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PSICOLOGIA

HOSPITALAR
Desafios da atuação
do psicólogo
hospitalar
Raquel Prá

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

> Reconhecer aspectos da gestão em saúde no contexto hospitalar.


> Identificar potencialidades e dificuldades na relação entre profissionais
da saúde.
> Descrever os cuidados necessários com a saúde mental dos profissionais
e sua importância na prática diária.

Introdução
A atuação do psicólogo no contexto hospitalar é permeada por uma série
de desafios, os quais não se restringem à sua formação teórico-técnica.
A prática desse profissional é atravessada por elementos como: a estrutura e
as condições dos serviços de saúde; o trabalho conjunto e complementar, e os
relacionamentos estabelecidos em equipes multidisciplinares; e os reflexos,
em termos de saúde mental, de estar em um contexto complexo e por vezes
adverso.
De modo geral, as pessoas que se encontram assistidas nos hospitais estão
em situação de fragilidade e vulnerabilidade. Isso exige do profissional de
psicologia uma atenção especial, voltada a elementos subjetivos e relacionados
à saúde mental, tanto das pessoas adoecidas quanto de seus familiares e/
ou cuidadores. Para tanto, sua prática engloba temas como a relação saúde-
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-adoecimento e o luto (Conselho Federal de Psicologia, 2019). Além disso,


acrescentam-se a suas tarefas as práticas de cuidado voltadas às equipes
multidisciplinares de saúde.
Neste capítulo, você vai estudar o conceito de gestão em saúde, que engloba
a administração geral do contexto hospitalar, e seus reflexos na atuação do
psicólogo. Você também vai explorar as especificidades do trabalho realizado
por equipes multidisciplinares de saúde e as estratégias de coordenação para
um trabalho conjunto, colaborativo e com efeitos positivos para os envolvidos.
Além disso, vai ver como o psicólogo pode atuar preventiva e ativamente na
promoção de saúde mental no contexto hospitalar.

Gestão em saúde no âmbito hospitalar


Nesta primeira seção, você vai estudar o conceito de gestão em saúde, suas
diretrizes, suas dimensões, seus princípios e suas consequências para a
atuação do profissional psicólogo. A gestão ou administração em saúde “pode
ser definida como o conhecimento aplicado no manejo do complexo das
organizações de saúde, envolvendo a gerência de redes, esferas públicas
de saúde, hospitais, laboratórios, clínicas e demais instituições e serviços
de saúde” (Lorenzetti et al., 2014, p. 418). Em outras palavras, a gestão em
saúde abrange a organização dos serviços de forma mais geral e o modelo
de administração adotado por cada instituição.
A operacionalização da gestão em saúde engloba três dimensões inter-
-relacionadas, as quais configuram o funcionamento das instituições. São
elas: (1) “os espaços dos cuidados diretos — singulares e multiprofissio-
nais”; (2) “as diversas instituições de saúde”; e (3) “a exigência da formação
e operação de redes de serviços de saúde para uma assistência universal,
integral, equânime, de qualidade e eficiente para as necessidades de saúde
da população” (Lorenzetti et al., 2014, p. 418). Esses últimos atributos são
princípios da prestação de serviços no Brasil.
Os hospitais são instituições de saúde e atuam de acordo com as dire-
trizes da Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP). Essa política
caracteriza os hospitais pela assistência multiprofissional e transdisciplinar,
realizada de acordo com o perfil demográfico e epidemiológico da população.
Tal assistência é realizada a partir das seguintes diretrizes:
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I – garantia de universalidade de acesso, equidade e integralidade na atenção


hospitalar;
II – regionalização da atenção hospitalar, com abrangência territorial e populacional,
em consonância com as pactuações regionais;
III – continuidade do cuidado por meio da articulação do hospital com os demais
pontos de atenção da Rede de Atenção à Saúde — RAS;
IV – modelo de atenção centrado no cuidado ao usuário, de forma multiprofissional
e interdisciplinar;
V – acesso regulado de acordo com o estabelecido na Política Nacional de Regulação
do Sistema Único de Saúde — SUS;
VI – atenção humanizada em consonância com a Política Nacional de Humanização;
VII – gestão de tecnologia em saúde de acordo com a Política Nacional de Incor-
poração de Tecnologias do SUS;
VIII – garantia da qualidade da atenção hospitalar e segurança do paciente;
IX – garantia da efetividade dos serviços, com racionalização da utilização dos
recursos, respeitando as especificidades regionais;
X – financiamento tripartite pactuado entre as três esferas de gestão;
XI – garantia da atenção à saúde indígena, organizada de acordo com as necessidades
regionais, respeitando-se as especificidades socioculturais e direitos estabelecidos
na legislação, com correspondentes alternativas de financiamento específico de
acordo com pactuação com subsistema de saúde indígena;
XII – transparência e eficiência na aplicação de recursos;
XIII – participação e controle social no processo de planejamento e avaliação; e
XIV – monitoramento e avaliação (Brasil, 2013, art. 6).

A universalização, a equidade e a integralidade presentes nessas diretrizes


são princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), que rege o funcionamento da
saúde pública do Brasil. O SUS é composto pelo Ministério da Saúde, pelos
estados e pelos municípios, entes que dividem responsabilidades de gestão
para o planejamento, a organização, o controle e a avaliação das políticas,
das ações e dos serviços de saúde. Na estrutura do SUS, está prevista a
atenção hospitalar, assim como os serviços de urgência e emergência,
as ações e os serviços das vigilâncias epidemiológica, sanitária e ambiental,
e a assistência farmacêutica (Brasil, 1990).
O conhecimento das políticas que regem o trabalho dos profissionais e das
instituições de saúde, assim como o conhecimento dos aspectos particulares
de cada hospital, possibilita ao psicólogo fornecer orientações, contextualizar
sua prática profissional e refletir a respeito dos efeitos possíveis desses
elementos sobre as pessoas presentes nesse contexto (Conselho Federal
de Psicologia, 2019). Por exemplo, a atuação em um hospital privado (com
fins lucrativos) apresenta particularidades que a diferenciam da prática
profissional em um hospital público.
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Os aspectos legais e regulatórios orientam a forma como é realizada


a gestão hospitalar como um todo, englobando, entre outros elementos,
a administração de recursos físicos, materiais, humanos e tecnológicos.
Respeitadas suas particularidades, os hospitais podem ser caracterizados
como organizações geridas a partir de suas áreas e processos. Historicamente,
essas instituições se mostraram mais voltadas à prestação de serviços de
saúde do que ao gerenciamento em si, porém, a partir da crise econômica da
década de 1980, seu funcionamento passou a se assemelhar cada vez mais ao
de uma empresa empenhada na gestão de seus recursos de forma racional e
economicamente viável (Silva; Brandalize, 2006).
Silva e Bernardes (2021, p. 184) indicam que a gestão do trabalho em saúde
pode ser definida como um arranjo normativo marcado por verticalidade,
centralidade, planejamento e processos, e pautado por “participação, diálogo,
escuta e corresponsabilização”. Quanto ao modelo de gestão comumente
adotado no contexto hospitalar, esses autores, assim como Lorenzetti et al.
(2014), reconhecem a presença de elementos racionais da teoria clássica da
administração, constituída no contexto industrial, como a hierarquização,
o controle e a busca pela eficiência. O modelo clássico de gestão, pautado pela
centralização de decisões e pela divisão de processos, vai de encontro aos
princípios democráticos, participativos e de protagonismo da humanização,
prementes para a garantia de um cuidado integral do paciente.
Os serviços mais comumente oferecidos em hospitais são: atendimento
médico e de enfermagem, cirurgia, diagnóstico, laboratório, banco de sangue,
fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e esterilização. Entre as diversas
áreas profissionais presentes nesse contexto, é possível identificar: manu-
tenção geral das edificações; higiene, lavanderia e limpeza; pessoal; compras
e suprimentos; informática; financeiro; e marketing. Para garantir o bom
funcionamento hospitalar, é indispensável que esses serviços e as áreas
profissionais atuem de forma integrada e coordenada para atender ao seu
principal objetivo, que consiste em assegurar um atendimento de qualidade
ao cliente (Silva; Brandalize, 2006).
A estrutura hospitalar é caracterizada pela especialização e pela divisão
de tarefas. A diretoria superior costuma ser responsável pelo planejamento,
pela organização, pela direção e pelo controle tanto das atividades técnicas
quanto daquelas administrativas, as quais compõem a rotina hospitalar.
O conselho de administração delibera sobre as políticas de atendimento e as
normas de funcionamento. A divisão de serviços técnicos contempla enfer-
magem, serviço social, nutrição e dietética, psicologia e farmácia, enquanto a
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divisão de serviços administrativos contempla as demais áreas profissionais


e atividades, como secretaria e portaria (Silva; Brandalize, 2006).
Com o intuito de qualificar o atendimento em saúde no Brasil, em 2003
foi criada a Política Nacional de Humanização (PNH), do SUS. De acordo com
a PNH, a humanização se constitui pela participação ativa dos usuários (pa-
cientes e familiares), trabalhadores e gestores no cotidiano das práticas de
gestão do cuidado e dos processos de trabalho, de forma dialógica e com o
compartilhamento dos processos de tomada de decisão (Brasil, 2010).
Para assegurar a qualidade dos serviços prestados, assim como a segurança
do paciente e a eficiência das operações, os hospitais também são avaliados
pelo modelo da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Esse modelo
avalia os hospitais por meio de indicadores e propõe a implementação de
sistemas de gestão de qualidade e padronização de processos, voltados ao
aprimoramento do desempenho organizacional, à redução de custos opera-
cionais e à melhoria contínua tanto dos processos quanto da qualificação dos
profissionais das equipes multidisciplinares (Rafael; Aquino, 2019).
Nos processos e práticas de gestão em saúde, os hospitais enfrentam
uma série de desafios. Entre eles, podemos destacar: a escassez de recursos
financeiros e materiais, o que pressiona ainda mais pela necessidade de uma
gestão adequada desses recursos; a falta de preparação dos profissionais
dirigentes para atuar em funções de gestão; a necessidade de atualização
constante (tanto tecnológica e relacionada aos procedimentos quanto dos
profissionais técnicos e das áreas administrativas); o aumento da população
idosa e da ocorrência de doenças crônicas; a falta de controle sobre problemas
econômicos, sociais e de saneamento, que aumentam a demanda por aten-
dimentos, podendo resultar na superlotação dos hospitais; e a necessidade
de coordenação e cooperação de equipes heterogêneas para que não ocorra
fragmentação de tarefas (Seixas; Melo, 2004).
Como você pôde ver nesta seção, para atuar no contexto da psicologia
hospitalar, o profissional deve conhecer tanto as referências legais e técnicas
de sua área de especialização quanto os distintos elementos que agem em
seu contexto de trabalho. Além de pautar sua prática por princípios éticos
e políticos, o psicólogo hospitalar deve se engajar ativamente na luta pela
garantia de direitos e boas condições sociais e de saúde para a população
em geral (Conselho Federal de Psicologia, 2019). Para tanto, deve conhecer
documentos como a Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, no âmbito do
SUS, os quais visam a assegurar a dignidade do cidadão que busca serviços
privados ou públicos de saúde.
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A seguir, confira os seis princípios presentes na Carta dos Direitos


dos Usuários da Saúde (Brasil, 2009).
1) Todo cidadão tem direito ao acesso ordenado e organizado aos sistemas
de saúde.
2) Todo cidadão tem direito a tratamento adequado e efetivo para seu problema.
3) Todo cidadão tem direito a atendimento humanizado, acolhedor e livre de
qualquer discriminação.
4) Todo cidadão tem direito a atendimento que respeite sua pessoa, seus va-
lores e seus direitos.
5) Todo cidadão também tem responsabilidades para que seu tratamento acon-
teça de forma adequada.
6) Todo cidadão tem direito ao comprometimento dos gestores da saúde para
que os princípios anteriores sejam cumpridos.

Até aqui, você conheceu: os direitos dos usuários de saúde no Brasil;


o conceito e a operacionalização da gestão em saúde; as diretrizes e os prin-
cípios da PNHOSP, do SUS e da PNH; e as consequências dessas práticas e
políticas na atuação do profissional psicólogo. Esses conhecimentos são
relevantes para orientar e contextualizar sua prática profissional no âmbito
das instituições de saúde de forma ética e em prol das garantias dos direitos
dos usuários dos serviços em saúde. Na próxima seção, você vai aprofundar
seus estudos sobre um dos aspectos críticos do trabalho do psicólogo hospi-
talar e da gestão em saúde: o relacionamento das equipes multiprofissionais.

Relacionamento interpessoal das equipes


multidisciplinares de saúde
Nesta seção, você vai conhecer as peculiaridades do relacionamento estabe-
lecido entre os membros de equipes multidisciplinares de saúde, nas quais se
insere a psicologia hospitalar. Esse assunto se torna crítico pois a interação
entre os membros dessas equipes impacta a qualidade e a segurança dos
serviços prestados aos pacientes, bem como a percepção dos profissionais
quanto ao seu ambiente de trabalho, podendo este ser classificado como
favorável ou desfavorável. Esse último ponto se reflete em aspectos de saúde
mental, tema da próxima seção.
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O reconhecimento da importância do trabalho conjunto e complementar


das equipes multidisciplinares advém da passagem do modelo biomédico
de atenção em saúde para o biopsicossocial, o qual expandiu as dimen-
sões contempladas nas perspectivas de cuidado (Tonetto; Gomes, 2007).
Como mencionado anteriormente, as equipes hospitalares são formadas
por profissionais de áreas distintas, como médicos, enfermeiros, técnicos de
enfermagem, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e outros, e marcadas
pela divisão de tarefas (Silva; Brandalize, 2006).
A complexidade das atribuições e a especialização dos membros das
equipes multidisciplinares podem contribuir para a ocorrência de problemas
de integração de conhecimentos — e, por vezes, ocasionar divergências de
posicionamento. Nesses casos, assim como nas situações de convergência
de opiniões, a decisão final sobre o tratamento do paciente é do médico.
Isso significa que o contexto hospitalar é marcado por relações de poder
que balizam a convivência entre os membros das equipes (Silva; Brandalize,
2006). No entanto, a existência de uma cadeia de comando bem definida não
garante que as orientações sejam necessariamente seguidas.

O conceito de organização informal do trabalho revela que nem


sempre os trabalhadores agem de acordo com as recomendações
que lhes são prescritas. As redes informais de relacionamento, que não estão
delimitadas no organograma das organizações, também influenciam ações e
tomadas de decisão, podendo subverter as deliberações da cadeia de comando.
Essas subversões devem ser analisadas criteriosamente para que não ocasionem
efeitos negativos nos pacientes e demais envolvidos no processo de tratamento,
como conflitos, disputas e tensões. Por outro lado, também devem ser pondera-
das em relação às suas potenciais contribuições, como a promoção da integração
entre as pessoas, a facilitação de processos de trabalho e a complementação
da estrutura formal (Loiola et al., 2014).

Pelas vicissitudes do cenário de trabalho, Pereira et al. (2021) classificam


os profissionais de saúde como mais propensos a vivenciar conflitos. Es-
ses conflitos podem ser resultado da complexidade do trabalho realizado,
da necessidade de atualização constante de seus conhecimentos, do fato de
lidarem permanentemente com acontecimentos imprevistos (para os quais às
vezes não estão preparados), de aspectos da estrutura e da gestão hospitalar,
e do desgaste causado pela carga (ou sobrecarga) horária de trabalho. Assim
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como em outros tipos de organizações, a suficiência do número de profissio-


nais envolvidos no cuidado de um paciente, a competência e a valorização
do trabalho realizado (Lorenzetti et al., 2014) influenciam o relacionamento
com os pares e gestores.
Ao integrar uma equipe multidisciplinar de saúde, o psicólogo, assim como
os demais profissionais, deve desenvolver a habilidade de realizar trabalhos
em conjunto, o que inclui a capacidade de lidar com os conflitos inerentes
aos relacionamentos interpessoais de forma construtiva. A atuação coesa
da equipe é pertinente ao princípio de integralidade da atenção em saúde a
ser dispensada ao paciente. O posicionamento do psicólogo na equipe mul-
tidisciplinar deve ocorrer em prol da participação e do compartilhamento de
processos de tomada de decisão; assim, esse profissional deve disponibilizar
informações pertinentes sobre o paciente obtidas por meio de sua especia-
lização profissional (Conselho Federal de Psicologia, 2007).
A atuação integrada da equipe multidisciplinar depende de aspectos
como o reconhecimento de cada membro de suas próprias atribuições e do
trabalho dos outros, dos limites de sua área de conhecimento e de sua função
no cuidado (em comparação com as atribuições de outras especialidades).
Dessa forma, é possível identificar como cada profissional pode contribuir
para complementar os conhecimentos dos membros da equipe sem que haja
sobreposição de tarefas. Caso haja divergências quanto às expectativas de
seu trabalho, o psicólogo pode atuar no esclarecimento de seu papel (Tonetto;
Gomes, 2007).
Assim como deve estar preparado para identificar as necessidades dos
pacientes e de seus familiares, o psicólogo deve estar atento às demandas
apresentadas pela equipe multidisciplinar da qual faz parte. Em busca do
estabelecimento de uma relação mais satisfatória com o trabalho, ele atua:
facilitando a comunicação e a vinculação da equipe de saúde com o paciente
e seus familiares; estimulando os profissionais a falar e expressar suas emo-
ções, de modo a aliviar tensões e trabalhar de forma mais adequada temas
como a morte e o luto; e promovendo a conscientização de cada membro
da equipe sobre a importância de seu papel no atendimento do paciente
(Moreira; Martins; Castro, 2012).
A coordenação e a integração das atividades no contexto de equipes
multiprofissionais podem ocorrer a partir do direcionamento direto do tra-
balho realizado por alguém que exerce a função de gestão ou supervisão,
da padronização dos procedimentos e do mecanismo de ajuste mútuo. Esse
último é pautado pela comunicação entre colegas, resultando na tomada de
decisão conjunta sobre como as atividades serão realizadas e sobre quem
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ficará responsável por cada uma delas. O ajuste mútuo depende de cada
participante possuir algum grau de controle sobre a atividade a ser realizada.
Um exemplo é a reunião de uma equipe de atenção em unidade de tratamento
intensivo (UTI) para interconsultas ou discussão de casos e processos de
atendimento (Loiola et al., 2014).
Ao identificar pontos a serem aprimorados na equipe, como aspectos
comunicacionais, o psicólogo hospitalar pode propor e realizar intervenções
a nível individual e grupal. No entanto, se o elemento a ser trabalho estiver
relacionado à sua atuação como membro participante da equipe, contribuinte
para o modo de funcionamento do grupo, o psicólogo hospitalar pode solicitar
o apoio da área da psicologia organizacional e do trabalho (Conselho Federal
de Psicologia, 2019).
Nesta seção, você explorou as particularidades do relacionamento inter-
pessoal de equipes multidisciplinares de saúde, a influência de elementos da
organização formal e informal do trabalho, e o papel da psicologia hospitalar
no atendimento de demandas e no aprimoramento do trabalho em equipe.
Você também foi convidado a refletir sobre os limites da proposição e da
realização de trabalhos interventivos nas equipes das quais o psicólogo faz
parte.
A falta de uma gestão adequada tanto dos processos e recursos quanto
dos relacionamentos estabelecidos entre as equipes multidisciplinares de
saúde pode ocasionar agravos na saúde mental de seus integrantes. Em função
disso, o psicólogo hospitalar deve se envolver ativa e preventivamente na
promoção de saúde mental no ambiente laboral. Na próxima seção, você vai
conhecer as ações que esse profissional pode realizar para o seu autocuidado
e o cuidado dos demais membros da equipe.

Promoção de saúde mental no ambiente


hospitalar
Nesta última seção, você vai ver como os desafios e as dificuldades enfren-
tadas pelos profissionais que atuam no contexto hospitalar se refletem em
sua saúde mental. Com base na identificação dos elementos que resultam em
prejuízo para os indivíduos, você também vai estudar estratégias que podem
ser adotadas para a promoção do autocuidado e do cuidado do cuidador, com
vistas à preservação da saúde mental (Silva; Bernardes, 2021).
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Nogueira-Martins (2017) explica, utilizando a medicina como exemplo,


em que medida os diversos profissionais da área da saúde estão expostos
a fatores estressores inerentes ao seu contexto de trabalho. Entre esses
fatores, é possível destacar: a tarefa de lidar frequentemente com a dor,
o sofrimento do outro e a finitude da vida, bem como com pacientes difíceis;
as incertezas e limitações que coexistem com as demandas e expectativas
dos pacientes; a sobrecarga de trabalho; o medo de errar; a necessidade de
comunicar notícias difíceis; as exigências internas e externas; a escassez de
tempo para outras atividades, como o lazer; os dilemas éticos; e os riscos
oriundos da convivência com doenças e possibilidades de contaminação.
A exposição prolongada a fatores estressores como os citados pode oca-
sionar problemas de saúde mental diversos, como ansiedade, depressão,
síndrome de burnout (também denominada “síndrome do esgotamento pro-
fissional”) e suicídio (Oliveira et al., 2022). Os agravos em saúde mental são
resultado tanto de aspectos relacionados às condições de trabalho quanto de
características individuais, como as estratégias de enfrentamento ou coping
adotadas para lidar com situações estressoras e a capacidade de resiliência
apresentada pelos profissionais (Nogueira-Martins, 2017).
A síndrome de burnout, recentemente classificada pela Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) como doença ocupacional, é caracterizada pela perda da
capacidade do indivíduo de lidar de forma adaptativa com o estresse laboral
constante. Entre os sintomas dessa síndrome, estão: sensação de exaustão
física e mental, falta de energia, despersonalização e redução da satisfação
com o trabalho e do sentimento de realização profissional (Oliveira et al., 2022).
Assim como outros agravos em saúde mental, a síndrome de burnout
não afeta apenas o profissional, mas também a qualidade e a segurança do
cuidado destinado ao paciente. Pode haver aumento de erros, redução da
produtividade e perda da capacidade de manifestação da empatia, resultando
em um tratamento insensível. Outro elemento que pode afetar a integração da
equipe multidisciplinar são os problemas de relacionamento com os colegas
de trabalho (Oliveira et al., 2022).
Considerando sua formação técnica, entende-se que o psicólogo hospitalar
apresenta os conhecimentos e as ferramentas necessárias para atuar no
cuidado da saúde mental dos profissionais. Para tanto, ele pode promover
intervenções focadas: no manejo da sobrecarga emocional vivenciada pelos
profissionais de saúde diante da pressão do trabalho; no aprimoramento
dos relacionamentos interpessoais, minimizando a ocorrência de conflitos e
trabalhando a equipe para atuar como fonte de apoio e suporte emocional e
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social; e no controle das condições que geram estresse, sofrimento e adoe-


cimento (Conselho Federal de Psicologia, 2019).
É importante que os profissionais de saúde estejam atentos para contornar
sua tendência de se preocupar em cuidar do outro em detrimento de si mes-
mos, bem como para não sofrer influência dos estigmas associados à busca
por serviços de saúde mental. O psicólogo hospitalar deve adotar medidas
voltadas ao seu autocuidado físico e mental, como manter uma alimentação
saudável, praticar atividade física e estabelecer interações sociais (Oliveira
et al., 2022).
As práticas de autocuidado são ações realizadas deliberadamente pelo
indivíduo para a promoção de saúde, bem-estar, autoconhecimento, autocon-
trole emocional, resiliência e gerenciamento e redução do estresse. Exemplos
dessas práticas são: psicoterapia individual, terapia em grupo, técnicas de
relaxamento, meditação, ioga, processos de coaching e mentoring (Oliveira;
Abrantes, 2020).
Nogueira-Martins (2017) elenca medidas para prevenir danos à saúde men-
tal em quatro âmbitos: graduação, residência médica, exercício profissional
e vida pessoal. Embora o autor foque o grupo profissional dos médicos, ele
explica que as recomendações podem ser estendidas a outros profissionais
de saúde, como os psicólogos hospitalares. Quanto ao exercício profissional,
Nogueira-Martins (2017) destaca as seguintes medidas:

„ melhora das condições de trabalho;


„ iniciativas de humanização voltadas aos profissionais;
„ criação de equipes multiprofissionais;
„ conscientização sobre o estresse ocupacional;
„ serviços de consultoria psiquiátrica e psicológica nos hospitais;
„ serviços assistenciais para médicos;
„ programas de atenção à saúde e à qualidade de vida do médico.

Em relação aos cuidados com a vida pessoal, Nogueira-Martins (2017)


elenca as seguintes medidas, as quais podem ser entendidas como práticas
de autocuidado:

„ estímulo a hábitos adequados de saúde e prevenção de doenças;


„ conscientização de vulnerabilidades e limitações;
„ reflexão sobre a idealização do papel de médico;
„ conscientização/modificação de atitudes quanto à relação entre pro-
fissão, família e amigos;
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„ estímulo a contatos com profissionais não médicos;


„ desenvolvimento de atividades de lazer;
„ estímulo à busca de ajuda profissional.

Em síntese, as medidas voltadas à promoção de saúde mental no ambiente


laboral hospitalar englobam aspectos das condições e relações de trabalho,
bem como práticas individuais voltadas ao autoconhecimento e ao autocuidado
físico e mental. O psicólogo hospitalar que atua na gestão em saúde pode
apoiar a implementação de medidas e realizar intervenções com vistas à
prevenção de agravos à saúde mental (Conselho Federal de Psicologia, 2019).
Neste capítulo, você conheceu alguns dos desafios enfrentados pelos
psicólogos hospitalares e por outros profissionais de saúde no complexo — e
muitas vezes adverso — contexto hospitalar. Embora o texto esteja dividido
em tópicos, os conceitos estudados se relacionam, configurando o cenário
encontrado nas instituições hospitalares. Com base nesses conhecimen-
tos, você pode orientar sua prática profissional à promoção da saúde e do
bem-estar dos pacientes, de seus familiares e de trabalhadores da saúde,
e também à garantia dos direitos dos usuários dos serviços de saúde em geral.
O conhecimento das políticas, práticas e desafios da gestão em saúde
orienta a leitura do cenário e a conduta do psicólogo hospitalar em prol da
melhoria das formas de cuidado e das condições de trabalho. O reconheci-
mento das características das equipes multidisciplinares de saúde permite
promover intervenções personalizadas voltadas à integração e à coordenação
dos trabalhos. Por sua vez, a identificação das condições adversas à saúde
mental dos trabalhadores da área de saúde possibilita o desenvolvimento de
ações voltadas à prevenção de doenças ocupacionais e à promoção da quali-
dade de vida. Ainda que você tenha de analisar as características específicas
do seu contexto de trabalho, neste capítulo você encontrou orientações gerais
para a sua prática profissional em instituições hospitalares.

Referências
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Desafios da atuação do psicólogo hospitalar 13

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Leituras recomendadas
BAPTISTA, M. N.; DIAS, R. R.; BAPTISTA, A. S. D. Psicologia hospitalar: teoria, aplicações
e casos clínicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.
GRABAN, M. Hospitais Lean: melhorando a qualidade, a segurança dos pacientes e o
envolvimento dos funcionários. Porto Alegre: Bookman, 2013.

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