Você está na página 1de 77

UNIDADE ESCOLA NOSSA SENHORA DA PAZ

FUNDAÇÃO NOSSA SENHORA DA PAZ


PROFESSORA: ELIZANE GUIMARÃES
TURNO: NOITE

AGENTE COMUNITÁRIO DE
SAÚDE
HORÁRIO DE AULA
DIA:
1ª AULA 2ª AULA 3ª AULA 4ª AULA 5ª AULA
HORA: HORA: HORA: HORA: HORA:

DIA:
1ª AULA 2ª AULA 3ª AULA 4ª AULA 5ª AULA
HORA: HORA: HORA: HORA: HORA:

DIA:
1ª AULA 2ª AULA 3ª AULA 4ª AULA 5ª AULA
HORA: HORA: HORA: HORA: HORA:

1
2
Atenção à saúde das pessoas com doenças crônicas no contexto das redes
de atenção à saúde
As redes de Atenção à Saúde (RAS) são fundamentais para a coordenação e a
integração dos serviços e ações de Saúde, assim como para a integralidade e a qualidade
do cuidado à saúde. A organização dos serviços e recursos em redes em diversos países
tem demonstrado o alcance de melhores resultados em Saúde, menos internações, maior
satisfação dos usuários, melhor uso dos recursos, serviços mais custo-efetivo e de melhor
qualidade, maior cooperação entre gestores de diferentes serviços, entre outras vantagens
(MENDES, 2011; OPAS, 2010). Uma RAS consiste na organização do conjunto de serviços e
ações de Saúde de distintas densidades tecnológicas que, integrados por meio de
estruturas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam garantir a integralidade do
cuidado às populações de uma região de Saúde (BRASIL, 2010).
A região de Saúde é um espaço geográfico contínuo, preferencialmente delimitado
a partir de identidades culturais, econômicas, sociais, de redes de comunicação e
infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de permitir a organização,
o planejamento e a execução das ações e dos serviços necessários à população do
território (BRASIL, 2011). Os serviços de Saúde são constituídos por pontos de Atenção à
Saúde (locais de prestação de serviços) de igual hierarquia. Como exemplos de pontos de
Atenção à Saúde, citam-se Unidades Básicas de Saúde, unidades de cuidados intensivos,
hospitais-dia, ambulatórios de cirurgia, ambulatórios de Atenção Especializada e Serviços
de Atenção Domiciliar.
Os serviços de Atenção Primária são a porta de entrada do sistema e coordenam o
conjunto de respostas às necessidades de saúde da população. Além dos pontos de
Atenção à Saúde, a estrutura operacional de uma RAS é constituída por sistemas de apoio
diagnóstico e terapêutico, assistencial-farmacêutico e de informação em Saúde; sistemas
logísticos de identificação dos usuários, de prontuário clínico, de acesso regulado à atenção
e de transporte em Saúde; e sistemas de governança da rede (MENDES, 2011).

As redes de serviços integrais e integrados são uma das principais expressões


operativas do enfoque da Atenção Primária à Saúde no que se refere à prestação de
serviços da saúde, contribuindo a efetivarem-se seus atributos, entre eles a cobertura e o
acesso universal; o primeiro contato; a atenção integral, integrada e contínua; o cuidado
apropriado; a organização e a gerência ótimas; a ação intersetorial (OPAS; OMS, 2007).

Há evidências, provenientes de diferentes países, demonstrando que as redes de


Atenção à Saúde contribuem de forma importante para a melhoria dos resultados
sanitários e econômicos dos sistemas de Atenção à Saúde (MENDES, 2011; OPAS; OMS,
2009). A Portaria MS/GM nº 4.279, de 30 de dezembro, publicada em 2010, estabelece
diretrizes para a organização das redes de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de
Saúde (BRASIL, 2010).
O Brasil destaca-se no cenário latino-americano pelo acúmulo teórico e pela
diversidade de cenários no desenvolvimento de RAS, mas essas experiências estão
dispersas no território nacional, não havendo ainda a necessária disseminação e
reconhecimento dos aspectos que contribuem para o alcance de seus objetivos, e nem das
dificuldades em desenvolvê-las (BRASIL, 2012; EVANGELISTA et al., 2012). A partir dos

3
conceitos norteadores, foram construídas as diversas redes temáticas de âmbito nacional,
como a Rede Cegonha, a Rede de Atenção Psicossocial, a Rede de Urgência-Emergência,
entre outras.
Em 28 de junho de 2011, com a publicação do Decreto nº 7.508, que regulamenta a
Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, dá-se grande avanço para a construção das RAS
nas regiões de Saúde. A criação do Contrato Organizativo de Ação Pública (Coap), enquanto
instrumento jurídico para pactuação entre os gestores, e a constituição da Comissão
Intergestores Regional (CIR), enquanto espaço legítimo para deliberações, propiciam que
os diversos territórios no País se organizem para, de fato, estruturarem seus serviços de
Atenção à Saúde dentro de uma rede.

Região de Saúde: espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de


municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e
de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a
finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de
Saúde (BRASIL, 2011).

A relevância das condições crônicas como “necessidades em saúde” levou à


publicação da Portaria nº 252, de 19 de fevereiro de 2013, que institui a Rede de Atenção
às Pessoas com doenças Crônicas no âmbito do SUS. O objetivo é promover a
reorganização do cuidado, sua qualificação, ampliando as estratégias de cuidado e também
para promoção da saúde e prevenção do desenvolvimento das doenças crônicas e suas
complicações. Essas redes temáticas podem ser realizadas a partir das Comissões
Intergestores Bipartites (CIB) e das CIR. O diagnóstico situacional orienta a elaboração de
planos de ação, de acordo com os princípios e diretrizes da rede.

VAMOS POR EM PRATICA O QUE APRENDEMOS

1- Caracterize as redes de Atenção à Saúde (RAS).


2- Em que consiste as RAS
3- Conceitue região de saúde
4- O que são os serviços de Atenção Primária?

Atributos da Rede de Atenção à Saúde

1. População e território definidos com amplo conhecimento de suas necessidades


e preferências que determinam a oferta de serviços de Saúde.
2. Extensa gama de estabelecimentos de Saúde que prestam serviços de promoção,
prevenção, diagnóstico, tratamento, gestão de casos, reabilitação e cuidados paliativos e
integram os programas focalizados em doenças, riscos e populações específicas, os serviços
de Saúde individuais e os coletivos.
3. Serviços de Atenção Primária em Saúde estruturados como primeiro nível de
atenção e porta de entrada ao sistema, constituídos de equipe multidisciplinar que cobre a
população, integrando, coordenando o cuidado e atendendo às suas necessidades de
saúde.
4. Prestação de serviços especializados em lugar adequado.
4
5. Existência de mecanismos de coordenação, continuidade do cuidado e integração
assistencial por todo o contínuo da atenção.
6. Atenção à Saúde centrada no indivíduo, na família e na comunidade, tendo em
conta as particularidades culturais, gênero, assim como a diversidade da população.
7. Sistema de governança único para toda a rede com o propósito de criar uma
missão, visão e estratégias nas organizações que compõem a região de Saúde; definir
objetivos e metas que devam ser cumpridos no curto, médio e longo prazo; articular as
políticas institucionais; e desenvolver a capacidade de gestão necessária para planejar,
monitorar e avaliar o desempenho dos gerentes e das organizações.
8. Participação social ampla.
9. Gestão integrada dos sistemas de apoio administrativo, clínico e logístico.
10. Recursos humanos suficientes, competentes, comprometidos e com incentivos
pelo alcance de metas da rede.
11. Sistema de informação integrado que vincula todos os membros da rede, com
identificação de dados por sexo, idade, lugar de residência, origem étnica e outras variáveis
pertinentes.
12. Financiamento tripartite, garantido e suficiente, alinhado com as metas da rede.
13. Ação intersetorial e abordagem dos determinantes da Saúde e da equidade em
Saúde.
14. Gestão baseada em resultados.

Princípios e diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde


das Pessoas com Doenças Crônicas

1. Propiciar o acesso e o acolhimento aos usuários com doenças crônicas em todos


os pontos de atenção.
2. Humanização da atenção, buscando-se a efetivação de um modelo centrado no
usuário e baseado nas suas necessidades de saúde.
3. Respeito às diversidades étnico-raciais, culturais, sociais e religiosas e hábitos e
cultura locais.
4. Garantia de implantação de um modelo de atenção centrado no usuário e
realizado por equipes multiprofissionais.
5. Articulação entre os diversos serviços e ações de Saúde, constituindo redes de
Saúde com integração e conectividade entre os diferentes pontos de atenção.
6. Atuação territorial, com definição e organização da rede nas regiões de Saúde, a
partir das necessidades de saúde das respectivas populações, seus riscos e vulnerabilidades
específicas.
7. Monitoramento e avaliação da qualidade dos serviços por meio de indicadores de
estrutura, processo e desempenho que investiguem a efetividade e a resolutividade da
atenção.
8. Articulação interfederativa entre os diversos gestores, desenvolvendo atuação
solidária, responsável e compartilhada.
9. Participação e controle social dos usuários sobre os serviços.
10. Autonomia dos usuários, com constituição de estratégias de apoio ao
autocuidado.
11. Equidade, a partir do reconhecimento dos determinantes sociais da Saúde.
12. Regulação articulada entre todos os componentes da rede com garantia da
equidade e integralidade do cuidado.
5
13. Formação profissional e educação permanente, por meio de atividades que
visem à aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes dos profissionais de Saúde para
qualificação do cuidado, de acordo com as diretrizes da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde.

Componentes da Rede de Atenção à Saúde das


Pessoas com Doenças Crônicas

1. Serviços de Atenção Básica/Atenção Primária: centro de comunicação da rede,


tendo um papel-chave na estruturação desta, como ordenadora da rede e coordenadora
do cuidado, além de realizar o cuidado integral e contínuo da população que está sob sua
responsabilidade e de ser a porta de entrada prioritária para a organização do cuidado.
2. Serviços de Atenção Especializada: conjunto dos diversos pontos de atenção com
diferentes densidades tecnológicas, que incluem ações e serviços de urgência,
ambulatoriais, especializados e hospitalares, sendo apoio e complemento aos serviços da
Atenção Básica.
a) Ambulatórios especializados: conjunto de serviços e ações eletivas de média e de
alta complexidade.
b) Hospitalar: ponto de atenção estratégico voltado para as internações eletivas
e/ou de urgência de usuários agudos ou crônicos agudizados.
c) Serviços de Urgência e Emergência: conjunto de serviços e ações voltadas aos
usuários que necessitam de cuidados imediatos nos diferentes pontos de atenção, inclusive
de acolhimento aos usuários que apresentam agudização das condições crônicas.
3. Sistemas de apoio: são constituídos pelos sistemas de apoio diagnóstico e
terapêutico (patologia clínica, imagens, entre outros) e pela assistência farmacêutica.
4. Sistemas logísticos: são soluções em Saúde, em geral relacionadas às tecnologias
de informação. Integram este componente os sistemas de identificação e de
acompanhamento dos usuários; o registro eletrônico em Saúde; os sistemas de transportes
sanitários; e os sistemas de informação em Saúde.
5. Regulação: compreende-se a regulação como componente de gestão para
qualificar a demanda e a assistência prestada, otimizar a organização da oferta, promover a
equidade no acesso às ações e serviços de Saúde e auxiliar no monitoramento e na
avaliação dos pactos intergestores. Visa garantir o acesso às ações e aos serviços de maior
densidade tecnológica.
6. Governança: é entendida como a capacidade de intervenção que envolve
diferentes atores, mecanismos e procedimentos para a gestão regional compartilhada da
referida rede. Constituem esse componente as Comissões Intergestores.

A implantação de redes de atenção às doenças crônicas nos diversos territórios


deverá ser realizada por meio das linhas de cuidado específicas. E esse processo será
incorporado à organização do Coap regional, integrando-o às demais redes temáticas
existentes no território.

6
OS DETERMINANTES DA SAÚDE E SEU IMPACTO NA SAÚDE DA POPULAÇÃO
BRASILEIRA

Saúde é “um fenômeno clínico e sociológico, vivido culturalmente” (MINAYO, 1992),


ou seja, obra de complexa produção social, cujos resultados na qualidade de vida de uma
sociedade estão relacionados às decisões sobre os determinantes sociais da Saúde. Em
1992, Dahlgren e Whitehead sistematizaram o conjunto de determinações do processo
saúde/doença ou saúde/adoecimento a partir do paradigma da promoção da saúde e, no
caso brasileiro, associada à perspectiva da mudança social (BUSS apud CZERESNIA;
FREITAS, 2003) e da redução das iniquidades.

Vamos pôr em pratica o que aprendemos!

1-O que você entende por doenças crônicas?


2- Depois de entender o texto qual o seu conceito de saúde?
3- Como deve ser a implantação de redes de atenção às doenças crônicas?
4- Cite 04 componentes da Rede de Atenção à Saúde das
Pessoas com Doenças Crônicas.

Os determinantes distais são as condições socioeconômicas, culturais e ambientais


em que as pessoas, suas famílias e as redes sociais estão inseridas, são o desenvolvimento
e a riqueza de um país, uma região ou um município, e a forma como essa riqueza é
distribuída, resultando em distintas condições de vida de uma dada população. Os
determinantes intermediários são representados pelas condições de vida e de trabalho, o
acesso à alimentação, à educação, à produção cultural, ao emprego, à habitação, ao
saneamento e aos serviços de Saúde (e a forma como se organizam).
E os determinantes proximais são aqueles relacionados às características dos
indivíduos, que exercem influência sobre seu potencial, sua condição de saúde (idade,
sexo, herança genética) e suas relações, formais e informais, de confiança, de cooperação,
de apoio nas famílias, na vizinhança e nas redes de apoio, onde acontecem as decisões dos
comportamentos e estilos de vida, determinados socialmente pela interação de todos os
níveis aqui apresentados. O Brasil, signatário da Comissão Mundial sobre Determinantes
Sociais da Saúde, proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio da
Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, recomenda intervenções em
todos os níveis, especialmente sobre crescimento econômico e distribuição de renda,
educação, saneamento, habitação, emprego, trabalho e meio ambiente (COMISSÃO
NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2008).
Do ponto de vista das intervenções no âmbito dos serviços locais de Saúde, deve-se
incidir sobre a forma como os determinantes sociais produzem as iniquidades em Saúde,
reduzindo-as e buscando melhorar sistematicamente o resultado nas condições de vida das
pessoas. As intervenções recomendadas aos serviços de Saúde para os distintos níveis de
determinação, principalmente os proximais e os intermediários, deverão se fundamentar
na efetividade das práticas que irão produzir a redução das iniqüidades e os melhores
resultados de saúde na população.
7
E essas intervenções serão distintas se considerados os indivíduos em seu cuidado
singular (com seus fatores de risco clínicos, vulnerabilidades e potencialidades próprias) ou
se considerada uma dada população. Leavell e Clarck, em 1976, sistematizaram os
conceitos de promoção, prevenção, cura e reabilitação dentro de um modelo explicativo
do processo saúde/doença denominado história natural da doença, e apresentaram a
aplicação de medidas preventivas (LEAVELL; CLARCK, 1976). Na prevenção primária, ao
sujeito que não apresenta doenças ou sofrimento, são feitas intervenções de promoção da
saúde ou de proteção, como as imunizações. Na prevenção secundária, o sujeito também
não apresenta sintomas, e faz-se uma intervenção à procura de doença (rastreamentos).
Os determinantes distais são as condições socioeconômicas, culturais e ambientais
em que as pessoas, suas famílias e as redes sociais estão inseridas, são o desenvolvimento
e a riqueza de um país, uma região ou um município, e a forma como essa riqueza é
distribuída, resultando em distintas condições de vida de uma dada população. Os
determinantes intermediários são representados pelas condições de vida e de trabalho, o
acesso à alimentação, à educação, à produção cultural, ao emprego, à habitação, ao
saneamento e aos serviços de Saúde (e a forma como se organizam).
E os determinantes proximais são aqueles relacionados às características dos
indivíduos, que exercem influência sobre seu potencial, sua condição de saúde (idade,
sexo, herança genética) e suas relações, formais e informais, de confiança, de cooperação,
de apoio nas famílias, na vizinhança e nas redes de apoio, onde acontecem as decisões dos
comportamentos e estilos de vida, determinados socialmente pela interação de todos os
níveis aqui apresentados.
O Brasil, signatário da Comissão Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde,
proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio da Comissão Nacional sobre
Determinantes Sociais da Saúde, recomenda intervenções em todos os níveis,
especialmente sobre crescimento econômico e distribuição de renda, educação,
saneamento, habitação, emprego, trabalho e meio ambiente (COMISSÃO NACIONAL SOBRE
DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2008). Do ponto de vista das intervenções no âmbito
dos serviços locais de Saúde, deve-se incidir sobre a forma como os determinantes sociais
produzem as iniquidades em Saúde, reduzindo-as e buscando melhorar sistematicamente
o resultado nas condições de vida das pessoas.
As intervenções recomendadas aos serviços de Saúde para os distintos níveis de
determinação, principalmente os proximais e os intermediários, deverão se fundamentar
na efetividade das práticas que irão produzir a redução das iniquidades e os melhores
resultados de saúde na população. E essas intervenções serão distintas se considerados os
indivíduos em seu cuidado singular (com seus fatores de risco clínicos, vulnerabilidades e
potencialidades próprias) ou se considerada uma dada população. Leavell e Clarck, em
1976, sistematizaram os conceitos de promoção, prevenção, cura e reabilitação dentro de
um modelo explicativo do processo saúde/doença denominado história natural da doença,
e apresentaram a aplicação de medidas preventivas (LEAVELL; CLARCK, 1976).
Na prevenção primária, ao sujeito que não apresenta doenças ou sofrimento, são
feitas intervenções de promoção da saúde ou de proteção, como as imunizações. Na
prevenção secundária, o sujeito também não apresenta sintomas, e faz-se uma
intervenção à procura de doença (rastreamentos). E, na prevenção terciária, o sujeito
encontra-se doente e a intervenção é para prevenir complicações (exemplo: o exame
sistemático dos pés em pessoas com diabetes). Em 1995, Marc Jamoulle e Roland propõem
novo conceito para a prática em Atenção Primária, a partir da reflexão sobre o encontro do
profissional de Saúde e das pessoas, problematizando os distintos objetivos desses
8
encontros: enquanto o profissional de Saúde, em geral, sente-se atraído pelas doenças, as
pessoas estão preocupadas com a experiência do sofrimento, da doença ou da morte
(JAMOULLE; ROLAND, 1995). Nas situações onde o sujeito se sente doente e o médico não
encontra doença, existe um risco de dano por intervenções desnecessárias.
Na prevenção quaternária, o médico preocupa se em “identificar os riscos de
superprevenção, superdiagnóstico e supermedicalização, a E, na prevenção terciária, o
sujeito encontra-se doente e a intervenção é para prevenir complicações (exemplo: o
exame sistemático dos pés em pessoas com diabetes). Em 1995, Marc Jamoulle e Roland
propõem novo conceito para a prática em Atenção Primária, a partir da reflexão sobre o
encontro do profissional de Saúde e das pessoas, problematizando os distintos objetivos
desses encontros: enquanto o profissional de Saúde, em geral, sente-se atraído pelas
doenças, as pessoas estão preocupadas com a experiência do sofrimento, da doença ou da
morte (JAMOULLE; ROLAND, 1995). Nas situações onde o sujeito se sente doente e o
médico não encontra doença, existe um risco de dano por intervenções desnecessárias. Na
prevenção quaternária, o médico preocupase em “identificar os riscos de superprevenção,
superdiagnóstico e supermedicalização, a fim de proteger o sujeito de intervenções
inapropriadas e sugerir alternativas eticamente aceitáveis”.

Fonte: (KUEHLEIN et al., 2010).

Ao serem propostas intervenções preventivas para uma população, depara-se com


o “paradoxo da prevenção”, definido por Rose (1981) como “a medida preventiva que traz
grandes benefícios à comunidade e oferece pouco a cada indivíduo participante”.
Mudanças populacionais têm grandes efeitos, por exemplo: haverá a redução de um
quarto dos problemas clínicos e seus tratamentos se ocorrer: (a) redução de 3% na média
da pressão arterial de dada população; ou (b) diminuição de 1 kg na média do peso das
pessoas; ou (c) redução de 10% na média do consumo de álcool; ou (d) redução de 25% no
consumo de sal (INTERSALT COOPERATIVE RESSARCH GROUP, 1988). Ou seja, intervenções
que envolvem toda uma população são mais efetivas em reduzir doenças e riscos de
adoecer do que aquelas direcionadas a subgrupos de indivíduos já doentes.
Na proposta, as intervenções sobre os determinantes intermediários serão as ações
intersetoriais que potencializam, no território, a melhoria nas condições de saneamento,
habitação, geração de emprego e renda, escolaridade, infraestrutura urbana, transporte,
cultura e lazer da comunidade. As macropolíticas influenciam os determinantes distais da
Saúde e seu impacto será sempre mais evidente, pois são dirigidas a toda a sociedade.
As ações de promoção da saúde que ocorrem nos territórios, coordenadas por
serviços e comunidade, ou as que se estabelecem entre as equipes de Saúde e seus

9
usuários e familiares são influenciadas pelas macropolíticas. O tabagismo é um exemplo:
ainda que no nível individual as equipes de Saúde devam ofertar assistência
comportamental sempre que seja manifesto o desejo de cessação do tabagismo, é no nível
da macropolítica que se dá o maior impacto sobre o controle do tabagismo. Segundo a
OMS, para se atingir a meta “Mundo Livre do Tabaco” nas próximas décadas, as
intervenções incluem:
1. Políticas de preços: aumento de taxas e impostos que incidem sobre o custo para
o consumidor.
2. Informação e comunicação: limites à publicidade e à promoção, à exposição de
produtos e ao marketing e rotulagem obrigatória.
3. Embalagem: tamanho mínimo de maços de cigarro.
4. Distribuição: restrição das vendas a menores, máquinas de venda automática de
cigarros com tecnologia para proteção da juventude. 5. Consumo: proibição de fumar em
locais públicos, bares e locais de trabalho (GOULART, 2011).
As intervenções sobre a população que não apresenta doenças, mas com fatores de
risco para adoecer, precisam ser dirigidas a dar suporte e apoio às mudanças de estilo de
vida e das “escolhas” determinadas socialmente. Podem ser estruturadas a populações ou
a indivíduos, a partir da estratificação de risco, para que a rede de serviços da Saúde e dos
outros setores possa ofertar a atenção correta às distintas necessidades das pessoas, com
custo-efetividade e qualidade assistencial. Essas medidas precisam ser efetivas, seguras e
aceitas pelos indivíduos, e seu custo deve ser possível tanto para os serviços de Saúde
como para as pessoas (em termos emocionais, físicos ou sociais) (ROSE, 2010). A situação
de saúde no Brasil, provocada pela transição demográfica e epidemiológica, exige que o
sistema de Saúde brasileiro responda pela “tripla carga de doenças” (FRENK, 2006). Esta é
caracterizada por:

1. Presença das doenças infecciosas e parasitárias: dengue, H1N1, malária, hanseníase,


tuberculose;

2. Aumento das doenças crônicas pelo envelhecimento das pessoas e aumento dos fatores
de risco (fumo, sedentarismo, inatividade física, sobrepeso e má alimentação); e
3. Aumento da violência e morbimortalidade por causas externas.
Às doenças cardiovasculares, respiratórias crônicas, renais, diabetes e cânceres são
atribuídos cerca de 70% dos óbitos em 2007 (SCHMIDT et al., 2011). Em termos de mortes
atribuíveis, os grandes fatores de risco globalmente conhecidos são: pressão arterial
elevada (responsável por 13% das mortes no mundo), tabagismo (9%), altos níveis de
glicose sanguínea (6%), inatividade física (6%) e sobrepeso e obesidade (5%) (WHO,
2009). As taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias crônicas estão
diminuindo, possivelmente como resultado do controle do tabagismo e do maior acesso à
Atenção Primária (SCHMIDT et al., 2011).
Os quatro grupos de doenças crônicas de maior impacto mundial (doenças do
aparelho circulatório, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas) têm quatro fatores
de risco em comum (tabagismo, inatividade física, alimentação não saudável e álcool). No
Brasil, esses fatores de risco são monitorados por meio de diferentes inquéritos de Saúde,
com destaque para o monitoramento realizado pelo Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e
Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) (BRASIL, 2011).
O contexto atual clama pela estruturação do trabalho das equipes de Atenção
Básica, cujos processos de trabalho devem responder às muito prevalentes e complexas
doenças crônicas, que não “curam”, como as doenças agudas, mas permanecem ao longo
10
da vida dos indivíduos. Recentes evidências mostram que equipes multidisciplinares
atuando de forma coordenada, preparadas para orientar e apoiar as pessoas a lidar com
suas condições e a responder às agudizações desses processos, alcançam melhores
resultados.
Entre as atividades a serem incorporadas destacam-se a estratificação das pessoas
segundo riscos/vulnerabilidade, com intervenções individuais e coletivas conforme o
estrato de risco; o cuidado compartilhado; o apoio ao autocuidado; a maior qualidade nos
cuidados preventivos, inclusive na prevenção de uso desnecessário de tecnologias; a
reformulação de saberes e práticas oriundas da formação, incorporando conceitos das
ciências sociais, intervenções comportamentais, neuropsicológicas, ambientais e
econômicas – que podem se dar em programas de educação permanente, cursos,
discussão de casos, consensos, aprendizagem entre pares, bem como na implementação
de ações intersetoriais.
Visando apoiar as equipes de Saúde a responder melhor ao aumento das doenças
crônicas e seus fatores de risco, às comorbidades e demais consequências do aumento da
expectativa de vida da população, o Ministério da Saúde lançou, em 2011, o Plano de
Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)
no Brasil – 2011-2022. Estruturado em três eixos (1. Vigilância, informação, avaliação e
monitoramento; 2. Promoção da saúde; e 3. Cuidado integral), esse plano sistematiza as
ações necessárias para enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (MALTA et
al., 2010).

A organização dos serviços de atenção primária à saúde para


responder às necessidades em saúde

As evidências de que a Atenção Primária à Saúde (APS) é o melhor modelo de


organização dos sistemas e serviços de Saúde são inúmeras e inequívocas. Da mesma
forma, não há dúvidas sobre a complexidade do trabalho nas Unidades de Atenção Básica:
o trabalho é difícil e exige que equipes multidisciplinares bem preparadas utilizem
metodologias e ferramentas de comprovada eficiência para organizar os processos de
trabalho (TAKEDA, 2013). Este capítulo explicita algumas diretrizes e um conjunto de
aspectos da organização da assistência nas Unidades Básicas de Saúde, consoante com os
princípios da Política Nacional de Atenção Básica, publicados na Portaria MS/GM nº 2.488,
de 21 de outubro de 2011; sistematiza orientações com o propósito de apoiar as equipes
de Saúde na reorganização das atividades assistenciais; e, apresenta ainda algumas
orientações para a implementação de “novas” tecnologias em serviços de Atenção
Primária.

Os princípios que orientam a reorganização dos processos de trabalho

A reorganização das atividades das equipes de Saúde para o alcance de melhores


resultados nas doenças crônicas está dentro de um contexto (os princípios e os atributos
da APS e do SUS), e são destacados a seguir aspectos que vêm sendo apontados como nós
críticos em serviços de Atenção Primária (SSC-GHC, 2013; CEPAPS, 2012).
a) Ampliar o acesso da população aos recursos e aos serviços das Unidades Básicas
de Saúde: a utilização dos serviços e dos recursos de Saúde nem sempre ocorrem de forma
que quem mais precisa consiga acesso (HART, 1991). Frequentemente, pessoas com

11
menores riscos à saúde têm número de consultas considerado maior que o necessário para
o adequado acompanhamento de suas condições crônicas de saúde, enquanto outras com
maiores riscos e vulnerabilidade não conseguem acesso ao cuidado. Ou, ao contrário, a
grande maioria dos recursos é utilizada em uma minoria com doenças graves. A
estratificação segundo riscos e as respostas das unidades básicas, conforme o estrato de
risco, ajudam a adequar e a ampliar o acesso (MENDES, 2012).
b) Buscar maior qualidade da Atenção à Saúde: qualidade é a capacidade dos
serviços de Saúde em responder de forma efetiva às necessidades de saúde, no momento
em que as pessoas precisam. Isso quer dizer: acesso e efetividade das ações. O uso de
diretrizes clínicas baseadas em evidências realizado conjuntamente com profissionais da
Atenção Primária está relacionado à efetividade do cuidado. As melhores recomendações,
muitas vezes com inequívocas evidências de melhores resultados, nem sempre são
utilizadas.
c) Persistir na busca à integralidade da atenção: a integralidade tem várias
dimensões e depende de um conceito amplo de saúde. Integralidade compreende
promoção da saúde, prevenção e tratamento de doenças e recuperação da saúde. Refere-
se, ainda, à abordagem integral do indivíduo (todos os sistemas fisiológicos, bem como os
aspectos psicológicos, e contexto familiar e social) e da população sob responsabilidade
das equipes básicas. Assim, o indivíduo com diabetes frequentemente é também
hipertenso, pode estar deprimido, talvez não tenha tido uma consulta odontológica há
vários anos e muito provavelmente convive com familiares com as mesmas condições
crônicas de saúde (CEPAPS, 2012).

Os quatro tipos básicos de consultas/encontros entre pacientes e equipes de Saúde

Recepção e acolhimento
Vários termos com significados relacionados têm sido utilizados no dia a dia para
falar do mesmo assunto: a recepção, o acolhimento, a porta de entrada, o acesso, a
acessibilidade, o atendimento do dia, a demanda espontânea. Assim, ao tratar do assunto,
cabe destacar o que almejamos: que as pessoas possam usufruir dos serviços de Saúde que
necessitam, no momento em que necessitam, com qualidade e equidade. O usuário com
doenças crônicas é, usualmente, um grande frequentador da Unidade Básica de Saúde,
buscando-a por diversas razões: renovação de receitas, consulta de acompanhamento,
verificação da pressão e/ou glicemia, atendimento para agudização de sua condição

12
crônica, entre outras. Os protocolos clínicos baseados em evidências são muito úteis ao
recomendar o que fazer em cada situação, a exemplo dos Cadernos de Atenção Básica.

Acolher adequadamente uma consulta de demanda espontânea implica responder à


necessidade atual e organizar (programar) o acompanhamento de sua condição crônica. De
modo geral, a ocorrência de uma situação aguda deve ser avaliada investigando:

• o uso das medicações prescritas, utilizadas, doses, horários;


• a alimentação (recente eventuais exageros ou dieta muito restritiva);
• a atividade física (realização recente, muito intensa);
• o uso de álcool, tabaco e outras drogas;
• episódios de conflitos e outros estresses emocionais.

Há muitas vantagens do primeiro atendimento das complicações agudas da


hipertensão arterial sistêmica e do diabetes mellitus, por exemplo, ser realizado na
Unidade Básicas de Saúde (UBS). A maior parte das agudizações das doenças crônicas pode
ser mais bem manejada na UBS: o profissional/a equipe conhece o usuário, seus problemas
de saúde, as medicações prescritas, sua história, seu contexto. Esse episódio pode servir de
alerta para a possibilidade de tratamento não adequado ou não utilização das medicações
prescritas. No decorrer da consulta por demanda espontânea, o profissional verifica e
revisa o plano de acompanhamento, a periodicidade de contatos com a equipe de Saúde
de acordo com seus riscos/vulnerabilidade. Caso necessário, o agendamento de consulta
subsequente para avaliação clínica e solicitação de exames deve ser realizado.

ESTRATIFICAÇÃO SEGUNDO RISCOS

Estratificar significa agrupar, segundo uma ordem, um critério. Estratificar, em


doenças crônicas, significa reconhecer que as pessoas têm diferentes graus de
risco/vulnerabilidade e, portanto, têm necessidades diferentes. Mas, para estratificar, é
preciso identificar os riscos de cada indivíduo, que podem ser considerados como leve,
moderado ou alto, segundo classificações diversas. Por exemplo, para avaliar o risco para
problemas cardiovasculares, temos a Classificação de Framinghan2, que avalia e classifica o
risco de ocorrer um evento cardiovascular nos próximos dez anos.

Por que estratificar?

Essencialmente porque as pessoas têm diferentes necessidades, que variam conforme


seu risco. Hipertensos com baixo e médio risco cardiovascular, por exemplo, beneficiam-se
mais de ações de promoção, de prevenção e de autocuidado apoiado do que hipertensos
de alto risco cardiovascular, que necessitam de mais cuidados clínicos e de apoio para
adesão aos tratamentos. Conhecer os riscos de cada usuário ajuda as equipes de Atenção
Básica a adequar as ações, tanto individuais como coletivas, conforme as necessidades da
população adscrita, além de utilizar melhor os recursos do serviço.

Como estratificar

Na atenção às condições crônicas, existem diferentes formas de estratificação. A seguir


é apresentada proposta que busca identificar os grupos de pessoas com semelhantes
13
necessidades, de acordo com dois critérios (MENDES, 2012): 1) a severidade da condição
crônica estabelecida; e 2) a capacidade de autocuidado, que contempla aspectos
socioeconômicos e culturais, o grau de confiança e o apoio que as pessoas têm para cuidar
de si mesmas. Sturmer e Bianchini (2012) apresentam proposta que integra os dois
aspectos e é descrita a seguir.

Grau de severidade da condição crônica e capacidade para autocuidado, determinando o


nível (ou estrato) de estratificação

14
DOENÇAS TRANSMISSIVEIS
E ENDEMICAS

15
CULICÍDEOS E PSICODÍDEOS
Introdução
Os Culicídeos e Psicodídeos são artrópodes dípteros distribuídos por todo o planeta,
exceto Antártida (ALMEIDA, 2011). São insetos cuja principal relevância se deve ao fato de
serem vetores de importantes doenças à espécie humana, tais como a malária,
leishmanioses, arboviroses e filarioses linfáticas, responsáveis por elevadas cifras de
morbilidade e mortalidade (IRISH et al., 2020). As doenças infecciosas têm um impacto
significativo na saúde pública na região das Américas e em todo o mundo. As doenças
transmitidas por vetores representam mais de 17% das doenças infecciosas no mundo,
causando mais de 700 mil mortes por ano (OMS, 2018).
Milhões de casos de Malária, Dengue, Febre Amarela, Filarioses e Leishmanioses
ocorrem no mundo anualmente, com milhares de mortes (WHO, 2019; WHO, 2020ª), assim
como milhares de casos e mortes por febre amarela (WHO, 2018), a maioria concentrados
em regiãos tropicais, onde as condições ambientais favorecem a proliferação dos vetores
(CAMARGO, 2008). Visto a importância desses insetos dípteros, esta revisão caracteriza-se
pela descrição de aspectos bioecológicos, morfológicos e importância médica das famílias
Culicidae e Psycodidae em regiões tropicais.

MOSQUITOS DE INTERESSE À SAÚDE PÚBLICA NOS TRÓPICOS


Os mosquitos pertencem ao Filo Arthropoda, Classe Insecta, Ordem Díptera,
Subordem Nematocera e Família Culicidae Meigen, 1830. Os insetos adultos medem de 3-7
mm de comprimento, em média, possuem corpo delgado com escamas e as patas são
longas e finas (KGOROEBUTSWE et al., 2020). Possuem dimorfismo sexual, onde nos
machos as antenas são plumosas e nas fêmeas pilosas, e ambos os sexos dispõem de uma
probóscide longa e flexível (BAIA-DA-SILVA et al., 2020). São insetos holometabólicos, em
que as formas imaturas, ovo, larva (4 estágios) e pupa, não se assemelham ao inseto
adulto. Os adultos vivem no meio aéreo, mas todas as formas imaturas evoluem em
coleções de água, temporárias ou permanentes, naturais ou artificiais (CONSOLI; OLIVEIRA,
1994). A duração do ciclo de vida de ovo a adulto pode variar entre 7 dias a 31°C, a 20 dias
a 20°C (ALMEIDA, 2011). O tempo de vida médio de uma fêmea em condições climáticas
favoráveis é de quatro a cinco semanas e, ocasionalmente, vários meses, enquanto os
machos vivem menos (CORNEL et al., 2003). Quanto à alimentação, o macho se alimenta
exclusivamente de sucos vegetais e néctares e a fêmea alimenta-se preferencialmente de
sangue de animais vertebrados, embora também sobreviva sem oviposição quando se
alimentando de néctares (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994).
A Família Culicidae está dividida em duas subfamílias, Anophelinae e Culicinae com
dezenas de gêneros e com mais de 3.500 espécies reconhecidas. Neste trabalho daremos
enfoque dentro da subfamília Anophelinae ao gênero Anopheles Meigen, 1818 e na
subfamília Culicinae aos gêneros, Aedes Meigen, 1818, Culex Linnaeus, 1758, Haemagogus
Williston, 1896 e Sabethes Robineau-Desvoidy, 1827.

Vamos pôr em pratica o que aprendemos!

1-O que são os Culicídeos e Psicodídeos?


2 Cite exemplos de doenças transmitidas por vetores
Família
3-Como se Culicidae
caracterizam Sub-familia
os insetos da classeAnophelinae
Culicidae e Psycodidae?
4- Como se caracterizam os mosquitos
16 da classe nos trópicos?
5-Como está dividida a Família Culicidae?
O gênero Anopheles divide-se em cinco subgêneros, no entanto somente dois
estão envolvidos na transmissão de malária no Brasil: Nyssorhyncus Blanchard, 1902 e
Kerteszia Theobald, 1905. São conhecidas mais de 400 espécies de Anopheles e 41 delas
são vetoras de agentes etiológicos da malária (WHO, 2020b). A fêmea do Anopheles
(Nyssorhynchus) darlingi Root, 1926 é o principal vetor responsável pela transmissão do
protozoário causador da malária portodo o Brasil (OLIVEIRA-FERREIRA et al., 2010). Possui
comportamento antropofílico e é encontrada principalmente em área peridomiciliar.
Entre as outras espécies encontradas no Brasil, somente Anopheles (Nyssorhynchus)
aquasalis Curry, 1932 é considerado também vetor primário da malária em algumas áreas
do Nordeste e Norte do Brasil e as demais espécies como, Anopheles (Nyssorhynchus)
albitarsis Lynch-Arribálzaga 1878, Anopheles (Kerteszia) cruzi Dyar; Knab, 1908 e Anopheles
(Kerteszia) mazonen Dyar e knab, 1906 são considerados vetores secundários da Malária
(MARCONDES, 2001; SINKA et al., 2012). Os anofelíneos diferenciam-se dos culicíneos por
pousarem com o corpo e a probóscide em linha reta, quase em ângulo reto com o
substrato. As fêmeas possuem os palpos de comprimento semelhante ao da probóscide,
com a margem posterior do escutelo arredondada (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994). Conforme
demonstrado na Figura 1 (A, B e C), enquanto os anofelinos possuem asas com blocos de
escamas claras e escuras de aspecto sarapintado, as asas de Culex e Aedes possuem uma
distribuição mais homogênea das escamas (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994). Todas as espécies
vetoras importantes têm hábitos alimentares nos horários crepusculares, todavia, em
algumas regiões da Amazônia, apresentam-se com hábitos noturnos (BRASIL, 2010).

Sub-familia Culicinae
O Aedes (Stegomyia) aegypti Linnaeus 1762 e Aedes (Stegomyia) albopictus Skuse,
1894 são espécies exóticas de culicíneos na América do Sul, homólogas e simpátricas,
coexistindo em uma mesma região e utilizando criadouros análogos (FORATTINI, 1986). São
insetos escuros e com escamas claras ao longo do corpo. A diferença entre essas espécies
de Aedes pode ser facilmente apontada ao se analisar as manchas do tórax na parte
superior. Conforme demonstrado na Figura 1 (B e C), o Aedes aegypti apresenta um
desenho branco que lembra um violão, enquanto Aedes albopictus apresenta somente
uma listra branca longitudinal no meio do tórax (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994).
A espécie Aedes aegypti é a única comprovadamente responsável pela transmissão
da dengue, zika e mazonenses no Brasil e pode ser transmissora do vírus da febre amarela
em áreas urbanas. Essa espécie está distribuída geralmente em regiões tropicais e
subtropicais. No Brasil, encontra-se disseminada em todas as unidades da federação,
amplamente dispersa em áreas urbanas (BRASIL, 2019).
O Aedes albopictus é o vetor da dengue na Ásia. Embora esteja presente nas
Américas, até o momento não foi associado à transmissão de dengue, mazonenses e zika
nessa região. Apesar disso, a espécie não pode ser desconsiderada pelos programas de
controle já que demonstra competência vetorial em laboratório e está presente em todas
as regiões do Brasil. É frequente em regiões tropicais e subtropicais, podendo ser
encontrado em latitudes temperadas, preferencialmente no peridomicílio e em ambientes
naturais ou modificados (BRASIL, 2019).

17
No gênero Culex a espécie Culex quinquefasciatus Say, 1823 é a mais importante,
sendo o principal vetor da Wuchereria bancrofti, agente etiológico da filariose linfática
(BRASIL, 2011). Os criadouros desse mosquito são comumente fossas sépticas, caixas de
passagem, valas e córregos contaminados por efluentes domésticos, portanto a utilização
desordenada do espaço urbano, associado à falta de infraestrutura de esgoto e drenagem,
resulta no acúmulo de águas paradas e favorecem a proliferação de C. quinquefasciatus
(ALMEIDA, 2011). Os mosquitos adultos apresentam probóscide longa, tem coloração
marrom e as pernas não possuem marcação clara. Assim como outros culicídeos, apresenta
desenvolvimento completo em quatro estágios: ovo, larva (quatro estádios), pupa e
adultos (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994). No gênero Haemagogus sp. Estão os principais vetores
dos vírus da febre amarela, Mayaro e algumas outras arboviroses em áreas silvestres
(BRISOLA; ALENCAR, 2010). As espécies Haemagogus janthinomys Dyar 1921 e
Haemagogus albomaculatus Theobald, 1903 são as principais associadas com a transmissão
do vírus da febre amarela no Brasil (BRASIL, 2004).
Podem ser diferenciados de outros mosquitos pela ausência, no mesonoto, de
cerdas acrosticais, dorsocentrais e pré escutelares, além de apresentarem escamas
prateadas nas pleuras, estendendo se do escudo até as coxas (BRISOLA; ALENCAR, 2010).
Uma característica importante da espécie H. janthinomys é que, uma vez infectado,
permanece assim por toda a vida (aproximadamente 3 meses) e pode manter o vírus por
meio da postura de ovos. Suas fêmeas podem voar distâncias de até 11 km, inclusive entre
áreas de florestas separadas por cerrados (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994). O gênero Sabethes
pertence a tribo Sabethini.
A espécie Sabethes chloropterus Humboldt, 1819 é um potencial vetor da febre
amarela silvestre e, juntamente com algumas espécies de Haemagogus, mantêm epizootias
de febre amarela em macacos (VASCONCELOS et al., 2001). Os espécimes do gênero
Sabethes são conhecidos por possuírem escamas brilhantes, com reflexos metálicos e
coloridos no corpo (HARBACH, 2007). São encontrados principalmente na região
neotropical, sendo característicos de ambientes silvestres. Apresentam hábitos diurnos e
18
utilizam como criadouros naturais coleções de água que se formam em ocos de árvores,
folhas caídas e internódios de bambus, podendo também ser encontrados em criadouros
artificiais. Muitas espécies são frequentemente acrodendrófilas e zoofílicas. Reproduzem-
se em gerações rápidas com uma acelerada evolução de suas populações, principalmente
em épocas de chuvas (CONSOLI; OLIVEIRA, 1994).

PSICODIDEOS DE IMPORTÂNCIA À SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL

Os Psicodídeos de importância médica pertencem ao Filo Arthropoda, Classe Insecta,


Ordem Díptera, Subordem Nematocera, Família Psychodidae França, 1924 (SILVA, 2010).
Formam um grande grupo de dípteros, dentre os quais os flebotomíneos são os mais
importantes do ponto de vista da saúde pública, por estarem envolvidos na epidemiologia
das leishmanioses, que podem se manifestar nas formas clínicas visceral e tegumentar
(RANGEL; LAISON, 2009) e, além das leishmanioses, podem ser vetores de arbovírus,
bactérias e outros protozoários (READY, 2013). Os flebotomíneos são pequenos, medem de
2 a 3mm, possuem antenas com 16 artículos, coloração amarelo a castanho, corpo
recoberto por grande quantidade de cerdas e suas asas são pontiagudas (lanceoladas),
estreitas e revestidas por intensa pilosidade que, quando em repouso, permanecem eretas
e fletidas para cima, demonstrado na Figura 2ª (GALATI, 2003).
São conhecidos no Brasil por diversos nomes populares como, anjinho, cangalhinha,
mosquito palha, birigui, tatuquira e flebóti. Machos e fêmeas se alimentam de substâncias
açucaradas, mas as fêmeas necessitam de sangue de vertebrados para a maturação de
seus ovos. O ciclo biológico se desenvolve em ambientes terrestres úmidos e escuros, além
de espaços sob pedras e folhas, onde podem ser encontrados ovos, larvas, conforme Figura
2B, e pupa e o ciclo pode ser completado em aproximadamente 2 meses (MARCONDES,
2001).

Os adultos geralmente têm atividade crepuscular e noturna e o habitat típico é a


mata. No entanto, têm conseguido adaptar-se a ambientes peridomiciliares e a
disseminação de algumas espécies para a área urbana tem sido atribuída a alterações
antrópicas, como o desmatamento (AGRA et al., 2016). Como principais vetores de
leishmaniose tegumentar no Brasil destacam-se Nyssomyia intermedia (Ny. Intermedia)
Lutz e Neiva, 1912, Nyssomyia neivai (Ny. Neivai) Pinto, 1930, Nyssomyia whitmani (Ny.
Whitmani) Antunes e mazonen, 1939 Migonemyia migonei Franca, 1920, Nyssomyia

19
umbratilis Ward e Fraiha, 1977, Psychodopygus wellcomei (Psy. Wellcomei) Fraiha, Shaw e
Laison, 1971 e Brichromomyia flaviscutellata Mangabeira, 1942.
Para a leishmaniose visceral a Lutzomyia longipalpis Lutz e Neiva, 1912 é o principal
vetor (LAISON, 2010). A Ny. Intermedia e Ny. Neivai são espécies simpátricas em algumas
regiões do Brasil, tem características antropofílicas e são encontradas em vários focos de
leishmaniose tegumentar, sendo Ny. Intermedia amplamente distribuída no Brasil e Ny.
Neivai importante na transmissão de Leishmania braziliensis (L. braziliensis) no sul do país.
A espécie Ny. whitmani é ávida em picar o homem e importante como vetor de L.
braziliensis, especialmente no Nordeste e Sudeste do Brasil e Psy. wellcomei é vetor de L.
braziliensis na região Norte (BRAZIL; BRAZIL, 2014). A Brichromomyia flaviscutellata é a
espécie vetora da L. amazonensis e Ny. umbratilis da L. guyanensis Floch, 1954 (LAISON,
2010). A indicação das atividades voltadas para o controle vetorial dos flebotomíneos
dependerá das características epidemiológicas e entomológicas de cada localidade (BRASIL,
2019).

CONCLUSÃO

A importância dos dípteros das famílias Culicidae e Psychodidae em Saúde Pública é


justificada pelo elevado número de casos das enfermidades que transmitem em todo o
mundo. Entre os impactos que as alterações climáticas podem causar no Brasil, inclui-se
um possível aumento das populações de dípteros vetores no período chuvoso. A situação
geográfica do país, a presença de aglomerados urbanos com expansão das cidades para
áreas de floresta, as precárias condições de habitação, decorrentes de um rápido e intenso
fluxo migratório da zona rural para as cidades, estão entre os principais determinantes da
reemergência de doenças. As medidas de controle para as doenças vetoriais são
complexas, por envolver diferentes elos da cadeia de transmissão e a efetividade dessas
medidas pode ser aumentada pela sua adequação às condições epidemiológicas específicas
de transmissão em diferentes locais. Portanto, a vigilância sobre estes insetos, se torna
fundamental em termos de Saúde Pública.

IXODIDEOS E SIPHONAPTEROS

Introdução
Os carrapatos são artrópodes de distribuição mundial, pertencentes a classe
Arachnida, subclasse Acari, superordem Parasitiforme, ordem Ixodida e são classificados
em três famílias, Ixodidae, Argasidae e Nuttalliedidae, das quais somente as duas primeiras
ocorrem no Brasil (NAVA et al., 2017). São parasitas hematófagos de mamíferos terrestres,
anfíbios, répteis e aves e importantes vetores de doenças causadas por protozoários, vírus,
bactérias e helmintos, além da picada ocasionar inflamação, coceira e ulcerações na pele
do hospedeiro (BARROS-BATTESTI; ARZUA; BECHARA, 2006; LABRUNA, 2009). As pulgas são
insetos hematófagos, pertencentes a ordem Siphonaptera, que na fase adulta são parasitos
obrigatórios de mamíferos e aves. O parasitismo exerce no hospedeiro ação irritativa,
inflamatória e espoliadora, além de possibilitar a veiculação de doenças ao homem e aos
animais (LINARDI; GUIMARÃES, 2000).
Algumas espécies são penetrantes e os danos causados pela sua presença no corpo
do hospedeiro, podem predispor estes a outras infecções (PAMPIGLIOME et al., 2009).
Entre as doenças transmitidas pelas pulgas destacam-se aquelas causadas por bactérias
como o Tifo murino (Rickettsia mooseri), a Bartonelose (Bartonella spp.) e a Peste (Yersinia

20
pestis) (BITAM et al., 2010; CHOMEL; KASTEN, 2010). As pulgas também atuam como
hospedeiros intermediários de alguns helmintos e podem transmitir vírus e protozoários
aos animais (GUIMARÃES; TUCCI; BARROS-BATTESTI, 2001). Devido a importância dos
carrapatos e pulgas como vetores de doenças para o homem e os animais, este estudo teve
como objetivo abordar características morfológicas, biológicas e a importância na saúde
pública de espécies de carrapatos e pulgas presentes no Brasil.

IXODIDEOS VETORES DE DOENÇAS TROPICAIS

Os arachnídeos possuem 4 pares de patas e, na subclasse Acari, o corpo é dividido em


duas partes principais: a porção anterior, denominada gnatossoma, onde estão as
estruturas que são utilizadas para fixação no hospedeiro e alimentação (quelíceras e
hipostômio) e o restante do corpo é denominado idiossoma, onde estão inseridas as patas
(GUIMARÃES; TUCCI; BARROS BATTESTI, 2001). A abertura do aparelho respiratório
localizada na altura do 4º par de patas ou antero-dorsal a coxa IV é a principal
característica da ordem Ixodida (SERRA-FREIRE; MELLO, 2006). Os carrapatos da família
Ixodidae são popularmente conhecidos como “carrapatos duros” por possuírem um escudo
dorsal recobrindo uma parte do idiossoma na fêmea e todo o idiossoma no macho (Figura
1A e 1B), enquanto os carrapatos da família Argasidae são conhecidos como “carrapatos
moles” por não possuírem escudo dorsal.
Outra diferença morfológica entre as famílias é o gnatossoma visível na porção
anterior em Ixodidae e gnatossoma ventral em Argasidae (ESTRADA-PEÑA, 2015). Os
gêneros e espécies de carrapatos podem ser identificados por meio da observação de
caracteres morfológicos e comparações utilizando chaves dicotômicas (BARROS-BATTESTI;
ARZUA; BECHARA, 2006; DANTAS-TORRES et al., 2019; GUIMARÃES; TUCCI; BARROS-
BATTESTI, 2001.

Figura 1: (A) Fêmea de Amblyomma sculptum (Acari:Ixodidae). (B) Macho de A. sculptum.


(C) Ornithodorus spp. (Acari:Argasidae). (Seta) escudo dorsal.

Fonte: Laboratório de Parasitologia – Campus de Araguaína - Universidade Federal do


Tocantins.

21
Principais carrapatos da família
Ixodidae vetores de doenças ao homem no Brasil

A família Ixodidae compreende 14 gêneros e 736 espécies, com registro de 5


gêneros no Brasil: Amblyomma, Rhipicephalus, Dermacentor, Haemaphysalis e Ixodes e 47
espécies (DANTAS-TORRES et al., 2019; NAVA et al., 2017). No gênero Amblyomma estão
as principais espécies vetores de doenças ao homem no Brasil, destacando-se o
Amblyomma sculptum Berlese, 1888, vetor da Rickettsia rickettsii, agente causador da
febre maculosa brasileira, uma doença febril hemorrágica de notificação compulsória
(LABRUNA et al., 2017). No entanto, Amblyomma aureolatum (Pallas, 1772) também é
vetor de R. rickettsii e Amblyomma ovale Koch, 1844 tem sido incriminado na transmissão
de uma nova rickettsiose no Brasil, causada por Rickettsia parkeri (CAMPOS; DA CUNHA;
ALMOSNY, 2016). O gênero Amblyomma também é apontado como possível vetor de
espiroquetas do complexo Borrelia burgdoferi no Brasil, agente causador da Doença de
Baggio-Yoshinari ou Borreliose de Lyme-Simili (YOSHINARI et al., 2010).
O Amblyomma cajennense (Fabricius, 1787) era considerado uma única espécie
distribuída do sul dos Estados Unidos até o norte da Argentina (ESTRADA-PEÑA;
GUGLIELMONE; MANGOLD, 2004). Entretanto estudos recentes reorganizaram a
taxonomia deste carrapato em complexo Amblyomma cajennense sensu latu que
compreende pelo menos seis espécies distintas, duas delas ocorrem no Brasil: Amblyomma
cajennense sensu stricto e A. sculptum (MARTINS et al., 2016; NAVA et al., 2014). A.
cajennense ss parece estar mais adaptada às condições úmidas do bioma amazônico e A.
sculptum é mais frequente na região sudeste e parece mais adaptado ao período de seca
do bioma Cerrado (LABRUNA, 2018).
As duas espécies têm como principais hospedeiros o equino e a capivara, no
entanto são pouco específicas em relação ao hospedeiro e podem parasitar várias espécies
animais, incluindo o homem, principalmente nas fases imaturas do desenvolvimento
(RODRIGUES et al., 2015). O ciclo biológico de A. sculptum envolve três hospedeiros e dura
em média 1 ano, devido a capacidade da larva permanecer em diapausa em condições
climáticas desfavoráveis ao desenvolvimento (LABRUNA et al., 2002).
O adulto deste carrapato é popularmente denominado “carrapato estrela” ou
“rodoleiro” e a população de adultos é mais prevalente nos meses de outubro a março. As
larvas são hexápodes, conhecidas como “micuins” e ocorrem em maior quantidade no
período de abril a julho, enquanto as ninfas são conhecidas como “vermelhinho” e mais
prevalentes nos meses de junho a outubro. Os estágios imaturos permanecem fixados por
até 7 dias no hospedeiro e os adultos por 7 a 10 dias (BARROS-BATTESTI; ARZUA; BECHARA,
2006; LABRUNA; TERASSINI; CAMARGO, 2009).
Todas as fases de desenvolvimento, larva, ninfa ou adulto, podem transmitir
patógenos (LABRUNA, 2009). Amblyomma aureolatum parasita aves e roedores na fase
imatura e carnívoros na fase adulta, sendo relatado no Brasil em locais úmido e de maior
altitudes da região sudeste (SZABÓ; PINTER; LABRUNA, 2013). Em laboratório, A.
aureolatum se mostrou mais suscetível à infecção por R. rickettsii que A. cajennense,
mantendo a infecção por meio de transmissão transovariana e transestadial, característica
que permite ao carrapato permanecer infectado durante toda a sua vida e também por
muitas gerações após uma infecção primária (LABRUNA et al., 2011). A R. parkeri, agente
causador de uma doença febril, com escaras de inoculação no homem, está presente no
bioma Mata Atlântica, local de ocorrência de A. ovale, carrapato cujos adultos parasitam
22
carnívoros e possuem hábitos antropofílicos. A circulação de canídeos no ambiente
silvestre favorece a introdução do carrapato no ambiente domiciliar e a transmissão da
doença ao homem (FACCINI-MARTÍNEZ et al., 2018).
No gênero Rhipicephalus as espécies Rhipicephalus microplus (Canestrini, 1887) e
Rhipicephalus sanguineus (Latreille, 1806) são encontradas no Brasil, porém somente a
última é incriminada como possível vetor de doença ao homem. O cão doméstico é o
principal hospedeiro de R. sanguineus, mas estes podem infestar uma ampla variedade de
animais domésticos e silvestres e o homem (DANTAS-TORRES, 2010). Infestações por R.
sanguineus são de grande relevância em clínica de cães e gatos, uma vez que podem
provocar anemias severas e transmitir protozoários e bactérias causadores de doenças
graves aos animais, principalmente aos cães (MENDES et al., 2019). No Brasil o parasitismo
de humanos por R. sanguineus não é um evento frequente, considerando o estreito
convívio dos seus hospedeiros com os humanos e o ciclo biológico trioxeno. Infecções
destes carrapatos por R. rickettsii em áreas endêmicas para a febre maculosa já foram
relatadas, no entanto não há comprovação de transmissão ao homem (CAMPOS; DA
CUNHA; ALMOSNY, 2016; OGRZEWALSKA et al., 2012).

Principais carrapatos da família Argasidae de importância no Brasil

No mundo são registradas 218 espécies de argasídeos distribuídas em cinco


gêneros: Antricola, Argas, Ornithodoros, Nothoaspis e Otobius, 93 dessas espécies são
encontras na região Neotropical, sendo 23 delas no Brasil (DANTAS-TORRES et al., 2019;
GUGLIELMONE et al., 2014). Esses artrópodes são capazes de parasitar um ou mais
hospedeiros durante o ciclo biológico e podem se alimentar em mamíferos, aves, répteis
ou anfíbios. Em sua maioria são encontrados dentro dos ninhos ou abrigos de seus
hospedeiros, onde eles se desenvolvem e se reproduzem, ficando à espera do hospedeiro
para realizar a hematofagia (BARROS-BATTESTI; ARZUA; BECHARA, 2006).
O gênero Ornithodoros é, dentre os cinco gêneros da família Argasidae, o mais
representativo, com cerca de 121 espécies descritas em todo o mundo, sendo que 59 delas
são encontradas na região Neotropical e pelo menos 18 já foram relatadas no Brasil
(DANTAS-TORRES et al., 2019; NAVA et al., 2017).
Além do gnatossoma ventral nas ninfas e adultos, este carrapato apresenta o corpo
coberto por granulações e sem uma separação nítida entre a superfície dorsal e ventral
(Figura 1C) (GUIMARÃES; TUCCI; BARROS-BATTESTI, 2001). No ciclo biológico, apresentam
um estágio de larva, de 2 a 8 estágios ninfais e o adulto. As ninfas e adultos se alimentam
rapidamente entre 15 e 60 minutos, já as larvas demoram de 12 horas a vários dias no
hospedeiro. Podem viver por muitos anos, o que os permite se alimentarem várias vezes
quando os hospedeiros estão disponíveis (LANDULFO et al., 2012; RIBEIRO et al., 2013).
Algumas espécies do gênero Ornithodoros são conhecidas por serem vetores do
agente etiológico da febre recorrente em humanos, além de estarem associadas ao risco
de transmissão de outros agentes patogênicos (PAROLA; PADDOCK, 2018). A picada pode
ocasionar lesões graves e toxicose em humanos (OLIVEIRA; FACCINI-MARTÍNEZ, 2019).

PULGAS VETORAS DE DOENÇAS TROPICAIS

As pulgas são insetos que medem de 1 a 7mm, possuem o corpo achatado


lateralmente e coberto de cerdas voltadas para trás, não possuem asas (ápteros), o
aparelho bucal é picador-sugador e possuem o terceiro par de patas maior que os demais,
23
adaptação necessária para o salto, principal forma de locomoção deste inseto (DOBLER;
PFEFFER, 2011). Existem quase 3000 espécies de pulgas descritas no mundo e pelo menos
250 ocorrem na América do Sul, 59 no Brasil (LINARDI; GUIMARÃES, 2000).
A maioria das fases de desenvolvimento são encontradas no ambiente e, embora os
adultos de algumas espécies se fixem ou permaneçam no hospedeiro por longos períodos,
em outras procuram o hospedeiro apenas para se alimentar (LINARDI, 2011; MARCONDES,
2001). No ciclo biológico a fêmea deposita os ovos no ambiente ou no corpo do
hospedeiro, e estes caem no solo, onde são incubados por 1 a 3 dias. Após eclosão a larva
de primeiro estágio deixa o ovo, se alimenta de matéria orgânica presente no ambiente e
sofre duas mudas, chegando ao terceiro estágio, quando tece um casulo constituído de
uma substância pegajosa, ao qual se aderem detritos que auxiliam como um método de
camuflagem do casulo. O período pupal é de 10 dias a vários meses, dependendo das
condições ambientais.
O adulto possui fototaxia positiva e ao emergir do casulo pupal busca o hospedeiro
para se alimentar, no entanto pode sobreviver por vários meses sem alimentação (DOBLER;
PFEFFER, 2011; DRYDEN, 1993). Oito famílias de pulgas são registradas no Brasil, no
entanto, do ponto de vista da saúde pública, as famílias Pulicidae, Rhopalopsyllidae e
Tungidae são as mais importantes (LINARDI; GUIMARÃES, 2000).
Pulgas da família Pulicidae se caracterizam por possuírem os três segmentos
torácicos juntos mais largo que o primeiro segmento abdominal, possuem cerdas
espiniformes nas coxas posteriores e olhos grandes e sem sinus interno, o “sensilium” tem
14 tricobótrias de cada lado e o metaépimero possui espiráculo maior que os outros
espiráculos torácicos. Os representantes desta família encontrados no Brasil são Pulex
irritans, Xenopsylla cheopis e Xenopsylla brasiliensis, Ctenocephalides felis e
Ctenocephalides canis (GUIMARÃES; TUCCI; BARROS-BATTESTI, 2001). Na família
Rhopalopsyllidae o gênero Polygenis apresenta maior importância e na família Tungidae a
espécie Tunga penetrans (EISELE et al., 2003; LINARDI, 2011).

Pulex irritans Linnaeus, 1758

Esta espécie de pulga foi registrada em quase todos os estados brasileiros, tem
como hospedeiro principal o homem, embora seja relatada também em algumas espécies
animais, entre elas o cão e o gato (DOBLER; PFEFFER, 2011). Pode ser diferenciada de
outras espécies da mesma família por não possuir ctenídeos e possui uma cerda pré-ocular
e uma cerda genal (Figura 2A). Os adultos desta espécie procuram o hospedeiro apenas
para exercer a hematofagia, portanto a maior parte da população desta pulga encontra-se
no ambiente (MARCONDES, 2001; LINARDI, 2011). Exemplares de P. irritans já foram
encontrados naturalmente infectados por Salmonella enteritidis, Diplococcus pneumoniae,
Mycobacterium leprae e Yersinia pestis, assim como portando embriões de Hymenolepis
nana (LINARDI; GUIMARÃES, 2000; SERRA-FREIRE; MELLO, 2006).

Xenopsylla Glienkiewicz, 1907

Duas espécies do gênero Xenopsylla ocorrem no Brasil, Xenopsylla cheopis


(Rothschild, 1903) e Xenopsylla brasiliensis (Baker, 1904). Ambas espécies possuem cerdas
occipitais dispostas em fileiras de cada lado da cabeça, cuja disposição simula a letra “V”
(Figura 2B) (LINARDI; GUIMARÃES, 2000). Estas espécies são registradas principalmente em
estados das regiões Nordeste e Sudeste, parasitando roedores domésticos e silvestres
24
(CERQUEIRA et al., 2000; LINARDI; GUIMARÃES, 2000). Ambas espécies são vetores da
Peste Bubônica, mantendo o ciclo da doença entre os animais silvestres e transmitindo
destes ao homem (GRÁCIO; GRÁCIO, 2017).

Ctenocephalides Stiles & Collins, 1930

As pulgas deste gênero possuem espinhos fortes denominados ctenídeos no


pronoto e nas genas (Figura 2C). O gênero possui 13 espécies/subespécies, mas somente
duas são encontradas no Brasil, Ctenocephalides felis (Bouché, 1835) e Ctenocephalides
canis (Curtis, 1826) (LINARDI; SANTOS, 2012). As duas espécies são cosmopolita e possuem
como principais hospedeiros o cão e o gato, no entanto podem parasitar outras espécies
animais, incluindo o homem (DRYDEN, 1993). Ctenocephalides felis possui distribuição
ampla no Brasil, enquanto os relatos de C. canis são mais restritos (LINARDI; GUIMARÃES,
2000). Estas espécies de pulgas têm importância por constituírem-se nas principais
espécies encontradas em centros urbanos, devido a estreita convivência entre cães, gatos e
o homem. A picada pode desencadear no homem uma dermatite alérgica (YOSSEFI;
RAHIMI, 2014). C. felis atua também como hospedeiro intermediário do cestódeo
Hymenolepis nana, além de já ter sido diagnosticada naturalmente infectada por Yersinia
pestis, Rickettsia mooseri, Salmonella enteritidis, Bartonela henselae entre outros
patógenos (BITAM et al., 2010; BOURNE et al., 2018).

Polygenis Jordan, 1939

Pulgas deste gênero podem parasitar roedores silvestres e domésticos, marsupiais,


edentados e carnívoros, entre outros. Espécies deste gênero estão amplamente
distribuídas nas Américas, sendo este o gênero que possui mais espécies no Brasil e muitas
são responsáveis pela manutenção da peste entre os roedores silvestres (LINARDI;
GUIMARÃES, 2000). Caracterizam-se por possuírem os três segmentos torácicos reunidos
mais largos que o primeiro segmento abdominal, não possuem ctenídeos genal e pronotal
e possuem duas ou três fileiras de cerdas paralelas em cada lado da região occipital
(BICHO; RIBEIRO, 1998).

Figura 2: (A) Pulex irritans; (B) Xenopsylla cheopis; (C) Ctenocephalides felis– seta escura aponta
ctenídeos nas genas e no pronoto; (D) Tunga penetrans– seta clara aponta segmentos torácicos comprimidos.

25
Tunga penetrans (Linnaeus, 1758)
A Tunga penetrans é conhecida popularmente como “Bicho-de-pé”, devido a fêmea
penetrar na pele, onde se fixa e alimenta-se de sangue, aumentando várias vezes o
tamanho (GUIMARÃES; TUCCI; BARROS-BATTESTI, 2001). Estas pulgas são pequenas,
medem aproximadamente 1mm quando não alimentadas, possuem os três segmentos
torácicos juntos mais estreito que o primeiro segmento abdominal, a cabeça é angulosa e
as mandíbulas são serrilhadas, conforme pode ser visto na figura 2D (BICHO; RIBEIRO,
1998). Além do homem, animais domésticos como cão, gato, suíno, bovino, entre outros,
funcionam como hospedeiro (PAMPIGLIOME et al., 2009).
No homem o parasitismo ocorre principalmente na sola plantar, calcanhar e dedos
dos pés, além de mãos e cotovelos. A presença da fêmea na pele pode ocasionar
inflamação, úlceras locais, gangrena, linfangite e septicemia. A severidade da doença está
relacionada com a intensidade da infestação, existindo relatos de até 1300 espécimes
parasitando um único indivíduo (MILLER et al., 2019). A maior parte do ciclo biológico de T.
penetrans se passa no ambiente, onde evoluem de ovo a adulto em aproximadamente 17 a
19 dias. As fêmeas implantadas na pele iniciam a postura após 7 a 14 dias, quando
possuem de 5 a 10mm de diâmetro, apresentando-se como um cisto claro. Após 4 semanas
as fêmeas morrem e são expelidas pelo processo de reparação tecidual (EISELE et al.,
2003).

CONCLUSÕES

As alterações antrópicas impostas aos biomas brasileiros podem resultar na


expansão da área de ocorrência de populações de carrapatos e pulgas, pois a degradação
ambiental impõe aos hospedeiros silvestres a busca por novas áreas para sobrevivência, o
que pode resultar na expansão das áreas de ocorrência de doenças transmitidas por estes
vetores e justifica a necessidade da avaliação constante destas populações, bem como a
vigilância das doenças por eles transmitidas.

26
27
INTRODUÇÃO

O termo Saúde do Trabalhador refere-se a um campo do saber que visa


compreender as relações entre o trabalho e o processo saúde/doença. Nesta acepção,
considera a saúde e a doença como processos dinâmicos, estreitamente articulados com os
modos de desenvolvimento produtivo da humanidade em determinado momento
histórico. Parte do princípio de que a forma de inserção dos homens, mulheres e crianças
nos espaços de trabalho contribui decisivamente para formas específicas de adoecer e
morrer. O fundamento de suas ações é a articulação multiprofissional, interdisciplinar e
intersetorial.
Para este campo temático, trabalhador é toda pessoa que exerça uma atividade de
trabalho, independentemente de estar inserido no mercado formal ou informal de
trabalho, inclusive na forma de trabalho familiar e/ou doméstico. Ressalte-se que o
mercado informal no Brasil tem crescido acentuadamente nos últimos anos. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, cerca de 2/3 da população
economicamente ativa - PEA têm desenvolvido suas atividades de trabalho no mercado
informal. É importante ressaltar, ainda, que a execução de atividades de trabalho no
espaço familiar tem acarretado a transferência de riscos/fatores de risco ocupacionais1
para o fundo dos quintais, ou mesmo para dentro das casas, num processo conhecido
como domiciliação do risco.
Num momento em que o processo de descentralização das ações de saúde
consolida-se em todo o país, um dos mais importantes desafios sobre os quais os
municípios brasileiros têm se debruçado é o da organização da rede de prestação de
serviços de saúde, em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde - SUS:
descentralização dos serviços, universalidade, hierarquização, eqüidade, integralidade da
assistência, controle social, utilização da epidemiologia para o estabelecimento de
prioridades, entre outros. A municipalização e a distritalização, como espaços
descentralizados de construção do SUS, são considerados territórios estratégicos para
estruturação das ações de saúde do trabalhador.
Nesse sentido, o Ministério da Saúde está propondo a adoção da Estratégia da
Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, visando contribuir para a
construção de um modelo assistencial que tenha como base a atuação no campo da
Vigilância da Saúde. Assim, as ações de saúde devem pautar -se na identificação de riscos,
danos, necessidades, condições de vida e de trabalho, que, em última instância,
determinam as formas de adoecer e morrer dos grupos populacionais. No processo de
construção das práticas de Vigilância da Saúde, aspectos demográficos, culturais, políticos,
socioeconômicos, epidemiológicos e sanitários devem ser buscados, visando à priorização
de problemas de grupos populacionais inseridos em determinada realidade territorial. As
ações devem girar em tomo do eixo informação - decisão - ação.
Portanto, aspectos relativos ao trabalho, presentes na vida dos indivíduos, famílias
e conjunto da população, devem ser incorporados no processo. Em relação aos
trabalhadores, há que se considerar os diversos riscos ambientais e organizacionais aos
quais estão expostos, em função de sua inserção nos processos de trabalho. Assim, as
ações de saúde do trabalhador devem ser incluídas formalmente na agenda da rede básica
de atenção à saúde. Dessa forma, amplia-se a assistência já ofertada aos trabalhadores, na
medida em que passa a olhá-Ios como sujeitos a um adoecimento específico que exige
estratégias - também específicas - de promoção, proteção e recuperação da saúde.
28
No que se refere à população em geral, é preciso ter em mente os diversos
problemas de saúde relacionados aos contaminantes ambientais, causados por processos
produtivos danosos ao meio ambiente. Vale citar como exemplos os problemas causados
por garimpos, utilização de agrotóxicos, reformadoras de baterias ou indústrias
siderúrgicas, cuja contaminação ambiental acarreta agravos à saúde da população como
um todo, além dos específicos da população trabalhadora. No intuito de contribuir com o
avanço da organização dessas ações na rede básica de saúde, nos programas Saúde da
Família e Agentes Comunitários de Saúde, e sob orientação da Norma Operacional de
Saúde do Trabalhador no SUS/MS - NOST/SUS (Anexo V), da Instrução Normativa de
Vigilância em Saúde do Trabalhador (Anexo VI) e demais normas existentes para a atuação
do SUS no campo da Saúde do Trabalhador, a Coordenação de Saúde do Trabalhador
divulga as presentes diretrizes.
Cabe aos que vivenciam a problemática da oferta e organização de serviços de
saúde fazer as adequações necessárias para torná-Ias viáveis em sua realidade social. O
texto está dividido em quatro itens: o primeiro apresenta uma panorâmica do papel das
instituições governamentais no campo da Saúde do Trabalhador, especificamente aquele a
ser desenvolvido pelos ministérios do Trabalho e Emprego, da Previdência e Assistência
Social, da Saúde/Sistema Único de Saúde e do Meio Ambiente; o segundo, traz uma
proposta das ações em Saúde do Trabalhador, que deverão ser desenvolvidas pelo nível
local de saúde; o terceiro, fornece um conjunto de informações básicas sobre os agravos
mais prevalentes à saúde dos trabalhadores; o quarto, aborda os instrumentos de
notificação e investigação em Saúde do Trabalhador; refere-se aos anexos, seguido pela
relação da bibliografia utilizada.

Vamos pôr em pratica o que aprendemos

1-A que se refere o termo Saúde do Trabalhador de acordo com o texto?


2-Qual o fundamento de suas ações?
3-Porque é importante descentralizar as ações?
4-Cite os quatros itens que se divide o texto?

ATENÇÃO À SAÚDE DOS(AS)TRABALHADORES(AS): CONCEITOS GERAIS

No Brasil, as atividades produtivas estão organizadas de múltiplas formas, com


distintos graus de incorporação tecnológica e formas de gestão, na lógica de cadeias
produtivas, em todos os setores econômicos (Agroindústria, Mineração, Construção Civil,
Indústria, setor de Serviços e outros). Assim, podem ser observadas distintas formas de
organização dos processos produtivos e de incorporação tecnológica – do trabalho manual,
artesanal à produção por robôs – e de formas de gestão e de vínculo do(a) trabalhador(a)
com o empregador ou responsável pela produção, por meio de maneiras diversas, desde o
trabalho formal, com carteira assinada e outros contratos por meio de cooperativas e
associações e arranjos informais.
Ainda se verificam, em alguns contextos, situações de trabalho ilegal como o
trabalho análogo ao de escravo e/ou que incorpora crianças e adolescentes, que devem ser
combatidas e consideradas na avaliação dos impactos sobre a saúde e a qualidade de vida
dos(as) trabalhadores(as) e suas famílias. Todos estes aspectos devem ser considerados na
29
avaliação dos impactos sobre a saúde e a qualidade de vida dos(as) trabalhadores(as) e
suas famílias.
De acordo com as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), em 2015 os(as) trabalhadores(as) brasileiros(as) somavam cerca de 105 milhões de
pessoas (BRASIL, 2013) dos quais, cerca de 43 milhões, ou quase 41%, estavam segurados
pelo Seguro Acidente de Trabalho (SAT) da Previdência Social, observando-se grande
disparidade entre as regiões do País. A complexidade da composição da força de trabalho
no Brasil pode ser observada na Figura1 e está relacionada aos diferentes tipos de vínculos,
estabilidade, acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários, os quais influenciam as
condições de vida, de trabalho e de saúde dos(as) trabalhadores(as) e suas famílias.
O trabalho, ou a ausência dele, é um importante determinante das condições de
vida e da situação de saúde dos(as) trabalhadores(as) e de suas famílias. O trabalho é um
dos determinantes da saúde e do bem-estar do(a) trabalhador(a) e de sua família. Além de
gerar renda, que viabiliza as condições materiais de vida, tem uma dimensão
humanizadora e permite a inclusão social de quem trabalha, favorecendo a formação de
redes sociais de apoio, importantes para a saúde.
Assim, ele pode ter um efeito protetor, ser promotor de saúde, mas também pode
causar mal-estar, sofrimento, adoecimento e morte dos(a) trabalhadores, aprofundar
iniquidades e a vulnerabilidade das pessoas e das comunidades e produzir a degradação do
ambiente. Esta visão do trabalho enquanto determinante social de saúde e doença orienta
este capítulo que apresenta elementos para reconhecer e lidar com os agravos
relacionados ao trabalho. A figura dos Determinantes Sociais da Saúde proposta por
Dahlgren e Whitehead (1991) coloca em posição central as condições de vida e de trabalho,
de emprego/desemprego e os fatores e situações de risco presentes nos ambientes de
trabalho.
No cotidiano dos serviços de saúde, os(as) trabalhadores(as) necessitam de um
olhar diferenciado, considerando as relações entre o trabalho que desenvolvem e/ou
desenvolveram e suas condições de saúde-doença. Os efeitos negativos na saúde
determinados pelo trabalho são geralmente expressos nos acidentes e nas doenças
relacionadas ao trabalho que aparecem como demanda dos(as) usuários(as) nos diversos
pontos da rede, cujas principais portas de entrada são a AB e as redes de urgência e
emergência. A organização da atenção à saúde da população a partir da AB tem sido
considerada estratégia importante para reduzir a iniquidade e prover cuidado resolutivo e
com qualidade.
O processo de trabalho das equipes de saúde permite que se conheça mais sobre as
condições de vida e de trabalho da população sob sua responsabilidade, facilitando a
definição de políticas e ações de saúde mais adequadas ao perfil de morbimortalidade e o
acesso e acompanhamento dos grupos vulneráveis. No campo da ST, as ações de saúde
desenvolvidas pelas eAB/eSF facilitam o reconhecimento das relações entre as condições
de vida e trabalho, expressos nos determinantes sociais de saúde e sua incorporação no
cuidado. Na perspectiva da atenção integral, o cuidado em saúde envolve ações de
promoção e proteção da saúde, vigilância, assistência e reabilitação.
Assim, todos os profissionais da rede de saúde, em especial das eAB/eSF, precisam
estar qualificados para estabelecer as relações entre as condições de vida e saúde-doença
e o trabalho, atual ou pregresso do usuário, de modo a estabelecer o diagnóstico correto, a
relação do evento com a atividade de trabalho e definir o plano terapêutico adequado,
incluindo a reabilitação, a orientação do(a) trabalhador(a) sobre as medidas de promoção e

30
proteção da saúde, os encaminhamentos trabalhistas e previdenciários e a notificação ao
sistema de informação em saúde.
As ações coletivas de Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) no âmbito da AB
devem começar pelo reconhecimento e registro das atividades produtivas desenvolvidas
no território que está sob responsabilidade da eAB/eSF, incorporando-o em seus planos de
trabalho e incluem a vigilância dos agravos à saúde relacionados ao trabalho – os acidentes
e as doenças – que é viabilizada a partir da notificação dos casos identificados no Sistema
de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e a vigilância dos ambientes e processos
de trabalho, com destaque para as atividades produtivas desenvolvidas no domicílio e no
peridomicílio no território.

QUADRO INSTITUCIONAL RELATIVO À SAÚDE DO TRABALHADOR

As atribuições e a organização do Ministério do Trabalho e Emprego -MTE, do


Ministério da Previdência e Assistência Social- MPAS, do Ministério da Saúde/Sistema
Único de Saúde - MS/SDS e do Ministério do Meio Ambiente - MMA. Ressalte-se que cada
um desses setores tem suas especificidades, que se complementam, principalmente,
quando da atuação no campo da Vigilância da Saúde. Recentemente, têm sido
desenvolvidos esforços no sentido de articular e racionalizar a atuação destes distintos
setores. É importante registrar, também, que o MTE, o MPAS e o MS/SDS contam com
Conselhos Nacionais, que se constituem em importantes órgãos de deliberação e de
controle social.
Em relação ao Conselho Nacional de Saúde, existe a Comissão Interinstitucional de
Saúde do Trabalhador - CIST, câmara técnica específica, cujo papel é assessorar o Conselho
nas questões relativas à saúde dos trabalhadores. A organização de câmaras técnicas nos
moldes da CIST/CNS, ao nível de conselhos estaduais e municipais de Saúde, deve ser
estimulada visando garantir, entre outras questões, o controle social.

O papel do Ministério do Trabalho e Emprego – TEM

O MTE tem o papel, entre outros, de realizar a inspeção e a fiscalização das


condições e dos ambientes de trabalho em todo o território nacional. Para dar
cumprimento à essa atribuição, apoia-se fundamentalmente no Capítulo V da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), que trata das condições de Segurança e Medicina do Trabalho.
O referido capítulo foi regulamentado pela Portaria nº 3.214/78, que criou as chamadas
Normas Regulamentadoras (NRs) e, em 1988, as Normas Regulamentadoras Rurais (NRRs).
Essas normas, atualmente em número de 29, vêm sendo continuamente atua1izadas, e
constituem-se nas mais importantes ferramentas de trabalho desse ministério, no sentido
de vistoriar e fiscalizar as' condições e ambientes de trabalho, visando garantir a saúde e a
segurança dos trabalhadores. Nos estados da Federação, o Ministério do Trabalho e
Emprego é representado pelas Delegacias Regionais do Trabalho e Emprego - DRTE, que
possuem um setor responsável pela operacionalização da fiscalização dos ambientes de
trabalho, no nível regional.

31
O papel do Ministério da Previdência e Assistência Social- MPAS

Apesar das inúmeras mudanças em curso na Previdência Social, o Instituto Nacional


do Seguro Social - INSS ainda é o responsável pela perícia médica, reabilitação profissional
e pagamento de benefícios. Deve-se destacar que só os trabalhadores assalariados, com
carteira de trabalho assinada, inseridos no chamado mercado formal de trabalho, terão
direito ao conjunto de benefícios acidentários garantidos pelo MPAS/INSS, o que
corresponde, atualmente, a cerca de 22 milhões de trabalhadores. Portanto, os
trabalhadores autônomos, mesmo contribuintes do INSS, não têm os mesmos direitos
quando comparados com os assalariados celetistas.
Ao sofrer um acidente ou uma doença do trabalho, que gere incapacidade para a
realização das atividades laborativas, o trabalhador celetista, conseqüentemente segurado
do INSS, deverá ser afastado de suas funções, ficando "coberto" pela instituição durante
todo o período necessário ao seu tratamento. Porém, só deverá ser encaminhado à Perícia
Médica do INSS quando o problema de saúde apresentado necessitar de um afastamento
do trabalho por período superior a 15 (quinze dias). O pagamento dos primeiros 15 dias de
afastamento é de responsabilidade do empregador. Para o INSS, o instrumento de
notificação de acidente ou doença relacionada ao trabalho é a Comunicação de Acidente
do Trabalho (CAT) que deverá ser emitida pela empresa até o primeiro dia útil seguinte ao
do acidente. Em caso de morte te, a comunicação deve ser feita imediatamente; em caso
de doença, considera-se o dia do diagnóstico como sendo o dia inicial do evento.
Caso a empresa se negue a emitir a CAT, (Anexo VII), poderão fazê-Io o próprio
acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou
qualquer autoridade pública. Naturalmente, nesses casos não prevalecem os prazos acima
citados. A CAT deve ser sempre emitida, independentemente da gravidade do acidente ou
doença. Ou seja, mesmo nas situações nas quais não se observa a necessidade de
afastamento do trabalho por período superior a 15 dias, para efeito de vigilância
epidemiológica e sanitária o agravo deve ser devidamente registrado. Finalmente, é
importante ressaltar que o trabalhador segurado que teve de se afastar de suas funções
devido a um acidente ou doença relaci0nada ao trabalho tem garantido, pelo prazo de um
ano, a manutenção de seu contrato de trabalho na empresa.

O papel do Ministério da Saúde /Sistema o Único de Saúde - MS/SUS

No Brasil, o sistema público de saúde vem atendendo os trabalhadores ao longo de


toda sua existência. Porém, uma prática diferenciada do setor, que considere os impactos
do trabalho sobre o processo saúde/doença, surgiu apenas no decorrer dos anos 80,
passando a ser ação do Sistema Único de Saúde quando a Constituição Brasileira de 1988,
na seção que regula o Direito à Saúde, a incluiu no seu artigo 200.

"Artigo 200 - Ao Sistema Único de Saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei: (...) lI-executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como
as de saúde do trabalhador; (...).

32
A Lei Orgânica da Saúde - LOS (Lei nº 8.080/90), que regulamentou o SUS e suas
competências no campo da Saúde do Trabalhador, considerou o trabalho como importante
fator determinante/condicionante da saúde. o artigo 6° da LOS determina que a realização
das ações de saúde do trabalhador sigam os princípios gerais do SUS e recomenda,
especificamente, a assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador
de doença profissional ou do trabalho; a realização de estudos, pesquisa, avaliação e
controle dos riscos e agravos existentes no processo de trabalho; a informação ao
trabalhador, sindicatos e empresas sobre riscos de acidentes bem como resultados de
fiscalizações, avaliações ambientais, exames admissionais, periódicos e demissionais,
respeitada a ética. Nesse mesmo artigo, a Saúde do Trabalhador encontra-se definida
como um conjunto de atividades que se destina, através de ações de vigilância
epidemiológica e sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim
como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e
agravos advindos das condições de trabalho.
No seu conjunto (serviços básicos, rede de referência secundária, terciária e os
serviços contratados/conveniados), a rede assistencial, se organizada para a Saúde do
Trabalhador, a exemplo do que já acontece com outras modalidades assistenciais como a
Saúde da Criança, da Mulher, etc., por meio da capacitação de recursos humanos e da
definição das atribuições das diversas instâncias prestadoras de serviços, poderá reverter
sua histórica omissão neste campo. Os últimos anos foram férteis na produção de
experiências - centros de referências, programas municipais, programas em hospitais
universitários e ações sindicais - em diversos pontos do país, e em encontros de
profissionais/trabalhadores ou técnicos para a produção das normas necessárias à
operacionalização das ações de saúde do trabalhador pela rede de serviços em
ambulatórios e/ou vigilância.

O papel do Ministério do Meio Ambiente – MMA

Com base na Constituição Federal e suas legislações complementares, o papel do


governo na área ambiental passou a ter no Brasil sustentação legal revigorada e condizente
com as necessidades de uso racional dos recursos naturais do planeta. O MMA, nesse
contexto, exerce um papel de fundamental importância, dada a proporção, continental de
nosso país, sua enorme variedade climática, seu gigantesco patrimônio ambiental e a maior
diversidade biológica conhecida. Em virtude da degradação ambiental estar fortemente
ligada a diversos fatores de ordem econômico-social, como à ocupação urbana
desordenada e, principalmente, aos modos poluidores dos processos produtivos, a área
ambiental, para o cumprimento de sua missão institucional, além de estabelecer
articulações com setores da sociedade civil organizada, necessariamente deve trabalhar em
sintonia permanente com setores de governo, em especial da saúde, educação e trabalho.
Exemplo concreto de ação articulada entre essas áreas e o setor de meio-ambiente é a
questão relacionada ao uso de agrotóxicos, em que estão implicadas a saúde dos
trabalhadores, a educação da população local, as relações de trabalho e a própria saúde do
consumidor dos alimentos produzidos, além da contaminação ambiental cumulativa dos
produtos.
Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados, em que se observa o sinergismo
entre produção, distribuição, consumo, saúde e meio ambiente, caracterizando situações
de desafio no sentido de se traçar diretrizes públicas conjuntas. Embora seja cada vez
maior a compreensão de que várias situações de riscos ambientais se originam dos
33
processos de trabalho, não existe ainda uma ação mais articulada entre a saúde e o meio
ambiente. Por atuarem diretamente no nível local de saúde, em um território definido, as
estratégias de Saúde da Fann1ia e de Agentes Comunitários de Saúde têm grande
potencial, no sentido da construção de uma prática de saúde dos trabalhadores integrada à
questão ambiental. Para tanto, é importante que a partir de determinado problema - por
exemplo, intoxicação por agrotóxicos, presença de garimpo na região etc. - se articule a
intervenção, envolvendo, entre outros setores, as secretarias municipais de Saúde e as de
Meio Ambiente.

O DIREITO DOS PASSIVOS

O artigo 192 da Consolidação das Leis do Trabalho garante adicional de até 40 por
cento do salário no caso de o ambiente de trabalho ser insalubre. Nos últimos anos, juristas
têm considerado que o trabalhador não-fumante tem direito a esse adicional, no caso de o
fumo ser permitido no local de trabalho. Os médicos há décadas constataram que os
chamados fumantes passivos, isto é, aqueles que aspiram a fumaça emitida pelos cigarros,
charutos e cachimbos e pelos pulmões daqueles que, estando no ambiente, efetivamente
fumam, correm o risco de sofrer todos os males provocados pelo tabaco, a partir do câncer
do pulmão até ataques cardíacos. Entre fumantes e não fumantes, morrem por ano no
mundo, segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde, 3 milhões de pessoas, por
causa de males causados pelo tabagismo.
Os não-fumantes, ou fumantes passivos, correm riscos até maiores do que os
fumantes, pois inalam a fumaça saída imediatamente da ponta do cigarro, sem passar pelo
filtro que fica na boca do fumante, e assim recebem substâncias ainda mais perigosas do
que o próprio fumante. O artigo 192 da Consolidação das Leis do Trabalho foi
originalmente concebido para os casos de insalubridade provocados por substâncias
tóxicas oriundas da matéria-prima ou que surgem a partir das alterações físico-químicas
provocadas pelo processo de trabalho. Também foi concebido para o caso de ambientes de
trabalho naturalmente insalubres, como minas subterrâneas cheias de gases tóxicos, ou
ambientes em que há riscos de explosão. Afinal, quando a CLT entrou em vigor, nos anos
1940, ainda não havia consciência dos riscos em que incorrem os fumantes passivos – na
verdade nem estava prevista a insalubridade causada por agrotóxicos, sejam fertilizantes,
sejam pesticidas. Atualmente, porém, muitos juristas consideram que o tabagismo passivo
está incluído na insalubridade e dá direito ao adicional de salário.

Renato Pompeu é escritor e jornalista. Ambiente Segurança e Saúde no Trabalho


Cigarro no trabalho é insalubridade e pode dar direito a adicional Renato Pompeu

34
EDUCAÇÃO TECNOLOGICA E MIDIATICA

35
Entre afetos e memórias: a televisão e os sujeitos

Para a maior parte das pessoas, os meios de comunicação significam modernidade,


deslumbramento, novidade, fascínio, lazer, relação dinâmica com o mundo. Os meios de
comunicação parecem transparentes, evidentes, não problemáticos. Os meios
representam e apresentam um modo de vida desejável e estimulam necessidades e
expectativas percebidas como reais (MORAN, 1994, p.46).
Vale lembrar que a televisão é um veículo de comunicação recente. Os primeiros
protótipos foram criados na década de 1920 e as primeiras transmissões analógicas
ocorreram, de forma experimental, na Inglaterra, somente em agosto de 1932 pela BBC TV.
Nessa época, os aparelhos de televisão eram caros e inacessíveis à maioria da população.
Sua produção em escala industrial ocorreu na Europa e Estados Unidos depois da Segunda
Guerra Mundial.
A primeira transmissão de um programa televisivo no Brasil ocorreu no dia 04 de
julho de 1950 por iniciativa do jornalista e empresário Assis Chateaubriand, criador da TV
Tupi. Para exibir o show do cantor mexicano José Guadalupe Mojica, importou-se 100
aparelhos de televisão, que foram distribuídos em diversos pontos na cidade de São Paulo.
Como descreve Freitas (2017, p. 18), somente no dia 18 de setembro a emissora entrou
efetivamente no ar, transmitindo o “Show da Taba.” A TV Tupi foi a primeira emissora da
América Latina.
Cumpre destacar, no entanto, que as camadas populares brasileira tiveram acesso à
televisão somente na década de 1970. Trata-se, portanto, de um fenômeno recente que
remonta apenas a meio século. No entanto, dada a onipresença da televisão no cotidiano
da sociedade brasileira na atualidade, é provável que muitas pessoas estranhem esse fato.
Afinal de contas, a televisão se encontra, dentre outros espaços, nas casas, nos
restaurantes, nos bares, nas lanchonetes, nas clínicas médicas e odontológicas. São poucos
lares que não possuem esse aparelho. Em geral, ela ocupa não apenas a sala, mas também
quartos de filhos e casais. Portanto, a televisão está naturalizada no cotidiano das pessoas.
Indagar sobre sua historicidade parece não fazer sentido.
Para muitos, a chegada da televisão desorganizou grupos familiares e se impôs nos
hábitos e rotinas. Para outros, a TV possibilitou às camadas populares a informações e
novas interações. A epígrafe que abre esse capítulo se insere na primeira perspectiva
descrita anteriormente. Observe-se que a televisão é descrita como uma deusa dos raios
36
azulados, que magnetiza os grupos familiares, reduzindo a interação entre pais e filhos.
Ocupando um lugar central na sala, a TV interdita fala dos filhos e reduz a importância dos
acontecimentos da vida cotidiana do pai. Dividido em quatro seções, este capítulo aborda a
chegada da televisão nas camadas populares, tomando como referência depoimentos de
pessoas que tiveram acesso à televisão tardiamente.
A primeira seção apresenta um Causo Pedagógico que nos descreve as mudanças
provocadas pela chegada da televisão em uma família que, durante um período
considerável, passou a receber em sua casa parte da vizinhança para assistir filmes,
novelas, futebol e programas infantis. A segunda seção examina depoimentos de mulheres
das camadas populares nascidas nas décadas de 1940 e 1950. Tendo como base o impacto
da chegada da energia elétrica em bairros populares da periferia dos centros urbanos. As
pesquisadoras problematizam as profundas mudanças provocadas pela televisão nas
rotinas dessas mulheres.
A terceira seção delineia os contornos epistemológicos na perspectiva de uma
educação midiática. Com advento da indústria cultural, a mídia passou a ser objeto de
estudos acadêmicos. Inicialmente, vista como ameaça à chamada “alta cultura”, os teóricos
passaram a pensar a educação como uma espécie de antídoto protetor ao caráter virulento
e avassalador das mídias sociais. Outro enfoque que se tornou hegemônico nas décadas de
1960 e 1970 é a abordagem teórica que compreendia a mídia como um importante veículo
ideológico, cujo objetivo era mascarar as desigualdades e justificar as injustiças sociais.
A educação possuía, nesse processo, uma função importante: instrumentalizar
os/as estudantes para identificar as verdadeiras intenções dos meios de comunicação. Nas
últimas décadas, os Estudos Culturais e a Teoria da Recepção passaram a exercer um
importante papel na relação mídia/educação. A idade, o gênero, o território, o nível de
escolaridade e a cultura passaram a ser vistos como elementos a serem considerados
quando se pensa nas intenções dos meios de comunicação. Na quarta seção, são nos
apresentados depoimentos de pessoas que nos descrevem o lugar ocupado pela televisão
em seu cotidiano. Trata-se, pois, de narrativas que descortinam a TV que temos e a TV que
queremos. Cumpre sublinhar ainda que tais relatos foram obtidos durante a realização de
uma pesquisa de pós-doutoramento na USP, cujo objetivo central é a construção de um
museu vivo.

Você já parou para pensar sobre o impacto da chegada da televisão na vida das
famílias brasileiras? O que mudou na rotina e nos hábitos das camadas populares com a
chegada da televisão? Os adultos e idosos da EJA assistem televisão? Quais programas
assistem? Com que frequência? Que memórias possuem sobre a televisão? Já pensou em
trabalhar com a turma de EJA sobre a história da televisão? Se sim, com que enfoque e
com quais objetivos?

TELEVIZINHO, UMA MEMÓRIA DE INFÂNCIA

O ano era 1977. O pai chegou, à noite, eufórico, ansioso para apresentar aos seus
três filhos e a esposa o aparelho de tevê que acabara de adquirir depois de tanto
economizar. Minha mãe nos havia preparado para aquele grande acontecimento. Durante
todo dia, não falava de outra coisa. Contou-nos que era a realização de um desejo antigo,
de uma paixão à primeira vista. Disse-nos que conheceu, pela primeira vez, um aparelho de
televisão, na casa de um de seus patrões; como doméstica, nunca pôde, todavia,
assistiuma programação inteira: via fragmentos de filmes, novelas e propagandas somente
37
no período em que limpava a sala. Agora, tudo iria mudar: ela finalmente teria a sua
disposição um aparelho de televisão.
Os filhos, movidos pelas narrativas da mãe, movidos pelas narrativas da mãe,
aguardava ansiosos conhecer o aparelho. Afinal de contas, não havia televisão nas casas de
vizinhos e de parentes. Recordo-me que tinha entrado em contato com esse fascinante
aparelho em uma única ocasião. Por alguma razão, que não me recordo, minha mãe foi
obrigada a me levar em uma das casas em que fazia faxina. Um dos filhos do patrão me
convidou para assistir a um filme que estava sendo exibido naquele momento. Era um
filme japonês em que o herói luta contra monstros, protegendo crianças, homens e
mulheres de figuras horrendas e maléficas que destroem cidades, pontes, viadutos e rios.
Por ter assistido, em uma tevê colorida, a um filme de ação, desejava mais que meus
irmãos que o dia passasse bem ligeiro. Mas não foi isso que aconteceu. A noite custou a
chegar.
Parecia que, de repente, os segundos, os minutos e horas haviam se decidido, por
alguma razão misteriosa, a conspirar contra a felicidade de minha família, retardando ao
máximo que pudessem o anoitecer daquele dia. Estávamos no portão quando avistamos,
com uma enorme e pesada caixa por sobre seus ombros, a chegada triunfal de nosso pai.
Seu olhar alegre demonstrava orgulho e satisfação, não deixando transparecer qualquer
tipo de cansaço. Finalmente, a caixa foi aberta no centro da sala. Uma tevê (marca Zenith)
apareceu deslumbrante. Tínhamos, naquele momento, um olhar somente para ela, nosso
objeto de desejo e cobiça.
As noites que se seguiriam não seriam mais as mesmas. Em primeiro lugar, porque
não interessávamos mais pelas histórias de nosso pai; sobre seu entediante dia de trabalho
como enfermeiro em um hospital psiquiátrico. Estávamos fascinados pelos desenhos
animados, contados com som e imagens em movimento. Em segundo lugar, porque a
televisão nos aproximou da vizinhança que nos rodeava. Por um período considerável, a
minha casa era um ponto de encontro de mulheres que acompanhavam novelas com
minha mãe, de homens que assistiam futebol com meu pai, de crianças que assistiam
comigo e com meus irmãos desenhos animados e filmes. Assim, a chegada da televisão em
nossa casa nos possibilitou outro tipo de relacionamento com os colegas, a inserção em
outro patamar em momentos de jogos e brincadeiras. Agora, nossos colegas queriam nos
agradar, ficar de bem conosco; seus brinquedos eram partilhados, sem problema; queriam,
a qualquer custo, evitar brigas comigo e com meus irmãos: afinal de contas, não queriam
ser impedidos de assistir televisão em minha casa.

38
ser percebidas pelas amigas de uma forma diferente. As mulheres passaram a falar dos
personagens e dos enredos das novelas. Viveram intensamente o que chamaram de
televizinho, experiência de ver televisão na casa de uma amiga., residente próxima de sua
casa. Para crianças, adolescentes e jovens, uma tevê com o formato e com a qualidade de
som e de imagem que tínhamos na infância é hoje algo impensável. Imagino que para eles,
uma tevê Zenith, de 24 polegadas, com válvulas e tubos enormes, em um museu,
provocaria um estranhamento, uma sensação de falta de senso estético. Suponho, porém,
que o nível de perplexidade deles aumentaria ainda mais, se assistisse a uma programação
com imagens em preto e branco, com grande quantidade de chuviscos e fantasmas. Não
sabendo eles que em uma época em que a televisão era um bem inacessível para as
camadas populares, possuir uma tevê era fonte de orgulho, status social e poder.

MULHERES, PATRIARCADO E TV
O texto Televizinho, uma memória de infância não é um relato ficcional, mas um
depoimento vivido por um dos autores destes cadernos. Conquanto descreva o lugar
ocupado pela televisão em sua memória infantil, seu relato não é individual, pois se situa
no campo da memória coletiva de um grupo pertencente às camadas populares que teve
acesso à televisão somente no final dos anos de 1970.

Como a televisão se encontra enraizada no cotidiano das famílias na atualidade, é


difícil para as crianças, adolescentes e jovens imaginarem um mundo sem a presença
deste artefato cultural. Assim, um estudo sobre a chegada da televisão na vida dos avôs
maternos e paternos, na vida da mãe e do pai dos estudantes pode ser uma atividade
interessante. A construção de um museu vivo da televisão, com fotos de TVs antigas, ao
lado de TVs modernas; com relatos de diferentes pessoas é uma possibilidade
pedagógica interessante (OLIVEIRA, 2017, p. 33).

Vale destacar que mais que um bem de consumo, um entretenimento e um meio de


comunicação, a televisão é um importante objeto de estudo, já que mudou as relações
sociais, os pensamentos e os costumes. Para muitas/os das/os estudantes da EJA, a
chegada da TV foi um acontecimento importante e que mudou a relação familiar dentro
dos lares e, em alguns casos, como o Causo Televizinho, também na vizinhança. Esse
assunto desperta memórias especialmente no público mais velho, mas também nos jovens.

39
Dificilmente uma pessoa que viveu depois do aparecimento da televisão não tem alguma
memória marcante envolvendo o aparelho.
Estudar o impacto da chegada da televisão nas camadas populares a partir da
perspectiva das mulheres permite que exploremos aspectos da vida social e da chegada
desse aparelho desde outra perspectiva. As experiências das mulheres são diversas, mas as
narrativas coincidem em muitos pontos. Há muitas diferenças nas vivências dessas três
mulheres, mas há semelhanças, e perceber isso é muito enriquecedor, pois, a partir dessas
comparações, é possível acessar detalhes que nos ajudam a pensar e a compreender
melhor a popularização da TV nos lares brasileiros, e como isso alterou a rotina doméstica
em diferentes lugares e situações.
A televisão se popularizou nos lares brasileiros principalmente a partir da década
1970. Mas em que contexto político essas histórias se inserem? Durante a década de 1970,
o país estava sob a Ditadura Militar, que foi instaurada em 1964. Os militares fizeram
diversos investimentos para que a televisão se popularizasse e se consolidasse no Brasil, já
que era de interesse do Regime uma rede de comunicação estratégica que abrangesse o
território nacional. O chamado “Milagre Econômico”, os feitos e valores do governo eram
propagados por meio dos telejornais. Pela TV, grandes obras foram anunciadas. Vale
lembrar que durante a Ditadura Militar houve censura dos meios de comunicação, assim,
dificilmente críticas ao governo e problemas do país eram veiculados. Como dito, é
importante pensar esses relatos a partir de diferentes escalas.

Qual a relação que você tem com a televisão? Qual a relevância dela na sua vida hoje? E
no passado? você tem alguma história marcante envolvendo a TV? Você já teve ou viu as
televisões antigas em preto em branco? Como elas eram? Qual a marca? A palavra televisão
desperta que tipo de sentimento em você? Fato é que a televisão alimentou e alimenta ainda
hoje os sentimentos profundos na vida das mulheres e em todos nós. Por esse motivo, como foi a
primeira experiência com a televisão para você? Qual sua memória televisiva mais interessante
que você tem para contar?

TABU FEMININO DA REALIDADE PARA A FICÇÃO

A história da mulher brasileira não começou na década de 1960, não foi além de
1930. O ano de 1832, quando Nísia Floresta publicou Os direitos das mulheres e as
injustiças dos homens, seria um excelente ponto de partida – considerado o início de um
movimento feminista, conforme Eva Alterman Blay e Lúcia Avelar (2017). Há ainda quem
opte por marcar seu início, aqui, com mais 110 anos, em 1942; o que, a princípio, pode
parecer uma decisão arbitrária. No final, uma televisão no Brasil em 1950 (LATTMAN-
WELTMAN, 2020). Naquela época, agora, a vingança foi introduzida no Código Civil (PRIORI,
2017); e nele temos o destino específico de seguir ou anular duas diretrizes de mulheres
solteiras no Brasil, amparadas ou não pela opinião pública.
O divórcio, que só seria instituído oficialmente em 1977, ou a retaliação não
constituem ruptura do vínculo matrimonial, referindo-se à separação da casa e de dois
bens. Embora tenha sido um avanço, muitas são as condições para o processo cessar,
considerando a fama das mulheres que faleceram após sua obtenção, foi bastante
questionado: “[...] vingança equivalia a um palavrão no Brasil - significou uma derrota na
tarefa de constituir e manter uma família” (PRIORI, 2017, p. 67). Dito isso, embora durante
o Estado Novo [1937-1946], regime instituído por Getúlio Vargas, que durou de novembro
de 1937 a janeiro de 1946, apesar de muitas transformações socioculturais terem ocorrido,
seus efeitos só começaram a aparecer, de fato, nas décadas de 1950 e 1960, por exemplo,
40
só apareceu, pela primeira vez, na novela de 1969 Verão Vermelho (1969) (Tabela 1). Ou
seja, 27 anos após sua introdução na legislação brasileira. Porém, como indica Priori (2017),
ser alternativa não significa ser socialmente desejável. Não foi a primeira alternativa, mas o
último recurso.
A década de 1960 começou com um otimismo exacerbado, cujo símbolo mais
brilhante era Brasília. Segundo João Manual Cardoso de Mello e Fernando Novais (1998), a
sensação era de que “[...] estaríamos presenciando o nascimento de uma nova civilização
nos trópicos, que combinou a incorporação das conquistas materiais do capitalismo com a
persistência dos traços de caráter que nos tornam únicos como povo” (MELLO; NOVAIS,
[1998] 2007, p. 560). Afinal, em um período de tempo relativamente curto, foram adotados
os padrões de produção e consumo dos países “mais desenvolvidos” (ibdem, 2007).
No contexto sociocultural, entretanto, avanços semelhantes não foram observados.
Em The Feminine Mystique (1967), Betty Friedan questiona a representação das mulheres
na mídia e mais, o papel das mulheres na sociedade como um todo, levando à chamada
segunda onda do movimento feminista nos Estados Unidos. Enquanto as sufragistas,
intimamente associadas à primeira onda do movimento feminista, voltavam-se para o
acesso à educação, à propriedade privada e ao voto; as feministas dos anos 1960 e 1970
abordavam questões relacionadas à liberdade sexual e direitos reprodutivos, a entrada das
mulheres na igualdade de gênero no mercado de trabalho (BIROLI; MIGUEL, 2014).
No Brasil, os primeiros sinais dessa onda são percebidos na década de 1970 (BLAY;
AVELAR, 2017). A novela O outro (1987), por exemplo, fala sobre o valor da virgindade em
sua trama, tema que, em maior ou menor grau, nos foi apresentado 17 anos antes, em
“Irmãos Coragem” (1970), quando Duda Coragem é obrigada a casar com Ritinha, amiga de
infância, porque quando passam a noite juntos, ainda que de forma platônica, a
"inocência" de Ritinha é questionada. Afinal, a virgindade, como nos Anos Dourados
(PRIORI, 2018) e hoje, era muito valorizada.
Vale Tudo (1988) também abordou a questão da sexualidade feminina, mas por
outro ângulo: o da homossexualidade. Neste romance, Cecília (Lala Deheinzelin) vive um
caso com outra mulher. Porém, devido à polêmica que essa relação gerou na década de
1980, a história foi abandonada. Ainda em 2014, anos após o reconhecimento do
casamento homossexual pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a relação entre duas
mulheres não foi aceita na novela Babilônia, resultando, mais uma vez, na morte de uma
delas como solução para o problema.
Aqui, porém, havia um agravamento moral: eram duas mulheres mais velhas
(MORATELLI, 2019). Em outras novelas, antes e depois de “Babilônia” (2014), as relações
LGBTQIA+ foram apresentadas, senão com sucesso, com um mínimo de empatia e respeito
do público, como em “Mulheres Apaixonadas” (2003). Questões polêmicas, até muito
recentemente ou até hoje, podem ser abordadas de forma mais superficial para evitar
polêmicas. Foi o que aconteceu com a questão do aborto em Por Amor (1997) e do
orgasmo feminino em Páginas da Vida (2009). As questões relativas à sexualidade da
mulher ou à autonomia do corpo feminino não podem ser analisadas de forma descuidada,
pois além de multifacetadas e permeadas pelo período histórico em que se propagaram, ao
se cruzarem com outros tabus, estão sujeitas. a uma maior resistência do público.
Dito isso, se a sexualidade feminina continua sendo, de alguma forma, um campo
minado para a indústria audiovisual brasileira, o mesmo não pode ser dito para as
mulheres no ambiente de trabalho. Exemplos de mulheres que trabalham com ficção não
faltam: Somente em Fina Estampa, temos: faz-tudo Pereirão (Lilia Cabral), taxista Vilma
(Arlete Salles), médica Danielle (Renata Sorrah), professora Letícia (Tania Khalil), vendedora
41
de bolos Dagmar (Cris Vianna) etc. É importante reconhecer, porém, que, por muito
tempo, as mulheres que trabalharam em novelas sempre tiveram os mesmos papéis em
áreas relacionadas ao trabalho doméstico, como moda e culinária. E, nesses casos, estamos
falando principalmente de mulheres brancas.
As mulheres negras, com algumas exceções, costumavam ser e continuam a
ascender como empregadas domésticas ou em posições hierarquicamente inferiores às de
suas colegas. Somente em 2011, com Fina Estampa, o público acompanhou uma mulher
atuando e avançando em um campo dominado pelos homens: o da mecânica. Não passe
despercebido, porém, que se trata de uma função hierarquicamente inferior a várias outras
igualmente "masculinas" no imaginário popular.
Onde estão os engenheiros, advogados etc.? É por isso que, por um lado, se a
mulher foi trabalhar, para se satisfazer sexualmente e / ou viver seus amores livremente,
por outro lado, estruturas familiares e sociais de longa data se refletem naturalmente nas
tramas que testemunhamos. O tratamento que as novelas oferecem Entre os vários
exemplos de composição de personagens femininos na dramaturgia televisiva, os mais
recorrentes são: a mulher no papel de mãe, a mulher no papel de sofredora e aquela que
detém o poder de sedução perante os homens.
É comum usar a imagem feminina na conotação de proteção e cuidado, refletindo
um modelo preconcebido da noção historicamente construída. Tais como: Mamusca (Rosi
Campos), em Da cor do Pecado (2004); (2001); Naná (Arlete Salles) de Sol Nascente (2018)
etc. São mulheres que fazem de tudo pelos filhos, abrindo mão de sonhos particulares,
para protegê-los e criá-los. Entre os mais jovens, a imagem de uma mulher meiga e
recatada, como Açucena, de Cordel Encantado (2011); Santinha (Nathalia Dill), em Paraíso
(2009) e etc.
Ao contrário, há personagens com forte atratividade sexual para o sexo masculino,
como a egoísta Luciane (Grazi Massafera), em A lei do amor (2016); prostituta Bebel
(Camila Pitanga), do Paraíso Tropical (2007); e Clara (Mariana Ximenez), de Passione
(2010). Porém, se essas representações são comuns, é ainda mais importante não
esquecermos as mulheres que não atendem a esses padrões, como Maria Lúcia Fonseca
(Regina Duarte), de Malu Mulher (1979), e Griselda / Pereirão (Lílian Cabral), da Fina
Estampa (2011). Além disso, as representações não são estáticas, elas mudam com o
tempo.

ATIVIDADE

1-Construir uma resenha sobre o filme (Barbie).


-Ficha técnica:
-Ano, Diretor, Gênero e Países de origem;
-Qual a mensagem do filme Barbie?
-O que aborda o filme da Barbie?
-Qual a crítica social de Barbie?
-Qual a polêmica do filme Barbie?
-Qual é a verdadeira história por trás da Barbie?

42
PREVENÇÃO DE DOENÇA

43
Promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças

Antecedentes e conceituação

Os primeiros conceitos de promoção da saúde foram definidos pelos autores


Winslow, em 1920, e Sigerist, em 1946. Este definiu como as quatro tarefas essenciais da
medicina: a promoção da saúde, a prevenção das doenças, a recuperação e a reabilitação.
Posteriormente, Leavell e Clark, em 1965, delinearam o modelo da história natural das
doenças, que apresenta três níveis de prevenção: primária, secundária e terciária. As
medidas para a promoção da saúde, em nível de prevenção primário, não são voltadas para
determinada doença, mas destinadas a aumentar a saúde e o bem-estar gerais (BUSS,
2003).
Tendo em vista que o conceito de Leavell e Clark possui enfoque centrado no
indivíduo, com certa projeção para a família ou grupos, verificou-se sua inadequação para
as doenças crônicas não-transmissíveis, pois a prevenção de tais doenças envolve medidas
não só voltadas para os indivíduos e famílias, como também para o ambiente e os estilos
de vida (BUSS, 2003). O movimento de promoção da saúde surgiu no Canadá, em 1974, por
meio da divulgação do documento “A new perspective on the health of canadians”,
também conhecido como Informe Lalonde. A realização desse estudo teve como pano de
fundo os custos crescentes da assistência à saúde e o questionamento do modelo centrado
no médico no manejo das doenças crônicas, visto que os resultados apresentados eram
pouco significativos (BUSS, 2003).
Por meio do Informe Lalonde, identificou-se que a biologia humana, o meio
ambiente e o estilo de vida estavam relacionados às principais causas de morbimortalidade
no Canadá; no entanto, a maior parte dos gastos diretos com saúde concentrava-se na
organização da assistência. Foram propostas, portanto, cinco estratégias para abordar os
problemas do campo da saúde: promoção da saúde, regulação, eficiência da assistência
médica, pesquisa e fixação de objetivos. Esse Informe favoreceu a realização da I
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em 1978, em Alma-Ata, com
grande repercussão em quase todos os sistemas de saúde do mundo (BUSS, 2003). Em
1986, ocorreu a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, que originou a Carta
de Ottawa.
De acordo com esse documento, “promoção da saúde é o nome dado ao pro cesso
de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde,
incluindo uma maior participação no controle desse processo. Para atingir um estado de
completo bem-estar físico, mental e social (...) nesse sentido, a saúde é um conceito
positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas.
Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para
além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global” (CARTA DE
OTTAWA, 1986).
Cresce, portanto, a aceitação de que os aspectos sócio-culturais, econômicos e
ecológicos investem-se de uma importância tão grande para a saúde quanto os aspectos
biológicos, e que saúde e doença decorrem das condições de vida como um todo. Temas
como a deterioração do meio ambiente, os modos de vida, as diferenças culturais entre as
nações e as classes sociais, e a educação para a saúde passam a estar mais e mais
presentes nos debates sobre as formas de se promover a saúde (FARINATTI; FERREIRA,
2006). Posteriormente, foram realizadas outras conferências internacionais sobre
Promoção da Saúde, as quais reafirmaram os preceitos estabelecidos na I Conferência e
44
agregaram novas questões e estratégias de ação voltadas para áreas prioritárias, a fim de
gerar políticas públicas saudáveis.
Dessa forma, o significado do termo Promoção da Saúde foi mudando ao longo do
tempo e, atualmente, associa-se a valores como: vida, saúde, solidariedade, equidade,
democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e parceria. Além disso, está
relacionado à ideia de “responsabilização múltipla”, uma vez que envolve as ações do
Estado (políticas públicas saudáveis), dos indivíduos e coletividades (desenvolvimento de
habilidades pessoais e coletivas), do sistema de saúde (reorientação do sistema de saúde) e
das parcerias intersetoriais (BUSS, 2003), na definição de prioridades, planejamento e
implementação de estratégias para promover saúde. Vale ressaltar que termos como
empowerment, autocuidado e capacitação (ou autocapacitação) vêm sendo cada vez mais
utilizados, uma vez que a promoção da saúde envolve o desenvolvimento de habilidades
individuais, comunitárias e institucionais, a fim de permitir a tomada de decisões favoráveis
e a participação efetiva no planejamento e execução de iniciativas, visando à qualidade de
vida e à saúde (FARINATTI; FERREIRA, 2006).
As ações preventivas, por sua vez, definem-se como intervenções orientadas a
evitar o surgimento de doenças específicas, reduzindo sua incidência e prevalência nas
populações. Para tanto, baseiam-se no conhecimento epidemiológico de doenças e de
outros agravos específicos (CZERESNIA, 2003). A prevenção orienta-se às ações de
detecção, controle e enfraquecimento dos fatores de risco de enfermidades, sendo o foco
a doença e os mecanismos para atacá-la (BUSS, 2003).

PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE RISCOS E DOENÇAS COMO ESTRATÉGIA


PARA A MUDANÇA DO MODELO DE ATENÇÃO À SAÚDE

A Lei nº 9.961/00, que cria a ANS e dá outras providências, estabelece, em seu


artigo 4º, que uma das competências da Agência é “fixar as normas para a constituição,
organização, funcionamento e fiscalização das operadoras de pela nos de saúde, incluindo
os conteúdos e modelos assistenciais” (BRASIL, 2000). A definição de modelo assistencial
consiste na organização das ações para intervenção no processo saúde/doença, articulando
os recursos físicos, tecnológicos e humanos para enfrentar os problemas de saúde
existentes em uma coletividade. Podem existir modelos que desenvolvam exclusivamente
intervenções de natureza médico-curativa e outros que incorporem ações de promoção e
prevenção; e ainda há modelos em que seus serviços simplesmente atendam às demandas,
sempre aguardando os casos que chegam espontaneamente ou outros que atuam
ativamente sobre os usuários, independentemente de sua demanda (PAIM, 1999).
Na Saúde Suplementar, o modelo de atenção hegemônico caracteriza-se pelo
enfoque biologicista da saúde/doença/cuidado, desconsiderando seus determinantes
sociais, com ações desarticuladas, desintegradas, pouco cuidadoras, centradas na
assistência médico-hospitalar especializada e com incorporação acrítica de novas
tecnologias, constituindo-se em um modelo caro e pouco eficiente. Soma-se a isso o fato
de os planos de saúde poderem ter cobertura segmentada em ambulatorial ou hospitalar
(com ou sem obstetrícia), além de planos exclusivamente odontológicos, comprometendo
significativamente a integralidade da atenção. Por outro lado, as práticas de promoção da
saúde e prevenção de riscos e doenças ainda são utilizadas de forma acessória ou
desconsideradas, com pouquíssimo ou nenhum impacto sobre a saúde dos beneficiários.
Tendo em vista o aumento crescente dos custos em saúde, determinado pelo
45
envelhecimento da estrutura etária da população; pelas transformações nas estruturas de
morbimortalidade, com elevação da importância das doenças crônicas não transmissíveis
frente às doenças infecto-contagiosas; e pelas mudanças tecnológicas, que levam à
incorporação de mais capital e recursos humanos (MÉDICI, 1995); as operadoras buscam a
redução dos gastos com assistência à saúde de alto custo.
Vale ressaltar que a incorporação de tecnologias no setor saúde, diferente dos
outros setores da economia, implica em aumento de custos por não ser substitutiva, uma
vez que não desloca as anteriores. Provocam, consequentemente, a necessidade de
incorporação de novos profissionais e técnicos especializados agregando mais custos. Além
disso, a prescrição e o consumo de novos exames e medicamentos ocorre de forma
acrítica, com poucas vantagens para a saúde do paciente. (SILVA JUNIOR,2006:49). O
padrão de desenvolvimento científico, tecnológico e a organização da atenção à saúde sob
a lógica de mercado, direcionada para a cura de doenças e centrada na prática médica
realizada constituíram formas de produção e consumo de serviços de saúde que tiveram
como consequências a elevação de custos, o baixo impacto na saúde da população, a
grande especialização e o aumento das barreiras de acesso.
Dessa forma, a Promoção da Saúde apresenta críticas ao modelo biomédico e
proposições para a reorientação dos modelos de atenção à saúde, buscando intervir sobre
os determinantes da saúde e basear suas ações de acordo com as premissas da
intersetorialidade (PASCHE; HENNINGTON, 2006). Não podemos nos esquecer que os
programas devem procurar, na medida do possível, articular os recursos assistenciais das
redes credenciadas, coordenando e integrando as ações para obtenção dos resultados
esperados. (SILVA JUNIOR et al.,2005).
O desenvolvimento de programas de promoção da saúde e prevenção de riscos e
doenças tem como objetivo a mudança do modelo assistencial vigente no sistema de saúde
e a melhoria da qualidade de vida dos beneficiários de planos de saúde, visto que grande
parte das doenças que acomete a população é passível de prevenção. Cabe destacar que a
necessidade de racionalização dos custos por parte das operadoras é importante na
medida em que seja complementar à política do MS empreendida para todo o país.
Todo esse esforço tem sido realizado no sentido de implementar modelos de
atenção baseados na produção do cuidado, assim respondendo à necessidade da
integralidade da atenção à saúde. Nessa direção, o setor suplementar deve se tornar um
ambiente de produção de ações de saúde nos territórios da promoção, proteção,
recuperação e reabilitação da saúde dos indivíduos, com o estabelecimento de vínculo
entre profissional de saúde e beneficiários e, principalmente, responsabilização das
operadoras pela gestão da saúde de seus beneficiários.

IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PROMOÇÃO E PREVENÇÃO

Segundo Navarro (1992), “um programa é um conjunto de atividades dirigidas para


atingir certos objetivos, com dados recursos e dentro de um período de tempo específico”.
Além disso, “a avaliação de programa envolve dois tipos de atividades: a produção de
informações, referentes ao andamento dos programas e seus produtos, e o
estabelecimento de um juízo de valor a respeito do mesmo”. Avaliar significa realizar um
julgamento sobre uma intervenção com o objetivo de auxiliar na tomada de decisões
(CONTANDRIOPOULOS et al.,1997:31) sendo considerada uma importante ferramenta para
verificar a eficácia das ações estabelecidas e subsidiar o processo de planejamento. A OMS
(2000) conceitua a avaliação como “Processo de determinação, sistemática e objetiva, da
46
relevância, efetividade, eficiência e impacto de atividades fundamentadas em seus
objetivos.
É um processo organizacional para implementação de atividades e para colaborar
no planejamento, programação e tomada de decisão”. Instituído o programa, este precisa
ser oferecido e acessível à população alvo, além de ter adequada qualidade. Com isso, é
necessário que a população aceite o programa e o utilize. Essa utilização resultará em uma
dada cobertura da intervenção que, uma vez alcançada, produzirá um impacto (resultado
populacional) sobre um comportamento ou sobre a saúde. Para que essas etapas sejam
devidamente avaliadas, torna-se imprescindível a escolha de indicadores, o que dependerá
das características do próprio programa ou intervenção (BRASIL, 2007).
Donabedian identifica três tipos de indicadores de avaliação: estrutura, processo e
resultado. Indicadores de estrutura dizem respeito à área física, tecnologia apropriada,
recursos humanos, medicamentos, acesso a normas de avaliação e manejo de pacientes,
entre outros; e identificam as condições sob as quais o cuidado à saúde é oferecido aos
usuários (DONABEDIAN, 1984 apud BRASIL, 2007). Os indicadores de processo indicam o
que é realmente oferecido aos usuários no âmbito do cuidado, apontando o que os
profissionais fazem, em termos de coleta de história, exame físico, exames
complementares, tratamento e acompanhamento. Geralmente, esses indicadores são
comparados a padrões previamente estabelecidos, como guidelines, protocolos e
consensos. Enquanto isso, os indicadores de resultado indicam o quanto o usuário do
serviço teve seu problema resolvido após certo período de tempo.
A satisfação do paciente e do profissional também são dimensões do resultado. Os
indicadores de processo são tão importantes quanto os de impacto, tendo em vista que
determinar como um programa atua e também os resultados na população são de suma
relevância. Aliás, as avaliações de impacto não dispensam a coleta de indicadores de
processo (oferta, utilização e cobertura) (BRASIL, 2007). O indicador específico a ser
utilizado na avaliação depende das características do próprio programa. A população a que
o programa se dirige gera indicadores de cobertura.
A natureza do programa, os instrumentos, equipamentos e recursos humanos
utilizados, o método de veiculação para a população-alvo, entre outros, fornecem
elementos para a formulação de indicadores de oferta. Os registros sobre a implementação
do programa são úteis para a construção de indicadores de utilização e oferta. Os objetivos
do programa, por sua vez, permitem construir indicadores de impacto (BRASIL, 2007).
Furtado (2006) estabelece os sete passos a serem dados na condução de um
processo avaliativo:
1. Identificar os grupos de interesse: incluem a equipe do programa ou serviço,
indivíduos, instituições parceiras etc.
2. Definir os propósitos da avaliação: é importante definir as principais motivações
que levaram ao desenvolvimento da avaliação.
3. Descrever o programa: os aspectos centrais do programa devem ser descritos,
assim como os problemas enfrentados, a população-alvo, as atividades executadas etc.
4. Definir as questões da avaliação: devem ser definidas as perguntas que merecem
atenção no processo avaliativo, considerando a pertinência, a capacidade de levantar
informações importantes, os recursos e o tempo.
5. Coleta e análise dos dados: uma vez definidas as questões da avaliação, deve-se
decidir quais informações são necessárias para respondê-las, além de como e onde essas
informações serão obtidas.

47
5.1. Sistema de Informação O sistema de informação utilizado pela operadora
poderá ter diversas funcionalidades, que serão de suma importância para o
monitoramento e acompanhamento das atividades programadas e dos beneficiários
inscritos, podendo, por exemplo:
• controlar a entrada e a saída de inscritos.
• Identificar a frequência de participação dos inscritos nas atividades do programa.
• Emitir sinais de alerta para a busca ativa de beneficiários faltosos.
• Monitorar os resultados obtidos pelos beneficiários inscritos no decorrer do programa.
A operadora poderá utilizar como sistema de informação: software operacional,
utilizado para registro de informações assistenciais e administrativas de toda a população
para acompanhamento dos beneficiários inscritos no programa; planilha eletrônica, para
tabulação dos dados do programa em meio digital, em arquivos do tipo planilhas do
Microsoft Excel, Open Office ou compatíveis ou; software especificamente desenvolvido,
ou módulo do software operacional, para o registro e acompanhamento das informações
relativas aos Programa de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças.
6. Comunicação dos resultados: é resultante de todo o processo desenvolvido.
O relatório deve conter os propósitos da avaliação, as perguntas definidas, os
indicadores estabelecidos e a análise dos dados.
7. Utilização dos resultados: as informações devem ser úteis e críveis, de tal forma
que os resultados sejam reconhecidos como subsídios para a tomada de decisões. Nesse
sentido, é de extrema relevância estimular a incorporação da avaliação e do
monitoramento dos programas de promoção da saúde e prevenção de riscos e doenças
como prática permanente realizada pelas operadoras de planos de saúde. Tal iniciativa tem
por objetivo viabilizar a tomada de decisões e a definição de estratégias de intervenção,
bem como caminhar no sentido de qualificar a atenção à saúde no setor suplementar.

PARÂMETROS TÉCNICOS PARA A IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS PARA


PROMOÇÃO DA SAÚDE E PREVENÇÃO DE RISCOS E DOENÇAS NA SAÚDE

A implementação de estratégias e Programas para Promoção da Saúde e Prevenção


e Controle de Riscos e Doenças é prática no setor suplementar de saúde brasileiro, ainda
que, na maioria dos casos, seja realizada de forma fragmentada e desarticulada, não só por
iniciativa das operadoras de planos privados de saúde, mas também por seus prestadores
de serviço. A ANS considera como um Programa para Promoção da Saúde e Prevenção de
Riscos e Doença o conjunto orientado de estratégias e ações programáticas integradas que
objetivam a promoção da saúde; a prevenção de riscos, agravos e doenças; a compressão
da morbidade; a redução dos anos perdidos por incapacidade e o aumento da qualidade de
vida dos indivíduos e populações. Além disso, um programa deve garantir o
acompanhamento específico de sua clientela, bem como a avaliação e o monitoramento
por meio de indicadores de saúde. Entende-se por indicadores de saúde, parâmetros
utilizados, aceitos universalmente, com o objetivo de direcionar o planejamento das ações
programáticas, avaliar e monitorar o estado de saúde da população coberta pelo programa
em um período definido.
Para a elaboração e a implementação de programas dessa natureza, que se
proponham efetivos, é fundamental, como ponto de partida para a tomada de decisão dos
temas priorizados, a realização de um diagnóstico do perfil demográfico e epidemiológico
da carteira, que pode ser feito por meio de questionários de perfil de saúde e doença, com
identificação de fatores de risco. Outras alternativas podem ser utilizadas como forma de
48
quantificar a população-alvo do programa, como: estabelecimento de uma faixa etária;
gênero; presença de agravos ou fatores de risco; pessoas em fases ou situações da vida que
requeiram atenção especial ou, ainda, estabelecer, dentro da sua população, uma projeção
de risco ou morbidade de acordo com as estimativas de prevalência conhecidas
previamente na população geral.
Torna-se relevante frisar a importância da participação das operadoras nesse
processo de construção dos parâmetros e da divulgação de exemplos de programas e
atividades. Antes de iniciar o Programa de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e
Doenças, é de suma relevância planejar sua estrutura, com a determinação da população-
alvo, das formas de identificação dessa população e das metas de cobertura. Além disso, o
sistema de informação participa como um componente fundamental de qualquer
programa, por permitir o acompanhamento e o monitoramento das ações desenvolvidas.
Nesse sentido, o roteiro a seguir apresenta os parâmetros e critérios técnicos gerais para o
planejamento de programas de promoção da saúde e prevenção de doenças, que podem
ser utilizados pelas operadoras de planos de saúde que desenvolvem ou pretendem
desenvolver programas voltados para quaisquer Áreas de Atenção à Saúde.

49
PROMOÇÃO, DA SAÚDE DE PESSOAS COM
NECESSIDADES ESPECIAIS

50
PROMOÇÃO, DA SAÚDE DE PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS

Atenção à pessoa com deficiência na atenção básica


INTRODUÇÃO

A pessoa com deficiência é aquela que tem comprometimentos de longo prazo de


natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem dificultar sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de
condições com as demais pessoas (ONU 2007). O cuidado integral e articulado entre a
Atenção Básica e a Atenção Especializada através das Redes de Atenção à Saúde do SUS
(RAS) visa proporcionar às pessoas com deficiência mais autonomia, qualidade de vida e
inclusão social.
Portanto, as políticas públicas para as pessoas com deficiência e suas famílias
devem ser implantadas nos estados e municípios de forma a priorizar: ações de promoção
e prevenção, diagnóstico precoce, acesso aos serviços e procedimentos, qualidade e
humanização da atenção, articulada em todos os níveis de complexidade. A Rede de
Cuidados à Pessoa com Deficiência se organiza a partir dos seguintes componentes:
Atenção Básica, Atenção Especializada em Reabilitação Auditiva, Física, Intelectual, Visual,
Ostomia e em Múltiplas Deficiências e Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência.
A Atenção Básica (AB) tem como uma das suas atribuições o acompanhamento da
saúde integral das pessoas do seu território em todos os ciclos de vida. Para isso, é
fundamental que as equipes se ocupem de ações como o pré-natal, vigilância do
crescimento e desenvolvimento infantil, imunizações, programas voltados aos diabéticos,
hipertensos e cardíacos, aos adolescentes (para prevenção de violências) e aos idosos para
prevenção de eventos incapacitantes, como as quedas. Essas ações visam a promoção de
saúde e prevenção de agravos e favorecem a identificação precoce de situações
relacionadas às deficiências, de forma a garantir o cuidado integral e qualificado às pessoas
com deficiência e suas famílias.
O acompanhamento das pessoas com deficiência deve ocorrer de forma contínua e
sistemática, através do cuidado compartilhado entre as equipes atuantes na Atenção
Básica como a Estratégia de Saúde da Família (ESF), Equipe de Atenção Primária (EAP),
Primeira Infância Melhor (PIM), Núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), Academia da
Saúde e dos serviços especializados de reabilitação priorizando o acesso aos diferentes
pontos de atenção da rede de serviços. As ações da Atenção Básica devem contemplar o
acolhimento, orientação, acompanhamento e continuidade do cuidado às pessoas com
deficiência promovendo a busca ativa das mesmas e de suas famílias, assim como a
realização de ações intersetoriais, com especial atenção àquelas de proteção social
desenvolvidas pelos Centros de Referência de Assistência Social - CRAS.

AÇÕES DA ATENÇÃO BÁSICA NA REDE DE CUIDADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA

Mapeamento das pessoas com deficiência no território.

É importante que as equipes de saúde tenham conhecimento do número de


pessoas com deficiência vivendo em seu território de abrangência, identificando qual o tipo
de deficiência cada uma possui, assim como os serviços de reabilitação de referência.
Também deve-se conhecer as condições de vida dessas pessoas: como é o convívio
familiar, características da moradia, atividades de vida diária, grau de dependência causado
51
pela deficiência, aspectos referentes à saúde mental do usuário e da família, utilização ou
necessidade do uso de OPM (órtese, prótese e meios auxiliares de locomoção).

Educação em saúde, com foco na prevenção de acidentes e quedas.

As Cadernetas de Saúde disponibilizadas pelo Ministério da Saúde contam com


orientações quanto à promoção de saúde e prevenção de agravos nos ciclos de vida. A
Caderneta da Criança é um instrumento de registro das informações que deve ser realizado
pelos profissionais de saúde, assim como informativo para os cuidadores e familiares. A
temática da prevenção de acidentes também é contemplada entre as demais orientações
que constam na Caderneta. As orientações são abordadas por faixa etária com ênfase em
quedas, queimaduras, sufocação, afogamento e atropelamento. Dessa forma, torna-se
necessário que os profissionais da rede orientem às famílias com o objetivo de prevenir
acidentes que possam comprometer a saúde das crianças.
A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa (CSPI) permite que se registre e acompanhe
informações sobre a condição de saúde, a capacidade funcional (níveis de autonomia e
independência), hábitos de vida, uso de medicações, vulnerabilidades, autocuidado, entre
outros, buscando qualificar a atenção à pessoa idosa no SUS. Por isso, é importante
conhecer a população idosa do território e suas condições de saúde. A CSPI deve ser usada
não só pelos profissionais de saúde, mas também pelos idosos, familiares e cuidadores.
Cabe destacar que é um importante instrumento de registro de quedas, servindo de alerta
para os profissionais de saúde em relação aos fatores de risco a que pessoas idosas estão
expostas no domicílio e na comunidade. Dessa maneira, podem ser identificadas formas de
intervenção para a eliminação ou minimização desses riscos.
O acolhimento com classificação de risco permite a identificação dos pacientes que
necessitam de tratamento imediato, de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde
ou grau de sofrimento, corresponde a priorização do atendimento em serviços e situações
de urgência/emergência. Identificar e conhecer a quais tipos de vulnerabilidade as pessoas
com deficiência e suas famílias estão expostas no contexto da comunidade fornecerá aos
profissionais subsídios para elaboração do plano terapêutico singular de acordo com as
necessidades destes indivíduos, além de promover apoio às famílias e atuar na prevenção
de agravos.
Com relação ao cuidado às pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA),
as quais são pessoas com deficiência, o estado possui o Programa TEA colhe a fim de
executar e implementar a Política de Atendimento Integrado à Pessoa com Autismo (Lei
nº15.322 de 25 de setembro de 2019). A rede do Programa TEA colhe é composta por
Centros Macrorregionais e Regionais de Referência em TEA, os quais têm como objetivo
oferecer retaguarda assistencial e suporte técnico-pedagógico às equipes dos municípios
da região/macrorregião de saúde no tema do TEA, por meio do matriciamento, nas áreas
de saúde, educação e assistência social. Desta forma, quando necessário, a equipe deve
acionar o matriciamento da equipe dos Centros de Referência em TEA.
A atenção à família da pessoa com deficiência configura medida essencial para um
atendimento completo e eficaz. Essa atenção compreende ações de apoio psicossocial,
visitas domiciliares sistemáticas pelos ACS e pelas Equipes do Primeira Infância Melhor,
garantindo escuta, acolhimento e estratégias de acompanhamento (individuais e coletivas)
das angústias, culpas, medos, frustrações, além de estar atento aos aspectos positivos,
agregadores, que possam ser ferramentas de trabalho para a problematização e
construção de valores e crenças que sejam capazes de contribuir com relações mais

52
sólidas, solidárias, produtoras de laços familiares dispostos às trocas mútuas entre seus
membros.

ATENÇÃO ESPECIALIZADA EM REABILITAÇÃO

Rede De Cuidados à Pessoa com Deficiência

Ação, prescrição, adequação, treinamento e acompanhamento do paciente. De


acordo com a Organização Mundial da Saúde, a reabilitação é definida como um conjunto
de medidas para que a pessoa tenha ou mantenha uma funcionalidade ideal na interação
com o ambiente. Desta forma, visa tanto a melhoria da funcionalidade individual quanto a
intervenção no ambiente do indivíduo, reduzindo o impacto de uma ampla gama de
condições de saúde. Normalmente, a reabilitação acontece durante um período
determinado de tempo, mas pode envolver intervenções simples ou múltiplas realizadas
por uma pessoa ou por uma equipe de profissionais de reabilitação; ela também pode ser
necessária desde a fase aguda ou inicial do problema médico, logo após sua descoberta,
até as fases pós-aguda e de manutenção.
A reabilitação envolve a identificação de limitações e necessidades da pessoa, o
relacionamento dos transtornos aos fatores relevantes do indivíduo e do ambiente, a
definição de metas de reabilitação, planejamento e implantação de medidas, além da
avaliação de seus efeitos. Após ingressar nos serviços de referência para reabilitação física,
auditiva e visual, o usuário é avaliado de modo integral, a fim de se definir o Projeto
Terapêutico Singular (PTS), bem como a indicação de alguma OPM e após a sua inserção via
Sistema de Regulação vigente, permanece vinculado aos mesmos em casos de reavaliação
e ajustes ou adaptação dos equipamentos. Segundo o disposto na portaria
supramencionada, os pontos de Atenção Especializada em Reabilitação, Serviços de
Modalidade Única em Reabilitação ou Centro Especializado em Reabilitação (CER), devem
estar articulados aos demais pontos da rede de atenção, mediante regulação do acesso,
garantindo-se a integralidade da linha de cuidado e o apoio qualificado às necessidades de
saúde das pessoas com deficiência, observadas, entre outras, as seguintes diretrizes: VI
Estabelecer fluxos e práticas de cuidado à saúde contínua, coordenada e articulada
entre os diferentes pontos de atenção da rede de cuidados às pessoas com deficiência em
cada território; VII - realizar ações de apoio matricial na Atenção Básica, no âmbito da
Região de Saúde de seus usuários, compartilhando a responsabilidade com os demais
pontos da Rede de Atenção à Saúde; Além disso, a articulação também está prevista nas
regras de funcionamento dos Pontos Especializados de Reabilitação, que constam no
referido documento, ao propor a realização do Projeto Terapêutico Singular de forma
matricial com os demais pontos da rede de atenção. Desta forma, o foco principal das
ações direcionadas à pessoa com deficiência é a integralidade do cuidado, na promoção da
saúde, prevenção de agravos e reabilitação, abrangendo a Atenção Básica, Atenção
Especializada, Atenção Hospitalar e de Urgência e Emergência, visando a inclusão social.

53
Lista de abreviaturas e siglas

AIDS- Síndrome da Imunodeficiência Adquirida


ANS- Agência Nacional de Saúde Suplementar
AVC- Acidente Vascular Cerebral
CA- Circunferência Abdominal
CID- Classificação Internacional de Doenças
CIPA- Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
CLT- Consolidação das Leis do Trabalho
DA- Doença de Alzheimer
DCNT- Doenças Crônicas Não Transmissíveis
DM- Diabetes Mellitus
DST- Doenças Sexualmente Transmissíveis
ECM- Exame Clínico das Mamas
HAS- Hipertensão Arterial Sistêmica
HPV- Papilomavírus Humano
IAM- Infarto Agudo do Miocárdio
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMC- Índice de Massa Corpórea Inca Instituto Nacional do Câncer
IU- Incontinência Urinária
MS- Ministério da Saúde
OMS- Organização Mundial de Saúde
OPAS- Organização Pan-Americana de Saúde
PCMSO- Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional
PNAN- Política Nacional de Alimentação e Nutrição
PPRA- Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
PSA- Antígeno Prostático Específico
SIP- Sistema de Informações de Produtos
Sipat- Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho
SESMT- Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
TMB- Taxa Metabólica Basal UV Radiação Ultravioleta

54
SAÚDE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

55
A Chegada da Criança à Família

A gravidez constitui um período de muitas expectativas não só para a gestante, mas


para toda sua família, que se prepara para a chegada de um novo membro. E cada criança
que nasce não é parte de um contexto vazio, mas sim de um ambiente familiar repleto de
esperança, crenças, valores e metas, que influenciarão a formação deste sujeito em
desenvolvimento (DE BEM; WAGNER, 2006). Por tal motivo, ao atender uma criança, o
profissional de saúde não pode vê-la como um ser isolado, mas como parte de seu
contexto familiar, com características e funcionamento próprios. É importante prestar
atenção na relação que os membros da família estabelecem com a criança, na maneira
como se dispõem a cuidar dela, em seu percurso escolar desde os primeiros anos, enfim,
na forma como ela é recebida e “endereçada” ao mundo (BRASIL, 2005) . A equipe de
saúde deve ainda compreender e orientar os pais sobre a formação de vínculos e o
fortalecimento da parentalidade (DEMOTT, 2006). O profissional precisa estar atento às
possíveis e frequentes dificuldades que se apresentam e precisa estimular a construção de
uma rede, inclusive na equipe de saúde, que sirva de apoio à família.
Dados interessantes resultaram de um estudo que acompanhou crianças desde o
pré-natal até a adolescência e que reviu as influências ambientais na saúde mental das
crianças. Os fatores encontrados como determinantes da saúde mental de crianças
referem-se, em sua maioria, a fatores familiares: história de doença mental materna, níveis
elevados de ansiedade materna, perspectivas parentais limitadas, interação limitada entre
a criança e a mãe, chefe de família sem ocupação qualificada, baixa escolaridade materna,
famílias de grupos étnicos minoritários, famílias monoparentais, presença de eventos
estressantes e famílias com quatro ou mais filhos (SAMEROFF et al. apud HALPERN, R.;
FIGUEIRAS, 2004).

A família de uma criança recém-nascida

O profissional de saúde, desde o pré-natal, deve estar atento às mudanças e às


necessidades de adaptação que ocorrem nas famílias diante do nascimento de um novo
ser. De igual forma, o profissional de saúde deve saber que não é uma tarefa fácil uma
família adaptar-se a uma nova realidade, especialmente quando se trata do primeiro filho.
Neste caso, os pais necessitam ajustar seu sistema conjugal, criando um espaço para os
filhos. Além disso, é preciso aprender a unir as tarefas financeiras e domésticas com a
educação dos filhos. Um estudo evidencia que o bom relacionamento do casal está
associado a um maior apoio do pai à lactação e uma maior participação dele nos cuidados
com a criança (FALCETO; GIUGLIANI; FERNANDES, 2004).
Cabe ressaltar que a mudança com o nascimento da criança ocorre não apenas na
família nuclear, mas também na família ampliada, que passa por uma alteração importante
em seus papéis, avançando um grau em seu sistema de relacionamentos: irmãos tornam-se
tios, sobrinhos tornam-se primos, pais tornam-se avós, entre outros exemplos de
alterações na configuração familiar (CARTER; MCGOLDRICK, 2001). E é dentro do referido
contexto familiar ou por intermédio de seu substituto (instituições ou pessoas que exerçam
a função de cuidadores) que acontecerão as primeiras relações da criança, tão importantes
para o seu desenvolvimento psicossocial. Os laços afetivos formados, em especial entre
pais e filhos, influenciam o desenvolvimento saudável do bebê e determinam modos de
interação positivos, que possibilitam o ajustamento do indivíduo aos diferentes ambientes
de que ele irá participar (DESSEN; POLONIA, 2007).
56
A formação do vínculo/apego

O apego, vínculo emocional recíproco entre um bebê e seu cuidador, constrói-se


baseado em relacionamentos preliminares estabelecidos ainda com o feto e com a criança
imaginada pelos pais, antes mesmo do seu nascimento. Após o nascimento, o bebê, para
sobreviver, precisa de alguém que cuide dele e que assegure que suas necessidades físicas
(alimentação, limpeza, cuidado, proteção, entre outras) e psicossociais (de se sentir seguro,
amado, protegido, valorizado) sejam atendidas. Qualquer atividade por parte do bebê que
provoque uma resposta do adulto pode ser considerada um comportamento de busca de
apego: sorrir, chorar, sugar e olhar nos olhos.
Por isso, é importante que o profissional de saúde, em contato com a família,
observe cuidadosamente como os cuidadores (em especial, a mãe) reagem a tais
comportamentos. São afetuosos? Oferecem aconchego frequente ao bebê? Reagem de
forma irritada ou agressiva ao choro? (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006; BRAZELTON;
CRAMER, 1992). Por vezes, os modos como se dão as reações aos comportamentos do
bebê podem ser indicativos de que sua família precisa de auxílio para superar o momento
de crise. A prática da amamentação favorece a formação de vínculo entre mãe e filho e
deve ser estimulada. Entretanto, a amamentação não é um comportamento inato, mas sim
um hábito que se adquire e se aperfeiçoa com a prática, que depende de aprendizado e da
interação positiva entre os fatores culturais e sociais3 (HALPERN; FIGUEIRAS, 2004)

O desenvolvimento da função parental

Considerando-se que a relação que se estabelece entre pais e filhos é fundamental


para os futuros relacionamentos da criança, o profissional de saúde deve estar atento e
deve estimular o desenvolvimento da parentalidade (DEMOTT, 2006), definida como o
conjunto de remanejamentos psíquicos e afetivos que permitem ao adulto tornar-se pai ou
mãe (CORRÊA FILHO; CORRÊA; FRANÇA, 2002). O termo parentalizar designa a influência
positiva que uma pessoa exerce sobre o sentimento que um adulto tem de ser pai e mãe e
refere-se à vivência da identidade parental e aos sentimentos de competência dos pais
com relação aos cuidados que eles dispensam ao seu bebê. Quem pode exercer a
parentalização? O bebê (durante suas interações com os pais), os cônjuges (que podem
parentalizar um ao outro), a família ampliada e os profissionais que trabalham com pais e
bebês (idem).
Os profissionais de saúde podem auxiliar a formação da parentalidade oferecendo
espaço para a manifestação de sentimentos comuns durante o referido processo,
sentimentos como o medo de não conseguir manter a vida e o crescimento de seu bebê, o
medo de não conseguir envolver-se emocionalmente com o seu bebê de modo autêntico e
pessoal (e de que ele não se desenvolva emocionalmente), a preocupação em como criar o
bebê (se irá ou não permitir sistemas de apoio necessários) e o medo de não conseguir
modificar-se ou reorganizar sua identidade (CORRÊA FILHO; CORRÊA; FRANÇA, 2002;
STERN, 1997).
É importante também que o profissional de saúde reconheça os pais que
desenvolvam bem a parentalidade, que se mostrem envolvidos com o crescimento do filho,
apoiando as suas novas necessidades, para que tais atitudes sejam estimuladas.
Conhecendo e identificando a presença desses sentimentos, o profissional de saúde pode
estimular o pai, a mãe ou outros responsáveis, evitando julgamentos e valorizando sempre
57
as boas práticas de atender as necessidades da criança. Sempre que os pais desejarem, os
profissionais de saúde devem lhes disponibilizar grupos de apoio que promovam a
aquisição de habilidades na formação da parentalidade (DEMOTT, 2006).

A participação paterna

A participação paterna em todas as fases de desenvolvimento da criança é um


elemento importante para o seu crescimento saudável, pois representa um relevante fator
protetivo para a saúde de todos os envolvidos. Geralmente, nos serviços de saúde da Rede
SUS, observa-se ainda um baixo engajamento dos pais nas decisões e ações relacionadas à
saúde infantil. Inclusive, fala-se muito em saúde materno-infantil, mas pouco ainda em
saúde paterno-infantil (relacionada ao vínculo físico, psicológico e afetivo que as crianças
estabelecem com aqueles que exercem a função paterna em suas vidas). No entanto,
estudos indicam que a maior parte dos homens gostaria de participar das consultas e de
receber informações sobre ações de prevenção e promoção relacionadas à saúde de seus
filhos (DUARTE, 2007). Neste sentido, é de suma importância minimizar este tipo de
exclusão, que gera, muitas vezes, um grande sentimento de frustração e que reforça ainda
mais o distanciamento masculino das questões relativas à saúde dos filhos.
Para isso, é necessário considerar os aspectos socioculturais e os preconceitos que
permeiam o simbólico imaginário masculino tanto dos profissionais quanto da população
usuária dos serviços de saúde. No que tange ao nascimento, é importante ressaltar que os
relatos sobre a participação masculina indicam que ela constitui um fator que reforça os
vínculos familiares e contribui para a diminuição da ansiedade durante a chegada da
criança, reduzindo a depressão materna no pós-parto e colaborando para a melhoria dos
aspectos gerais de saúde da criança.
Para a ampliação e o fortalecimento da participação paterna na saúde familiar, os
profissionais da Rede SUS devem estar atentos para o acesso e o acolhimento de qualidade
desses pais, incluindo-os como sujeitos na lógica das consultas realizadas em conjunto com
as mães e as crianças. Para isso, é fundamental que o pai/cuidador seja visto também
como um indivíduo responsável pelo bem-estar da criança nas diversas fases da sua vida,
devendo ser incorporado às atividades rotineiras realizadas pelas equipes de saúde, para
que, por exemplo, tenha direito a uma voz ativa nas consultas realizadas pelos profissionais
de saúde. Por tal motivo, os serviços de saúde da Rede SUS podem e devem criar
estratégias criativas que objetivem ampliar a participação e a responsabilização paterna na
promoção do crescimento saudável das crianças.

Dificuldades comuns da fase

O nascimento de um bebê, em especial quando se trata do primeiro filho, pode ser


considerado como um evento propício ao surgimento de problemas emocionais nos pais,
tais como depressão e manifestações psicossomáticas (SCHWENGBER; PICCININI, 2003),
que podem afetar o modo como os pais se relacionam com seu filho. Os episódios de
melancolia pós-parto denominados “baby blues” referem-se a uma manifestação
transitória e frequente do humor que aparece no decorrer dos primeiros dias pós-parto
(com intensidade maior em torno do 3º ao 6º dia após o parto).
A puérpera apresenta um estado de fragilidade e hiperemotividade transitória
(choro fácil, irritabilidade, tristeza ou hipersensibilidade) que não é considerado depressão
pós-parto. O manejo adequado inclui uma orientação sobre a sua frequência e
58
transitoriedade, o estímulo à manifestação de sentimentos e a aceitação de apoio (CORRÊA
FILHO; CORRÊA; FRANÇA, 2002).
A depressão pós-parto, cuja incidência varia entre 12% e 19% das puérperas
(RUSCHI et al., 2007), pode constituir um problema que afeta não apenas a mãe, mas
também o bebê e até mesmo o próprio pai. Um estudo evidencia que a amamentação feita
por mães com depressão puerperal corre maior risco de ser interrompida precocemente
nos primeiros dois meses (evento conhecido como desmame precoce) (HASSELMANN;
WERNECK; SILVA, 2008).
Sabe-se ainda que os bebês, por dependerem muito da qualidade dos cuidados e do
modo como as mães respondem às suas demandas, tornam-se especialmente vulneráveis à
depressão pós-parto. Tendo em vista a influência deste quadro no contexto familiar e na
relação mãe-bebê (FRIZZO, G. B.; PICCININI, 2005), o profissional de saúde deve estar
atento à presença de sintomas compatíveis com depressão (irritabilidade ou choro
frequente, sentimentos de desamparo, desesperança, falta de energia e motivação,
desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, incapacidade de lidar com novas
situações e queixas psicossomáticas) (DEMOTT, 2006). A atenção do profissional de saúde
deve estar mais focada principalmente em relação à época de início dos sintomas (período
que é mais tardio do que o princípio dos eventos de “baby blues”, em torno da 5ª e 6ª
semana puerperal) e em relação à sua intensidade e duração. Uma vez detectados tais
sintomas, a puérpera deve ser monitorada com mais atenção pela equipe de saúde.

O nascimento de um segundo filho

A chegada de mais um bebê é também um acontecimento que altera a dinâmica


familiar, pois – além da felicidade com a vinda do novo membro da prole – tal fato pode
gerar ansiedade algumas vezes, porque é diferente do nascimento do primeiro filho em
função das mudanças dele decorrentes. O nascimento de um irmão é algo que exerce
impacto sobre o comportamento do primogênito, que tem de aprender a lidar com a
divisão do amor e da atenção dos pais, que antes eram dirigidos exclusivamente a ele. É
comum o aparecimento de sintomas físicos no primogênito, tais como febre e alergia, além
de retrocessos na linguagem e na alimentação, propensão ao choro, aumento de birra e
manifestações de agressividade (PICCININI et al., 2007).
De igual forma, algumas vezes, tal acontecimento pode gerar sofrimento não
apenas para a criança, mas também para as mães, porque percebem a vulnerabilidade do
primogênito (que necessita de cuidados especiais para se adaptar) e veem as dificuldades
dele em lidar com a chegada do bebê. Pelo mesmo motivo, é importante que o profissional
esteja atento às mudanças decorrentes deste acontecimento, tranquilizando, apoiando e
orientando a família para que ela consiga superar, da melhor maneira, este momento de
ambivalência, entre a felicidade pelo nascimento de um segundo filho e a ansiedade que o
momento pode trazer. Algumas pequenas orientações podem ser muito importantes para
auxiliar a família neste processo. Desde a gestação do segundo filho, os pais devem
conversar com o primogênito sobre o irmãozinho, estimulando-o a compartilhar pequenas
responsabilidades e a participar da preparação para a chegada do novo bebê, além de
dialogar com ele sobre os pontos positivos de ter irmãos.
Já após o nascimento, em alguns casos, as disputas entre os irmãos originam-se da
busca de atenção dos pais, sendo o irmão visto como um rival na procura pelo afeto e pelo
tempo deles. Por tal motivo, é importante que os pais consigam organizar um tempo
especial para passar com cada um dos filhos, dando-lhes atenção exclusiva e propondo
59
atividades do seu interesse (PEREIRA, 2008) [D]. Entretanto, não se pode esquecer de que a
criança precisa de espaço para expressar sua raiva e seu ciúme, aprendendo a fazer isso de
forma não violenta. A existência desse espaço é fundamental também para que ela
consiga, por outro lado, expressar seu carinho e amor pelo irmão.

Estímulo à formação de uma rede de apoio mais ampla

O fortalecimento da rede de apoio social no momento da chegada de um novo


membro à família contribui para a superação de dificuldades relacionadas ao estresse, para
a resolução de conflitos e o restabelecimento de uma dinâmica familiar saudável. Isso
constitui, inclusive, fator protetor para evitar o desenvolvimento de relacionamentos
disfuncionais, tais como: maustratos à criança, violência intrafamiliar, abuso de substâncias
psicotrópicas (como álcool, drogas, medicamentos etc.), conflitos, entre outros (DESSEN;
POLONIA, 2007). Assim, as mães devem ser estimuladas a ampliar as redes sociais de
apoio, uma vez que isso resulta em interação positiva na relação mãe-bebê (DEMOTT,
2006).
Cabe aos profissionais de saúde identificar pessoas que possam oferecer suporte à
família, destacando-se os próprios membros familiares, como avós, tios, primos e também
amigos, companheiros, vizinhos. Tais redes poderão oferecer suporte de diversas formas:
apoio material ou financeiro, executando pequenas tarefas domésticas, cuidando dos
outros filhos, orientando, prestando informações e oferecendo suporte emocional
(PEREIRA, 2008). O profissional de saúde deve estar atento também às novas configurações
familiares e ao papel ocupado pelas avós, que têm sido, em muitas famílias, as principais
cuidadoras. Em alguns casos, o papel desempenhado pelas avós ultrapassa o de apoiadoras
no cuidado, pois muitas delas são as responsáveis pelos cuidados físicos e afetivos das
crianças (DESSEN; BRAZ, 2000). Percebe-se que o fenômeno de distribuição de papéis, que
na família tradicional era fortemente delimitado, hoje se encontra flexibilizado,
principalmente nas classes mais populares (CARTER; MCGOLDRICK, 2001).

Conclusão sobre a atenção à família no dado momento

Considerando-se todos os aspectos mencionados até então, ressalta-se a


importância da família em proporcionar ambiente social e psicológico favorável ao
desenvolvimento da criança e à promoção de sua saúde mental, uma vez que tais fatores
influenciam mais do que as características intrínsecas do indivíduo (HALPERN; FIGUEIRAS,
2004) [B]. A família desempenha também papel primordial na transmissão de cultura, de
tradições espirituais e na manutenção dos ritos e costumes.
Ela é a matriz da aprendizagem humana, com significados e práticas culturais próprias,
que geram modelos de relação interpessoal e de construção individual e coletiva. Os
acontecimentos e as experiências familiares propiciam a formação de repertórios
comportamentais, de ações e resoluções de problemas com significados universais e
particulares (DESSEN; POLONIA, 2007, p. 21-32).

PRESSUPOSTOS LEGAIS E CONCEITUAIS

Considerando a adolescência uma construção sócio-histórica cujas manifestações


são fortemente influenciadas pelos fatores socioeconômicos, políticos e culturais do

60
ambiente onde o adolescente vive; Considerando que saúde integral é o grau de bem-estar
que permite ao adolescente crescer e se desenvolver de acordo com seu potencial
biológico, psicológico e social; Considerando atenção integral como o conjunto de esforços
organizados em caráter intersetorial e interdisciplinar que visam oferecer respostas
adequadas às exigências da adolescência para alcançar e manter a saúde integral.
Considerando as Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolesentes e
Jovem na Promação, Proteção e Recuperação da Saúde; Considerando a Política Nacional
de Promoção da Saúde, que tem por objetivo promover a qualidade de vida e reduzir a
vulnerabilidade e os riscos relativos aos determinantes e condicionantes do processo
saúde-doença; considerando o Pacto pela Vida e o Programa Mais Saúde.
Considerando as prerrogativas legais e éticas trazidas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, pela Lei Orgânica da Saúde e pela Lei das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional; Considerando a Portaria nº 1.190, de 2009, que instituiu o Plano Emergencial de
Ampliação do Acesso ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas no Sistema
Único de Saúde – SUS (Pead); Considerando o Programa Saúde e Prevenção nas Escolas
(SPE), instituído em 2005 por meio de trabalho conjunto entre os Ministérios da Saúde e da
Educação e organismos internacionais.
Considerando o art. 4º do Decreto nº 6.286, de 2007, que instituiu o Programa
Saúde na Escola (PSE); Considerando os programas, projetos e estratégias adotados pelos
territórios com vistas à articulação entre os setores Saúde e educação, para além dos
programas nacionais anteriormente citados; Considerando as diretrizes da Programação
Pactuada e Integrada (PPI), que estabelecem o mínimo de: uma consulta médica ao ano e 2
(duas) consultas de enfermagem ao ano, para adolescentes e jovens1 ; Cabe à Equipe de
Saúde da Família desenvolver ações de atenção primária e organizar a rede de saúde do
seu território, bem como promover articulações intra e intersetoriais, estabelecendo
parcerias e corresponsabilidades para a elaboração, condução e avaliação de ações
destinadas à prevenção de agravos, promoção e assistência à saúde de adolescentes e
jovens. Sendo assim, propõem-se as seguintes orientações básicas: É competência da rede
de atenção básica, especialmente da Estratégia Saúde da Família:

1. Participar e/ou desenvolver ações de promoção de saúde nos territórios, articulando e


potencializando os diversos espaços e equipamentos comunitários, especialmente a escola.
2. Articular canais junto à população adolescente que facilitem a sua expressão e o
reconhecimento de suas potencialidades por meio de atividades artísticas, esportivas e
culturais, rádio ou jornal comunitário, campeonatos, gincanas, grupos de voluntários,
palanque da cidadania, olimpíadas desportivas ou intelectuais.
3. Articular ações intra e intersetoriais fortalecendo uma intervenção mais coletiva, capaz
de promover o desenvolvimento saudável de adolescentes e favorecer ambientes
protetores.
4. Participar e/ou desenvolver ações de incentivo à participação juvenil, fortalecendo o
protagonismo juvenil, identificando e valorizando lideranças estudantis e juvenis da
comunidade para participarem na solução de problemas que impactam efetivamente a
saúde pública, no âmbito de suas comunidades, e na promoção da educação em saúde
entre pares para uma melhor qualidade de vida.
5. Articular parcerias e desenvolver ações de educação em saúde que valorizem a
alimentação saudável, a prática de atividades de lazer, de esportes e culturais favorecendo
hábitos saudáveis.

61
6. Articular parcerias e promover, junto às famílias, atividades de educação e saúde
relacionadas ao crescimento e desenvolvimento de adolescentes, à saúde sexual e à saúde
reprodutiva, à prevenção de violências e acidentes, à promoção da cultura de paz, à
redução do uso abusivo de álcool e outras drogas, dando ênfase ao diálogo familiar como
estratégia fundamental na melhoria das relações afetivas entre pais, responsáveis e filhos e
favorecendo comportamentos, hábitos e ambientes seguros e saudáveis para
adolescentes.
7. Realizar a vigilância à saúde no desenvolvimento de adolescentes e jovens identificando
fatores de risco e de proteção às doenças e agravos, identificando as desarmonias do
crescimento, os distúrbios nutricionais e comportamentais, as incapacidades funcionais, as
doenças crônicas e a cobertura vacinal, o uso abusivo de álcool e outras drogas e a
exposição às violências e aos acidentes, encaminhando o adolescente, quando necessário,
para os serviços de referência e para a rede de proteção social.
8. Desenvolver ações educativas relacionadas à saúde sexual e saúde reprodutiva baseadas
nas demandas e necessidades trazidas pelos adolescentes criando ambientes participativos
de discussões em grupo que favoreçam o exercício das relações afetivas e fortaleçam o
autoconhecimento, o autocuidado e o cuidado com o outro para tomadas de decisões
esclarecidas e responsáveis.
9. Articular parcerias e desenvolver estratégias sistemáticas de busca ativa de adolescentes
grávidas no território acolhendo-as e realizando atendimento pré-natal considerando as
especificidades e necessidades deste grupo etário, envolvendo os parceiros e os familiares
no atendimento.

62
63
Saúde da Mulher e o Enfoque de Gênero

Introdução

Encontram-se na literatura vários conceitos sobre saúde da mulher. Há concepções


mais restritas que abordam apenas aspectos da biologia e anatomia do corpo feminino e
outras mais amplas que interagem com dimensões dos direitos humanos e questões
relacionadas à cidadania. Nas concepções mais restritas, o corpo da mulher é visto apenas
na sua função reprodutiva e a maternidade torna-se seu principal atributo. A saúde da
mulher limita-se à saúde materna ou à ausência de enfermidade associada ao processo de
reprodução biológica.
Nesse caso estão excluídos os direitos sexuais e as questões de gênero (COELHO,
2003). Em 1994, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, a saúde
reprodutiva foi definida como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social
em todas as matérias concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e processos, e
não apenas mera ausência de doença ou enfermidade. A saúde reprodutiva implica, por
conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tendo a
capacidade de reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes deve fazê-
lo” (CIPD, 1994).
Nessa definição, toma-se como referência o conceito de saúde da Organização
Mundial da Saúde (OMS), e são incorporadas dimensões da sexualidade e da reprodução
humana numa perspectiva de direitos. No entanto, apesar do avanço em relação a outras
definições, o conceito da CIPD fica restrito à saúde reprodutiva e não trata a saúde-doença
como processo na perspectiva da epidemiologia social, o que vem sendo bastante discutido
desde o final dos anos 60. A saúde e a doença estão intimamente relacionadas e
constituem um processo cuja resultante está determinada pela atuação de fatores sociais,
econômicos, culturais e históricos. Isso implica em afirmar que o perfil de saúde e doença
varia no tempo e no espaço, de acordo com o grau de desenvolvimento econômico, social
e humano de cada região (LAURELL, 1982).
As desigualdades sociais, econômicas e culturais se revelam no processo de adoecer
e morrer das populações e de cada pessoa em particular, de maneira diferenciada. De
acordo com os indicadores de saúde, as populações expostas a precárias condições de vida
estão mais vulneráveis e vivem menos. O relatório sobre a situação da População Mundial
(2002) demonstra que o número de mulheres que vivem em situação de pobreza é
superior ao de homens, que as mulheres trabalham durante mais horas do que os homens
e que, pelo menos, metade do seu tempo é gasto em atividades não remuneradas, o que
diminui o seu acesso aos bens sociais, inclusive aos serviços de saúde. Levando em
consideração que as históricas desigualdades de poder entre homens e mulheres implicam
num forte impacto nas condições de saúde destas últimas (ARAÚJO, 1998), as questões de
gênero devem ser consideradas como um dos determinantes da saúde na formulação das
políticas públicas. O gênero, como elemento constitutivo das relações sociais entre homens
e mulheres, é uma construção social e histórica.
É construído e alimentado com base em símbolos, normas e instituições que
definem modelos de masculinidade e feminilidade e padrões de comportamento aceitáveis
ou não para homens e mulheres. O gênero delimita campos de atuação para cada sexo, dá
suporte à elaboração de leis e suas formas de aplicação. Também está incluída no gênero a
subjetividade de cada sujeito, sendo única sua forma de reagir ao que lhe é oferecido em
64
sociedade. O gênero é uma construção social sobreposta a um corpo sexuado. É uma
forma primeira de significação de poder (SCOTT, 1989). Gênero se refere ao conjunto de
relações, atributos, papéis, crenças e atitudes que definem o que significa ser homem ou
ser mulher. Na maioria das sociedades, as relações de gênero são desiguais. Os
desequilíbrios de gênero se refletem nas leis, políticas e práticas sociais, assim como nas
identidades, atitudes e comportamentos das pessoas. As desigualdades de gênero tendem
a aprofundar outras desigualdades sociais e a discriminação de classe, raça, casta, idade,
orientação sexual, etnia, deficiência, língua ou religião, dentre outras (HERA, 1995).
Da mesma maneira que diferentes populações estão expostas a variados tipos e
graus de risco, mulheres e homens, em função da organização social das relações de
gênero, também estão expostos a padrões distintos de sofrimento, adoecimento e morte.
Partindo-se desse pressuposto, é imprescindível a incorporação da perspectiva de gênero
na análise do perfil epidemiológico e no planejamento de ações de saúde, que tenham
como objetivo promover a melhoria das condições de vida, a igualdade e os direitos de
cidadania da mulher.

Evolução das Políticas de Atenção à Saúde da Mulher

No Brasil, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde nas


primeiras décadas do século XX, sendo limitada, nesse período, às demandas relativas à
gravidez e ao parto. Os programas materno-infantis, elaborados nas décadas de 30, 50 e
70, traduziam uma visão restrita sobre a mulher, baseada em sua especificidade biológica e
no seu papel social de mãe e doméstica, responsável pela criação, pela educação e pelo
cuidado com a saúde dos filhos e demais familiares. Há análises que demonstram que esses
programas preconizavam as ações materno-infantis como estratégia de proteção aos
grupos de risco e em situação de maior vulnerabilidade, como era o caso das crianças e
gestantes.
Outra característica desses programas era a verticalidade e a falta de integração
com outros programas e ações propostos pelo governo federal. As metas eram definidas
pelo nível central, sem qualquer avaliação das necessidades de saúde das populações
locais. Um dos resultados dessa prática é a fragmentação da assistência (COSTA, 1999) e o
baixo impacto nos indicadores de saúde da mulher. No âmbito do movimento feminista
brasileiro, esses programas são vigorosamente criticados pela perspectiva reducionista
com que tratavam a mulher, que tinha acesso a alguns cuidados de saúde no ciclo
gravídico-puerperal, ficando sem assistência na maior parte de sua vida. Com forte atuação
no campo da saúde, o movimento de mulheres contribuiu para introduzir na agenda
política nacional, questões, até então, relegadas ao segundo plano, por serem consideradas
restritas ao espaço e às relações privadas.
Naquele momento tratava-se de revelar as desigualdades nas condições de vida e
nas relações entre os homens e as mulheres, os problemas associados à sexualidade e à
reprodução, as dificuldades relacionadas à anticoncepção e à prevenção de doenças
sexualmente transmissíveis e a sobrecarga de trabalho das mulheres, responsáveis pelo
trabalho doméstico e de criação dos filhos (ÁVILA; BANDLER, 1991). As mulheres
organizadas argumentavam que as desigualdades nas relações sociais entre homens e
mulheres se traduziam também em problemas de saúde que afetavam particularmente a
população feminina.
Por isso, fazia-se necessário criticá-los, buscando identificar e propor processos
políticos que promovessem mudanças na sociedade e consequentemente na qualidade de
65
vida da população. Posteriormente, a literatura vem demonstrar que determinados
comportamentos, tanto dos homens quanto das mulheres, baseados nos padrões
hegemônicos de masculinidade e feminilidade, são produtores de sofrimento,
adoecimento e morte (OPAS, 2000). Com base naqueles argumentos, foi proposto que a
perspectiva de mudança das relações sociais entre homens e mulheres prestasse suporte à
elaboração, execução e avaliação das políticas de saúde da mulher. As mulheres
organizadas reivindicaram, portanto, sua condição de sujeitos de direito, com necessidades
que extrapolam o momento da gestação e parto, demandando ações que lhes
proporcionassem a melhoria das condições de saúde em todas os ciclos de vida.
Ações que contemplassem as particularidades dos diferentes grupos populacionais,
e as condições sociais, econômicas, culturais e afetivas, em que estivessem inseridos. Em
1984, o Ministério da Saúde elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM), marcando, sobretudo, uma ruptura conceitual com os princípios
norteadores da política de saúde das mulheres e os critérios para eleição de prioridades
neste campo (BRASIL, 1984). O PAISM incorporou como princípios e diretrizes as propostas
de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem como a
integralidade e a equidade da atenção, num período em que, paralelamente, no âmbito do
Movimento Sanitário, se concebia o arcabouço conceitual que embasaria a formulação do
Sistema Único de Saúde (SUS).
O novo programa para a saúde da mulher incluía ações educativas, preventivas, de
diagnóstico, tratamento e recuperação, englobando a assistência à mulher em clínica
ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar,
DST, câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir
do perfil populacional das mulheres (BRASIL, 1984). O processo de construção do SUS tem
grande influência sobre a implementação do PAISM. O SUS vem sendo implementado com
base nos princípios e diretrizes contidos na legislação básica: Constituição de 1988, Lei n.º
8.080 e Lei n.º 8.142, Normas Operacionais Básicas (NOB) e Normas Operacionais de
Assistência à Saúde (NOAS), editadas pelo Ministério da Saúde. Particularmente com a
implementação da NOB 96, consolida-se o processo de municipalização das ações e
serviços em todo o País.
A municipalização da gestão do SUS vem se constituindo num espaço privilegiado
de reorganização das ações e dos serviços básicos, entre os quais se colocam as ações e os
serviços de atenção à saúde da mulher, integrados ao sistema e seguindo suas diretrizes. O
processo de implantação e implementação do PAISM apresenta especificidades no período
de 84 a 89 e na década de 90, sendo influenciado, a partir da proposição do SUS, pelas
características da nova política de saúde, pelo processo de municipalização e
principalmente pela reorganização da atenção básica, por meio da estratégia do Programa
Saúde da Família. Estudos realizados para avaliar os estágios de implementação da política
de saúde da mulher demonstram a existência de dificuldades na implantação dessas ações
e, embora não se tenha um panorama abrangente da situação em todos os municípios,
pode-se afirmar que a maioria enfrenta ainda dificuldades políticas, técnicas e
administrativas.
Visando ao enfrentamento desses problemas, o Ministério da Saúde editou a
Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS 2001), que “amplia as responsabilidades
dos municípios na Atenção Básica, define o processo de regionalização da assistência, cria
mecanismos para fortalecimento da gestão do SUS e atualiza os critérios de habilitação
para os estados e municípios” (BRASIL, 2001). Na área da saúde da mulher, a NOAS
estabelece para os municípios a garantia das ações básicas mínimas de pré-natal e
66
puerpério, planejamento familiar e prevenção do câncer de colo uterino e, para garantir o
acesso às ações de maior complexidade, prevê a conformação de sistemas funcionais e
resolutivos de assistência à saúde, por meio da organização dos territórios estaduais
(COELHO, 2003).
A delimitação das ações básicas mínimas para o âmbito municipal é resultante do
reconhecimento das dificuldades para consolidação do SUS, e das lacunas que ainda
existem na atenção à saúde da população. Porém, essa proposta não abrange todo o
conjunto de ações previstas nos documentos que norteiam a Política de Atenção Integral à
Saúde da Mulher, que passa a contemplar, a partir de 2003, a atenção a segmentos da
população feminina ainda invisibilisados e a problemas emergentes que afetam a saúde da
mulher (BRASIL, 2003d). O nível federal de administração também apresentou, na última
década, dificuldades e descontinuidade no processo de assessoria e apoio para
implementação do PAISM, observando-se mudanças a partir de 1998, quando a saúde da
mulher passa a ser considerada uma prioridade de governo.
O balanço institucional das ações realizadas no período de 1998 a 2002, elaborado
por Correa e Piola, indica que, nesse período, trabalhou-se na perspectiva de resolução de
problemas, priorizando-se a saúde reprodutiva e, em particular, as ações para redução da
mortalidade materna (pré-natal, assistência ao parto e anticoncepção). Segundo os
autores, embora se tenha mantido como imagem-objetivo a atenção integral à saúde da
mulher, essa definição de prioridades dificultou a atuação sobre outras áreas estratégicas
do ponto de vista da agenda ampla de saúde da mulher. Essa perspectiva de atuação
também comprometeu a transversalidade de gênero e raça, apesar de se perceber um
avanço no sentido da integralidade e uma ruptura com as ações verticalizadas do passado,
uma vez que os problemas não foram tratados de forma isolada e que houve a
incorporação de um tema novo como a violência sexual (CORREA; PIOLA, 2002).
Nesse balanço são apontadas ainda várias lacunas como atenção ao
climatério/menopausa; queixas ginecológicas; infertilidade e reprodução assistida; saúde
da mulher na adolescência; doenças crônico-degenerativas; saúde ocupacional; saúde
mental; doenças infecto-contagiosas e a inclusão da perspectiva de gênero e raça nas
ações a serem desenvolvidas. Em 2003, a Área Técnica de Saúde da Mulher identifica ainda
a necessidade de articulação com outras áreas técnicas e da proposição de novas ações,
quais sejam: atenção às mulheres rurais, com deficiência, negras, indígenas, presidiárias e
lésbicas e a participação nas discussões e atividades sobre saúde da mulher e meio
ambiente.

Breve diagnóstico da Situação da Saúde da Mulher no Brasil

Considerando a heterogeneidade que caracteriza o País, seja em relação às


condições socioeconômicas e culturais, seja em relação ao acesso às ações e serviços de
saúde, compreende-se que o perfil epidemiológico da população feminina apresente
diferenças importantes de uma região a outra do País. Essas diferenças não serão
abordadas em profundidade neste documento, porém salienta-se que, no processo de
implantação e implementação da Política Nacional para Atenção Integral à Saúde da
Mulher, elas devem ser consideradas, possibilitando uma atuação mais próxima da
realidade local e, portanto, com melhores resultados. As estatísticas sobre mortalidade são
bastante utilizadas para a análise das condições de saúde das populações. É importante
considerar o fato de que determinados problemas afetam de maneira distinta homens e
mulheres.
67
Isso se apresenta de maneira marcante no caso da violência. Enquanto a
mortalidade por violência afeta os homens em grandes proporções, a morbidade,
especialmente provocada pela violência doméstica e sexual, atinge prioritariamente a
população feminina. Também no caso dos problemas de saúde associados ao exercício da
sexualidade, as mulheres estão particularmente afetadas e, pela particularidade biológica,
têm como complicação a transmissão vertical de doenças como a sífilis e o vírus HIV, a
mortalidade materna e os problemas de morbidade ainda pouco estudados. No Brasil, as
principais causas de morte da população feminina são as doenças cardiovasculares,
destacando-se o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral; as neoplasias,
principalmente o câncer de mama, de pulmão e o de colo do útero; as doenças do aparelho
respiratório, marcadamente as pneumonias (que podem estar encobrindo casos de aids
não diagnosticados); doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas, com destaque para o
diabetes; e as causas externas (BRASIL, 2000).

Segundo Laurenti (2002), em pesquisa realizada nas capitais brasileiras e no Distrito


Federal, analisando óbitos em mulheres de 10 a 49 anos (ou seja, mulheres em idade
fértil), as dez primeiras causas de morte encontradas foram as seguintes, em ordem
decrescente: acidente vascular cerebral, aids, homicídios, câncer de mama, acidente de
transporte, neoplasia de órgãos digestivos, doença hipertensiva, doença isquêmica do
coração, diabetes e câncer de colo do útero. A mortalidade associada ao ciclo gravídico-
puerperal e ao aborto não aparece entre as dez primeiras causas de óbito nessa faixa
etária. No entanto, a gravidade do problema é evidenciada quando se chama atenção para
o fato de que a gravidez é um evento relacionado à vivência da sexualidade, portanto não é
doença, e que, em 92% dos casos, as mortes maternas são evitáveis.

Mortalidade Materna

A mortalidade materna é um bom indicador para avaliar as condições de saúde de


uma população. A partir de análises das condições em que e como morrem as mulheres,
pode-se avaliar o grau de desenvolvimento de uma determinada sociedade. Razões de
Mortalidade Materna (RMM) elevadas são indicativas de precárias condições
socioeconômicas, baixo grau de informação e escolaridade, dinâmicas familiares em que a
violência está presente e, sobretudo, dificuldades de acesso a serviços de saúde de boa
qualidade. Estudo realizado pela OMS estimou que, em 1990, aproximadamente 585.000
mulheres em todo o mundo morreram vítimas de complicações ligadas ao ciclo gravídico-
puerperal. Apenas 5% delas viviam em países desenvolvidos (COELHO, 2003).
Nas capitais brasileiras, para o ano de 2001, a RMM corrigida2 foi de 74,5 óbitos
maternos por 100 mil nascidos vivos. As principais causas da mortalidade materna são a
hipertensão arterial, as hemorragias, a infecção puerperal e o aborto, todas evitáveis
(BRASIL, 2003). No Brasil, a RMM, no período de 1980 a 1986, apresentou uma tendência
de queda, provavelmente relacionada à expansão da rede pública de saúde e ao aumento
da cobertura das ações obstétricas e de planejamento familiar. De 1987 a 1996, a RMM
manteve-se estável. Em 1996, houve a inclusão na Declaração de Óbito (DO) de uma
variante que permite identificar as mulheres grávidas por ocasião do óbito e até um ano
após o parto (morte materna tardia). Nesse período, o MS investiu na implantação de
Comitês Estaduais de Morte Materna.
Em 1997 e 1998, aumentou a razão de mortalidade materna, principalmente,
devido a causas obstétricas indiretas, óbitos de difícil registro, sugerindo uma melhoria
68
desse registro (BRASIL, 2003). A queda da mortalidade materna de 1999 a 2001 pode estar
associada a uma melhoria na qualidade da atenção obstétrica e ao planejamento familiar.
Nesse período, a mortalidade materna foi considerada uma prioridade do governo federal
e vários processos estaduais e municipais foram deflagrados para reduzi-la. A partir do ano
de 1998, diminuíram os óbitos em internações obstétricas no SUS, passando de 34,8 óbitos
por 100.000 internações em 1997, para 28,6 óbitos por 100.000 internações em 2001.
Nesse período, também caiu o número de mulheres que morreram no parto em relação ao
número de partos realizados, passando de 32,48 para 24 óbitos em 100.000 partos em
2001 (BRASIL, 2003).

Precariedade da Atenção Obstétrica

Segundo a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) (BENFAM, 1996)


aproximadamente 13% das mulheres que tiveram filhos nos cinco anos que antecederam a
pesquisa não haviam realizado nenhuma consulta de pré-natal. Dessas, 9% eram residentes
nas regiões urbanas e 32% no meio rural. A menor cobertura de prénatal foi encontrada no
Nordeste (75%) e a maior no Estado do Rio de Janeiro (96%). Essa pesquisa demonstra que
o acesso à assistência pré-natal é um problema significativo para a população rural,
principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Desde a implantação do Sistema de
Informação Ambulatorial (AIH), registra-se uma tendência de aumento do número de
consultas de pré-natal, especialmente a partir de 1997.
Em 1995, foram registradas 1,2 consultas de pré-natal para cada parto realizado no
SUS. Em dezembro de 2002, essa razão era de 4,4 consultas de pré-natal para cada parto
(Tabnet SIA-Datasus e TabwinAIH-Datasus, 2003). Apesar do aumento do número de
consultas de pré-natal, a qualidade dessa assistência é precária, o que pode ser atestado
pela alta incidência de sífilis congênita, estimada em 12 casos/1.000 nascidos vivos, no SUS
(PN-DST/AIDS, 2002), pelo fato da hipertensão arterial ser a causa mais freqüente de morte
materna no Brasil, e também porque apenas 41,01% das gestantes inscritas no Programa
de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) receberam a 2.a dose ou a dose de
reforço ou a dose imunizante da vacina antitetânica, segundo o sistema de informação do
Programa (BRASIL, 2002).
Os indicadores do SISPRENATAL (2002) demonstram que somente 4,07% das
gestantes inscritas no PHPN realizaram o elenco mínimo de ações preconizadas pelo
Programa (BRASIL, 2001) e que somente 9,43% realizaram as seis consultas de pré-natal e a
consulta de puerpério. Os dados também evidenciam que a atenção no puerpério não está
consolidada nos serviços de saúde. A grande maioria das mulheres retorna ao serviço de
saúde no primeiro mês após o parto. Entretanto, sua principal preocupação, assim como a
dos profissionais de saúde, é com a avaliação e vacinação do recém-nascido. Isso pode
indicar que as mulheres não recebem informações suficientes para compreenderem a
importância da consulta puerperal.
A atenção ao parto e nascimento é marcada pela intensa medicalização, pelas
intervenções desnecessárias e potencialmente iatrogênicas e pela prática abusiva da
cesariana. Ocorre ainda o isolamento da gestante de seus familiares, a falta de privacidade
e o desrespeito à sua autonomia. Tudo isso contribui para o aumento dos riscos maternos
e perinatais (BRASIL, 2001). De uma maneira geral, rotinas rígidas são adotadas sem a
avaliação crítica caso a caso. Ao mesmo tempo, práticas adequadas para um bom
acompanhamento do trabalho de parto, como o uso do partograma, não são realizadas
(BRASIL, 2001). A assistência ao parto no Brasil não é homogênea. A maioria dos partos é
69
realizada em ambiente hospitalar, mas, em muitas regiões do País, especialmente nas
zonas rurais, ribeirinhas e lugares mais distantes, a única opção que existe para a mulher é
o parto domiciliar assistido por parteiras tradicionais.
Deve-se ressaltar que o parto domiciliar, em alguns casos, é uma opção da mulher.
A última PNDS (1996) mostra a variação de partos hospitalares nas diversas regiões do País.
Encontrou-se um percentual de 81,9% na Região Norte e 97.4% na Região Sul,
respectivamente, a menor e a maior proporção de partos hospitalares em relação aos
partos domiciliares. Essa pesquisa revelou também uma incidência de 20% de partos
domiciliares nas áreas rurais. As parteiras tradicionais enfrentam inúmeras dificuldades na
realização do seu trabalho. Em geral, atuam de forma isolada, sem contar com o apoio dos
serviços de saúde. A maioria não recebeu nenhuma capacitação, tendo aprendido a fazer
partos com outras parteiras ou sozinhas, levadas pela necessidade de ajudar as mulheres
de sua comunidade. Elas não dispõem de materiais básicos para assistência ao parto e
ganham pouco ou quase nada pelo seu trabalho.
Como conseqüência desse isolamento, a maioria dos partos domiciliares ocorre em
condições precárias e não são notificados aos sistemas de informação em saúde.
Tampouco se tem um registro preciso do número de parteiras atuantes no País. Deve-se
destacar que na zona rural as mulheres têm maior dificuldade de acesso aos serviços de
saúde. Segundo a PNDS de 1996, no meio rural:
– 32% das gestantes não tiveram nenhum atendimento pré-natal;
– o acesso ao parto hospitalar foi menor na área rural, sobretudo entre as mulheres com
nenhum ou poucos anos de estudo e entre aquelas que não tiveram assistência pré-natal;
– a taxa de mortalidade infantil entre os filhos das mulheres que não tiveram nenhuma
assistência ao pré-natal e ao parto nas áreas urbanas foi de 42 por mil nascidos vivos e na
rural chegou a 65 por mil nascidos vivos. O acesso da população rural aos serviços de saúde
ainda é um grande desafio do SUS. A dificuldade de acesso às ações de saúde, imposta às
mulheres rurais, está relacionada, entre outros fatores, às desigualdades das relações de
gênero e de trabalho, às grandes distâncias entre residência ou trabalho e os serviços de
saúde, à maior precariedade dos serviços locais e à precária capacitação dos gestores e
profissionais de saúde para lidar com a especificidade dos agravos decorrentes do trabalho
no campo. O Ministério da Saúde vem adotando estratégias para a formulação de uma
política de atenção à população trabalhadora e residente no campo.

Abortamento em Condições de Risco

A situação de ilegalidade na qual o aborto é realizado no Brasil afeta a existência de


estatísticas confiáveis que subsidiem a implementação de políticas públicas mais precisas
para as diferentes realidades regionais e faixas etárias, nas quais a gravidez indesejada é
mais prevalente. O aborto realizado em condições de risco freqüentemente é
acompanhado de complicações severas, agravadas pelo desconhecimento desses sinais
pela maioria das mulheres e da demora em procurar os serviços de saúde, que na sua
maioria não está capacitado para esse tipo de atendimento (OLIVEIRA, 2003).
As complicações imediatas mais freqüentes são a perfuração do útero, a
hemorragia e a infecção, que podem levar a graus distintos de morbidade e mortalidade
(LANGER, 2001). Pesquisa realizada no Brasil, por Hardy e Costa, estimou que 20% dos
abortos clandestinos, realizados por profissional médico em clínicas, e 50% dos abortos
domiciliares, realizados pela própria mulher ou por curiosas, apresentam complicações. O
aborto realizado em condições inseguras figura entre as principais causas de morte
70
materna e é causa de discriminação e violência institucional contra as mulheres nos
serviços de saúde. Violência que pode traduzir-se no retardo do atendimento, na falta de
interesse das equipes em escutar e orientar as mulheres ou mesmo na discriminação
explícita com palavras e atitudes condenatórias e preconceituosas.
Pela representação simbólica da maternidade, como essência da condição
idealizada do ser mulher e da realização feminina, o aborto pode sugerir uma recusa da
maternidade e por isso pode ser recebido com muitas restrições por parte dos profissionais
de saúde. No entanto, pouco se faz para evitar que o aborto se repita, haja vista que as
mulheres que tiveram complicações de aborto estão entre as pacientes mais
negligenciadas quanto aos cuidados de promoção da saúde reprodutiva e, via de regra,
nem são encaminhadas a serviços e profissionais capacitados (HUNTINGTON; PIET-PELON,
1999).
O atendimento às mulheres em processo de abortamento, no SUS, apresenta uma
tendência de estabilização na última década, conseqüência possível do aumento de
mulheres usando métodos anticoncepcionais e da elevada prevalência de laqueadura
tubária, especialmente nos estados do Nordeste e Centro-Oeste. Ainda assim,
considerando-se que nem todas as mulheres buscam os serviços de saúde por ocasião de
um aborto, supõe-se que os registros do SUS não retratam a realidade brasileira. O melhor
conhecimento do número de mortes de mulheres por aborto no Brasil será um subsídio
fundamental para a elaboração de políticas que visem a prevenir a situação acima descrita.

Precariedade da Assistência em Anticoncepção

Na Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, realizada em 1996, observa-se a


concentração no uso de dois métodos contraceptivos: a laqueadura tubária e a pílula (40%
e 21%, respectivamente). A prevalência da ligadura tubária é maior nas regiões onde as
mulheres têm menor escolaridade e condições socioeconômicas mais precárias (PNDS,
1996). A pouca expressividade de outros métodos anticoncepcionais, apontada nessa
pesquisa (métodos hormonais injetáveis 1,2%, condom 4,4%, esterilização masculina 2,6%,
DIU 1,1%, métodos naturais e outros 6,6%), e a ausência de citação do diafragma indicam o
limitado acesso das mulheres às informações sobre o leque de opções para regular a
fecundidade e aos métodos anticoncepcionais (BENFAM,1996).
Ainda segundo a referida pesquisa, 43% de usuárias de métodos anticoncepcionais
interrompem o uso durante os 12 meses após a sua adoção, e nos cinco anos que
antecederam o estudo, aproximadamente 50% dos nascimentos não foram planejados. A
porcentagem de mulheres com necessidade insatisfeita de anticoncepção é de 9,3% na
área rural e de 4,5% na área urbana. Essa situação contribui para a ocorrência de
abortamentos em condições inseguras e conseqüentemente para o aumento do risco de
morte por essa causa. O estímulo à participação e à inclusão dos homens e adolescentes
nas ações de planejamento familiar limitam-se a experiências isoladas de alguns serviços
ou organizações não-governamentais, que trabalham com homens e adolescentes, e têm
pouca chance de causar algum impacto sobre o problema no Brasil como um todo.
Além disso, problemas culturais e informações distorcidas sobre contracepção de
emergência constituem barreiras para sua aceitação e uso adequado. Apesar de estar
definido na NOAS-SUS 2001 que as ações do planejamento familiar fazem parte da atenção
básica e que estão entre as responsabilidades mínimas da gestão municipal em relação à
saúde da mulher, muitos municípios não têm conseguido implantar e implementar
estratégias adequadas de fornecimento de anticoncepcionais para a população, de
71
introdução do enfoque educativo e aconselhamento visando à escolha livre e informada,
assim como garantir o acompanhamento das usuárias. Identificam-se ainda problemas na
produção, controle de qualidade, aquisição e logística de distribuição dos insumos,
manutenção da continuidade da oferta de métodos anticoncepcionais e capacitação de
gestores, de gerentes e de profissionais de saúde.
Isso tem resultado numa atenção precária e excludente, ou até inexistente em
algumas localidades, com maior prejuízo para as mulheres oriundas das camadas mais
pobres e das áreas rurais. Poucos serviços oferecem atenção à saúde sexual e reprodutiva
dos adolescentes. A gravidez na adolescência vem sendo motivo de discussões
controvertidas. Enquanto existe uma redução da taxa de fecundidade total, a fecundidade
no grupo de 15 a 19 anos de idade vem aumentando. Esse aumento se verifica mais nas
regiões mais pobres, áreas rurais e na população com menor escolaridade (PNDS, 1996). O
censo de 2000 também evidencia o aumento de fecundidade nessa faixa etária. Há dez
anos, em cada grupo de 1.000 adolescentes, 80 tinham um filho.
Hoje, são 90 em cada grupo de 1.000. Dentre os fatores que contribuem para o
aumento da fecundidade nesse grupo está o início cada vez mais precoce da puberdade,
assim como da atividade sexual (BERQUÓ, 2000). A análise mais aprofundada da questão
da gravidez na adolescência é uma tarefa urgente a ser realizada pela Área Técnica de
Saúde da Mulher e pela Área Técnica de Saúde do Adolescente e outras áreas afins, para
que se possa dispor de políticas mais adequadas para essa faixa etária. Acrescente-se a
todas essas questões o fato de que ainda existe uma desarticulação entre ações de
anticoncepção e de prevenção de DST/ HIV/aids, agravos que vêm apresentando uma
tendência de crescimento entre as mulheres e jovens.

DST/HIV/Aids

As Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) estão entre os problemas de saúde


pública mais comuns em todo o mundo. Estimativas recentes apontam para a ocorrência
de mais de 10 milhões de novas infecções de transmissão sexual que podem evoluir para
doenças sintomáticas, como uretrites, cervicites, úlceras e verrugas genitais, ou
permanecerem assintomáticas. Isso, associado ao alto índice de automedicação, torna o
problema ainda maior, já que muitos dos casos não recebem orientação e tratamento
adequados, tornando-se subclínicos, permanecendo transmissores e mantendo-se como
elos fundamentais na cadeia de transmissão das infecções. Se, por um lado, não é possível
conhecer a real magnitude das DST no Brasil, a sua transcendência é por demais conhecida:
são consideradas, atualmente, o principal fator facilitador da transmissão sexual do
HIV; algumas, quando não diagnosticadas e tratadas a tempo, podem evoluir para
complicações graves e até mesmo para o óbito; durante a gestação, algumas podem ser
transmitidas ao feto, causando-lhe importantes lesões ou mesmo provocando o
abortamento; podem causar grande impacto psicológico em seus portadores, levando-os
muitas vezes a tomar iniciativas equivocadas, como procurar assistência com pessoas sem
a devida formação para tal (balconistas de farmácia, curandeiros, etc.), e mesmo adotando
a prática inadequada da automedicação, o que é facilitado pela falta de controle na venda
de medicamentos que existe em nosso País; causam também grande impacto social, que se
traduz em custos indiretos para a economia do País e que, somados aos enormes custos
diretos decorrentes das internações e procedimentos necessários para o tratamento de
suas complicações, elevam os custos totais.

72
Provavelmente, devido ao fato de ser o principal fator facilitador da transmissão
sexual do HIV, nos últimos anos o trabalho com as outras DST passaram a ter redobrada
importância. Os danos mais graves à saúde causados pelas DST, excetuando-se o HIV,
tendem a ocorrer em mulheres e em recém-nascidos. As complicações nas mulheres
incluem a doença inflamatória pélvica (DIP), tendo como conseqüência a infertilidade, a
dor crônica, a gravidez ectópica, podendo causar a mortalidade materna associada e o
câncer de colo uterino, pela estreita correlação dessa patologia com alguns subtipos do
HPV e com a imunodeficiência promovida pela infecção por HIV. As complicações em
recém-nascidos incluem a sífilis congênita, a infecção por gonococo, pela clamídia, pelo
HPV, pela hepatite B e pelo HIV.
Com relação à sífilis materna, a prevalência encontrada pelos estudos sentinela em
maternidades é de 1,7%, o que leva a uma estimativa de aproximadamente 116.000
gestantes com sífilis e cerca de 29.000 crianças com sífilis congênita (taxa média de
transmissão de 25%). É importante ressaltar que desse universo esperado de casos, apenas
são notificados cerca de 5.000 casos novos/ano, configurando problemas na qualidade dos
serviços de pré-natal e de assistência ao parto, segundo dados de 2004, do Programa
Nacional de DST/Aids. São atribuídos, em parte, a fatores relacionados a enfermidades de
transmissão sexual, um número crescente e significativo de neoplasias, tais como: o
carcinoma hepatocelular (pela hepatite B), o carcinoma espinocelular da vagina, da vulva,
do pênis, do ânus (por alguns subtipos de HPV e pela aids) e o sarcoma de Kaposi (pela
aids). Assim, prevenção e controle eficazes das DST são considerados como uma prioridade
para a promoção da saúde reprodutiva, especialmente entre as mulheres

Violência Doméstica e Sexual

A violência sexual é um dos principais indicadores da discriminação de gênero


contra a mulher. Pesquisa coordenada pela OMS (2002), em oito países, retrata o perfil da
violência sofrida pelas mulheres na faixa etária de 15 a 49 anos. No Brasil, o estudo foi
realizado em São Paulo e na zona da mata de Pernambuco. Nesses municípios, 29% das
mulheres relataram violência física e/ou sexual por parte do companheiro. Em
Pernambuco, 34% das mulheres relataram algum episódio de violência cometido pelo
parceiro ou ex-parceiro. Dentre as mulheres agredidas, foram relatados problemas de
saúde: dores ou desconforto severo, problemas de concentração e tontura. Nesse grupo
também foi mais comum a tentativa de suicídio e maior frequência do uso do álcool. Os
dados dessa pesquisa confirmam que a violência sexual e/ou doméstica é um grave
problema de saúde pública.
Porém, entre as mulheres que relataram violência, apenas 16% em São Paulo e 11%
em Pernambuco buscaram hospitais ou centros de saúde (OMS, 2002). Considerando-se
que São Paulo concentra a maior parte dos serviços de referência no Brasil (BRASIL, 2002a),
esses percentuais indicam pouca divulgação e dificuldades de acesso aos serviços. A
avaliação realizada pelos gestores municipais do programa de atendimento à mulher vítima
de violência em Curitiba demonstra que, ao longo do primeiro ano, houve um aumento
crescente da busca pelo serviço, o que é atribuído à estratégia de divulgação dos serviços e
à articulação entre os diferentes setores que prestam assistência às vítimas de violência
(PARANÁ, 2003).
A média de atendimentos em Curitiba, em 2002, passou de 18 casos/mês, no
primeiro trimestre, para 48 casos/mês no último trimestre. Durante o ano, foram
registrados 455 casos, sendo que 56,51% foram de residentes na capital e 41,88% na região
73
metropolitana. Na maioria dos casos, as vítimas tinham até 29 anos de idade. No grupo das
crianças agredidas sexualmente, com até 12 anos, 83,65% dos agressores eram pais,
padrastos, parentes próximos, amigos ou conhecidos. Em maiores de 12 anos, 59,43% das
vítimas foram agredidas por desconhecidos. Outro aspecto importante da divulgação do
programa é a chegada precoce na rede de saúde, em que 80% das vítimas chegaram até 72
horas após a violência, permitindo a profilaxia das DST/HIV/ aids e da gravidez pós-estupro
conforme a necessidade e escolha de cada um/a (PARANÁ, 2003). A avaliação do Programa
de Combate à Violência contra a Mulher, implantado em Campo Grande, além de
confirmar a elevada prevalência do problema da violência contra a mulher, também
demonstra que uma boa divulgação facilita o acesso das mulheres aos serviços de saúde.
Nos dois primeiros meses, foram atendidas aproximadamente 700 mulheres no Centro de
Atendimento à Mulher em Situação de Violência (BRASIL, 2001).
A atenção às mulheres em situação de violência apresenta uma tendência
progressiva de expansão nos últimos quatro anos, ainda que os serviços estejam
concentrados nas capitais e regiões metropolitanas. Em 1999, 17 serviços hospitalares
estavam preparados para atender às mulheres vítimas de estupro. Em fins de 2002, esse
número chega a 82, sendo que o aborto pós-estupro é realizado em 44. Observa-se maior
investimento dos gestores na rede, porém, apesar dos esforços, a maior parte das
mulheres agredidas ainda não têm acesso a esse tipo de atenção (BRASIL, 2002a).

A Saúde de Mulheres Adolescentes

Segundo o Censo 2000 do IBGE, os adolescentes, indivíduos de 10 a 19 anos de


idade, somam 35.287.282, em torno de 20% da população brasileira. A adolescência é
marcada por um rápido crescimento e desenvolvimento do corpo, da mente e das relações
sociais. O crescimento físico é acompanhado de perto pela maturação sexual. A capacidade
de abstração e o pensamento crítico também se desenvolvem na juventude, juntamente
com um maior senso de independência emocional e de autoconhecimento.
Na adolescência, a sexualidade tem uma dimensão especial que é o aparecimento
da capacidade reprodutiva no ser humano, concomitante à reestruturação do seu
psiquismo. Ocorre ainda a incorporação de novos valores éticos e morais à personalidade
que se delineia, bem como a incorporação de novos comportamentos e atitudes frente a
uma estrutura de padrões sociais e sexuais, fortemente influenciados pelas relações de
gênero, estabelecidos social e culturalmente.
Nessa etapa, são importantes as ações educativas e de redução da vulnerabilidade
das adolescentes aos agravos à saúde sexual e reprodutiva. Assim, cabe aos serviços de
saúde a prestação de uma assistência adequada e o desenvolvimento de ações educativas
que abordem a sexualidade com informações claras e científicas, introduzindo gênero,
classe social e as diferenças culturais de iniciação da vida sexual e reprodutiva, de modo
que a informação aporte maiores conhecimentos e seja mais resolutiva. Deve, ainda,
buscar a integração das ações com outros setores, para que a resposta social dê conta de
apoiar as adolescentes em suas decisões de autocuidado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 –
estabelece como “dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida e à
saúde...” (art.4.º). No seu Título II, fixa o direito à maternidade segura e ao acesso universal
e igualitário aos serviços do SUS. Nesse âmbito, a Lei n.º 9.263, de 12 de janeiro de 1996,

74
assegura o planejamento familiar como um direito de todo o cidadão, inclusive os
adolescentes.
O Ministério da Saúde vem desenvolvendo, por meio da Área Técnica de Saúde do
Adolescente e do Jovem, em iniciativas integradas com a Área Técnica de Saúde da Mulher
e intersetorialmente, ações para que a atenção à mulher adolescente ocorra segundo os
parâmetros dos direitos sexuais e reprodutivos e da co-responsabilidade masculina na
reprodução e na contracepção, como no planejamento familiar. Com a progressiva
antecipação do início da puberdade, verificada desde 1940, e o conseqüente decréscimo na
idade da menarca, a capacidade reprodutiva se instala mais cedo e a competência social,
para a constituição de uma família, acontece mais tarde. Esse hiato provoca maior
exposição à maternidade precoce, considerada pela OMS como aquela que ocorre antes
dos 20 anos.
A presença de DST aumenta de três a cinco vezes o risco de transmissão do HIV.
Considerando-se o potencial de atividade sexual e reprodutiva das adolescentes e a sua
dificuldade de negociar o uso do preservativo, dentro de processos de comunicação pobres
e pouco sensíveis, aliados à falta de estímulos e suportes sociais diversos, bem como a
carência e a indisponibilidade de recursos materiais, dificultam atitudes mais seguras para
a satisfação das necessidades. Nesse contexto, correr o risco é a alternativa para quem está
vulnerável. É necessário que as estratégias de atenção à gravidez na adolescência
contemplem, dentre outros, a heterogeneidade de adolescentes nos nichos culturais,
sociais e familiares, privilegiando os grupos de maior vulnerabilidade e a atenção integral à
saúde sexual e reprodutiva, apoiando essas famílias iniciantes com ações multisetoriais
para o acesso igualitário a bens e serviços que promovam a qualidade de vida.

75
REFERÊNCIA

Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil). Manual técnico para promoção da saúde e
prevenção de riscos e doenças na saúde suplementar / Agência Nacional de Saúde Suplementar
(Brasil). – 4. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: ANS, 2011.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.


Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à
Saúde. Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2012. 272 p.: il. –
(Cadernos de Atenção Básica, nº 33).

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas


Estratégicas. Orientações básicas de atenção integral à saúde de adolescentes nas escolas e
unidades básicas de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de
Ações Programáticas Estratégicas. 1. ed., 1 reimpr. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2013.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.


Controle dos cânceres do colo do útero e da mama / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à
Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2013.
124 p.: il. (Cadernos de Atenção Básica, n. 13)

EJA, espaço e cultura: direito à cidade / Adelson França Júnior … [et al.]; Heli SaEJA, educação
midiática: direito à informação e à comunicação / Adilson dos Reis Nobre ... [et al.]; Heli Sabino de
Oliveira organizadora – Belo Horizonte: SMED-PBH, FAE/UFMG, 2021. 595 p. (Coleção EJA. Lendo
mundo, lendo palavras: Caderno Pedagógico 5).

Nota técnica conjunta 02/2022 atenção à pessoa com deficiência na atenção básica,
porto alegre, novembro de 2022.

Revista Processando o Saber (eISSN: 2179-5150) é publicada pela Fatec Praia Grande
Multidisciplinar - Revisão por pares - Acesso aberto - www.fatecpg.edu.br/revista -
revista@fatecpg.edu.b Violência contra mulher na ficção televisiva: tabus femininos em novelas
da TV Globo.

76

Você também pode gostar