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13/03/2024, 13:10 Sociolinguística

SOCIOLINGUÍSTICA
CAPÍTULO 1 - AFINAL, O QUE A LÍNGUA
TEM A VER COM AS PRÁTICAS SOCIAIS?
Danieli Silva Chagas

INICIAR

Introdução
A Linguística — vista, hoje, como uma ciência autônoma que se dedica ao estudo da
linguagem humana — só adquire esse status a partir do início do século XX. Isso
porque, em 1916, é publicado o “Curso de Linguística Geral”, livro no qual são
expostas as principais ideias do professor genebrino Ferdinand Saussure,
organizadas por seus alunos. Contudo, que tipo de relação essa publicação teria
com a evolução dos estudos linguísticos no mundo? Até o século XIX, os principais
estudos linguísticos se desenvolviam em torno da busca por aspectos históricos e
comparatistas que pudessem relacionar as línguas umas às outras, por meio da
chamada “linguística histórica”. Esses estudos priorizavam a análise das línguas em
perspectiva diacrônica, observando, principalmente, o desenvolvimento das línguas
ao longo do tempo, sem a preocupação com a influência de questões externas em
sua configuração. Com o advento do “Curso de Linguística Geral”, as línguas passam
a ser observadas, sobretudo, por meio de uma perspectiva sincrônica. Assim, vêm à
tona os estudos que se preocupam, também, com a análise linguística em um
determinado momento da língua, uma dada sincronia, inclusive, considerando o
estágio da língua no momento em que ela é estudada. Mas que mudanças os
estudos sincrônicos trazem para os estudos linguísticos? Analisadas em perspectiva

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sincrônica, as línguas podem, ainda, ser comparadas, estabelecendo relações entre


si. Entretanto, essa comparação deixa de ser a única ou principal preocupação dessa
ciência, que então se estabelece como tal. Dessa forma, sobretudo a partir da
segunda metade do século XX, surgem variados ramos de estudos linguísticos, como
o estruturalismo, o gerativismo, o funcionalismo, a linguística do texto, o
cognitivismo, a sociolinguística, entre muitos outros; por meio dos quais se
desenvolvem inúmeras interfaces que consideram questões linguísticas e
extralinguísticas no estudo das línguas. Mas, afinal, do que trata a Sociolinguística? É
o que veremos a partir de agora, por meio de uma abordagem conceitual, prática e
histórica sobre a importância da Sociolinguística para os estudos da língua na
contemporaneidade. Vamos lá!

1.1 Conceito e objeto de estudo da


Sociolinguística
Com a evolução da Linguística enquanto uma ciência autônoma, dá-se lugar a
outras ciências que dela advém, como é o caso da Sociolinguística, que também
surge como uma ciência interdisciplinar e autônoma, a partir da segunda metade do
século XX.
Para iniciar nossos estudos, vamos analisar de que maneira a Sociolinguística se
estabelece como uma ciência interdisciplinar, por meio das relações humanas.

1.1.1 Língua e sociedade


Com o objetivo de pensarmos na relação travada entre a língua e a sociedade, um
dos pilares da Sociolinguística, é preciso buscar a concepção de língua.
Segundo Marcuschi (2008, p. 59),

De acordo com as diferentes posições existentes, pode-se ver a língua:

a) como forma ou estrutura – um sistema de regras que defende a autonomia do


sistema diante das condições de produção (posição assumida pela visão formalista);

b) como instrumento – transmissor de informações, sistema de codificação; aqui se


usa a metáfora de conduto (posição assumida pela teoria da comunicação);

c) como atividade cognitiva – ato de criação e expressão do pensamento, típica da


espécie humana (representada pelo cognitivismo);
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d) como atividade sociointerativa situada – a perspectiva sociointeracionista relaciona


os aspectos históricos e discursivos.
A despeito de cada concepção de língua estar inserida em concepções teóricas
específicas ligadas a linhas de pesquisa da língua também específicas, podemos
observar que elas não são estanques. A visão de língua como atividade
sociointerativa, por exemplo, não abandona totalmente a sistematicidade da língua
e as regularidades inerentes a cada sistema linguística. É fato, entretanto, que, com
base nessa visão sociointerativa, a língua é vista como um sistema em seu
funcionamento social, por meio do qual é observada como um sistema sócio-
histórico.
Com esse viés, ao analisar as línguas, é necessário analisar, também, os fatores
externos que agem sobre ela, influenciando-a e sendo por ela influenciados. Esses
fatores, inclusive, estão presentes no contexto social e histórico de desenvolvimento
e circulação de uma língua.
Não é difícil compreender a importância da visão sociointerativa da língua, segundo
a qual cada sistema linguístico deve ser observado em função de uma realidade
sócio-histórica. Como exemplo, podemos estudar o caso a seguir.

CASO
É comum ouvirmos professores, e, até mesmo, os que não são professores, repetirem no dia a dia
uma das regras de nossa gramática tradicional: não devemos usar pronome átono em início de frase.
A regra — que é mais complexa e foi aqui parafraseada para se aproximar da fala diária sobre o tema
— está na ponta da língua de muitos brasileiros, mas, ainda assim, é muito comum ouvirmos frases
do tipo “me empresta sua caneta?”, “me assustei com sua chegada repentina!”, “me vê um copo de
água?” ou “se apronte logo!”. Esse uso é feito pela maioria dos brasileiros, ainda que alguns insistam
em falar “empresta-me sua caneta?”, “assustei-me com sua chegada!”, “vê-me um copo de água?” ou
“apronte-se logo!”, correndo o risco de parecer pedante, dependendo da situação de comunicação.

Esse conflito tem explicação, mas ela não está apenas na estrutura da língua, e, sim, em questões
sociais e históricas que a perpassam. Por volta da metade do século XIX, após a independência do
Brasil, foi adotado como padrão linguístico para o Brasil a norma culta portuguesa, observada nos
principais compêndios gramaticais brasileiros. Contudo, a língua portuguesa no Brasil, já no século
XIX, apresentava usos predominantemente proclíticos, como “se apronte logo!”, mesmo na
Constituição vigente antes da independência. Esse fato só mudou após a separação política entre
Brasil e Portugal, quando passou a predominar a ênclise, de acordo com o padrão português
adotado na Constituição.

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O caso apresentado é um exemplo claro da relação entre a língua e a sociedade,


mas, acima de tudo, demonstra que essa relação é mais complexa do que parece.
Afinal, se, nessa época, o Brasil acabara de se tornar independente politicamente de
Portugal, por que, então, adotara a norma culta portuguesa como padrão?
A resposta para essa pergunta também está no contexto social e histórico do
desenvolvimento de nossa língua. Faraco (2008, p. 12) nos explica que

Em geral, a fixação de um certo padrão responde a um projeto político que visa impor
uma certa uniformidade onde a heterogeneidade é sentida como negativa (como
“ameaçadora de uma certa ordem”). Foi esse o caso do Brasil no século XIX, em que
uma certa elite letrada, diante das variedades populares (em particular do que se veio
a chamar pejorativamente de “pretoguês”) e face a um complexo jogo ideológico (em
boa parte assentado em seu projeto de construir um país branco e europeizado)
trabalhou pela fixação de uma norma-padrão.

Figura 1 - A escravidão negra é um dos principais fatores sócio-históricos que influenciaram na


configuração do português no Brasil. Fonte: Marzolino, Shutterstock, 2018.

Como se vê, as línguas constituem mais do que um simples conjunto de sons ou


palavras. Ela é um reflexo das relações sociais travadas entre seus falantes.
Em perspectiva histórica ou diacrônica, essas relações se constituem, por exemplo,
por influência das línguas africana, indígena e europeia na configuração do
português brasileiro e por meio das ações políticas de então, diante de tal realidade.

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Já em perspectiva sincrônica, a língua pode ser observada em diferentes recortes


temporais, inclusive o atual, em função de “quem fala, com quem fala, onde fala, por
que fala” e outros variados aspectos sociais.
Esse olhar sobre a relação entre a língua e a sociedade constitui um dos principais
recortes da Sociolinguística como ciência, sobre a qual estudaremos na sequência.

1.1.2 O que é a Sociolinguística?


A Sociolinguística, de maneira geral, é definida como o estudo da linguagem em que
se considera a implicação de fatores sociais. Essa definição, por ser bastante ampla e
tratar de uma visão apresentada internacionalmente na década de 1980, abre
caminho para o seu objeto de estudos: a relação entre a língua e a sociedade
(LYONS, 1981).
Conforme observamos, a língua pode ser analisada sob várias perspectivas que
consideram fatores linguísticos e extralinguísticos. Essa convergência de fatores é,
para a Sociolinguística, vista como uma teoria para alguns estudiosos e como uma
metodologia para outros, sendo de grande importância para a fundação de seus
estudos.
Nas palavras de Mollica e Braga (2008, p. 9),

A Sociolinguística é uma subárea da Linguística e estuda a língua em uso no seio das


comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que
correlaciona aspectos linguísticos e sociais. Essa ciência se faz presente num espaço
interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente, os
empregos linguísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo.

VOCÊ SABIA?
O que é comunidade de fala? A comunidade de fala, segundo Labov (1972), constitui cada grupo que
compartilha determinadas atitudes sociais e normas perante a língua. É possível pensar que
determinadas comunidades de fala considerem mais apropriado o uso proclítico de “me empreste
sua caneta?”, enquanto que outras comunidades de fala consideram mais apropriado o uso enclítico
de “empreste-me sua caneta?”. É possível, ainda, que um mesmo indivíduo participe de
comunidades de fala diferentes, alternando seus usos para se adequar à comunidade em que esteja
em dado momento.

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A Sociolinguística pode se dividir em vários ramos, como os que priorizam os


estudos relacionados à variação e à mudança linguística, o multilinguismo, o
contato entre línguas, entre outros. Em todos os casos, parte-se da premissa de que
a língua é variável e heterogênea, uma vez que, segundo Mollica e Braga (2008, p. 9),
há “[...] formas distintas que, em princípio, se equivalem semanticamente no nível
do vocabulário, da sintaxe e morfossintaxe, do subsistema fonético-fonológico e no
domínio pragmático-discursivo”.

Figura 2 - Os sons que emitimos são umas das instâncias em que opera a variação e a mudança
linguística. Fonte: Andrea Danti, Shutterstock, 2018.

Essa heterogeneidade — que, na visão de Saussure (2014), limita-se à fala ou à


materialização do sistema linguístico — é entendida pela Sociolinguística como
inerente ao próprio sistema linguístico. Nessa perspectiva, a pronúncia da palavra
“Recife” em diferentes estados do Sul ou do Sudeste em relação ao Nordeste
brasileiro, por exemplo, seria parte do nosso sistema linguístico.

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Ainda de acordo com Mollica e Braga (2008, p. 9), as “[...] formas distintas que, em
princípio, se equivalem semanticamente.”, apresentam variações em relação à
região geográfica, como o exemplo citado. Assim, essas formas são de interesse dos
estudos sociolinguísticos e desafiam a visão de língua estabelecida desde a
imposição de um padrão normativo espelhado no português europeu, conforme
visto no século XIX, até a dicotomia saussureana langue x parole (língua x fala),
estabelecendo novos propósitos e definições para os estudos linguísticos.

1.2 Termos frequentes na


sociolinguística
Como temos visto, a Sociolinguística parte da premissa de que a língua é variável e
heterogênea. Assim, por essa variedade e heterogeneidade, manifestam-se nas
comunidades de fala, gerando formas distintas em função do uso linguístico.
Sabendo que as comunidades de fala são muitas e que podem se configurar em
função de diversos fatores sociais, históricos e geográficos, é válido pensar na
distribuição desses fatores e na nomenclatura própria utilizada nos estudos
sociolinguísticos. Vejamos, então, os principais termos necessários à compreensão
desses estudos a partir de agora.

1.2.1 Regionalismos, dialetos e línguas


A língua portuguesa transplantada para o Brasil se distribui como língua oficial por
um território de dimensões continentais. Dessa maneira, são muitas as formas
linguísticas observadas ao longo do nosso território para representar a mesma
realidade.
Como exemplo, podemos citar o uso dos termos “bergamota” (no sul), “tangerina”
(no sudeste) e “mexerica” (no sudeste). Essas diferentes unidades lexicais, utilizadas
em função da região geográfica observada, constitui os chamados regionalismos.
Os regionalismos não são considerados diferenças substancialmente relevantes para
que se fale na existência de dialetos, uma vez que se manifestam em aspectos
pontuais, como o vocabular ou a pronúncia. Os aspectos observados na fala das
pessoas em função das regiões em que vivem são popularmente chamados de
“sotaque”. Aliás, todos temos o chamado sotaque, independentemente da região em
que vivemos. Quem mora no Nordeste, por exemplo, costuma dizer que as pessoas

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que vivem no Sul ou no Sudeste “falam cantando”, ao passo que muitos moradores
do Sul e do Sudeste identificam a tal “fala cantada” no falar dos Nordestinos. Isso
nos mostra que a fala de cada região possui suas peculiaridades, sendo
prontamente identificadas por falantes oriundos de outras regiões.
Os dialetos, por sua vez, são compostos de peculiaridades que extrapolam o nível
lexical ou fonético. No dialeto, são percebidas características peculiares que se
mostram desde o nível morfossintático, fonético-morfológico e até semântico-
lexical. Ele é visto como uma variedade linguística de uso coletivo, que se irradia por
certas áreas geográficas.
Nos estudos dialetais brasileiros, o “dialeto caipira” é bastante mencionado, já que,
em meados do século XX, despertava a curiosidade de estudiosos como Amaral
(1955, p. 41):

Tivemos, até cerca de vinte e cinco a trinta anos atrás, um dialeto bem pronunciado,
no território da antiga província de São Paulo. É de todos sabido que o nosso falar
caipira – bastante característico para ser notado pelos mais desprevenidos como um
sistema distinto e inconfundível – dominava em absoluto a grande maioria da
população e estendia a sua influência à própria maioria culta.

VOCÊ QUER LER?


O dialeto caipira faz parte da agenda de estudos linguísticos há muitas décadas, e, por sua influência,
manifesta-se, até mesmo, em textos literários. Osvaldo Ceschin, pesquisador do assunto, publicou um
excelente artigo sobre as peculiaridades desse dialeto, intitulado “O Dialeto Caipira”. Vale a pena ler! O
artigo está disponível no link:
<https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/viewFile/104900/103696
(https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/article/viewFile/104900/103696)>.

As línguas, diferentemente dos regionalismos ou dos dialetos, constituem um


sistema de regras que está presente na mente de todos os falantes de uma
determinada comunidade. Ela é vista como instrumento de um povo e contém as
regras gerais, socialmente estabelecidas, que podem variar em função de
determinados fatores, sem ser percebida como outro sistema.

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Há muitos países multilíngues que tem em uma ou em várias de suas línguas a


língua oficial. No Brasil, por exemplo, a língua oficial é a língua portuguesa, embora
sejam faladas, ainda em território brasileiro, múltiplas línguas europeias e,
sobretudo, indígenas. Essa multiplicidade linguística possui influência em processos
de variação observados na própria língua portuguesa.

1.2.2 Mudança lexical e evolução das línguas


Dos estudos sociolinguísticos, recebem destaque em muitas pesquisas os estudos
da variação e da mudança. Essas pesquisas, sobretudo os estudos da mudança,
apontam para os vários estágios de uma língua, possibilitando analisar, com base
em seu passado, os possíveis rumos que a língua tomará. Entre elas, cumpre
destacar os que dão foco à mudança lexical.
É sabido que, salvo as línguas mortas, nenhuma língua é estática, uma vez que todas
evoluem. E a mudança linguística se relaciona diretamente com essa evolução.

VOCÊ SABIA?
O que é uma língua morta? São chamadas de línguas mortas aquelas que não possuem falantes
nativos por diversos motivos históricos. Esse é o caso, por exemplo, do latim, que, por mais que
possua gramática conhecida, registro escrito e seja utilizado em lugares para fins específicos — como
em ritos religiosos —, ela não constitui, modernamente, a língua mãe de nenhuma nação.

O contato linguístico, uma das áreas estudadas no âmbito da Sociolinguística, é um


grande propulsor da mudança e da evolução das línguas. Geralmente, o contato se
dá por meio de uma língua franca, que, para Phillipson (1992, p. 42),

[...] é uma língua que é usada para a comunicação entre diferentes grupos de pessoas,
cada grupo falando uma língua diferente. A língua franca pode ser uma língua usada
internacionalmente (ex. inglês), pode ser a língua nativa de um dos grupos, ou uma
língua que não é falada por nenhum grupo como língua materna, mas possui uma
estrutura e vocabulário simplificados, e é frequentemente uma mistura de duas ou
mais línguas.

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Desse contato, pode-se resultar, inclusive, em outras línguas, por meio de processos
como a pidginização ou a crioulização. Os crioulistas nem sempre concordam
sobre uma definição precisa para pidgin e crioulo, apresentando visões divergentes
com relação à situação de muitas línguas que vêm sendo classificadas como tais.
Com relação a essa divergência, podemos mencionar que são chamados
normalmente de pidgins as línguas reduzidas que surgem em função de contato
prolongado entre grupos que não possuem uma língua em comum. Segundo
Bortoni-Ricardo (2014, p. 30),

Um pidgin pode ter duração razoavelmente efêmera, seguindo dois ciclos possíveis: ou
desaparece ou evolui para uma língua crioula. A passagem do pidgin para uma língua
crioula dá-se quando uma ou sucessivas gerações o adotam como uma língua
materna, conferindo-lhe as características de uma língua natural.

No caso do pidgin, que possui como característica uma simplificação em que são
abandonadas marcas de concordância, além de ser utilizado um número reduzido
de palavras, ele surge para atender às necessidades específicas de comunicação e
possuem funções sociais reduzidas: comércio (Russernorsk, pidgin Eskimo);
ocupação militar (pidgin inglês no Japão do pós-guerra); e comunicação escravos-
senhores (pidgin inglês do Havaí nas plantations). Veja um exemplo em que é
apresentada uma frase em um pidgin do inglês, seguida da forma alvo (MESTHRIE et
al., 2000, p. 291 apud RIEHL, 2009, p. 116):

Before my sellum for ten dollars


Before I sell for ten dollars (‘Eu vendi por 10 dólares’)
(Gras bilong fes (= grass belong face) = barba.

Diferentemente do pidgin, as línguas crioulas estão necessariamente ligadas aos


fatores de colonização europeia e escravidão negra. O crioulo é resultado do contato
de longa duração entre dois grupos étnicos (situação de bilinguismo), envolvendo a
reestruturação total da língua.

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VOCÊ QUER VER?


Há vários pesquisadores que se dedicam à pesquisa de línguas crioulas. Em uma entrevista feita pela
Universidade Aberto com o professor Jorge Morbey, intitulada “Viagem de um Crioulo de Cabo Verde aos
Crioulos do Oriente”, Morbey nos fala dos crioulos de Cabo Verde e do Oriente. Os vídeos estão
disponíveis em: <https://www.youtube.com/watch?v=gBYapf4s-po (https://www.youtube.com/watch?
v=gBYapf4s-po)> e <https://www.youtube.com/watch?v=0P0Q3LQXRhg
(https://www.youtube.com/watch?v=0P0Q3LQXRhg)>. Vale a pena assistir!

Essa mistura feita pelo crioulo é entendida como a norma de uma comunidade, em
que os componentes, como o léxico ou a gramática, podem ser claramente
associados a cada uma das línguas, pelo que se observa maior importância da
língua do substrato (a língua que se mistura à língua-alvo). A transmissão irregular
da língua-alvo em situação de bilinguismo, muitas vezes, leva ao pidgin, que, na
segunda geração, tornando-se língua materna, reestrutura os espaços não
preenchidos com aportes do substrato.
Conforme Mesthrie et al. (2000, p. 282) e Riehl (2009, p. 116), um conhecido crioulo
do inglês em situação de contato linguístico em terras africanas é o Tok Pisin:

Gras bilong hed (= grass belong head) = cabelo


Gras bilong ai (= grass belong eye) = sobrancelha

Resultante do contato com o português europeu, recebe destaque o crioulo cabo-


verdiano, que tem sido utilizado em situações oficiais. Veja um exemplo da
conjugação verbal em cabo-verdiano com a figura a seguir.

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Quadro 1 - As diferenças podem ser observadas com a conjugação verbal no Português e a conjugação
verbal no Caboverdiano. Fonte: Elaborada pelo autor, baseada em QUINT, 2010, p. 251.

Além do surgimento de pidgins crioulos e das línguas francas, a mudança lexical


também ocorre por meio de um empréstimo, uma abreviação ou uma junção. São
considerados empréstimos as palavras vindas de outras línguas para a língua de
destino, na qual podem, inclusive, adquirir outros significados. Os empréstimos
geralmente são resultado do contato linguístico, podendo, com seu radical, gerarem
outras palavras na língua que recebe o empréstimo. É o que acontece, por exemplo,
com a palavra “delete” no português do Brasil, que já deu origem, por meio do
acréscimo de sufixo, ao verbo “deletar”.

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Figura 3 - A palavra “marketing”, assim como outros empréstimos, já foram consolidados na cultura
brasileira e na língua portuguesa no Brasil. Fonte: mypokcik, Shutterstock, 2018.

Com a evolução das línguas — além dos empréstimos, que, no Brasil, originam-se
desde línguas africanas a europeias e indígenas, devido às diversas situações de
contato linguístico ao longo da história de nosso país — também são comuns as
junções de radicais ou lexemas. Tanto os já inseridos na língua portuguesa quanto
os oriundos de outras línguas na formação de novas palavras podem ser
considerados.
Essas junções ocorrem, muitas vezes, como forma de representar na língua a
evolução que ocorre na sociedade em que ela está veiculada. Temos como exemplo
a palavra “sambódromo”, um neologismo formado por radicais de palavras de
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origem africana e grega, criado para nomear a existência de um espaço característico


de nossa sociedade na contemporaneidade.
Além disso, as abreviações também são comuns e se fazem com base na
apropriação de palavras estrangeiras, como é o caso da palavra “Kombi”, veículo que
recebe como nome, no Brasil, a abreviação da palavra de origem alemã
"kombinationsfahrzeug".
Sendo assim, podemos perceber que a mudança lexical está profundamente ligada
à evolução das línguas, assim como essa evolução está ligada às mudanças
observadas na sociedade e nas necessidades linguísticas inerentes a essas
mudanças, como já atestava Antoine Meillet, discípulo de Saussure, no início do
século XX.

1.3 Histórico da Sociolinguística


Os estudos linguísticos são de interesse internacional, uma vez que as correntes
linguísticas surgidas em diferentes países são de interesse de linguistas em todo o
mundo. Afinal, muitas dessas correntes têm origem americana e surgem,
inicialmente, como forma de explicar o inglês americano, espraiando-se por várias
outras línguas, e servindo, também, como subsídio para explicá-las. Esse é o caso da
Sociolinguística, cujos principais temas enquanto ciência autônoma interdisciplinar
foram apresentados, pelo que cumpre pensar, o histórico de seu surgimento.

1.3.1 Origens
Como vimos, a Sociolinguística surge como ciência oficialmente a partir da metade
do século XX. Contudo, há estudos anteriores a esse período que lançam as bases
para o seu surgimento. Nas palavras de Bortoni-Ricardo (2014, p. 11), há linguistas
que

[...] muito antes dos anos 1960, já desenvolviam em seus trabalhos teorias de natureza
claramente sociolinguística, como é o caso de Meillet [1866-1936], Bakhtin [1895 –
1975] e membros do Círculo Linguístico de Praga. Esses são pensadores que levaram
em conta o contexto sociocultural e a comunidade de fala em suas pesquisas
linguísticas, ou seja, não dissociavam o material da fala do produtor dessa fala, o
falante – pelo contrário, consideravam relevante examinar as condições em que a fala
é produzida.

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Com o desenvolvimento da pesquisa desses autores, são consideradas duas


premissas para o desenvolvimento das pesquisas linguísticas: o relativismo cultural
e a heterogeneidade linguística.
Também de acordo com Bortoni-Ricardo (2014, p. 12), o relativismo cultural parte do
pressuposto de que “[...] uma manifestação de cultura prestigiada na sociedade não
é intrinsecamente superior a outras [...]”.

Figura 4 - Os livros são símbolos de culturas privilegiadas, cujos entes, por vezes, diminuíram a
importância da cultura de outras comunidades, sobretudo, de comunidades ágrafas. Fonte: Thinglass,
Shutterstock, 2018.

Segundo as bases do relativismo cultural, assim como nenhuma cultura deve ser
considerada superior ou inferior a outra, as línguas, em suas várias manifestações,
também não devem ser consideradas superiores ou inferiores a outras. A premissa
da heterogeneidade linguística se traduz no “[...] advento da crença na
heterogeneidade ordenada e do reconhecimento da existência de muitas variedades
no âmbito de qualquer língua natural” (BORTONI-RICARDO, 2014, p. 12).

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VOCÊ SABIA?
Que a concepção de cultura e a relatividade cultural se relacionam à hipótese Sapir-Whorf? A
hipótese Sapir-Whorf, como normalmente é apresentada, combina determinismo linguístico (“A
linguagem determina o pensamento”) com relatividade linguística (“Não há limites para a
diversidade estrutural das línguas”) (LYONS, 1981, p. 276).

Sobre a heterogeneidade, Mollica e Braga (2008, p. 9) destacam que

Todas as línguas apresentam um dinamismo inerente, o que significa dizer que elas
são heterogêneas. Encontram-se assim formas distintas que, em princípio, se
equivalem semanticamente no nível do vocabulário, da sintaxe e morfossintaxe, do
subsistema fonético-fonológico e no domínio pragmático-discursivo. O português
falado no Brasil está repleto de exemplos. No sul do país, o pronome “tu” é o
tratamento preferido quando o falante interage com o ouvinte, encontrando-se em
menor escala em outras regiões e evidenciando uma diferenciação geográfica, em que
os pronomes de tratamento distribuem-se em sistemas variacionais diferentes.

Com base nessas premissas, liderados por Labov (1981), linguistas norte-americanos
iniciaram estudos teóricos e experimentais, a fim de observar a variação e a
mudança.

1.3.2 Principais autores e estudos


Antes da década de 1960, alguns estudos já consideravam a relação entre língua e
sociedade e o relativismo cultural. No entanto, é no ano de 1953 que a palavra
“Sociolinguística” surge pela primeira vez. O termo é usado em um trabalho de
Haver C. Currie e leva o estudo dessa ciência de maneira mais estruturada, com
objetivos melhor definidos, sendo desenvolvido nos Estados Unidos nas décadas de
1950 e 1960.
Em 1964, com a publicação da obra dos pesquisadores Gumperz (1982), Labov
(1981) e Hymes (1972), os estudos propriamente sociolinguísticos podem ser
considerados definitivamente inaugurados. Afinal, esses autores buscavam
desenvolver uma nova concepção sob a qual a Linguística seria estudada. Sendo
vista como o cerne do rompimento com a visão estruturalista da época.

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VOCÊ QUER LER?


O estruturalismo orientou, por muito tempo, como modelo hegemônico, a agenda de estudos
linguísticos. Até hoje, ele influencia linhas de pesquisas voltadas para o conhecimento estrutural das
línguas. Para saber um pouco mais sobre o assunto, acesse um resumo, escrito por José Renato Salatiel,
sobre as origens dessa corrente no link:
<https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/estruturalismo-quais-as-origens-desse-metodo-de-
analise.htm (https://educacao.uol.com.br/disciplinas/filosofia/estruturalismo-quais-as-origens-desse-
metodo-de-analise.htm)>.

A partir de então, surgem outras correntes de estudos linguísticos, como a


Sociologia da Linguagem, introduzida por e Joshua Fishman; e a Etnografia da Fala,
iniciada por Dell Hymes. Esses estudos também consideram a importância da
interação entre a língua e a sociedade.
Assim, a Sociolinguística passa a tratar do estudo sobre a incidência de forças sociais
com relação as manifestações linguísticas em seus diversos níveis (fonológicos,
morfológicos, sintáticos e semânticos).

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Figura 5 - A língua em uso é o foco dos estudos sociolinguísticos. Fonte: exopixel, Shutterstock, 2018.

Labov (1981) é o responsável por sistematizar os estudos de variação na língua


falada. É ele quem os inaugura em 1963, quando analisa o inglês falado na ilha de
Martha’s Vineyard, no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Várias
pesquisas foram realizadas após essa, como a que trata da estratificação social do
inglês falado em Nova York, em 1966.
Labov (1981) ainda contrapõe os estudos de orientação saussuriana focando, em vez
da langue, de Saussure, na parole, no ponto de vista social, e não individual.

VOCÊ O CONHECE?
William Labov é conhecido no Brasil e no mundo como o “pai” da Sociolinguística. Linguista americano,
Labov atuou por muito tempo como professor no departamento de linguística da Universidade da
Pensilvânia. Ele publicou livros e artigos com foco na relação entre a língua e a sociedade, além de
participar de congressos no mundo todo para divulgar sua linha de pesquisa.

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Atualmente, várias interfaces têm sido feitas entre a Sociolinguística e as correntes,


como o cognitivismo, o funcionalismo e, até mesmo, o gerativismo, resultando, cada
uma delas, em olhares diferentes, mas, muitas vezes, convergentes. Isso subsidia o
conhecimento sobre o universo complexo que representam as línguas.

1.4 Sociolinguística Variacionista e


Sociolinguística Interacionista
Como os estudos sociolinguísticos possuem diversas vertentes, cujas pesquisas
podem se complementar, é possível observar os fatos da língua sobre perspectivas
diferentes. Esses estudos são orientados por um referencial teórico que considera
desde os aspectos sociais que afetam a língua em uso até os fatos que afetem a
língua em uma perspectiva dual ou dialógica. É o caso, respectivamente, da
Sociolinguística Variacionista e da Sociolinguística Interacional. Vejamos suas
peculiaridades na sequência.

1.4.1 Sociolinguística Variacionista


A Sociolinguística Variacionista, também conhecida como teoria da variação e
mudança, objetiva analisar a língua em seu contexto sociocultural. Assim, por meio
de suas análises, ela observa os processos de variação na língua. Isso pode,
inclusive, resultar em uma mudança linguística com o passar do tempo, ou, até
mesmo, em uma variação estável.
São chamadas de variantes as formas em variação. Tarallo (2007, p. 8) afirma que
“[...] variantes linguísticas são diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um
mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade”.

VOCÊ SABIA?
A variação é considerada estável quando dura por um longo período, prevalecendo uma variante
sobre a outra. Nesse caso, geralmente as gerações mais novas e as mais velhas utilizam a variante
popular, o que se repete nas outras gerações. Quando a geração gera mudança, a tendência é
observar o crescimento gradual do uso da variante popular (MOLLICA; BRAGA, 2008).

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Além disso, temos visto que a Sociolinguística tem como pressuposto o fato de que
toda língua é heterogênea. Contudo, é preciso destacar, de acordo com a teoria da
variação, que essa heterogeneidade é ordenada por regras da língua. Nas palavras
de Coelho et al. (2015, p. 59, grifo dos autores),

Não se concebe a variação como uma propriedade que possa levar o sistema
linguístico ao caos. Mesmo que a princípio se possa pensar que heterogeneidade
implica ausência de regras, a Sociolinguística vê a língua como objeto dotado de
heterogeneidade estruturada, logo, há regras sim. Decorre daí que, enquanto a língua
concebida como sistema homogêneo contém somente regras categóricas, que sempre
se aplicam da mesma maneira, a língua concebida como sistema heterogêneo
comporta, ao lado de regras categóricas, também regras variáveis, condicionadas por
fatores tanto do contexto linguístico quanto do extralinguístico.

Entende-se como regra categórica aquela que opera em 100% dos casos, sem
qualquer violação na fala natural; enquanto que a regra variável é aquela que opera
entre 5 e 95% dos casos, em que não há violações por definição. No português
brasileiro, é categórica a regra segundo a qual os artigos vêm sempre antes do
substantivo, por exemplo. Assim, é agramatical (fora das regras e princípios internos
de nossa língua), tanto na fala culta quanto na fala popular, dizer “menino o” em vez
de “o menino”.
A concordância verbal, por outro lado, constitui uma regra variável, visto que as
pesquisas linguísticas brasileiras atestam desde a marcação de concordância verbal
em apenas 16% dos casos pesquisados em Helvécia, na Bahia (LUCCHESI, 2008); até
a marcação de concordância verbal em 88,1% dos casos em Copacabana, no Rio de
Janeiro (VIEIRA; BAZENGA, 2013).
Também é de interesse da Sociolinguística Variacionista investigar os fatores que
condicionam a variação e a mudança em determinadas comunidades linguísticas.
Por exemplo, é conhecido, internacionalmente, o trabalho de Labov (1981), que
explora condicionadores étnicos e sociais na investigação do que ele chama de
“inglês negro”, modernamente chamado de “vernáculo afro-americano”. No Brasil,
são vários os condicionadores linguísticos e extralinguísticos estudados com base na
apresentação de regras variáveis, em diferentes fenômenos e diferentes
comunidades.

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VOCÊ QUER VER?


Os estudos da Sociolinguística Variacionista redimensionam as concepções de certo e errado no ensino
da língua. Nesse contexto, muito se questiona sobre o lugar da norma padrão. O professor Ataliba de
Castilho fala sobre isso no vídeo “Linguística: O dilema do ‘certo’ e do ‘errado’”. Assista no link:
<https://www.youtube.com/watch?v=WE1C57q_9zw (https://www.youtube.com/watch?
v=WE1C57q_9zw)>.

Com a evolução dos estudos sociolinguísticos, uma nova vertente dessa ciência
surge, principalmente a partir da década de 1980, quando o foco do estudo se dá na
influência de fatores sociais, mesmo em seu aspecto individual. Vejamos!

1.4.2 Sociolinguística Interacionista


Diferentemente da Sociolinguística Variacionista, a Sociolinguística Interacionista,
ou Sociolinguística Interacional, detém-se no comportamento individual observado
nas interações face a face. Seus precursores são Erving Goffman e John Gumperz.
Segundo Bortoni-Ricardo (2014, p. 147),

A principal distinção que Gumperz faz entre a Sociolinguística interacional e a


Sociolinguística laboviana é que a primeira apoia-se no pressuposto de que a
interação humana é constitutiva da realidade social. Segundo esse pensador, a ordem,
a estrutura, etc. não são pré-determinadas, mas constituem-se na própria interação,
baseadas em um conjunto complexo de fatores materiais, experienciais e psicológicos
[...]. A interação humana é, portanto, constitutiva dos papéis sociais, considerados
como um conjunto de prerrogativas e de deveres em um determinado domínio social.

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Figura 6 - A interação face a face é o objeto de estudo da Sociolinguística Interacional. Fonte:


Lightspring, Shutterstock, 2018.

Bortoni-Ricardo (2014) ainda elabora uma metodologia segundo a qual pode ser
realizada a análise de estratégias da comunicação dentro da perspectiva da
Sociolinguística Interacional, organizando-a em cinco grupos de categorias:
características estruturais e comunicativas do evento, processo interpretativo, uso
da língua ou práticas verbais, regras dialógicas e linguagem não verbal.

VOCÊ O CONHECE?
Stella Maris Bortoni-Ricardo atua como professora de Linguística na Universidade de Brasília. Atualmente,
ela desenvolve suas pesquisas em torno da interface entre Sociolinguística e educação, mas possui
diversos livros publicados em áreas da Linguística, sendo uma das precursoras dos estudos etnográficos

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no Brasil. Para saber mais sobre a autora e seus projetos, acesse sua página na internet com o link:
<http://www.stellabortoni.com.br/ (http://www.stellabortoni.com.br/)>.

Como exemplo de trabalho, Bortoni-Ricardo (2014, p. 149, grifos do autor) cita a


canção de Paulinho da Viola, “Sinal Fechado”, conforme fragmento a seguir:

— Olá! Como vai?

— Eu vou indo. E você, tudo bem?

— Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro... E você?

O diálogo contempla dois turnos de fala, que, na linguagem técnica da


Sociolinguística Interacional, formam um par adjacente. Os interagentes usam
expressões que fazem parte de sua cultura em comum, como “Eu vou indo”, o qual
possui um sentido específico dentro do diálogo para além do significado das
palavras em si. O mesmo acontece com a expressão “[...] correndo pegar meu lugar
no futuro”. Os sentidos das expressões destacadas se dão pela conversação, ao
passo que a interação acontece.

VOCÊ QUER LER?


Para estudar mais a fundo a Sociolinguística Interacional, leia o capítulo publicado no site da PUC-Rio,
intitulado “Pressupostos teóricos”, em que são apresentados pressupostos teóricos e práticos da análise
da conversação. O capítulo está disponível no link: <https://www.maxwell.vrac.puc-
rio.br/5503/5503_3.PDF (https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/5503/5503_3.PDF)>.

Em outra situação, ou não partilhando os falantes de uma mesma cultura, mesmo


que falem uma mesma língua, a conversação não se travaria de forma efetiva, visto
que as frases poderiam ser interpretadas em seu sentido literal, prejudicando a
comunicação. Assim, percebe-se que, por mais que o foco da Sociolinguística

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Interacional não seja idêntico ao da Sociolínguística Variacionista, ambas colocam o


aspecto social em papel de destaque, tornando-as parte dessa importante ciência
que é a Sociolinguística de maneira geral.

Síntese
Você concluiu seus estudos sobre o conceito e a história da Sociolinguística, focando
na interação entre a língua e as práticas sociais. Dessa forma, foi possível perceber o
que é a Sociolinguística, o histórico de seu surgimento e como o termo evoluiu ao
longo do século XX, relacionando essa evolução às interfaces estabelecidas entre os
estudos linguísticos e os variados aspectos da vida social.
Neste capítulo, você teve a oportunidade de:
aprender sobre a relação entre língua e sociedade, bem como sua ligação com
a Sociolinguística;
perceber as características dos processos de modificação das línguas (pidgin,
crioulo e língua franca);
compreender a origem e o histórico de evolução da Sociolinguística como
ciência autônoma e interdisciplinar;
reconhecer os principais autores e conceitos na evolução da Sociolinguística;
analisar as principais diferenças entre a Sociolinguística Variacionista e a
Sociolinguística Interacionista.

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