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PROGRAMA Políticas Públicas

de Saúde e
DE EDUCAÇÃO
Reforma Sanitária
PERMANENTE
EM SAÚDE
DA FAMÍLIA

UNIDADE
O desafio da
3
regionalização e
da efetivação das
redes de atenção

Cipriano Maia de Vasconcelos


José Adailton da Silva
Aula 1: Os modelos de atenção à saúde

Nessa última estação de nossa viagem inicial de conhecimento sobre a História da Política
de Saúde no Brasil, iremos explorar alguns aspectos do funcionamento do sistema que
são decisivos para assegurar a integralidade do cuidado e assim atender as demandas de
usuários e profissionais vinculados à Atenção Primária, são eles: a regionalização e a estru-
turação das redes de atenção.

Você já deve compreender que a participação social, como demonstrado na nossa situação
problema, só é possível devido ao grande movimento popular que ocorreu na história da
política de saúde no Brasil, colocando a participação popular como princípio do SUS. Todavia,
os desafios são muitos para promover um modelo de atenção coerente com o proposto pelo
movimento da reforma sanitária. Vamos continuar nossa viagem?

Os modelos de atenção à saúde


Iniciando a reflexão pelos modelos de atenção
Uma dimensão importante dos sistemas de saúde é aquela que delineia o Modelo de Atenção a
ser adotado no atendimento às necessidades e às demandas dos cidadãos usuários. Os proces-
sos de reforma sanitária desencadeados nas décadas de 1970-1980 em diversos países como
Itália, Espanha, Portugal, Canadá, apontaram para a transformação dos sistemas de serviços
de saúde no sentido de superar os modelos seletivos, fragmentados, bem como assistenciais
curativistas e hospitalocêntricos. Nesses processos, ganhou força a ideia de sistemas integra-
dos, coordenados e centrados na Atenção Primária à Saúde como coordenadora do cuidado,
com fortalecimento das ações de vigilância, de riscos e agravos, e da promoção à saúde.

Nessa perspectiva, a opção por modelos, condicionada pela pressão de grupos de interesses
em cada sociedade, é o que define as prioridades na formulação e na implementação de polí-
ticas específicas e programas de âmbito nacional. No Brasil, esse processo de mudança do
modelo e das práticas de atenção tem se feito de modo incremental e descompassado entre as
várias áreas de atuação do sistema. Após a instituição do SUS, em 1990, as mudanças se refle-
tem no fortalecimento do sistema de vigilância em saúde, na ampliação e na institucionalização
da Atenção Básica/Atenção Primária em Saúde, na formulação e na implementação de políticas
específicas materializadas na estruturação das Redes de Atenção, como no caso da Rede Cego-
nha e da Rede de Urgência e Emergência, com a criação do SAMU e do programa das UPAs.

A regionalização e as regiões de saúde


A defesa da organização dos sistemas de serviços de saúde em bases regionalizadas é pre-
conizada desde o início do século XX e o relatório Dawson (1920) constituiu-se no referencial
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O desafio da regionalização e da efetivação das redes de atenção 2
teórico mais significativo para o debate ao longo do século XX. Fundamentou as proposições
de organização de Sistemas de Saúde, a exemplo do NHS inglês, estruturado a partir das
recomendações do Relatório Beveridge, que incorporou as propostas de Dawson sobre a
regionalização do Sistema.

Nos anos 1980, a OMS e a OPAS difundiram modelos de regionalização e hierarquização de


serviços baseados na ideia dos Sistemas Locais de Saúde – SILOS de inspiração dawsonia-
na. Nesse sentido, a regionalização no Brasil já vinha sendo discutida e experimentada no
Brasil em alguns programas de saúde, a exemplo do PIASS e do SUDS, porém, com a criação
do SUS, passa a ser preceito legal. As normas que orientaram sua implementação como as
NOB(s) e a NOAS instituem instrumentos e diretrizes para a sua organização. Entretanto, o
Pacto pela Saúde (2006) e depois o Decreto 7.508 (2011) atualizam conceitos e instrumentos
e regulamentam o processo de regionalização vigente até o momento.

Nesse Decreto [7.508/2011] a Região de Saúde é conceituada como

“espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de municí-


pios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas
e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes
compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o plane-
jamento e a execução de ações e serviços de saúde”.

Esse instrumento normativo preconiza que a região de saúde, para ser instituída, deve con-
ter, no mínimo, ações e serviços de:

1) atenção primária;
2) urgência e emergência;
3) atenção psicossocial;
4) atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e
5) vigilância em saúde.

Estabelece ainda que os entes federativos definirão os seguintes elementos em relação às


Regiões de Saúde:

I – seus limites geográficos;


II – população usuária das ações e serviços;
III – rol de ações e serviços que serão ofertados; e
IV – respectivas responsabilidades, critérios de acessibilidade e escala para conformação dos serviços.

Nesse novo contexto, pós-pacto, as regiões de saúde são definidas no âmbito das CIBs, em
cada estado, e as comissões intergestoras regionais – CIR(s) constituem-se em instâncias
de governança do processo de regionalização, que deve estar assentado no Planejamento
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Regional Integrado e na contratualização de responsabilidades entre os entes, sob a coorde-
nação das Secretarias Estaduais de Saúde.

O pressuposto para o funcionamento de uma região de saúde é a existência de serviços integra-


dos e coordenados, funcionando na lógica de redes, com acesso regulado por meio de complexos
reguladores para assegurar atendimento adequado e oportuno, e próximo do local de moradia,
aos munícipes da região. A atenção primária deve ser a base de referência para a organização
dos fluxos assistenciais e o financiamento deve ser compartilhado entre os entes federados.

Entretanto, os avanços normativos e organizativos decorrentes do


processo de pactuação não têm conseguido assegurar os compromis-
sos dos entes federados com a organização das regiões de saúde e
com o funcionamento das ações de saúde e das redes regionalizadas
de atenção à saúde, produzindo desequilíbrios na oferta de serviços,
deslocamentos de pacientes e sobrecarga dos Serviços de Saúde loca-
lizados nas grandes cidades. Para além dos acordos e compromissos
pactuados nos espaços de gestão se apresentam dificuldades em
efetivar a cooperação e a solidariedade na gestão regional dificul-
tando a integração de recursos e a coordenação das redes de atenção
que envolvem serviços gerenciados por estados e municípios. Neste
aspecto é de se notar a dificuldade ou falta de prioridade da maioria
dos estados em assumir a coordenação do processo de regionaliza-
ção e o apoio aos municípios para a qualificação da atenção básica,
revelando um descompasso em relação às atribuições e competências
legais conferidas a estas unidades federativas (VASCONCELOS, 2012).

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Aula 2: As redes como perspectiva de
integração das ações e serviços

Uma das diretrizes básicas do SUS para garantir a atenção à saúde dos usuários é a da integra-
lidade do cuidado, que pressupõe uma visão integral do sujeito que se cuida e a integração de
ações curativas, preventivas, reabilitadoras e de promoção à saúde. Para que ela se materia-
lize, os sistemas de saúde têm buscado instituir mecanismos e processos de integração entre
serviços e ações que assegurem a continuidade do cuidado nos diversos níveis de atenção.

A Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, em 2008, com base em consultas aos países
membros apresentou uma proposta conceitual intitulada “Redes Integradas de Serviços de
Saúde Baseadas na Atenção Primária”, na qual se define rede como “uma rede de organiza-
ções que provê, ou faz arranjos para prover serviços de saúde equitativos e integrais a uma
população definida e que está disposta a prestar contas por seus resultados clínicos e econô-
micos e pelo estado de saúde da população a que serve” (KUSCHNIR; CHORNY, 2010, p. 2314).

A proposta de organização dos serviços em Redes de Atenção e a criação de fluxos assisten-


ciais organizados em linhas de cuidado são duas inovações recentes instituídas no SUS, que
apontam para um novo paradigma de organização e gestão da atenção a ser construído nas
regiões de saúde.

Para saber mais sobre as diretrizes para a organização da Rede de


Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, leia a Portaria
4279/2010, disponível neste link.

As Redes de Atenção à Saúde (RAS) são conceituadas, nessa Portaria Nº 4279/2.010, como
[...] arranjos organizativos de ações e serviços de saúde, de diferentes densidades tecnoló-
gicas, que integradas por meio de sistemas de apoio técnico, logístico e de gestão, buscam
garantir a integralidade do cuidado (BRASIL, 2010).

O decreto 7.508/2011, em seu artigo 7º, estabelece que “as Redes de Atenção à Saúde esta-
rão compreendidas no âmbito de uma Região de Saúde, ou de várias delas, em consonância
com diretrizes pactuadas nas Comissões Intergestores”.

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O documento da SAS/MS sobre a implantação das Redes de Atenção (BRASIL, 2014) aponta

“entre as principais características das RAS: a formação de relações


horizontais entre os pontos de atenção, tendo a Atenção Básica como
centro de comunicação; a centralidade nas necessidades de saúde
da população; a responsabilização por atenção contínua e integral;
o cuidado multiprofissional; o compartilhamento de objetivos e o com-
promisso com resultados sanitários e econômicos” (BRASIL, 2014, p. 9).

[...]

Destaca ainda:

“no processo de implantação, os seguintes aspectos: Definição clara


da população e território; Diagnóstico situacional; Criação de uma ima-
gem objetivo para a superação dos vazios assistenciais; Articulação do
público e do privado; Planejamento pela efetiva necessidade; Criação de
um sistema logístico e de suporte; Investimento nas pessoas/equipes;
Criação de sistema de regulação e governança para funcionamento
da rede; e Financiamento sustentável e suficiente com vinculação a
metas e resultados” (BRASIL, 2014, p. 10).

No processo de pactuação tripartite que se segue ao Decreto 7.508/2011, são acordados na


CIT, ao longo de 2011 e 2012, as seguintes redes temáticas, com seus componentes:

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Você percebe na ilustração anterior que as 5 Redes de Atenção à Saúde partem da Atenção
Básica? Vamos agora compreender um pouco mais...

A governança gerencial das redes efetivou-se em dois arranjos com-


plementares. No nível do território, traduz-se na estruturação dos
grupos condutores das redes temáticas definidos nas portarias de
redes temáticas já citadas anteriormente e explicitadas na Fase 1 da
operacionalização das redes. Entende-se que estes são espaços onde
os diagnósticos são construídos, as prioridades são estabelecidas e os
desenhos das redes são elaborados. Nesse espaço são, portanto, ela-
borados os Planos de Ação das Redes (PARs). Esses grupos condutores
são responsáveis pelo acompanhamento da implementação da rede e
pelas articulações com os atores envolvidos nesta, sejam públicos ou
privados. [...] O outro arranjo é dado pela Portaria MS/GM nº 1.473, de
24 de junho de 2011 (BRASIL, 2011), que institui os comitês gestores,
grupos executivos, grupos transversais e os comitês de mobilização
social de especialistas dos compromissos prioritários de governo orga-
nizados por meio de redes temáticas de Atenção à Saúde. A intenção
desse arranjo é conformar uma estrutura federal de coordenação dos
compromissos prioritários do governo que dialogue com os conceitos de
redes de forma matricial, compartilhada e democrática (BRASIL, 2011).

O processo de implementação das redes de atenção, no período 2011 a 2016, foi associado
a programas governamentais que viabilizaram os investimentos estruturais e o custeio dos
serviços que possibilitaram a expansão de serviços. Contudo, os entraves da gestão, as limi-
tações no financiamento e as dificuldades de integração entre os entes federados no espaço
regional dificultaram o planejamento regional integrado e a implantação e a coordenação
dos serviços para constituição das redes projetadas nos Planos elaborados e aprovados nas
Comissões regionais de Saúde, e muitos deles permanecem como “letra morta” a clamar por
vida para potencializar o cuidado aos usuários que projetaram.

O contexto político vivido pelo país e a condução atual do Ministério da Saúde trazem novos
elementos para a análise sobre os rumos do SUS, que merecem ser discutidos no âmbito
dos fóruns do curso.

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