- adequadas para grande massa de brasilei- trientes podem limitar drasticamente a pro-
trias em ter baixos os preços dos alimentos ros. A grande área territorial do Brasil clama dutividade. A radiação, tida como sempre
(mas sem baixar o preço dos insumos pro- por uma ocupação mais bem distribuída e, abundante nos trópicos, numa visão geral
duzidos por elas) e pela ação governa- dificilmente isso pode ser conseguido, sem apresenta particularidades importantes
mental, fica feliz com os preços relativa- um apoio decisivo às atividades rurais e às num enfoque mais detalhado. No semi-
mente baixos dos alimentos. Nesse quadro pequenas e médias cidades. Os meios de árido do Rio Grande do Norte, os agricul-
a fatia do produtor é muito reduzida, pois, comunicação e o domínio eleitoral dos tores costumam orientar as raquetes da
além de não poder colocar preço no seu grandes centros formadores de opinião palma forrageira no sentido norte-sul, me-
produto, e muito menos nos insumos, fica fazem com que ainda mais o processo se lhorando a economia de água (em volta do
pressionado entre os intermediários e o centralize. meio-dia essa orientação minimiza a radia-
tempo, na forma das dificuldades de trans-
porte, armazenamento e comercialização.
Em resumo: ou o agricultor entra no fluxo
de exportação (e para isso precisa de capi-
Radiação
tal), muito favorecido pelas políticas públi-
cas, ou é estimulado, diante das dificul-
dades, a ir para a cidade, onde, através de
algum segmento da economia informal,
pode-se sobressair melhor. É o êxodo rural,
a metropolização, o caos.
Cabe à sociedade, diante desse quadro,
decidir o que estimular em termos da sus-
tentabilidade: se a pequena agricultura,
ainda que familiar-empresarial, como é
comum na Europa e nos Estados Unidos, Água Nutrientes
ou a grande agricultura empresarial exporta-
dora. Ou poderia ela estimular uma e outra,
conforme as circunstâncias? Figura 32 - Triângulo ambiental básico

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.82-94, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 85

ção recebida diretamente) (Resende, 1992). conhecido, mas considerado por muitos Nutrientes
No estado de São Paulo, Benincasa (1976) quase uma heresia: a de que as árvores, em O preço dos nutrientes e de outros insu-
constatou diferenças substanciais na pro- si, não são eficientes para recarga de aqüí- mos químico-mecânicos é dado pela indús-
dutividade de sorgo, dependendo da orien- feros. A substituição de plantas arbóreas tria; o da produção agrícola, não o é pelo
tação da rampa. Cerqueira (1995), na região por plantas rasteiras pode ser desejável em agricultor. Isso faz uma grande diferença.
montanhosa do Espírito Santo, detectou alguns locais se o que se procura é conser- Minimiza a margem de lucro, quando não a
influência da exposição em aspectos como var a água. Quando se trata do controle torna negativa sendo contraproducente
fertilidade do solo, expressão da comu- das enchentes, as árvores são insubstituí- usar adubo. Assim, a disponibilidade de
nidade vegetal e classe de solo. Há muito veis. Tudo é uma questão de aritmética: as nutrientes passa a ser um recurso precioso.
tempo os agricultores do Sudeste do Bra- espécies arbóreas continuam perdendo Por uma contingência pedológica, os solos
sil identificam as encostas soalheiras e água durante o período seco. As herbáceas, naturalmente ricos em nutrientes situam-
noruegas, importantes para o plantio do em particular as gramíneas, entram em se nas várzeas e nas áreas mais acidenta-
café. Assim, aspectos como profundidade pousio natural. Não se deve cometer aqui das. Essas são áreas com tendência a ter o
do vale, orientação geral da microbacia etc. os mesmos erros de outras generalizações, uso proibido em agricultura. É provável que
podem ser importantes em algumas circuns- por exemplo, a de que todo solo acidentado, haja, nos próximos anos, uma revisão da
tâncias para algumas culturas específicas. quando cultivado, se empobrece a ponto legislação a respeito das árvores nas vár-
Na região do Planalto de Viçosa há indica- de não mais ser sustentável. As árvores zeas e também uma distinção entre solos
ções de que a carga energética pode limitar desempenham outros papéis importantes eutróficos e estes nas elevações aciden-
a produtividade de capineiras no inverno. além do de minimizar a intensidade das tadas. A sociedade, mais cedo ou mais
Nesses casos, a escolha de encostas vol- enchentes, mas não é correto apregoar que tarde, vai ter que se posicionar: Se deseja
tadas para o norte pode ser importante. a presença de árvores aumenta o fluxo de estimular a pequena agricultura, pouco
Essas indicações gerais seriam pertinentes água na época seca (Daker, 1976). Isso sim- poluidora, mas que utiliza áreas críticas,
à localização de residências, de abrigos de plesmente não é verdade, e os fatos mos- como várzeas e solos acidentados, ou a
animais etc. tram isso. Há mais flutuação no nível d’água agricultura empresarial, altamente poluidora
dos solos da Amazônia do que nos do Pla- e degradadora, que utiliza as áreas mecani-
Água nalto Central. Caso a sociedade ainda queira záveis. Dois recursos são pertinentes neste
Quanto à disponibilidade de água, inte- manter as várzeas protegidas de utilização contexto: áreas com solos naturalmente
ressam basicamente dois aspectos: a água é preciso que haja alguma compensação férteis, que permitem produções razoáveis
disponível para as plantas e a água de su- para o agricultor. Por uma contingência na- com o mínimo de adubação externa; e áreas
perfície para uso humano, animal e para tural, qualquer legislação que envolva as naturalmente pouco férteis, mas capazes
irrigação, por exemplo. A água está-se tor- várzeas e os solos acidentados afeta mais de conservar bem, pela topografia tabu-
nando um recurso cada vez mais escasso. os pequenos do que os grandes agriculto- lar, os nutrientes que lhe são adicionados
Deve ser um dos critérios a se considerar res em algumas regiões do Brasil (Gomes, (Resende et al., 1988). Assim, quanto aos
na densidade dos assentamentos (France- 1986). nutrientes, esses deveriam ser os dois crité-
lino, 2000). A própria prática de irrigação, As sedes das propriedades estão, em rios para escolha de áreas para assenta-
tão importante, deve sofrer restrições. Me- geral, relativamente próximas dos cursos mento. Nesses casos, subsídios para uma
lhor aproveitamento da água ao invés de d’água. Isso pode trazer problemas de po- adubação inicial poderiam ter um alto retor-
expansão de novas áreas de irrigação de- luição da água, requerendo um planeja- no para a sociedade.
ve ser considerado. Isso deve custar bem mento prévio para que possa haver uma
mais, mas é o preço a ser pago pela socie- convivência pacífica a esse respeito. De- Mecanização
dade para economizar um recurso funda- pendendo da densidade e natureza dos A industrialização da agricultura, ape-
mental. Nessa mesma linha é previsível que cursos d’água, esse pode ser um importante sar de ter trazido muitos problemas, mini-
a sociedade eventualmente decida que fator no dimensionamento das áreas dos mizando a renda no campo e provocando
pagar ao agricultor para conservar água é lotes para assentamento. Em particular nos países de Terceiro Mundo um êxodo
mais importante do que usar essa água para no que se refere à área de acesso à água. É rural sem precedentes, é irreversível. Isso
irrigação. É o velho jogo de custos e bene- provável que em alguns casos valesse a porque o uso da máquina minimiza sobre-
fícios. Cabe à sociedade decidir se é melhor pena a elaboração de infra-estrutura de maneira o sofrimento humano no amanho
manter as populações rurais com custos água e saneamento pelo poder público pa- da terra. A capina manual, por exemplo, é
adicionais ou minimizar a água disponí- ra que o assentamento fosse sustentável. muito sacrificial. Assim, é desejável, sob o
vel. As comunidades rurais também fazem parte ponto de vista dos assentamentos, a busca
É possível que nos próximos anos fi- da sociedade; elas, e não só as urbanas, de áreas mecanizáveis. A mecanização não
que claro no Brasil um conceito há tempos precisam de infra-estrutura. depende só da topografia dos solos. Pe-

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86 Manejo de microbacias

dregosidade, rochosidade, tipo de argila e


até aspectos extremos de coesão podem Agroecossistema
reduzir sobremaneira a adequação para a
mecanização. Como é praticamente impos-
sível encontrar em grande escala essas
condições de solos mecanizáveis (pla- Econômico
nos, sem pedregosidade etc.) e eutróficos,
deve-se ter, então, uma consciência clara
das limitações e potencialidades de alguns
usos e os assentamentos devem receber
apoio condizente com as condições de ca-
da caso.

Solo
Ecológico Sociológico
O solo, por ser uma interface entre as
outras esferas (biosfera, atmosfera, hidros-
Figura 33 - O solo como interface entre a biosfera, atmosfera, hidrosfera e litosfera
fera e litosfera) (Fig. 33), exerce papel fun-
damental em qualquer ecossistema terres-
tre, em particular nos agroecossistemas.
No entanto, o solo não pode ser visto
como um fator isolado no agroecossistema.
O solo é apenas um dos vértices do te-
traedro ecológico (nos outros três vértices
estão, o clima, os organismos e os fatores
socioeconômicos). As inter-relações que
se estabelecem entre todos os vértices do
tetraedro são fundamentais para a busca
da sustentabilidade (Resende, 1997).
Numa microbacia hidrográfica são en-
contradas as relações tetraedrais: clima –
solos – organismos – aspectos socioeco-
nômicos (Fig. 34).
Pode-se perceber que, dependendo da
escala de abordagem, a representação dessa
complexidade, em termos de habitats, torna-
se impossível, e isso pode implicar equí-
Figura 34 - Inter-relações representadas pelo tetraedro ecológico
vocos ao se identificarem os ambientes e ao
se tomarem atitudes no aproveitamento dos
seus potenciais. É necessário, idealmente, pequeno agricultor leva em consideração As microbacias têm como eixo princi-
uma abordagem mais detalhada sobre isso. sua capacidade produtiva em termos de pal o curso d’água. É ao longo das linhas
Esse enfoque implica na identificação potencialidade e limitação dos recursos perpendiculares ao curso que há, em ge-
de aspectos socioeconômicos, culturais e existentes em sua propriedade, tais como: ral, a maior heterogeneidade de ambientes.
políticos intrínsecos ao próprio habitat, disponibilidade de terra, água, mão-de-obra É comum, assim, as propriedades serem
além das suas qualidades e problemas. e capital. Mesmo com disponibilidade des- alongadas nesse sentido, isso aumenta a
O processo de tomada de decisão do ses recursos, ainda existe um fator crucial heterogeneidade dos solos de cada lote,
pequeno agricultor, no caso presente, o para sua tomada de decisão, que é o risco aumentando as opções e estimulando a di-
assentado, relativo à implementação de que a atividade poderá oferecer a si e ao versificação. Cada ambiente (identificado
qualquer atividade, passa por um balanço seu sistema. Assim, distintos domínios pelo solo, por exemplo) requer um manejo
criterioso de como aquela atividade irá apresentam diferentes características e em diferente. As potencialidades e limitações
interferir nos fatores do seu sistema, já cada situação é necessário um manejo ade- podem variar muito a pequenas distâncias.
internalizados e bem conhecidos por ele. quado dos recursos naturais para a sua Para a Zona da Mata mineira, por exem-
Dentre os fatores preponderantes, o maior sustentabilidade (Quadro 1). plo, Rezende et al. (1972) identificaram algu-

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Manejo de microbacias 87

QUADRO 1 - Características das bacias hidrográficas de alguns domínios de solos ocorrentes em Minas Gerais
Ambiente Características Recomendações

Solos rasos, pobres, sobre rochas Os solos rasos têm baixo poder tamponante Quanto Procurar manter a vegetação e conservar a água em
pelíticas (Fig. 35) à economia de água. O fluxo superficial é sazonal- pequenas bacias, pela construção de pequenas de-
mente muito intenso, o que facilita a erosão laminar, pressões coletoras (armazenadoras) de água. A baixa
removendo matéria orgânica, sementes e nutrientes, permeabilidade do solo e/ou do substrato facilita o
o que dificulta também a reinstalação da vegetação acúmulo de água. Essas áreas têm baixo poder de su-
natural, uma vez que esta esteja degradada. porte: precisa-se de uma área muito grande para sus-
tentar uma família.

Latossolos e areias quartzosas em Apresentam rede de drenagem pouco expressiva, isto Efetivo programa de controle de erosão nas pequenas
relevo plano a suave ondulado é, os cursos d’água são espaçados em razão do me- bacias que descem das chapadas, incluindo a preser-
(Fig. 36) nor dissecamento das bacias (menor densidade de vação de uma faixa de vegetação natural bordejando,
drenagem). Nas bordas dessas bacias a dissecação é ainda nas chapadas, as pequenas bacias. Essas áreas,
severa. A relação pedogênese/erosão nas bordas das em particular nos Latossolos de textura média e argi-
chapadas evidencia a instabilidade dos solos. Isto losa, têm sido muito procuradas pela agricultura em-
pode por em risco não só as pequenas bacias que presarial para o plantio de eucalipto, soja e outras
bordejam as chapadas mas igualmente as cabeceiras culturas.
de grandes rios.

Solos originados de calcário O comportamento hídrico das bacias de drenagem é A proteção do solo e o manejo da água requerem tra-
peculiar, em razão da dissolução subterrânea do tamentos especiais. A permeabilidade do solo, a na-
calcário, dando um sem número de depressões fecha- tureza mineralógica das argilas, a configuração do
das (dolinas), formando lagoas permanentes ou não, embasamento calcário, a variação da profundidade do
além de sumidouros nos cursos d’água. A circulação lençol freático e a localização de possíveis descontinui-
subterrânea tende a diminuir a disponibilidade de água dades litológicas são alguns atributos que devem ser
na superfície e nos solos. observados nestas bacias. Essas são áreas problemá-
ticas em termos de água de superfície.

Áreas de solos pobres originados Os baixos teores de ferro, a baixa fertilidade natural e Requerem uma melhor atenção quanto às práticas
de rochas graníticas (Fig. 37) a pouca profundidade dos solos em geral (em relação de conservação, pois os solos são muito sujeitos à
aos do próximo domínio) tornam o comportamento erosão. Desde a erosão em sulcos até voçorocas. Tem-
hídrico das pequenas bacias intermediário entre o de se como exemplo a região de Cachoeira do Campo,
Latossolos de relevo acidentado e o de solos rasos de MG.
rochas pelíticas (pobres) e quartzíticas.

Latossolos e cambissolos argilosos Os solos têm um poder tamponante hídrico eficien- A baixa fertilidade dos solos associada ao relevo aci-
profundos em relevo acidentado te. Apresentam uma riqueza muito grande de águas dentado dificulta a implementação de uma agricultura
de superfície (pequenos córregos). Os cambissolos pujante com uso intensivo da mecanização, à seme-
têm menor espessura do horizonte B. São mais ins- lhança do que ocorre no Planalto Central. Por outro
táveis e sujeitos à erosão mais intensiva. Apresen- lado, a abundância de água (pequenos córregos) pro-
tam normalmente cor rosada. picia a sobrevivência de inúmeras pequenas proprie-
dades. Nas áreas mais ricas, normalmente as mais quen-
tes, predominam propriedades de tamanho maior
(pecuaristas).

FONTE: Resende (1997).

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88 Manejo de microbacias

mas unidades de ambientes agrícolas, as


pedopaisagens (Fig. 38).
Essas pedopaisagens foram utilizadas
por Gomes (1986) para identificação dos
condicionantes à modernização do pe-
queno agricultor na Zona da Mata mineira.
Nesse estudo conclui-se que as terras dos
pequenos agricultores, por estarem neces-
sariamente próximas a cursos d’água, são
melhores do que a dos grandes; a disponi-
bilidade de terra em quantidade faz com que
sejam utilizadas áreas mais frágeis pelo pe-
queno do que pelo grande agricultor. O fato
de os pequenos agricultores terem propor-
Figura 35 - O baixo poder tamponante dos solos rasos de rochas pelíticas facilita o
fluxo superficial e a erosão superficial intensiva cionalmente mais áreas de várzeas do que
os grandes, faz recair sobre eles, que não
têm outras opções, já que o montante de
terra é pequeno, o ônus de qualquer legis-
lação restritiva ao uso das várzeas; e tam-
bém das áreas mais íngremes, já que, por
não terem muita terra e haver baixo retorno,
têm que utilizar ao máximo para não se afas-
tarem muito dos limites de sobrevivência.
Essas mesmas pedopaisagens foram
usadas (Moreira et al., 1982 e Pimentel et
al., 1982) para estudar a composição florís-
tica, produção de massa de forrageiras,
mostrando uma variação pronunciada tan-
to numa como noutra. Esses fatos ilustram
as diferenças de potencialidades a peque-
Figura 36 - Nos domínios dos Latossolos e Areias Quartzosas (Neossolos Quartzarênicos)
nas distâncias.
de relevo plano a suave ondulado, os cursos d’água (córregos e rios) são
mais espaçados Qual seria a implicação desses fatos
NOTA: A instabilidade das bordas põe em risco as bacias a jusante.
para uma política de assentamento?
Quanto ao dimensionamento da área há
algo muito importante. É nas propriedades
menores, por razões óbvias, que o uso é mais
intensivo. É aí que fica mais difícil deixar
por muito tempo a vegetação natural cres-
cer no pousio antes de novo ciclo de culti-
vos; é também onde as áreas mais instáveis
precisam ser usadas por menos que elas
ofereçam de retorno.
Uma pergunta pertinente é: como iden-
tificar essas áreas instáveis e como as po-
líticas públicas poderiam ajudar nesse
problema difícil?
Quanto à primeira pergunta, o uso de
identificadores simples de campo ou o exa-
me visual puro e simples resolve a questão.
As áreas íngremes, as mais instáveis, têm
o sólum (soma dos horizontes A e B) mui-
Figura 37 - Aspectos inerentes às paisagens de solos de rochas graníticas to estreito. Assim, fauna como térmitas e
NOTA: O comportamento hídrico é intermediário entre os Latossolos de relevo acidenta- formigas trazem com facilidade o material
do e os solos rasos de rochas pelíticas (pobres). róseo do horizonte C fazendo um belo e
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Manejo de microbacias 89

conspícuo contraste com a coloração mais


amarelada do horizonte B. Além disso, o Topo
Íngreme
fato de tanto a curvatura como o perfil da Convexa
Côncava
pedopaisagem íngreme serem lineares,
facilita a identificação.
A sociedade tem grande interesse na
manutenção da cobertura vegetal nas áreas
mais instáveis, para proteger as águas, a
diversidade etc. Interessa também para ela
manter o agricultor no seu vale, longe do
caos da cidade grande. A solução talvez ço
pudesse ser a de evitar que muito recurso erra
T
para proteção ambiental se perdesse nos
emaranhados da burocracia e fosse direta-
mente para os executores, que são os agri-
cultores. Não há, por exemplo, lógica em Figura 38 - Pedoformas: íngreme, topo, côncava etc.
esperar que o agricultor vá gastar os seus
recursos parcos (que quase não dão para
sobrevivência) para comprar arame e cercar
as áreas íngremes para proteção ambiental,
sem retorno nenhum para ele, que não tem Problemas Redução
recursos sobrando. E, mais, se a pressão
continuar (ou até mesmo sem continuar), a
tendência é que, cedo ou tarde, ele e sua
família abandonem a área rural e vão para a Atitude
cidade grande. Isso irá trazer um custo mui-
to alto para a sociedade. Cabe à sociedade
decidir onde é mais sábio aplicar recursos.
Para as considerações gerais a respeito Convivência
de alguns grandes ambientes (domínios)
são apresentados alguns exemplos ocor-
Figura 39 - Diante de um problema é preciso tomar uma atitude, adotar práticas de
rentes, por exemplo, em Minas Gerais, no convivência ou de redução
Quadro 1.

Práticas de convivência e de çar sucesso na transferência de algumas a indústria venha também, por via biológi-
redução tecnologias. Na sua maioria, existe uma resis- ca, a criar uma dependência por todos os
Dentro da visão da sustentabilidade é tência às técnicas que exigem alto investi- méritos indesejáveis. As relações entre in-
preciso encarar de frente os problemas que mento sem um retorno garantido. A seguran- dústria e agricultura têm sido muito desvan-
afetam os assentados, desde os de ordem ça prevalece sobre o lucro incerto. Percebe- tajosas para a segunda. A margem de lucro
ambiental, do uso dos recursos da terra e até se que somente nas culturas industriais há para a agricultura caiu muito com a indus-
os de ordem social. Diante de um problema adoção de tecnologias mais avançadas, trialização, em particular nos países em de-
é preciso tomar uma decisão: ou reduzi-lo como o uso da adubação química, ainda que senvolvimento. A exclusão social é um bom
(práticas de redução) como, por exemplo, o parcial, como no caso do café. Nas outras, indicador disso. Um processo que exclui so-
uso de adubação se o solo é pobre; ou con- consideradas culturas brancas (milho, arroz, cialmente uma grande massa, contribuindo
viver com ele, como o uso de plantas adap- feijão), com retorno financeiro incerto, as para uma distribuição de renda assustadora,
tadas a solos de baixa fertilidade – práticas práticas de convivência predominam. O fa- deve ser repensado como modelo a ser se-
de convivência (Fig. 39 e Quadro 2). tor segurança deve sobrepor-se ao risco. guido. Não importam valores de Produtos
O pequeno agricultor ao longo dos anos As práticas de redução (Quadro 2) são Internos Brutos (PIBs), produtividade,
desenvolveu, em razão dos parcos recursos tipicamente químico-mecânicas; as de con- exportação, tecnologia de ponta etc., tudo
financeiros de que dispõe, uma tecnologia vivência têm um maior ingrediente bioló- indica que este modelo não é sustentável.
alternativa, denominada de práticas de con- gico. No entanto essa distinção pode não Em um estudo conduzido numa micro-
vivência (Quadro 2). Daí, talvez, a maior di- ficar assim tão clara. É essa a discussão bacia no Sul do Espírito Santo (Lani et al.,
ficuldade de a extensão rural no Brasil alcan- atual dos transgênicos. Há o perigo de que 1995) (Fig. 40), em um universo de 17 agri-
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90 Manejo de microbacias

cultores, com uma área média de 19 hecta- QUADRO 2 - Classificação de práticas agrícolas de redução e convivência para algumas limitações
res, tendo a propriedade de maior tama- Limitação Práticas de Redução Práticas de Convivência
nho 55 hectares (Quadro 3), os agriculto-
res adotam práticas simples para a solução Nutrientes Adubação, calagem, gessagem Espécies e variedades; cultivo itinerante
dos seus principais problemas. Assim, por Água Irrigação Espécies e variedades, plantio de sequeiro, época
exemplo, utilizam a várzea em pastagem de plantio, cultivo em faixas, cobertura morta
natural ou antecipam o plantio de arroz Oxigênio Drenagem, plantio em camalhão Espécies (arroz) e variedades (ecótipo)
(agosto) para que a colheita desta cultura Erosão Terraços de vários tipos Cultivo em contorno, cultivo em faixas, cober-
ocorra antes das prováveis chuvas de ja- tura do solo, rotação de culturas, barreiras (plan-
neiro (Quadro 4). A prática de convivên- tas, rochas etc.)
cia, solução ou amenização do problema Mecanização Nivelamento, terraços, retirada de Uso da tração animal ou manual, ajuste no ta-
com o menor investimento possível, é usa- pedras, destruição de termiteiros manho das rodas etc.
da pelos agricultores em quase todas as Temperatura Cobertura morta, sombreamento, Espécies e variedades, época e profundidade de
suas atividades agrícolas. Isto é perceptí- antigeada, estufa semeadura, exposição do solo
vel não somente no exemplo anterior, como Radiação Estufa, sombreamento, pintura Espécies e variedades, época de plantio
também no cultivo de siratro (Macroptilium branca (incrementando o albedo)
atropurpureum cv. Siratro) como recupera- Gás carbônico Direção do vento, decomposição Espécies e variedades, espaçamento
dor do solo e para a venda de sementes. O biológica
ataque de morcegos aos porcos é controla-
Ventos Quebra-ventos, alinhamento Espécies e variedades, operações agendadas para
do por meio de espinhos (bráctea) da bre- os períodos mais calmos do dia
jaúba (Astrocarium vulgare Mart.), cujo
FONTE: Dados básicos: Resende et al. (1999).
cacho é pendurado nas instalações. Os
espinhos de diferentes tamanhos confun-
dem a orientação dos morcegos. No perío-
do frio, os agricultores aquecem os porcos
com a abertura de socavões no barranco,
que são, por sua vez, cercados por lona
plástica de cor preta. O sal mineral comer-
cial para bovinos é substituído por uma
mistura de cinzas de sabugo de milho, pau-
d’alho (Gallezia scorodendron Casar.) e
sal comum, na proporção de 1:1:5. Preferem
plantar o cafeeiro na face noruega (maior
sombreamento na parte da tarde) para re-
duzir o déficit hídrico. Na piscicultura, ale-
gam que cobras comem os peixes e, por
não terem achado uma solução eficiente,
preferem abandonar a atividade. Figura 40 - Representação esquemática da microbacia do Córrego da Brisa, Alegre,
As práticas de convivência podem ser (ES), com aspectos do relevo e da erosão
bem criativas. Viver com o que se tem, de-
pendendo o mínimo de recursos externos,
QUADRO 3 - Distribuição das propriedades por área na microbacia Córrego da Brisa, Alegre (ES)
sempre muito caros em relação aos produ-
tos da produção primária, pode ser o em- Propriedades
Área
brião de futuras relações homem-natureza. (ha)
Unidade %
Há quem afirme que o modelo atualmente
em alta, com muitos insumos, muito gasto <10 4 24
de energia, não seja sustentável quando 10-20 6 35
houver maiores pressões por recursos. 20-30 5 28

Critérios de seleção 30-40 1 6


de áreas ≥40 1 6
A desapropriação das terras passa por Total 17 100
um longo processo. As formas de se chegar FONTE: Lani et al. (1995).

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Manejo de microbacias 91

QUADRO 4 - Práticas adotadas pelos agricultores da microbacia do Córrego da Brisa, Alegre (ES), como, por exemplo, o associativismo, tão
como enfrentamento dos problemas encontrados
necessário no sucesso dos assentamentos,
Problemas encontrados Práticas adotadas ou ainda mesmo amenizar outros, como a
tendência ao extrativismo, ao espírito aven-
Erosão laminar (Horizonte A) Plantio das lavouras em contorno e cultivo de leguminosas como tureiro e à busca de frutos imediatos. É muito
o siratro. Associam proteção do solo e atividade econômica. importante que nós, os técnicos, tenhamos
cuidados especiais para evitar a simplifi-
Colmatagem das várzeas Uso de pastagens naturais nas várzeas (brachiária) e plantio de
cação excessiva dos problemas, natural-
arroz com antecedência suficiente para ser colhido antes das
mente complexos e rebeldes às generaliza-
primeiras chuvas de verão.
ções simplistas. Essa simplificação exces-
Ataque de morcegos aos porcos Uso de espinhos (brácteas) de brejaúba com diferentes tamanhos siva tem alimentado a legislação genérica,
confundem a orientação dos morcegos. pouco contextualizada, como, por exemplo,
a proibição de plantio em terrenos aciden-
Baixas temperaturas Uso de socavões nos barrancos, cercados de lonas de plástico preto. tados, independente de serem eutróficos
(ricos) ou distróficos (pobres); a proibição
Deficiências de minerais no gado Uso de cinzas de sabugo de milho, pau-d’alho e sal comum (1:1:5). de cultivo nos leitos de rios, mesmo que
seja no semi-árido etc. É, aparentemente,
Déficit hídrico Plantio, especialmente do café, nas vertentes de face noruega uma legislação feita sem considerar as con-
(maior sombreamento). dições peculiares. Por alguns desses crité-
FONTE: Lani et al. (1995). rios, até as videiras do vale do rio Reno (em
solos bem declivosos) seriam proibidas.

à propriedade-alvo são as mais diversas. Dentro deste conceito serão abordadas as Critérios de seleção de
Vão desde o uso de dados cadastrais exis- inter-relações entre os assentados, os téc- assentados
tentes no Instituto Nacional de Coloni- nicos que os orientam, o papel da sociedade Neste aspecto não há uma seleção ade-
zação e Reforma Agrária (Incra), prove- e as políticas públicas implementadas. quada. As famílias dos assentados são
nientes da declaração do proprietário, até originadas de acampamentos coordenados
informações da própria sociedade ou dos Aspectos gerais por movimentos sociais. O Incra, após de-
movimentos organizados. Neste processo Em conversa com técnicos do Incra, sapropriar as terras, procede ao cadastra-
verifica-se a localização do imóvel, área, todos demonstraram certa preocupação mento das famílias e seleciona-as por meio
benfeitorias, relevo, uso do solo e outras com os aspectos humanos. Há preocupa- do Sistema de Informações de Projetos de
características afins. De posse destes da- ção sobre o relacionamento entre os assen- Reforma Agrária (Sipra). Neste processo
dos, é feita uma avaliação de acordo com tados, entre estes e as lideranças do Movi- de seleção considera-se, por exemplo, se o
as declarações do proprietário, o grau de mento dos Sem Terra (MST), e entre eles e candidato já foi contemplado em outros
utilização e sua eficiência de uso. Caso ha- os próprios técnicos do Incra. Desse modo, assentamentos, qual a causa pela qual aban-
ja indicativo de improdutividade, é consti- parece conveniente um esforço para estu- donou a terra, idade, tamanho da família,
tuída uma equipe técnica para apurar a dar alguns aspectos do perfil psicológico mão-de-obra familiar e outros.
veracidade dos dados. A partir desta ava- das pessoas envolvidas.
liação inicia-se o processo de desapropria- Segundo a análise de Holanda (1973), Planejamento das atividades
ção. Deve-se informar que nem todo imóvel herdamos dos ancestrais portugueses alguns para os assentados
improdutivo é desapropriado, pois nem traços que delineiam as tendências da nos- Os técnicos do Incra do Espírito Santo
todos são aptos para o assentamento de sa personalidade coletiva (Quadro 5). Há e Minas Gerais relatam que, na determi-
trabalhadores rurais sem terra, devido a fa- algumas características que poderiam ser nação do módulo rural, levam em conside-
tores como relevo, fertilidade dos solos, dis- consideradas positivas, enquanto outras ração a área necessária para a sobrevivên-
ponibilidade de recursos hídricos e outros. negativas. Muitos poderiam divergir quan- cia de uma família nuclear composta de
to ao valor de algumas delas, mas é prová- cinco membros. Esta área varia de acordo
ASSENTADOS, TÉCNICOS, vel que haja uma certa convergência quan- com a qualidade das terras (aptidão agrí-
SOCIEDADE E to à aceitação de o que Holanda identificou cola), clima, atividades que podem ser
POLÍTICAS PÚBLICAS com maestria como as principais caracte- desenvolvidas naquele ambiente, como
Dentro da visão tetraedral, na qual são rísticas médias de nossa gente. Assim, olerícolas, fruticultura etc.
abordados os aspectos de solo, clima, orga- podem-se, através destas características, As atividades dos assentados nessas
nismos (plantas), o homem é o princi- trabalhar aquelas que são mais importantes terras dependem do Plano de Desenvol-
pal agente e objeto de todo este processo. dentro do objetivo dos assentamentos, vimento Sustentável do Projeto de Assen-

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92 Manejo de microbacias

tamento (PDA), instrumento hábil ao licen- as devidas adequações e simplificações tacional no valor de R$2.500,00.
ciamento, levando-se em consideração a (Passos, 2000). A microbacia, mais do que qualquer
aptidão agrícola das terras, culturas comu- O financiamento das atividades é obtido outra unidade geográfica, presta-se a sub-
mente trabalhadas na região (por exemplo: através de programas especiais como o sidiar a integração de atividades. Isso não
café) etc. Todas as etapas são discutidas antigo Programa de Crédito Especial para é um problema menor. O homem brasileiro
com as lideranças e os assentados, sem a Reforma Agrária (Procera), atual Progra- (Quadro 5) tem particular dificuldade em asso-
perder de vista que a escolha deve cair nas ma Nacional de Fortalecimento da Agri- ciar-se. Tanto faz esteja nas cidades ou no
atividades econômicas de maior rentabi- cultura Familiar (Pronaf), o qual mantém campo, há uma ênfase quase exclusiva no
lidade e de menor impacto ao meio ambien- algumas linhas de crédito tais como: crédito livre arbítrio e no individualismo. Há des-
te. Deve-se ressaltar que o potencial impac- custeio e investimento: R$9.500,00 como confiança e medo do risco. A microbacia,
tante de um assentamento é infinitamente teto/família, sendo que o investimento é como visto, tende a integrar a comunidade,
menor que o potencial de uma hidrelétri- exclusivo para as atividades produtivas; facilitando a aceitação da colaboração. O
ca ou de uma jazida de minério. O modelo crédito instalação: para aquisição de alimen- poder público pode atuar eficientemente
de licenciamento ambiental previsto para tos, sementes, ferramentas, pequenos ani- como catalizador e organizador dessas ativi-
esses empreendimentos não pode ser apli- mais (fomento), no valor de R$1.000,00 por dades colaborativas. É provável que como
cado aos projetos de assentamentos sem família e recursos para a construção habi- estratégia esses processos devam começar
com bases simples, objetivos diretos, para
ir-se, pouco a pouco, ampliando. A tutela
QUADRO 5 - Características mais e menos acentuadas do brasileiro médio
inicial do poder público deve ir gradati-
Mais acentuada Menos acentuada vamente cedendo lugar à própria comu-
nidade. No entanto, o nosso atavismo ao
Culto à personalidade Solidariedade e organização individualismo é tão pronunciado que o
Disciplina centralizada Hierarquia organizada acompanhamento pelo poder público deve
permanecer por um tempo longo.
Livre arbítrio e individualismo Associativismo É difícil listar casos específicos ou ati-
Contemplação e amor Culto ao trabalho
vidades a serem assistidas pelo poder
público, pois diversas opções alternativas
Amor à frase sonora, ao verbo espontâneo Amor às expressões simples e essenciais podem ser propostas para uma mesma
oportunidade ou para solucionar um mes-
e abundante, à erudição extensiva
mo problema. Numa tentativa de colaborar
Plasticidade social Orgulho de raça neste assunto, está sendo proposta, adap-
tado de Stocking et al. (2000) uma lista de
Prestígio pessoal mais que hereditário Respeito ao formalismo nobiliárquico
questões fundamentais relacionadas com
Tendência ao extrativismo, espírito Tendência à atividade estável (trabalho paciente, o desenvolvimento que possibilita ao ana-
aventureiro (frutos imediatos) frutos nem sempre imediatos) lista uma primeira idéia para exercitar o
planejamento das atividades para os as-
Tendência à anarquia e à desordem Hierarquia e ordem
sentados. Estas questões consideradas
Amor ao livre arbítrio Organização espontânea como tópicos relevantes para o desenvol-
vimento de atividades para os assenta-
Saber como um fim em si mesmo Saber para modificação do mundo mentos agrícolas são:
Audácia, imprevidência, irresponsabilidade, Estabilidade, prazo, segurança pessoal, esforços a) O projeto/atividade irá beneficiar o
instabilidade, vagabundagem sem perspectiva de rápido proveito material pequeno agricultor?
Indolência e prodigalidade Trabalho e parcimônia b) A atividade é fácil de ser empreendi-
da pela clientela-alvo?
Ânsia de prosperidade sem custo, de títulos Esforço contínuo e moroso
c) O projeto/atividade está dando im-
honoríficos, de posições e riquezas fáceis portância às técnicas de convivência
Versatilidade Ordem, constância e exatidão
com poucos insumos ou ausência
de insumos externos?
Amor à aventura e ao nomadismo Amor à agricultura
d) A atividade está contribuindo com
Simplificação excessiva dos problemas e Estudo minucioso e moroso dos problemas, alguma forma de diversificação que
eleição de falsas soluções salvadoras aceitando a sua complexidade não acrescente riscos para o peque-
FONTE: Dados básicos: Holanda (1973). no agricultor?
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Manejo de microbacias 93

e) Como a atividade irá afetar o empre- com o comércio. Conseqüentemente, tem- brasileiros ligados à agropecuária têm tido,
go? se que procurar um equilíbrio no meio ao longo da história, uma participação algo
f) Como a atividade irá afetar o bem- termo, entre um programa imposto e um alienada, muito simplista em relação aos
estar dos agricultores? programa de apoio à comunidade. problemas (Quadro 5).
Para cada caso específico ou atividade Os campos de cultivo da pequena agri-
g) Pode a atividade contar com armaze- de assentamento agrícola, as implicações cultura são pequenos, aquém de possibili-
namento para os produtos agrícolas, globais devem ser consideradas, especial- dades razoáveis de mapeamento. Assim, a
em caso de excesso? mente as ligações potenciais entre o ganho construção de chaves simplificadas de am-
h) Pode a atividade contar com orga- de um pequeno projeto e o seu efeito em bientes com o uso de indicadores facilmen-
nização para transporte e comercia- outros assuntos do desenvolvimento. te perceptíveis pelas comunidades locais
lização? poderia ser uma ferramenta preciosa de
i) A atividade irá suportar um grande Técnicos comunicação entre técnicos e comunida-
número de usuários de terras rurais? Os técnicos relacionados com os assen- des, facilitando a participação direta, e,
j) A biodiversidade natural estará amea- tamentos, nas suas várias modalidades, muito importante, a descentralização de
çada? são, de certa forma, os intermediários entre decisões, evitando que estas sejam toma-
o campo e a cidade, entre a sociedade ru- das unicamente longe da situação real.
k) A atividade/projeto estará aumen-
ral e a urbana, entre o rural e o citadino. A É possível que, nos tempos atuais,
tando a variabilidade de uso da terra?
desvinculação entre uma e outra, forman- quando há mais aberturas para a análise
l) Em que extensão o pequeno agricul- do na sociedade dois conjuntos quase mais profunda, mais holística, haja neces-
tor será beneficiado em termos de disjuntos em muitos aspectos, enfatiza a sidade de um maior envolvimento dos
produção de alimentos? gravidade da situação. É neste contexto que técnicos na orientação das políticas públi-
m) Quais outras atividades serão me- o técnico atua. O poder político do campo, cas, visando o bem-estar da sociedade rural
lhoradas? por exemplo, através dos chamados barões e urbana: a sustentabilidade.
n) Estará havendo alguma contribuição do café (e esse título parece aplicar-se me-
em termos de acréscimo de número lhor aos citadinos que lucravam com o Sociedade e políticas
de pequenas empresas? comércio do café do que aos fazendeiros públicas
propriamente ditos), já não existe mais. Tudo é um balanço de custos-bene-
Uma adaptação da distinção de Werner
Hoje, a construção civil, as indústrias, os fícios. Cabe à sociedade atual decidir que
(1981) entre Programas de Apoio à Comuni-
bancos e o comércio têm domínio completo modelo seguir, que esforço ou empenho
dade e Programas de Imposição à Comuni-
da situação. Eles elegem e ditam a política. deve empregar nos vários setores das ativi-
dade pode contribuir com este dilema:
Para a sociedade não houve grande dife- dades para que otimize as relações homem-
a) programas de apoio à comunida- rença, exceto pelo fato de o caos estar nas natureza. As decisões da sociedade e a ela-
de: são aqueles programas que in- grandes cidades. boração de políticas públicas dependem
fluenciam o bem-estar da comuni- Além das pressões das entidades cita- das informações geradas na fonte dos pro-
dade a longo prazo e ajudam-na a das, há também um certo descompasso no cessos. Cabe, assim, aos técnicos informar
auto-afirmar-se. Programas que ge- papel que os técnicos representam. As bem para que as decisões com os menores
nuinamente encorajam responsabi- políticas públicas para o setor têm sido riscos e com maiores chances de otimização
lidade, iniciativa, tomada de decisão tímidas e freqüentemente mal orientadas. tenham precedência. Num sistema com-
e autoconfiança da comunidade; Houve, por exemplo, nas décadas de 60 e plexo, como são os agroecossistemas, en-
b) programas impostos à comunida- 70, uma ênfase demasiada no modelo de volvendo os recursos naturais e o próprio
de: são fundamentalmente autoritá- agricultura empresarial, visando à expor- homem, não é possível uma só pessoa ter
rios, paternalistas ou estruturados e tação. Isso excluiu a maior parte dos agricul- visão completa para sugerir uma legislação
conduzidos de forma que encoraje tores brasileiros. A comunidade técnica consistente sobre determinado setor. Há
grande dependência, servilismo e assinava todo esse processo sem contra- necessidade de discussão de argumentos
aceitação passiva de regulação e de- dizer, argumentar ou discutir. Nesse proces- prós e contras, de estudos conscienciosos
cisões externas e que a longo prazo so, até entidades fundamentais referentes e, sobretudo, de coerência lógica nas análi-
minam o dinamismo da comunidade. aos pequenos agricultores, como a Em- ses. O número de variáveis, a dificuldade
Por outro lado, há uma diminuta chance presa Brasileira de Assistência Técnica e de extrapolação de relações no tempo e no
de que todos os pequenos agricultores pos- Extensão Rural (Embrater), foram elimi- espaço e o surgimento de propriedades
sam, por eles mesmos, resolver seus pro- nadas, num demonstrativo da pouca im- emergentes, além de um grande número de
blemas. Assentar pequenos agricultores é portância dada à pequena agricultura. relações qualitativas e catastróficas (por
uma tarefa difícil. A agricultura não pode Nenhuma dessas iniciativas foi tomada sem exemplo, eventos climáticos ou fitossani-
competir fortemente com a indústria ou algum suporte técnico. Assim, os técnicos tários; além, é óbvio, dos de mercado) tor-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.82-94, nov./dez. 2000


94 Manejo de microbacias

nam as predições muito problemáticas. Para - a grande dificuldade que temos para o MOREIRA, J.O.; NASCIMENTO JÚNIOR, D. do;
minimizar esses problemas, além do estudo associativismo exige uma atuação do po- RESENDE, M.; CÂNDIDO, J.F.; LUDWIG,
A. Eficiência de parâmetros quantitativos na
minucioso, há absoluta necessidade de der público no estímulo e tutela cuidado-
avaliação das pastagens naturais das unidades
ouvir e envolver as comunidades locais, sa desse processo. de pedopaisagens côncava e convexa, no
vivenciadoras e executoras finais de quais- município de Viçosa – MG. Revista da Soci-
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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.82-94, nov./dez. 2000


Manejo de microbacias 95

Tratamento de esgotos em áreas rurais


Cláudio Milton Montenegro Campos 1

Resumo - Conceitua-se poluição hídrica de lagos, rios, lençóis freáticos e subterrâneos.


São mencionados os principais tipos de sistemas de tratamento de esgotos que, pela
simplicidade construtiva e operacional, se adaptam às necessidades do meio rural.
Descrevem-se as vantagens do processo anaeróbio sobre o aeróbio em termos ener-
géticos e de manutenção. Abordam-se as etapas de dimensionamento com cálculo
esquemático de fossas sépticas e de câmara única utilizando como pós-tratamento
filtro anaeróbio. Descreve-se a operação e a sua importância no contexto ambiental.

Palavras-chave: Poluição; Processo anaeróbio; Fossa-séptica; Filtro anaeróbio; Sistema


de tratamento.

INTRODUÇÃO POLUENTES MAIS COMUNS alimentícia, curtume, laticínio, matadouro,


abatedores de aves etc.
Todas as águas servidas são também Dentre os poluentes mais comuns, te-
Dentre as substâncias inorgânicas fa-
denominadas esgotos ou águas residuá- mos: matéria orgânica, substâncias inor-
rias, por possuírem em sua composição gânicas, substâncias tóxicas, sais não tó- zem parte os sólidos em suspensão inertes,
resíduos sólidos, tanto em suspensão co- xicos e substâncias antiestéticas. A maté- siltes, argilas, óleos minerais, resíduos de
mo dissolvidos. São de origem doméstica, ria orgânica normalmente pode causar a mineração. Estes compostos provocam
industrial, agroindustrial e agrícola. Estas desoxigenação da água do corpo receptor. turbidez que reduz ou, muitas vezes, anula
águas, quando lançadas diretamente sem Isso ocorre através da decomposição da a penetração dos raios solares, impedindo
qualquer tratamento, poderão afetar de ma- matéria orgânica que se dá via microrga- assim a fotossíntese de plantas aquáticas
neira adversa as microbacias, o solo, os nismos aeróbios (que dependem do oxigê- e algas. Os sólidos (particulados) decan-
lençóis subterrâneos, os corpos d’água nio), anaeróbios (que não dependem de táveis depositam-se sobre os mais diversos
receptores etc. Caso tais mudanças alte- oxigênio), e facultativos (que funcionam organismos vivos atrapalhando, muitas
rem a qualidade da água para o seu uso como aeróbios ou anaeróbios) presentes vezes, suas atividades biológicas.
mais nobre, é dito que esta foi poluída. Por- na água. Existem várias substâncias tóxicas que
tanto, qualquer alteração física, química ou A queda do oxigênio depende de fato- afetam a vida aquática. Dentre elas os me-
biológica das propriedades da água, con- res físicos inerentes aos corpos d’água, tais pesados, ácidos, álcalis, pesticidas etc.
correndo para degradação da sua qualidade que afetam irreversivelmente a fauna e flora Os metais pesados como, por exemplo, mer-
é denominada poluição hídrica. aquática. Quando a quantidade de matéria cúrio, zinco, cobre e muitos outros, podem-
O conceito legal no Brasil está vin- orgânica introduzida ultrapassa a capaci- se tornar letais devido à capacidade que
culado ao Decreto Federal 50.877, 29 de dade de autodepuração do corpo d’água, possuem de formar compostos estáveis, os
junho de 1961, artigo 3o, em que se lê: “Po- a deteriorização poderá chegar a níveis quais podem permanecer na cadeia alimen-
luição hídrica é qualquer alteração das pro- anaeróbios (falta de oxigênio livre no meio), tar.
priedades físicas, químicas ou biológicas causando assim aspectos desagradáveis, A variação do pH pode causar variação
das águas, que possa importar em pre- como escurecimento do líquido, produção de toxidez em meios ricos em compostos
juízo à saúde, à segurança e ao bem-estar de gases malcheirosos, principalmente o nitrogenados. Caso o pH caia, a amônia
das populações e ainda comprometer a gás sulfídrico (H2S), responsável pelo odor tende a permanecer no meio aquoso como
utilização para fins agrícolas, industriais, característico de ovos podres. amônia livre (NH3 ), sendo muito mais tóxi-
comerciais, recreativos e, principalmen- Os principais poluentes orgânicos são: ca que em sua forma iônica (NH4+), a qual
te, à existência normal da vida aquática” esgotos humanos, dejetos de animais, efluen- prevalece em condição alcalina (pH ele-
(Pompeu, 1976). tes não tratados de agroindústrias, como: vado). O acúmulo de sais não tóxicos em

1
Engo Civil, Ph.D. Engenharia Sanitária e Ambiental, Prof. Adj. UFLA-DER, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras-MG. E-mail:
cmcampos@ufla.br

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96 Manejo de microbacias

corpos d’água, oriundos de águas servi- crorganismos (inóculo) é introduzida na população correspondente. Sabe-se que
das, traz sérios problemas ao reuso destas amostra, a fim de se determinar o percen- a contribuição por pessoa, em termos de
águas. Sais como o cloreto de sódio (sal de tual da matéria orgânica biologicamente DBO, é de 54g/pessoa.dia. Portanto, pode-
cozinha) e outros, não são retidos em trata- degradável. Esta última análise determina, se avaliar, a partir dos dados das agroindús-
mentos de águas e esgotos convencionais, de maneira mais acurada, a eficiência dos trias, o equivalente populacional orgânico
podendo prejudicar, quando em altos teo- sistemas de tratamento biológico. Quanto (EPO).
res, a utilização das águas para fins domés- maior for a relação DBO/DQO de uma deter-
ticos, comerciais, industriais e agrícolas. minada água residuária, mais facilmente Exemplo 1
Os fosfatos e compostos nitrogenados este efluente líquido será tratado biologi- Uma indústria de laticínio, a qual proces-
são os maiores responsáveis pelo fenô- camente. sa empacotamento de leite e sorvetes, utili-
meno de eutrofização, ou seja, excesso de za para tais operações cerca de 120.000kg de
nutrientes, os quais colaboram diretamen- Caraterísticas de leite por dia. A quantidade de água residuá-
te para o crescimento exagerado de algas. efluentes industriais e ria produzida diariamente é de 250m3/dia,
Os fosfatos normalmente são originados agroindustriais e a concentração de DBO, medida neste
de detergentes sintéticos e também do es- Dentro das mais variadas indústrias e efluente líquido é de 2.500mg/L. Qual o
coamento superficial de solos agrícolas agroindústrias existe uma variação do equivalente populacional orgânico (EPO)
fertilizados quimicamente. O mesmo ocorre potencial poluidor, medido em termos de da produção de esgoto diária?
com o nitrogênio amoniacal, normalmente DQO e DBO. O Quadro 1 mostra diversas
proveniente de fertilizantes agrícolas, trans- agroindústrias e indústrias e suas respecti- 250m3 / d x 2.500mg / L
EPO = = 11.574 pessoas
portados aos corpos receptores através de vas análises de DBO, DQO, Sólidos Sus- 54g / pessoa.dia
escoamento superficial. pensos e Óleos e Graxas.
A presença de substâncias antiestéti- Exemplo 2
Nos exemplos 1 e 2 a seguir, é quan-
cas que causam mudança de cor, formação
tificada a poluição de um laticínio e um Um frigorífico processa 700.000kg de
de espumas, acentua o odor e o gosto, pode
matadouro, respectivamente. A poluição carne por dia. O sangue e as víceras são
ser nociva à saúde e prejudicar direta ou
produzida é então comparada ao de uma convertidos através de autoclaves em in-
indiretamente a vida aquática. Estas subs-
tâncias são, na sua maioria, compostos in-
dustriais complexos provenientes de lava- QUADRO 1 - Características de efluentes industriais e agroindustriais
ção, esterilização etc.
DBO5 Sólidos suspensos
Agroindústrias e Vazão DQO Graxas
indústrias (m3/d) (mg/L) (mg/L)
QUANTIFICAÇÃO mg/L kg/dia mg/L kg/dia
DA MATÉRIA ORGÂNICA Carne 10.000 1.300 13.000 960 9.600 2.500 460
Neste trabalho apenas o tratamento da Óleo de soja 3.980 220 880 140 560 440 _
matéria orgânica será abordado. Borracha 1.580 200 310 250 390 300 _
Sorvete 1.150 910 1.050 260 300 1.830 _
Demanda Química de
Queijaria 917 3.160 2.900 970 890 5.600 _
Oxigênio (DQO)
Metais 900 8 7 27 24 36 _
O teste de DQO é amplamente utilizado
Carpete 858 140 120 60 51 490 _
para caraterizar a quantidade de matéria
orgânica em águas residuárias e também Doces 814 1.560 1.270 260 210 2.960 200
em corpos d’água naturais. De maneira su- Motores 779 30 23 26 20 70 _
cinta o teste mede a quantidade de oxigênio Batata frita 753 600 450 680 510 1.260 _
requerido para oxidar quimicamente a ma- Farinha 693 330 230 330 250 570 _
téria orgânica de uma amostra, em dióxido Laticínio 543 1.400 760 310 170 3.290 _
de carbono e água. Lavanderia 417 700 290 450 190 2.400 520
Farmacêutica 339 270 91 150 50 390 160
Demanda Bioquímica de
Oxigênio (DBO) Produção de ovos 294 200 59 310 90 450 _
Carnes 174 270 47 60 10 420 _
Semelhante ao DQO, o teste de DBO
também mede a quantidade de matéria Refrigerantes 133 480 64 480 64 1.000 _
orgânica, todavia, apenas a parte biode- Engarrafamento de leite 106 230 24 110 12 420 _
gradável. Neste teste, uma colônia de mi- FONTE: Dados básicos: Hammer (1986).

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Manejo de microbacias 97

gredientes para ração animal. A gordura é Neste artigo será dado ênfase ao siste- adotadas. Para Dacach (1979) e Pessôa &
recuperada e vendida como sebo para fábri- ma de fossas sépticas, com pós-tratamento Jordão (1982), este processo patenteado
cas de sabão. Os dejetos indesejáveis (resí- utilizando-se filtros anaeróbios. há mais de um século deverá perdurar por
duos estomacais e esterco) são tratados mais um outro, como solução econômica
de forma tercerizada. O frigorífico gera um Fossas sépticas (tanques sépticos) para residências isoladas. Dentre as vanta-
volume de água residuária de 6.200m3/dia, As fossas sépticas são classificadas co- gens das fossas sépticas, pode-se destacar,
com concentração de DBO de 2.450mg/L. mo tanques decantadores e, conforme dito entre outras, a sua utilização como trata-
Como se calcula o equivalente populacional anteriormente, fazem parte do processo de mento primário, podendo seu efluente ser
orgânico (EPO)? tratamento primário de águas residuárias. disposto diretamente no solo através de:
A sedimentação ou decantação é uma infiltração lenta (irrigação), infiltração rápi-
6.200m3 / dia x 2.450mgDBO5 / L operação física de separação de partículas da (reabastecimento da água subterrânea),
EPO = = 281.296 pessoas
54gDBO5 / pessoa.dia sólidas com densidade superior a do líquido infiltração subsuperficial (valas de infil-
circundante. Em uma fossa séptica cuja tração, valas de filtração e sumidouros) e
Pode-se observar que, quando uma sub- velocidade do líquido é baixa, as partículas aplicação com escoamento superficial, atra-
bacia possui um laticínio e um frigorífico, tendem a ir para o fundo sob a influên- vés de aspersores de baixa e alta pressão.
semelhantes àqueles fornecidos nos exem- cia da gravidade. O líquido sobrenadan- Jean Louis Mouras, em 1860, construiu
plos 1 e 2, e supondo que estes não pos- te torna-se então clarificado, enquanto as na cidade de Vesoul, na França, um tanque
suam tratamento de suas águas residuá- partículas sedimentadas formam uma ca- hermético no qual o esgoto ficou retido por
rias, a poluição produzida é semelhante mada de lodo, a qual auxilia na decompo- 12 anos. Após este tempo, o tanque foi
a de uma cidade, com uma população de sição anaeróbia da matéria orgânica pre- aberto, e foi observado que a quantidade
292.870 pessoas. sente no efluente. de material sólido era muito menor do que
A ausência total ou parcial dos serviços o estimado. Isso levou Mouras a fazer uma
públicos de esgotos sanitários nas áreas série de pesquisas, patenteando seu inven-
ETAPAS NO TRATAMENTO DE urbanas, suburbanas e rurais, exige a im- to em 1881. Na Inglaterra foi modificado e
ÁGUAS RESIDUÁRIAS plantação de algum meio de disposição dos recebeu o nome de fossas hidrolíticas. Pos-
a) tratamento preliminar (remoção de esgotos para evitar a contaminação tanto teriormente, após os estudos de Karl Imhoff,
material grosseiro e arenoso). Gra- do solo quanto da água. No Brasil, a defa- na Alemanhã, foi ainda mais aprimorado
deamento e caixa de areia. sagem na implantação desses serviços dando origem aos tanques Imhoff, conhe-
públicos em relação ao crescimento popu- cidos e empregados no mundo inteiro. As
b) tratamento primário - decantação pri-
lacional, permite prever que soluções indi- Figuras 41 e 42 mostram detalhes constru-
mária (sedimentação dos sólidos em
viduais serão ampla e permanentemente tivos de fossas sépticas de câmara única.
suspensão). Fossas sépticas; tan-
que de decantação; lagoas anaeró-
bias.
Obs.: O principal objetivo deste tra-
tamento é produzir um eflu-
ente clarificado, com baixas
concentrações de sólidos em
suspensão.

c) tratamento secundário - sistemas de


tratamento biológico:
- aeróbios (necessidade de introdu-
ção de oxigênio), os principais são:
sistemas de lodos ativados; aera-
ção prolongada; bateladas; filtros
biológicos; lagoas aeradas.
- anaeróbios (não há necessidade de
introdução de oxigênio). Reator anae-
róbio de manta de lodo (RAMAL)
ou internacionalmente denominado
“upflow anaerobic sludge blanket”
(UASB); filtro anaeróbio. Figura 41 - Desenho esquemático de uma fossa séptica de câmara única

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98 Manejo de microbacias

Figura 42 - Cortes esquemáticos de uma fossa séptica de câmara única

A fossa séptica é um dispositivo de tra- por um período preestabelecido, que c) fossa séptica de câmaras sobrepos-
tamento anaeróbio de esgotos em nível pode variar de 12 a 24 horas de acor- tas (cilíndricas ou prismáticas).
primário, de baixo custo, capaz de remover do com a NBR 7299/82 e 7229/93
parte dos sólidos e matéria orgânica do (ABNT, 1982, 1993), dependendo Dimensionamento
afluente. Deverá cumprir os seguintes pro- evidentemente das características De acordo com a NBR 7229/1993 (ABNT,
pósitos: do esgoto; 1993), o dimensionamento de fossas sépti-
b) decantação: em conjunto com a cas poderá ser realizado através da seguinte
a) impedir a poluição hídrica dos ma- fase anterior, ocorre a sedimentação equação:
nanciais destinados ao abasteci- de 60% a 70% dos sólidos em sus-
mento; pensão, formando uma substância V = 1.000 + N x (C x TDH + Lf x K),
b) não prejudicar as condições de vida densa (lodo). Na parte superior forma- em que:
aquática nos corpos receptores; se a escuma, composta de partículas
c) não alterar as condições de balnea- de lodo, gorduras e outros compos- V = volume útil (litros);
bilidade de praias, rios, lagos e re- tos de baixa densidade, misturados N = número de contribuintes;
presas; ao biogás gerado nas partes infe- C = cota de contribuição per capta - litro/
d) não poluir águas destinadas à des- riores; pessoa . dia (Quadro 2);
sedentação de rebanhos, irrigação
c) digestão anaeróbia: o lodo decan- TDH = tempo de retenção em dias (Qua-
de lavouras, etc.;
tado, composto de bactérias anaeró- dro 3);
e) servir como sistema de tratamento
primário para o efluente antes de ser bias e facultativas, decompõe a ma- Lf = contribuição de lodo fresco por pes-
lançado no solo. téria orgânica para sua autonutrição. soa - litro/pessoa . dia (Quadro 2);
O fenômeno de digestão anaeróbia K = taxa de acumulação de lodo em fun-
Funcionamento ocorre em três estádios principais: ção da temperatura (Quadro 4).
As fossas sépticas são construídas pa- hidrolização, acidificação e metani-
ra decantar sólidos e remover materiais ficação. Parâmetros básicos de projeto de
graxos contidos nos esgotos, transforman- fossas de câmara única
do-os bioquimicamente em substâncias e Tipos de fossa séptica
compostos mais simples e estáveis. O fun- a) fossa séptica de câmara única (ci- Tempo de retenção hidráulico:
cionamento das fossas sépticas pode ser líndrica ou prismática) (Fig. 42); Até 1.500L/dia => 24 horas ou 1 dia.
interpretado nas seguintes fases: b) fossa séptica de câmaras em série Acima de 9 mil hab. => 12 horas ou
a) retenção: o esgoto é retido na fossa (normalmente prismáticas); 0,5 dia

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Manejo de microbacias 99

QUADRO 2 - Contribuições unitárias de esgotos por tipo de edificação e de ocupantes Para fossas sépticas de forma
Contribuição (C) Lodo fresco (Lf) cilíndrica:
Edificação Unidade (litros/uni- (litros/uni-
a) diâmetro interno mínimo - d = 1,10 m;
dade.dia) dade.dia)
b) profundidade interna mínima e má-
Ocupantes permanentes xima (Quadro 5).
Residência padrão alto Pessoa 160 1
Residência padrão médio Pessoa 130 1 QUADRO 5 - Profundidades das fossas sépticas
em função dos volumes úteis
Residência padrão baixo Pessoa 100 1
Profundidade útil
Hotel (exceto lavanderia e cozinha) Pessoa 100 1 Volume útil (m)
Alojamento provisório Pessoa 80 1 (m 3 )
Mínima Máxima

Até 6,0 1,20 2,20


Ocupantes temporários
6,0 a 10,0 1,50 2,50
Fábrica em geral Pessoa 70 0,30
Acima de 10,0 1,80 2,80
Escritório Pessoa 50 0,20
Edifícios públicos e comerciais Pessoa 50 0,20
Escolas (externatos) Pessoa 50 0,20
Para fossas sépticas de forma
prismática retangular:
Bares Pessoa 6 0,10
a) largura interna mínima - b = 0,80 m;
Restaurantes e lanchonetes Pessoa 25 0,10
b) relação entre comprimento - L e lar-
Cinemas, teatros e similares Assento 2 0,02 gura - b: 2 < L/b < 4;
Sanitários públicos Vaso sanitário 480 4,00 c) profundidade mínima útil - h = 1,20 m;
d) profundidade máxima útil - h = 2,80 m;
e) em função do volume útil observar a
QUADRO 3 - Tempo de detenção hidráulica dos esgotos em função da vazão diária profundidade (Quadro 5).
Contribuição diária (Q) Tempo de detenção hidráulica (TDH)
Parâmetros básicos de projeto de
(litros/dia) Dias Horas fossas de câmaras sobrepostas
− Volume útil mínimo admissível:
Até 1.500 1,00 24
V = 1.350 litros.
1.501 a 3.000 0,92 22
3.001 a 4.500 0,83 20 Para fossas sépticas de forma
cilíndrica:
4.501 a 6.000 0,75 18
a) diâmetro interno mínimo - d = 1,20 m;
6.001 a 7.500 0,67 16
b)profundidade interna mínima - h = 1,20m.
7.501 a 9.000 0,58 14
Acima de 9.000 0,50 12 Para fossas sépticas de forma
prismática retangular:
a) largura interna mínima - b = 0,80 m;
QUADRO 4 - Taxa (K) de acumulação de lodo digerido na fossa séptica b)profundidade mínima útil - h = 1,20 m.

Valores de K, em dias, para cada faixa de temperatura


Intervalo de limpeza − Volume mínimo para câmara de decan-
(anos) tação: V = 500 litros.
t < 10oC 10 < t < 20oC
o
t > 10oC
Inclinação das abas inferiores da câ-
1 94 65 57
mara de decantação: I = 1,2 : 1
2 134 105 97
Espaçamento mínimo entre as abas de-
3 174 145 137 cantação: E = 0,10m.
4 214 185 177 Sobreposição das abas: inclinadas de
tal maneira que impeçam a penetração
5 254 225 217
de gases

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100 Manejo de microbacias

Fossa séptica de câmaras em série Inúmeras tentativas têm sido feitas pa- d) produtos bactericidas e bacteriostá-
Dados referentes ao processo constru- ra aprimorar as fossas sépticas, porém, a ticos lançados no esgoto.
tivo: melhoria da eficiência é muito pequena,
Principais meios de disposição
a) volume útil mínimo admissível é de comparada aos custos envolvidos (custo - de efluentes de fossa
1.650 litros; benefício). O projetista deve ter em mente
b) largura interna mínima (b) - 0,80m; a) diluição em corpos d’água recep-
que a fossa é um dispositivo de tratamento tores para posterior autodepura-
c) profundidade útil mínima (h) - 1,20m; primário, portanto, sua eficiência teórica é
d) relação entre comprimento e largura ção;
em torno de 50%, em relação à remoção de b) solos;
2 < L/b < 4;
DBO e sólidos em suspensão.
e) largura interna b < 2 h; c) sumidouro;
Em resumo as fossas sépticas têm sua
f) a primeira e a segunda câmara devem d) vala de infiltração;
eficiência afetada pelos seguintes fatores:
ter volume útil de 2/3 e 1/3 do volume e) vala de filtração;
útil total, respectivamente; a) falta de manutenção; f) filtro de areia;
g) comprimento da primeira câmara é de b) aumento da carga de esgoto de ma- g) filtro anaeróbio.
2/3 L, enquanto da segunda é de 1/3 neira arbitrária; As Figuras 43 e 44 mostram vala de in-
de L; c) deficiência de projeto; filtração e sumidouro, respectivamente.
h) as bordas superiores das aberturas
de passagem entre câmaras devem
estar, no mínimo, 0,30m abaixo do
nível do líquido;
i) a área total das aberturas de passa-
gem entre câmaras deve ser de 5% a (Câmara de escuma)

10% da seção transversal útil da fos- FOSSA SÉPTICA


VALA DE INFILTRAÇÃO

sa séptica.

Eficiência das fossas sépticas


a) as fossas sépticas não são capazes
de purificar o esgoto satisfatoria-
mente, apenas reduzem a carga para Figura 43 - Vista lateral em corte de uma fossa de câmara única e da vala de infiltração
posterior tratamento;
b) o efluente apresenta coloração es-
cura devido ao alto teor de sólidos
TAMPA HERMÉTICA NÍVEL DO TERRENO
em suspensão, e maus odores, devi-
do à presença de gases mercaptanas
do tipo H2S e CH4;
c) por não haver manutenção sistemá-
tica, como retirada do lodo exceden-
ENTRADA
te, a eficiência do sistema poderá
deteriorar-se gradualmente;
d) os parâmetros de análise de eficiên-
cia das fossas sépticas estão relacio-
nados apenas com os sólidos em
suspensão e DBO. Outros parâme-
tros só são exigidos em casos espe-
ALVENARIA DE TIJOLO
ciais, como em indústrias etc;
e) as fossas têm demonstrado eficiên-
cia média na remoção de DBO e só-
lidos variando de 15% a 60%;
f) os sabões e detergentes normal-
mente empregados não demonstram
ter influência sobre a eficiência das Figura 44 - Vista lateral em corte de um sumidouro convencional construído com tijolos
fossas. maciços

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Manejo de microbacias 101

Cuidados básicos na efluentes de fossas sépticas é fundamen- veis com os padrões de qualidade
disposição dos efluentes de tal para permitir o reuso indireto para abas- exigidos para o corpo d’água recep-
fossas sépticas tecimento público. Para reuso direto, é ne- tor disponível;
cessário o tratamento de esgotos em nível b) capacitar as normas de opção para
a) verificação do tipo de solo;
avançado ou comumente denominado ter- os problemas gerados da inviabili-
b) distância do lençol freático; ciário, com remoção de compostos nitro- dade de infiltração do efluente líqui-
c) probabilidade de contaminações di- genados, fósforo, coliformes e metais pe- do proveniente das fossas no terreno.
reta e indireta das águas de abasteci- sados. Entre os vários tipos de disposição O desenho típico de um filtro anae-
mento público; final de efluentes de fossas sépticas des- róbio pode ser visto na Figura 45.
d) área de alcance, vertical e horizontal, critos anteriormente, apenas será descrito
do material poluidor transportado. o filtro anaeróbio por ser este sistema o
Funcionamento
O exemplo 3 a seguir demonstra a sim- mais adequado e indicado detalhadamen-
te pela NBR 7229/82 (ABNT, 1982). O filtro anaeróbio normalmente utili-
plicidade dos cálculos no dimensiona-
za brita no 4 como meio suporte, a fim de
mento de uma fossa convencional para Filtro anaeróbio permitir aderência de microrganismos que
atender até 100 pessoas.
O filtro anaeróbio teve grande divul- formam uma camada microbiológica de-
Exemplo 3 gação após as experiências realizadas pe- nominada biofilme. Os biofilmes formados
Dimensionar um sistema de tratamento lo famoso pesquisador Perry L. McCarty, nas superfícies do meio são capazes de
primário, através de fossa séptica, para 100 da universidade de Stanford, Califórnia remover do afluente o substrato necessá-
pessoas de padrão elevado, considerando (EUA), entre 1963 e 1969. Mais recente- rio à sua manutenção energética. Duran-
o intervalo de limpeza da fossa de dois anos mente, pesquisas têm sido feitas, e muitas te o processo de digestão anaeróbia ocor-
e temperatura ambiente média de 23oC. A alterações foram investigadas, como meios re produção de biogás, de metano CH4 e
DBO do esgoto afluente é de 300mg/L, e de suporte artificiais, fluxo de alimentação dióxido de carbono CO2.
a eficiência estimada da fossa é de 50%. de ascendente para descendente etc. O biofilme que cresce de um consórcio
O projeto deverá seguir a NBR 7229/93 Tanto a edição anterior da NB-41 de de bactérias aclimatizadas é capaz de su-
(ABNT, 1993). junho de 1980 (abnt, 1980) como a última portar maiores fluxos hidráulicos, sem ocor-
NBR 7229/82 (ABNT, 1982) recomenda- rerem em grandes eliminações de sólidos
Solução:
ram os filtros anaeróbios como solução do sistema.
C = 160 litros / pessoa.d (Quadro 2); para o pós-condicionamento do efluente Entre os vazios do meio suporte, cresce
Lf = 1,0 litros / pessoa.d (Quadro 2); de fossas sépticas. também um lodo de boa qualidade deno-
Q = 100 pessoas x 160 litros / pessoa.d As justificativas são as seguintes: minado intersticial, que com o biofilme
= 16.000 litros/d; a) dotar o efluente líquido das fossas auxilia na remoção da matéria orgânica. To-
TDH = 0,50 dias ou 12 horas (Quadro 3); sépticas de características compatí- davia o crescimento excessivo deste lodo
K = 97 dias (Quadro 4);
V = 1.000 + 100 pessoas x (160 litros/
pessoa.dia x 0,50 dias + 1,0 litro/
pessoa.dia x 97 dias);
V = 18.700 litros = 18,7 m3.
Para determinação das dimensões físi-
cas da fossa, verificar os parâmetros dis-
postos no Quadro 5.
FOSSA SÉPTICA
Disposição de efluentes de
fossa
Para que as águas residuárias munici-
pais possam ser lançadas em corpos d’água,
ou em recargas de lençóis subterrâneos, é
CORTE A-A CORTE A-A
necessário pelo menos o tratamento bio-
lógico secundário, conforme legislação
vigente (Conama, 1990). A diluição de Figura 45 - Vista lateral em corte de um filtro anaeróbio associado a uma fossa séptica

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102 Manejo de microbacias

poderá provocar obstrução do meio su- em que: DBOafl. = concentração da DBO


porte, podendo ocorrer o fenômeno de S = seção transversal (m2); afluente (mg/L);
colmatação. V = volume útil do filtro (m3); E = eficiência de remoção de
A espessura do biofilme é função tanto h = profundidade máxima - 1,80 (m). DBO (%).
do fluxo hidráulico, uma vez que a veloci-
dade do líquido tende a cisalhá-lo, quanto d) eficiência em função do tempo de de- Carga orgânica volumétrica
da concentração do esgoto, já que quanto tenção hidráulica (TDH) e da carac- (COV) em termos de DQO e
maior for a concentração maior a possibi- terística do sistema. DBO
lidade de o alimento (esgoto) alcançar as Chernicharo (1997) cita a equa-
Em casos de tratamento de esgotos
bactérias localizadas nas partes mais inte- ção a seguir determinada por Young
industriais, os filtros anaeróbios são di-
riores da camada do biofilme. (1991), como uma relação geral capaz
mensionados para cargas de DQO de até
de descrever a eficiência de filtros
16kg/m3.d. As cargas usuais chegam a no
Aplicação dos filtros tratando diferentes efluentes.
máximo 12kgDQO/m3.d. No caso de esgo-
anaeróbios
E = 100 x (1-Sk x TRH-m), to doméstico, a carga orgânica volumé-
O filtro anaeróbio é muito empregado
em que: trica normalmente aplicada é em torno de
em tratamento de esgotos domésticos,
0,40kgDBO/m3.d.
servindo para tratá-los diretamente ou para E = eficiência (%);
atuar como polimento das fossas sépticas. Sk = coeficiente do sistema (0,87); Detalhes construtivos de
Também são empregados em efluentes TRH = tempo de retenção hidráuli- acordo com a NBR 7229/82
industriais solúveis (biodegradáveis), co- ca (h); (ABNT, 1982).
mo no caso de certas indústrias alimen- m = coeficiente do meio suporte (0,40
a) meio filtrante com granulometria uni-
tícias. a 0,55, para britas m=0,50 e para
forme: brita no 4;
meios sintéticos, m = 0,55).
Dimensionamento b) profundidade (h) útil: máxima de 1,80m
e) eficiência em função da temperatura para qualquer volume de dimensio-
A NBR 7229/82 (ABNT, 1982) preconi-
A faixa ideal para operação é de namento;
za para dimensionamento as seguintes for-
25oC a 35oC.
mulações: c) filtro cilíndrico, diâmetro (d) mínimo
A eficiência do tratamento rela-
é de 0,95m, filtros prismáticos, largu-
a) contribuição diária cionada com a temperatura é dada
ra (L) mínima de 0,85m;
pela Equação 6.5:
Q = N . C, d) diâmetro (d) máximo e a largura (L)
θ ((t −30
30))
em que: Et = 1-(1-E30) , máxima não devem ultrapassar o va-
Q = vazão (m³/dia); em que: lor de três vezes a profundidade (h),
N = número de contribuintes; Et = eficiência à temperatura t qual- ou seja, tanto d como L ≤ 5,40m;
C = contribuição per capita (L/hab.d). quer (oC); e) volume útil mínimo é de 1.250 litros;
E30 = eficiência à temperatura de f) a carga hidrostática mínima [diferen-
b) volume útil
30 oC; ça entre o nível de entrada (afluente)
V = 1,6 . Q . TDH, t = temperatura operacional (oC); e o nível de saída (efluente)] é de
em que: θ = coeficiente de temperatura (1,02 0,10m;
V = volume útil (m3); a 1,04). g) fundo falso, na base dos filtros de-
TDH = tempo de detenção hidráulica A variação brusca de temperatu- verá haver aberturas de 3cm de diâ-
(dias); ra diminui muito a eficiência do sis- metro, espaçadas de 15cm entre si;
O coeficiente de 1,6 equivale a tema. h) as interligações deverão ser feitas
60% a mais do volume, uma vez que com tubulações e peças não-corro-
deve ser desprezado o volume inerte f) concentração final do efluente sivas;
ocupado pelo meio. E x DBOafl. , i) o dispositivo de coleta do filtro de-
DBOefl. = DBOafl.
100 verá ter largura máxima de 10cm e
c) seção transversal
em que: comprimento idêntico ao tanque.
V DBOefl. = concentração da DBO Deverá se situar 30cm acima do meio
S =
1,80 efluente (mg/L); suporte.

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Manejo de microbacias 103

Eficiência Tendências atuais lica e da característica do sistema:


A eficiência de filtros anaeróbios em- As instalações mais recentes de filtros E = 100 x (1 – Sk x TRH-m)
pregados para polimento de fossas sépti- anaeróbios de fluxo ascendente têm sido
cas pode variar de 70% a 90%. Quando f) utilizar a estimativa da concentração
do tipo híbrido, que contém, abaixo do meio
empregados como tratamento único, a efi- de DBO do efluente final:
suporte, uma região sem empacotamento
ciência é de 40% a 65%. A grande flutuação que permite o desenvolvimento de bio- E x DBOafl.
DBOefl. = DBOafl.
na eficiência está ligada à falta de manu- massa granular. Segundo Young (1991), 100
tenção, à remoção do lodo excedente e a o meio suporte (empacotamento) não de- g) verificar a velocidade (superficial)
deficiências na concepção do projeto. Os verá exceder 2m e deverá ser colocado na ascendente:
avanços concernentes aos materiais aplica- parte superior 2/3 da altura do reator.
dos como meio de suporte também têm Todavia maiores estudos deverão ser reali- Vs = Q / S => Vs ≤ 2 m/h
trazido melhoria na eficiência, além de pro- zados a fim de que se possam obter parâ- h) quando necessário, calcular a carga
duzir reatores mais leves. Dos diversos metros de dimensionamento mais con- orgânica volumétrica (COV):
parâmetros de dimensionamento, o TDH é fiáveis.
COV = (Qméd x S0) / Vt
o que mais afeta a eficiência de remoção de
DBO. O volume de vazios e a geometria do Recirculação i) quando necessário, calcular a carga
meio suporte afetam significativamente a hidráulica (CH):
Não existe comprovação de que a re-
eficiência, enquanto o acréscimo da área
circulação do efluente aumenta a eficiência CH = Q / Vt
superficial do meio suporte nem tanto.
do sistema.
j) seguir as dimensões conforme Qua-
Fatores intervenientes do
dro 6.
processo Velocidade superficial
Velocidade máxima de 2m/h, durante a
a) altura do meio suporte: a altura do QUADRO 6 - Características do filtro anaeróbio
partida não deverá ultrapassar a 0,4 m/h. (diretrizes)
meio suporte tem sido projetada para
A marcha de cálculo para o dimensio-
ocupar de 50% a 70% da altura do Parâmetros Valor
namento de filtros anaeróbios de acordo
filtro, porém, alguns projetistas pre-
com a NBR 7229/82 (ABNT, 1982) pode ser Profundidade útil (m) 1,80
ferem ocupar toda a altura;
exposta como a seguir:
Altura do meio suporte (m) 1,20
b) área específica do meio suporte: ho-
a) estabelecer a contribuição per capita Diâmetro mínimo (m) 0,95
je já se encontram no mercado su-
de esgotos (C). Caso não haja dados Largura mínima (m) 0,85
portes confeccionados em plástico
específicos, adotar dados do Qua-
corrugado e em outros materiais de Diâmetro máximo (m) 5,40
dro 2;
diversas formas e tamanhos, com área Largura máxima (m) 5,40
específica em torno de 100m2/m3; b) estimar a contribuição diária de es- Volume útil mínimo (m) 1,25
c) papel do meio suporte: o meio su- gotos (Q):
FONTE: ABNT (1982).
porte, independente do material ou Q = NxC
forma, atua como um separador de
c) adotar o tempo de detenção hidráu- O exemplo 4 a seguir mostra o dimen-
gases e sólidos e auxilia na unifor-
lica (TDH), de acordo com a vazão sionamento de um filtro anaeróbio em con-
midade de distribuição. Melhora o
(Q) encontrada. cordância com a NBR 7229/82 (ABNT,
contato entre esgoto e biomassa e 1982).
permite também a retenção da bio- Calcular o volume do tanque sép-
massa (intersticial), dispersa, flo- tico de acordo com a equação:
Exemplo 4
culenta e/ou granulada. V = 1,60 x Q x TDH
Dimensionar um sistema de tratamento
O meio suporte demanda cuidados es- d) determinar a seção transversal do através de filtro anaeróbio, como sistema
peciais, e deverá ser sempre limpo com o filtro – seção quadrada ou circular: de disposição final do efluente da fossa
aumento da perda de carga, indicativo de séptica, como no Exemplo 3. A eficiência
V
que está ocorrendo obstrução. Os filtros S = adotada na remoção de DBO pela fossa
1,80
mais modernos empacotados com meio séptica foi de 50%, produzindo um efluen-
suporte plástico não têm apresentado pro- e) utilizar a estimativa da eficiência em te com 150mgDBO/L. O projeto deverá se-
blemas de entupimento. função do tempo de retenção hidráu- guir a NBR 7229/82 (ABNT, 1982).

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104 Manejo de microbacias

Solução: j) carga hidráulica (CH): GOVERNO DO ESTADO DE


MINAS GERAIS
a) contribuição per capta (Quadro 2): CH = Q / Vt Governador: Itamar Franco

C = 160 litros / pessoa.d SECRETARIA DE ESTADO DE


16 m3 / dia
CH = = 1,25 m3/m3.d AGRICULTURA, PECUÁRIA E
b) cálculo da contribuição diária de es- 12,8 m3 ABASTECIMENTO
goto: Secretário: Raul Décio de Belém Miguel
k) determinação das dimensões do fil-
Q = 160 litros / pessoa.d x 100 pessoas = tro anaeróbio:
16.000 litros/dia (16 m3/dia) A critério do projetista desde que
siga as diretrizes da NBR 7229/82
c) adoção do tempo de detenção hi-
(ABNT, 1982) (Quadro 6)
dráulica (TDH) (Quadro 3): Empresa de Pesquisa Agropecuária de
Adotando h = 1,80 m: Minas Gerais - EPAMIG
TDH = 0,50dia (12 h)
π D2 4 V Presidência
d) cálculo do volume do filtro anaeró- V= h∴D= ∴ Márcio Amaral
4 π h
bio: Diretoria de Operações Técnicas
4 12,8 ∴ Marcos Reis Araújo
D= D = 5,40m
V = 1,60 x Q x TDH π 1,80 Diretoria de Administração e Finanças
Marcelo Franco
V = 12.800 litros (12,8 m3) Altura útil = 1,80m Assessoria de Marketing
Luthero Rios Alvarenga
e) determinação da seção do filtro: Diâmetro útil = 5,40m Assessoria de Planejamento e
Coordenação
12,8 m3 Sebastião Gonçalves de Oliveira
S = = 7,11 m2
1,80 m REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Assessoria Jurídica
Marcelo José Alves
ABNT (Rio de Janeiro, RJ). Construção e ins- Assessoria de Informática
f) eficiência em função da temperatu- talação de fossas sépticas e disposição Mauro Lima Baino
ra: dos efluentes finais: NBR 7229. Rio de Auditoria Interna
Janeiro, 1982. 37p. Ronald Botelho de Oliveira
θ (t 30)
Departamento de Pesquisa
Et = 1-(1-E30) = 1-(1-0,8)1,02(28-30) = 78,71% ABNT (Rio de Janeiro, RJ). Norma para cons-
Antônio Monteiro de Salles Andrade
trução e instalação de fossas sépticas:
Departamento de Produção
NB 41. Rio de Janeiro, 1980. 18p. José Braz Façanha
g) estimativa da concentração de DBO ABNT (Rio de Janeiro, RJ). Projeto, constru- Departamento de Ações e Desenvolvimento
do efluente final: ção e operação de tanques sépticos: NBR Francisco Lopes Cançado Júnior
7229. Rio de Janeiro, 1993. 15p. Departamento de Recursos Humanos
E x DBOafl. Dalci de Castro
DBOefl. = DBOafl. CHERNICHARO, C.A.L. Princípios do trata-
100 Departamento de Patrimônio e
mento biológico de águas residuárias. Administração Geral
Belo Horizonte: UFMG-DESA, 1997. v.5: Argemiro Pantuso
80% x 150mgDBO/litro
DBOefl. = 150mgDBOafl. = Reatores anaeróbios. Departamento de Contabilidade e Finanças
100 Geraldo Dirceu de Resende
CONAMA (Brasília, DF). Resolução no 3, de 28
= 30mgDBO/litro de junho de 1990. [Padrões de qualidade da Centro Tecnológico-Instituto de Laticínios
água]. LEX – coletânea de legislação e Cândido Tostes
h) verificação da velocidade (superfi- jurisprudência: legislação federal e Geraldo Alvim Dusi
cial) ascendente: marginália, São Paulo, v.54, p.1641-1646, Centro Tecnológico-Instituto Técnico de
jul./set. 1990. Agropecuária e Cooperativismo
Marco Antonio Lima Saldanha
Vs = Q / S DACACH, N.G. Saneamento básico. 3.ed.rev.
São Paulo: Didática e Científica, 1979. 293p. Centro Tecnológico do Sul de Minas
Geraldo Antônio Resende Macêdo
Vs = 16 m³/dia / 7,11 m² = 2,25 m/dia = HAMMER, M.J. Water and wastewater
Centro Tecnológico do Norte de Minas
0,09 m/h technology. 2.ed. New York: John Wiley, Cláudio Egon Facion
1986. 536p.
Centro Tecnológico da Zona da Mata
PESSÔA, A.P.; JORDÃO, E.P. Tratamento de Domingos Sávio Queiróz
i) carga orgânica volumétrica (COV) esgotos domésticos. 2.ed. Rio de Janeiro:
Centro Tecnológico do Centro-Oeste
em termos de DBO: ABES, 1982. v.1. Waldir Botelho (Interino)
POMPEU, C.T. Regime jurídico da política Centro Tecnológico do Triângulo e
COV = (Qméd x S0) / Vt das águas públicas – 1: política da qualida- Alto Paranaíba
de. São Paulo: CETESB, 1976. 150p. João Osvaldo Veiga Rafael
16m3 / dia x 0,15kgDBO / m3 YOUNG, J.C. Factors affecting the design and
COV = =
12,8 m3 performance of upflow anaerobic filters. A EPAMIG integra o Sistema Nacional
Water Science and Technology, v.24, de Pesquisa Agropecuária, coordenado
= 0,19 kgDQO / m3.dia p.133-155, 1991.
pela EMBRAPA

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.207, p.95-104, nov./dez. 2000

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