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cadernos técnicos

ISSN 2764-5576
ESA
A Revista Engenharia Sanitária e Ambiental,

engenharia
em conjunto com o Congresso Brasileiro de
Engenharia Sanitária e Ambiental, apresenta
mais uma edição dos Cadernos de Nota

sanitária e ambiental
Técnica ESA (CTESA), onde tem por objetivo
a publicação de contribuições técnicas e
científicas nas áreas de saneamento, e suas
interfaces. As contribuições são publicadas
após aprovação do conselho editorial formado Cadernos Técnico Eng Sanit Ambient | v.3 n.1 | 2023 | jan/mar
exclusivamente para este fim. Os artigos
publicados não refletem necessariamente a
opinião da Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária e Ambiental (ABES).

Diretor Responsável
Alceu Guérios Bittencourt

Editor Geral
André Bezerra dos Santos

Editor Geral Adjunto


Maurício Alves da Motta Sobrinho

Coordenação
Allan Rodrigues

Conselho Editorial Geral


André Bezerra dos Santos
Maurício Alves da Motta Sobrinho

Editores associados
André Bezerra dos Santos
Maurício Alves da Motta Sobrinho Créditos da imagem da capa: dreamstime.com/Antikainen
Rodrigo Moruzzi
Miguel Mansur Aisse

CORPO EDITORIAL PERMANENTE


Correspondência
Editor Geral: André Bezerra dos Santos, Universidade Federal do Ceará, Brasil
Avenida Beira Mar, 216, 13º andar
CEP: 20021-060 – Rio de Janeiro (RJ), Brasil Editor Geral Adjunto: Maurício Alves da Motta Sobrinho, Universidade Federal
Tel.: (21) 2277-3900 – E-mail: esa@abes-dn.org.br de Pernambuco, Brasil
Editor Coordenador: Allan Rodrigues, Abes, Brasil

EDITORES ASSOCIADOS:
André Luiz de Oliveira, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Davi Gasparini Fernandes Cunha, Universidade de São Paulo, Brasil
Eraldo Henriques de Carvalho, Universidade Federal de Goiás, Brasil
João Paulo Bassin, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Jorge M.G.P. Isidoro, Universidade do Algarve, Portugal
Lisete Celina Lange, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Lucas Meili, Universidade Federal de Alagoas, Brasil
Luciana Paulo Gomes, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil
Luciano Matos Queiroz, Universidade Federal da Bahia, Brasil
Luewton Lemos F. Agostinho, NHL Stenden University of Applied Sciences, Holanda
Luiza Girard Teixeira, Universidade Federal do Pará, Brasil
Marcelo Motta Veiga, Escola Nacional de Saúde Pública, Brasil
Maurício Alves da Motta Sobrinho, Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Pablo Heleno Sezerino, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Paulo Sérgio Scalize, Universidade Federal de Goiás, Brasil
Raul Muñoz, Universidad de Valladolid, Spain
PRODUÇÃO EDITORIAL
Rodrigo Moruzzi, Universidade Estadual Paulista, Brasil

ZEPPELINI
P U B L I S H E R S
Revista Engenharia Sanitária e Ambiental Fundada com o título Engenharia Sanitária
Estatuto em Vigor: Alteração de Estatuto referendado pela
em 1962 (vol.1, n.1, jun de 1962) com formato 18,0 x 26,0 cm, até o vol.12, n.3, quando
Assembleia Geral Extraordinária realizada no Rio de Janeiro foi adotado o formato A4. A partir do vol.28, abr./jun. de 1989, passou a chamar-se BIO,
(RJ) em 08 de julho de 2011. Essa nova versão do Estatuto
recebeu protocolo número 201108081358447 e foi averbada na com o formato 21,0 x 28,0 cm, sendo a Engenharia Sanitária transformada em encarte
matrícula número 1244 do Registro Civil de Pessoas Jurídicas do técnico da BIO. A partir de 1996, retorna a Engenharia Sanitária, desta feita incorporando
Rio de Janeiro em 25 de agosto de 2011.
a palavra Ambiental (Ano I, n.1, jan./mar. 1996).
DIRETORIA NACIONAL
Presidente: Alceu Guérios Bittencourt; Vice-Presidente: Mario Cezar Guerino; Secretário Geral: Marcel Costa
Sanches ; Secretário Adjunto: Rafael Carvalho de O. Santos; Tesoureiro Geral: Maria Lúcia B. Coelho Silva;
Tesoureiro Adjunto: Álvaro José Menezes da Costa; Diretor Sul: Edgard Faust Filho; Diretora Sudeste: Célia
Regina Alves Rennó; Diretor Centro-Oeste: Marcos Elano F. Montenegro; Diretora Nordeste: Vanessa Britto
Silveira Cardoso; Diretor Norte: Haroldo Costa Bezerra; Coordenador de Relações Internacionais: Carlos
Alberto Rosito; Coordenador do Programa Jovens Profissionais do Saneamento: Witan Silva.

CONSELHO FISCAL
Efetivos: Carlos Alberto Rosito (RJ); Edson Melo Filizzola (GO); Miguel Mansur Aisse (PR).
Suplentes: Carlos Roberto Soares Mingione (SP); Hélio Nazareno Padula Filho (SP); Reynaldo Eduardo Young
Ribeiro (SP)

CONSELHO DIRETOR
Membros Natos: Antônio César da Costa e Silva (SP), Antônio Marsiglia Netto (SP), Carlos Alberto Rosito (RJ),
Cassilda Teixeira de Carvalho (MG), Clovis Francisco do Nascimento Filho (RJ), Dante Ragazzi Pauli (SP), Hugo
de Mattos Santos (RJ), João Alberto Viol (SP), José Aurélio Boranga (SP), José Carlos Vieira (RJ), Lineu Rodrigues
Alonso (SP), Luiz
Otávio Mota Pereira (PA), Nelson Rodrigues Nucci (SP), Paulo Cezar Pinto (RJ), Roberval Tavares de Souza (SP)
e Walter Pinto Costa (RJ).

Diretoria da Seção Estadual Doralice Barros de Almeida (GO) Luiz Roberto Gravina Pladevall (SP)
Presidente: Marcio Gomes Barboza Jorge Ricardo Athayde Rocha (MA) Ricardo Crepaldi (SP) - Subseção
Vice-Presidente: Ana Catarina Pires de Flávia Mourão Parreira do Amaral (MG) Jorge Luiz Monteiro (SP) - Subseção
Azevedo Lopes Fernando Jorge C. Magalhães (MS) Olívia Pompeu de Mendonça Coelho (SP)
Secretário: José Roberto Valois Lobo Rosidelma Francisca Guimarães Santos (MT) - Subseção
Tesoureira: Luciana Eugênia Galvão Vanessa Souza Álvares de Mello (PA) Décio Dias Cesco (SP) - Subseção
Cavalcante José Dantas de Lima (PB) Orlando Antunes Cintra Filho (SP) -
Cristiano José da Silva (PE)
Subseção
Carlos Ernando da Silva (PI)
Presidentes das Seções Estaduais Selma Aparecida Cubas (PR)
(2021/2023) Miguel Alvarenga Fernández y Fernández (RJ) Núcleos Estaduais
Etianne Monteiro Braga (AM) Maria Wagna de Araújo Dantas (RN) Acre: Camilo Lélis de Gouveia
Suellen Galvão Moraes (CE) Ana Elizabeth Carara (RS) Amapá: Maurício Oliveira de Sousa
Sergio Antonio Gonçalves (DF) Carolina Ielda de Boni (RS) - Subseção Rondônia: Juracino Cézar de Oliveira
Sílvio Roberto Magalhães Orrico (BA) Isabel Cristina Pereira Alves (SE) Roraima: Samir de Castro Hatem
Nadja Lima Gorza (ES) Andréia May (SC) Tocantins: Sebastião Noleto Júnior
Sumário
Cadernos Técnico Eng Sanit Ambient • v.3 n.1 • 2023 • p. 1-96

CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL


BRAZILIAN CONGRESS OF SANITARY AND ENVIRONMENTAL ENGINEERING

1 Editorial
André Bezerra dos Santos, Maurício Alves da Motta Sobrinho, Miguel Mansur Aisse, Rodrigo Braga Moruzzi
3 Editorial
Alceu Bittencourt
5 Identificação de áreas propícias à instalação de sistemas de infiltração para a minimização de inundações e alagamentos
na bacia hidrográfica do rio Belém, Curitiba, Paraná
Identification of suitable areas for the installation of infiltration systems to minimize flooding in the Belém river hydrographic basin,
Curitiba, Paraná
Alessandro Bertolino, Carlos Mello Garcias, Stéphanie Louise Inácio Castro
13 Otimização de sistemas de aproveitamento de água pluvial para atendimento humano em áreas rurais
Optimization of rainwater harvesting systems for human supply in rural areas
Ana Caroline Bastos Lima de Souza, Juliana Farias Araújo, Anderson de Souza Matos Gadéa, Eduardo Cohim
21 Métodos alternativos de ensino e aprendizagem de sustentabilidade: idealização e modelagem de um jogo de realidade
virtual para o ensino do descarte correto de resíduos sólidos
Alternative methods for sustainability teaching and learning: virtual reality game idealization and modeling for teaching the correct
disposal of solid waste
Davi Breciani Demonier Avancini, Andromeda Goretti de Menezes Campos, Danieli Soares de Oliveira
31 Clarificador de fluxo ascendente em pedregulho com cinco camadas para tratamento de água bruta com presença de
algas: estudo piloto na estação de tratamento de água Castello Branco/PE
Ascending flow clarifier in pebbles with five layers for treatment of raw water with algae presence: pilot study at WTP Castello Branco/PE
Joana Eliza de Santana, Romero Correia Freire, Júlia Rodrigues Neves, Olga Carolina Amaral Santos, Fábio Henrique Portella Correa
de Oliveira
39 Projeto básico de estação de tratamento de água para reúso de efluente da lavagem de veículos em lava-rápido
Basic design of water treatment station for reuse of vehicle washing effluent in car wash
João Lucas Melo de Oliveira, Andressa Duarte Gil, Antonio Mardonis Silva Santos, Thaynara Ribeiro Felismino, Alexandre Saron
49 Impactos da implantação de fossas sépticas biodigestoras em comunidades rurais
Impacts of the implementation of biodigester septic tank in rural communities
Marina Schulz de Cristo, Juscelino Alves Henriques, Darlan Clayton de Carvalho
59 Análise dos potenciais benefícios socioambientais na coleta seletiva ponto a ponto em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil
Analysis of the potential social and environmental benefits of green points selective collection in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Manuella Faustina de Castro Pimenta, Arthur Couto Neves, Daniel Brianezi, Gisele Vidal Vimieiro
67 Aplicação da tecnologia do lodo granular aeróbio para reúso não potável de água residuária
Application of aerobic granular sludge technology for non-potable water reuse
Amanda Nascimento de Barros, Sílvio Luiz de Sousa Rollemberg, Paulo Igor Milen Firmino, Tasso Jorge Tavares Ferreira,
André Bezerra dos Santos
75 Proposta de gerenciamento de resíduos de desastres: caso das chuvas intensas no Espírito Santo (Brasil), 2020
Disaster waste management proposal: case of heavy rains in Espírito Santo (Brazil), 2020
Jacqueline Rogéria Bringhenti, Maria Rosa Rodrigues, Dejanyne Paiva Zamprogno, Wanda Maria Risso Günther
87 Análise hidráulica da rede de abastecimento de água de um município de médio porte, Crateús, Ceará, Brasil
Hydraulic analysis of the water supply network of a medium-sized municipality, Crateús, Ceará, Brazil
Thamires Ximenes Cavalcante, Alan Michell Barros Alexandre, Tatiane Lima Batista
https://doi.org/10.5327/276455760301EDT1

Editorial

No ano de 2021, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) criou o periódico nacional
intitulado Cadernos Técnicos de Engenharia Sanitária e Ambiental (CTESA). Os CTESA publicam edições trimestrais
na forma de notas técnicas, com submissões por chamadas, abertas ou fechadas, e volumes especiais de eventos cien-
tíficos. Em outras palavras, são lançadas, nas comunidades técnica e científica, chamadas específicas para submissão
de contribuições em áreas do conhecimento consideradas importantes e não exploradas em volumes recentes. Outras
edições são provenientes da seleção dos melhores trabalhos submetidos a eventos científicos, previamente acordados
com os editores da revista, sempre quando há disponibilidade orçamentária para o processo de editoração.
Nesse sentido, o 31º Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental (CBESA31), ocorrido em 2021 em
Curitiba, Paraná, trouxe uma inovação no quesito premiação de trabalhos técnico-científicos, com a publicação dos
melhores trabalhos técnicos nos CTESA. A qualificação prévia dos trabalhos ocorreu com apoio de centenas de pare-
ceristas cadastrados na ABES, em seus vários temas, no período que antecedeu o evento.
Por meio da seleção dos melhores trabalhos, os autores foram consultados sobre o interesse na publicação. Assim,
os artigos em versão mais completa passaram por uma nova fase de avaliação, readequação às normas da revista, pu-
blicação em periódico científico e verificação de atingimento aos requisitos de qualidade dos CTESA.
Buscou-se, dessa forma, o resgate do estímulo à publicação em eventos nacionais e internacionais, de maneira a
valorizar cada vez mais a participação dos membros das comunidades técnica e científica e divulgação dos resultados
de seus trabalhos.
Espera-se que esta primeira coletânea seja a primeira de muitas outras que surgirão nos anos subsequentes e
que resultem em citações que melhorem cada vez mais a classificação dos CTESA nas bases de avaliação nacional e
internacional.
Por fim, destaca-se o apoio da Diretoria Nacional da ABES, quanto ao apoio financeiro e institucional para a con-
cretização deste projeto.

André Bezerra dos Santos (Universidade Federal do Ceará)


Editor-Chefe dos CTESA

Maurício Alves da Motta Sobrinho (Universidade Federal de Pernambuco)


Editor-chefe adjunto dos CTESA

Miguel Mansur Aisse (Universidade Federal do Paraná)


Presidente do CBESA31

Rodrigo Braga Moruzzi (Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”)


Membro da comissão de avaliação

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 1 1


https://doi.org/10.5327/276455760301EDT2

Editorial

A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) tem tradição na divulgação técnica e cien-
tífica, desempenhando essa missão desde suas origens. A Revista Engenharia Sanitária e Ambiental (ESA) e a Revista
Brasileira de Ciências Ambientais (RBCIAMB) são veículos importantes de disseminação de conhecimento da comu-
nidade acadêmica brasileira de saneamento e meio ambiente que a ABES se orgulha de manter.
Quando decidiu em 2021 criar os Cadernos Técnicos de Engenharia Sanitária e Ambiental (CTESA), a Diretoria
da ABES procurou ampliar não somente o número de instrumentos de divulgação, como também sua abrangência
nas comunidades técnica e científica. Os CTESA buscam aumentar as possibilidades de publicação e incorporar áreas
importantes de divulgação tecnológica do desenvolvimento do setor.
Na agenda de atuação da ABES, os Congressos Brasileiros de Engenharia Sanitária e Ambiental (CBESA) são o mais
importante evento de encontro da comunidade técnica do saneamento e meio ambiente do país, constituindo-se no foro
por excelência de discussão dos rumos do setor. É também um relevante evento de divulgação técnico-científica. Daí
foi natural a proposição de dedicar edições especiais dos CTESA à publicação dos melhores trabalhos técnicos subme-
tidos. É com satisfação que apresentamos esta primeira edição, com os melhores trabalhos do 31º CBESA, realizado em
Curitiba (PR), em outubro de 2021.

Alceu Bittencourt
Presidente Nacional da ABES

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 3 3


https://doi.org/10.5327/276455760301001

Artigo Científico

Identificação de áreas propícias à instalação


de sistemas de infiltração para a minimização de
inundações e alagamentos na bacia hidrográfica
do rio Belém, Curitiba, Paraná
Identification of suitable areas for the installation of infiltration systems to
minimize flooding in the Belém river hydrographic basin, Curitiba, Paraná

Alessandro Bertolino1* , Carlos Mello Garcias1 , Stéphanie Louise Inácio Castro1

RESUMO ABSTRACT
A aplicação de sistemas de infiltração como medidas não convencionais de Applying infiltration systems as unconventional drainage measures
drenagem depende de diversos aspectos, entre eles as características físicas depends on several aspects, including the physical characteristics of
do local de instalação, que podem ser valoradas e comparadas. Essa análise the installation site, which can be evaluated and compared. This analysis
contribui no planejamento, para que o dimensionamento e instalação dos contributes to the system outline, so that the design and installation of
sistemas de infiltração sejam feitos para locais que apresentem condições de infiltration systems are planned for locations suitable for receiving them.
recebê-los. O objetivo deste estudo foi identificar áreas propícias à instalação de The objective of this study was to identify suitable areas for the installation
sistemas de infiltração para a minimização de alagamentos na bacia hidrográfica of infiltration systems to minimize flooding in the Belém river basin, in the
do rio Belém, no município de Curitiba, Paraná. Para cumprir esse objetivo, city of Curitiba, Paraná, Brazil. To fulfill this objective, the free areas of the
identificaram-se as áreas livres na bacia hidrográfica que pudessem receber watershed that could receive such infiltration structures were identified,
tais estruturas de infiltração, levantaram-se as características que influenciam the characteristics that influence water infiltration were identified and
na infiltração das águas e aplicaram-se técnicas de geoprocessamento, com o geoprocessing techniques were applied, with the ArcGis 10.5 software, to
auxílio do software ArcGis 10.5, para a determinação de áreas propícias para a determine areas for installation of the systems. With the application of
instalação dos sistemas. Com a aplicação do método, pode-se observar que as the method, it can be observed that the main areas for application of
principais áreas para aplicação de sistemas de infiltração das águas de chuva rainwater infiltration systems are in the northern part of the Belém river
ficam na porção norte da bacia hidrográfica do rio Belém. Essa região foi basin. This region was considered the most favorable mainly due to the
considerada a mais propícia principalmente pela presença de solo e subsolo presence of soil and subsoil with greater permeability than other areas
com maior permeabilidade do que outras áreas da bacia estudada. Também of the studied basin. It was also observed that the implantation in other
se percebeu que a implantação em outras áreas, por exemplo, nas regiões areas, for example, in the regions closer to the river mouth, would not be
mais próximas da foz, não teria tanta efetividade para o estímulo da infiltração, as effective in stimulating infiltration, mainly due to soil conditions and
principalmente em razão das condições do solo e declividade. Conclui-se que slope. It is concluded that the effectiveness of infiltration systems can
a efetividade de sistemas de infiltração pode ser maximizada com a adequada be maximized with the appropriate choice of location for implantation,
escolha do local de implantação, levando em conta as características locais. taking into account local characteristics.

Palavras-chave: infiltração de água; controle de alagamentos; Keywords: water infiltration; flood control; geoprocessing;
geoprocessamento; drenagem sustentável. sustainable drainage.

1
Pontifícia Universidade Católica do Paraná – Curitiba (PR), Brasil.
*Endereço para correspondência: Rua Imaculada Conceição, 1.155, Prado Velho. Curitiba, PR. CEP: 80215-901. e-mail: alessandro.bertolino@pucpr.br

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 5-12 5


Bertolino, A.; Garcias, C.M. & Castro S.L.I.

1 INTRODUÇÃO princípio a infiltração são a condutividade hidráulica do


Atualmente, além do rápido escoamento das águas plu- solo e subsolo, a profundidade do lençol freático, a erodi-
viais, os sistemas de drenagem podem cumprir funções bilidade do solo e a declividade do terreno (SCHUELER,
de detenção, redução, infiltração e melhoria da qualidade 1987; AZZOUT et al., 1994; SUDERHSA, 2002; BAPTISTA,
das águas de escoamento superficial. A abordagem mais NASCIMENTO e BARRAUD, 2005; MORIHAMA et al.,
recente da drenagem urbana considera que são necessá- 2012; PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2012; YAZAKI,
rias integração e adaptação para melhorar a flexibilidade MONTENEGRO e COSTA, 2018).
e a agilidade para lidar com os eventos imprevistos e as A abordagem dos estudos sobre drenagem sustentável
mudanças climáticas, ao mesmo tempo oferecendo bene- tem passado por alterações na última década, passando de
fícios multifuncionais (ROGERS et al., 2020). A aplicação uma ampla gama de considerações ambientais, sanitárias,
dessas medidas de drenagem, chamadas de alternativas ou sociais e econômicas para uma abordagem mais focada
sustentáveis, depende de diversos aspectos, entre eles as na aplicação (MENG, 2022). A proposta deste trabalho
características físicas do local de instalação, que podem encaixa-se nessa perspectiva de mudança, pois vai além da
ser valoradas e comparadas. discussão de benefícios para apresentar proposta prática
As técnicas alternativas de drenagem podem ser divi- que auxilia na efetiva aplicação das técnicas já conhecidas.
didas por tipos de controles do escoamento, quais sejam: O objetivo geral deste trabalho foi identificar áreas
o controle localizado na fonte, relativo à instalação de propícias à instalação de sistemas de infiltração para a
pequenas estruturas, as quais são de responsabilidade do minimização de alagamentos na bacia hidrográfica do
proprietário da área, como poços e valas de infiltração ou rio Belém, no município de Curitiba, Paraná. Para isso,
coberturas verdes; o controle linear, associado a instala- identificaram-se as áreas livres na bacia hidrográfica que
ções contínuas, quando as áreas são maiores e podem ser pudessem receber tais estruturas de infiltração, realizou-
instalados sistemas como pavimentos permeáveis e trin- -se o mapeamento das características que influem na
cheiras de infiltração; e controle centralizado, relacionado infiltração das águas e aplicaram-se técnicas de geopro-
a instalações de grande porte localizadas em áreas aber- cessamento para a determinação de áreas propícias para
tas, como bacias de retenção (GARRIDO NETO, 2012). a instalação dos sistemas.
As técnicas são empregadas de forma combinada e/
ou distribuída pela extensão da área de projeto, sendo 2 METODOLOGIA
este implantado em um lote ou na extensão de uma bacia A aplicação foi realizada na bacia hidrográfica do rio
hidrográfica, como forma de potencializar a infiltração ou Belém, localizada no município de Curitiba, que possui
o escoamento da água. As técnicas de controle localiza- ocorrências de alagamentos. Essa bacia cobre uma área de
das na fonte e linear são obras consideradas simples, em aproximadamente 60% da capital paranaense e seu canal
áreas onde se deseja reduzir a velocidade, reter sólidos e principal nasce e tem sua foz dentro dos limites do muni-
remover os poluentes da forma mais harmoniosa possível cípio. Além disso, 40% da população curitibana reside
com a área urbanizada. nessa bacia hidrográfica.
Considera-se que cada local de uma cidade tem caracte- Para a realização do estudo, foi proposto um mapea-
rísticas físicas únicas, as quais podem definir as oportuni- mento que relacionou as características presentes na área
dades para o controle de inundações e alagamentos. Assim, de estudo com as características favoráveis à implantação
devem-se avaliar as oportunidades e restrições referentes de medidas alternativas de drenagem. Cada requisito para
aos atributos dos locais para a implantação de medidas a implantação das medidas foi avaliado e, posteriormente,
alternativas de drenagem (BENZERRA et al., 2012). As foram reunidas bases cartográficas que pudessem ser uti-
principais características físicas que influem na escolha lizadas para mapeamento em uma plataforma de Sistema
do local onde se deseja aplicar técnicas que tenham por de Informação Geográfica, no caso o software ArcGIS

6 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 5-12


Identificação de Áreas para Sistemas de Infiltração

10.5. Os mapas foram gerados com dados disponibilizados = aptidão local. Considerando-se as pontuações definidas,
pelos Departamentos de Geoprocessamento do Instituto há cinco possíveis resultados de aptidão para qualquer
de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC, pixel: não aptidão (0), muito baixa (1), baixa (2), média
2013) e do Instituto das Águas do Paraná (2013), com (4), alta (8) e muito alta (16).
escala aproximada de 1/10.000, exceto os dados pedoló-
gicos, em escala 1/50.000. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com os mapas base, obtiveram-se dados vetoriais para Tomando o método descrito no capítulo anterior, foram
condutividade hidráulica do solo e subsolo, profundidade criados mapas referentes a cada característica descrita e
do lençol freático, erodibilidade do solo e declividade do foram atribuídos valores para cada pixel com base na pon-
terreno no recorte da bacia hidrográfica estudada. Os tuação elaborada.
dados em base vetorial foram transformados em formato A condutividade hidráulica é mais alta quando o solo ou o
matricial, com tamanho de pixel de 2 m. Com os dados subsolo permite que um fluido percole rapidamente. Assim,
matriciais, pode-se realizar a sobreposição, para que os quanto maior a condutividade hidráulica, melhor se adap-
dados em cada pixel sejam cruzados com os pixels que tam os sistemas de infiltração (OLIVEIRA, GONÇALVES e
estão na mesma coordenada em outra base cartográfica. MARTINS, 2010; TOMAZ, 2010; GONÇALVES e LIBARDI,
Para a análise, foi definido um sistema de pontuação 2013; GONÇALVES et al., 2015). Pode-se observar na
das características, no qual os valores mais altos repre- Figura 1 que os solos presentes na porção norte da bacia
sentam maior aptidão em receber as técnicas e um valor hidrográfica apresentam alto e médio grau de conduti-
nulo representa a inaptidão do local, conforme a Tabela 1. vidade hidráulica. Já na região sul da bacia, observa-se a
Em seguida, foi utilizada uma ferramenta de álgebra predominância de solos de média e baixa condutividade.
de mapas do ArcGis 10.5 para a confecção do mapa final. A profundidade do lençol freático determina a infil-
Assim, os valores que representavam as características tração da água no solo, pois o lençol próximo à superfície
de cada pixel na imagem matricial foram multiplicados, reduz a condutividade hidráulica. Também existem riscos
criando-se o mapa de aptidão para o recebimento das tec- de contaminação de águas subterrâneas, por isso a reco-
nologias estudadas. mendação é que o lençol esteja a no mínimo 0,6 m de pro-
A multiplicação foi escolhida pelo fato de alguns requi- fundidade (PRINCE GEORGE’S COUNTY, 2007). Dessa
sitos técnicos da aplicação das medidas de baixo impacto forma, quanto mais profundo o lençol freático, melhor
serem restritivos. Na região em que o requisito não atende a viabilidade de implantação de sistemas de infiltração.
à condicionante local, ele não é apto para receber as medi- Praticamente toda a bacia hidrográfica apresenta profun-
das, ou seja, o valor zero (não atende aos requisitos) anula o didades acima de 1,2 m, acima do mínimo para que a pos-
resultado, satisfazendo a condição de não aptidão do local. sibilidade de contaminação seja minimizada (Figura 2).
Desse modo, as células de cada mapa foram multipli- Declividades acima de 5% não são adequadas para sis-
cadas entre si: condutividade hidráulica do solo × condu- temas de infiltração, pois propiciam mais o escoamento
tividade hidráulica do subsolo × profundidade do lençol superficial do que a infiltração. Para se evitar o empo-
freático × erodibilidade do solo × declividade do terreno çamento, recomenda-se declividade de pelo menos 1%

Tabela 1 – Pontuação das características para a reclassificação dos dados matriciais.


Condutividade hidráulica Condutividade hidráulica Profundidade do
REQUISITO Declividade Erodibilidade
do solo do subsolo lençol freático
Baixa (0) Baixa (0) Abaixo de 1% (1) Abaixo de 0,6 metros (0) Alta (0)
Valores Atribuídos Média (1) Média (1) Entre 1 e 5% (2) Média (1)
Acima de 0,6 metros (1)
Alta (2) Alta (2) Acima de 5% (0) Baixa (2)

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 5-12 7


Bertolino, A.; Garcias, C.M. & Castro S.L.I.

A B

Figura 1 – Faixas de condutividade hidráulica (A) do solo e (B) subsolo na bacia hidrográfica do rio Belém.

(SCHUELER, 1987; PRINCE GEORGE’S COUNTY, 2007).


As maiores declividades na bacia estudada (Figura 3A)
encontram-se principalmente próximas ao divisor de
águas. As declividades são determinantes na velocidade
do escoamento superficial. Verifica-se que ao sul da bacia
se encontram as áreas com menores declividades.
A erodibilidade do solo representa o potencial do
solo para ser carreado e deve ser considerada para evitar
que o sistema de infiltração perca solo. Alguns solos com
características argilosas ou com muitos sedimentos finos
podem se desestruturar na presença da água, perdendo
sua capacidade de suporte e suas propriedades hidráuli-
cas. Dessa maneira, esses solos não são adequados para
suportar dispositivos de infiltração (TOMAZ, 2007). Na
bacia estudada, os maiores valores de erodibilidade estão
às margens do talvegue principal, na porção inferior da
bacia (Figura 3B).
Com base na metodologia criada, os mapas foram
sobrepostos, utilizando a multiplicação entre os valores
pontuados para cada restrição local. Mais uma vez, des-
Figura 2 – Profundidade do lençol freático na bacia hidrográfica
do rio Belém. taca-se que foram consideradas para este estudo somente

8 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 5-12


Identificação de Áreas para Sistemas de Infiltração

A B

Figura 3 – (A) Declividade e (B) erodibilidade do solo na bacia hidrográfica do rio Belém.

as áreas livres da bacia hidrográfica. O resultado pode região ser considerado de baixa permeabilidade. Parte
ser observado na Figura 4, em que estão destacadas as do trecho norte e parte da porção leste da bacia hidro-
áreas com algum grau de aptidão para a instalação de gráfica do rio Belém apresentam melhores condições de
sistemas de infiltração. abrigar as medidas de infiltração, já que o fator determi-
O solo, em locais próximos ao exultório da bacia, adquire nante para o resultado foi a condutividade hidráulica do
uma característica hidromórfica pelo fato de as baixas solo e do subsolo.
declividades contribuírem para a deposição do material Nas regiões com média aptidão, existe a possibilidade
carreado desde os pontos mais altos da bacia. Como esse de implantação das medidas abordadas, porém são neces-
solo possui baixa permeabilidade, graças a sua saturação sárias obras complementares que facilitem a infiltração
de água, a infiltração é dificultada. Isso é apresentado por das águas no solo, como a instalação de drenos subterrâ-
Cardoso et al. (2015) e Nunes e Rosa (2020), que comentam neos, conforme recomendações da literatura (YAZAKI,
que a infiltração fica comprometida em áreas de várzea. MONTENEGRO e COSTA, 2018). Com essas obras,
Visto que nessas áreas, pela baixa declividade, a água verifica-se a necessidade da realização de maiores modi-
não consegue escoar com tanta facilidade, constata-se ficações no meio, aumentando o impacto causado pela
que justamente nessas regiões se concentram os locais implantação das medidas.
com maior possibilidade de ocorrência de inundações e As regiões de baixa aptidão localizam-se principal-
alagamentos. Essa situação é semelhante à discutida por mente no extremo norte da bacia hidrográfica e na por-
Cardoso et al. (2015). Junta-se a isso o fato de o solo da ção oeste, em razão da baixa permeabilidade do solo e da

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Bertolino, A.; Garcias, C.M. & Castro S.L.I.

Assim, a baixa ou nula aptidão das referidas áreas não


inviabiliza a implantação dos sistemas estudados na bacia
hidrográfica como um todo.
É possível pensar a bacia hidrográfica como a soma
de suas sub-bacias. Assim, toda a água que passa pelo
exultório da bacia principal também é a soma das águas
de cada um dos tributários. Assim, como Rodrigues
(2020) afirma em seu estudo, ao se amenizar o pico de
vazão nas sub-bacias, também se controla o volume de
água que chega até a região sul da bacia, local com maior
concentração de áreas suscetíveis às inundações. Assim,
justifica-se o uso de medidas de infiltração para, inicial-
mente, conter os alagamentos, mas de maneira geral,
minimizar inundações.

4 CONCLUSÕES
Um dos meios de minimizar as inundações e alagamen-
tos é a utilização de sistemas de infiltração. Essas medi-
das dependem de fatores físicos. Grande parte da área
estudada, a bacia hidrográfica do rio Belém, em Curitiba,
Paraná, possui densa ocupação urbana, a qual implica
áreas impermeabilizadas que aumentam o escoamento
superficial das águas e, consequentemente, alteram o ciclo
hidrológico. Em contrapartida, são necessárias áreas que
Figura 4 – Representação das faixas de aptidão em receber favoreçam a infiltração no solo, a fim de reestabelecer, em
sistemas de infiltração na Bacia Hidrográfica do Rio Belém.
parte, o sistema natural.
O fator determinante para a implantação das técnicas
presença de solos com média a alta erodibilidade. As áreas que visam à infiltração é a condutividade hidráulica dos
sem aptidão são aquelas em que alguma das características solos e dos subsolos. Na maior parte da bacia hidrográ-
teve pontuação nula, zerando o resultado da multiplica- fica estudada, o solo não é favorável ao recebimento dessas
ção. Novamente, o fator que mais contribuiu para a clas- técnicas, haja vista sua média ou baixa permeabilidade.
sificação foi a condutividade hidráulica do solo e subsolo. Podem ser utilizadas técnicas que facilitam o fluxo verti-
Ressalta-se que as medidas de infiltração não precisam cal das águas, como a utilização de drenos nessas regiões,
ser implantadas próximo ao curso principal dos rios, uma principalmente nas áreas em que o solo apresenta média
vez que essa técnica objetiva o retardo do escoamento permeabilidade.
superficial das águas precipitadas antes que estas atinjam os As técnicas de infiltração teriam maior efetividade se
cursos d’água. Essa afirmação é corroborada por Seraphim implantadas em locais com baixa declividade, porém não
e Bezerra (2019), que afirmam que a recarga dos aquíferos totalmente planos, pois ali a água já estaria concentrada,
é facilitada em locais de maior altitude. Além disso, ao se necessitando somente do estímulo à infiltração.
estudarem as medidas, observa-se que estas não devem A profundidade do lençol freático é determinante na
ser implantadas a jusante da bacia, pois o volume de água minimização do risco de contaminação das águas subter-
escoada passa a ser maior, sobrecarregando os sistemas. râneas. Assim, quanto mais profundo o lençol, mais apto

10 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 5-12


Identificação de Áreas para Sistemas de Infiltração

o local está para receber as técnicas de infiltração, já que melhores condições de abrigar as medidas estudadas e
estas servem também como retentoras de cargas poluidoras que sua implantação em outras áreas, por exemplo nas
advindas da lavagem da superfície. A profundidade ideal proximidades da foz, teria pouca efetividade para o estí-
para a aplicação das medidas estudadas é observada em mulo da infiltração.
praticamente toda a bacia hidrográfica, o que permite, de A escolha de local adequado e propício para a instala-
modo geral, sua implantação. ção de sistemas de infiltração permite a maximização de
Considerando-se o conjunto das análises realizadas seu desempenho, evitando o investimento em estruturas
e a geração do mapa de aptidão, verificou-se que o tre- que podem não ter total eficiência pelas características
cho norte da bacia hidrográfica do rio Belém apresenta físicas do local de implantação.

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© 2023 Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301002

Artigo Científico

Otimização de sistemas de aproveitamento de água


pluvial para atendimento humano em áreas rurais
Optimization of rainwater harvesting systems for human supply in rural areas

Ana Caroline Bastos Lima de Souza1 , Juliana Farias Araújo1 ,


Anderson de Souza Matos Gadéa1 , Eduardo Cohim1

RESUMO ABSTRACT
A precariedade do acesso à água de qualidade em comunidades rurais The precariousness of access to quality water in diffuse rural communities
difusas da região semiárida brasileira torna fundamental o incentivo ao in the Brazilian semi-arid region makes it essential to encourage the use
uso de técnicas de aproveitamento de água pluvial. Durante muitos anos, of rainwater harvesting techniques. For many years, the implementation
a implantação de sistemas de captação de água de chuva contribuiu para of rainwater harvesting systems contributed to meet the needs of
suprir as necessidades dos habitantes, entretanto a padronização do volume its inhabitants, however, the standardization of the storage volume
de armazenamento comprometeu a eficiência de atendimento da demanda. compromised the efficiency of meeting the demand. Taking into account
Levando em consideração a importância de um dimensionamento the importance of adequate sizing, this work presents a method for
adequado, este trabalho apresenta um método de otimização de sistemas optimizing rainwater harvesting systems for domestic purposes in rural
de aproveitamento de água pluvial para fins domésticos em áreas rurais, areas, in addition to a simplified resource for calculating the ideal catchment
além de um recurso simplificado de cálculo da área de captação e do area and storage volume using two equations. The procedure consisted
volume ideal com base em duas equações. O procedimento consistiu of determining the average values ​​of Demand Fraction (DF) and Reserve
na determinação de valores médios de fração de demanda (FD) e fração Fraction (RF), capable of providing the most economical combination of
de reservação (FD), capazes de fornecer a combinação mais econômica catchment area and storage volume, also meeting a water demand with
de área de captação e volume de reservatório, atendendo, ainda, a uma at least 95% efficiency. Then, it was noticed the existence of a strong
demanda hídrica com pelo menos 95% de eficiência. Em seguida, notou-se positive relationship between the daily demand and the variables optimal
a existência de forte relação positiva entre a demanda diária e as variáveis area and volume, which allowed the estimation of these values through
​​
área e volume ótimos, o que proporcionou a estimativa desses valores por linear equations that depend only on the demand. Both sizing techniques
meio de equações lineares que dependem apenas da demanda. Ambas provide optimal values ​​and stand out for their ease of use.
as técnicas de dimensionamento fornecem valores ótimos e destacam-se
Keywords: rainwater harvesting system; optimization; rural areas; human
pela facilidade de utilização.
water supply.
Palavras-chave: captação e armazenamento de água de chuva;
otimização; áreas rurais; abastecimento humano.

1. INTRODUÇÃO elevada extensão territorial e diversidade climática, algu-


O Brasil está entre os países de maior reserva de água mas regiões enfrentam graves problemas de escassez de
doce do mundo, com disponibilidade hídrica per capita água, especialmente o semiárido nordestino.
variando de 1.835 m³/hab./ano, na bacia hidrográfica do Com precipitação média anual igual ou inferior a
Atlântico Leste, a 628.938 m³/hab./ano, na bacia Amazônica 800 mm, a região semiárida é marcada por chuvas con-
(FREITAS e SANTOS, 1999). No entanto, em razão da sua centradas em poucos meses do ano e distribuídas de forma

1
Universidade Estadual de Feira de Santana – Novo Horizonte (BA), Brasil.
*Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Rua Calamar, 340, Conceição I. Feira de Santana, BA. CEP: 44065-706. e-mail: anacarolinebxstos@gmail.com

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 13-19 13


Souza, A.C.B.L. et al.

irregular ao longo do seu território. Além disso, as altas seria deslocado em consequência do uso da água de chuva
temperaturas levam a um índice de evaporação de cerca de (SEMAAN et al., 2020). Entretanto, esse procedimento não é
3.000 mm por ano, provocando um déficit hídrico desa- apropriado para a população que não tem acesso às redes de
fiador para os seus 27 milhões de habitantes (IBGE, 2017; abastecimento de água, o que no estado da Bahia corresponde
ASA, 2021). Esse quadro torna-se ainda mais preocupante a 46% da população rural (SNIS, 2018). Assim, uma análise
em função da concentração de solutos nas fontes hídri- que relacione a eficiência de atendimento à demanda com um
cas superficiais e subterrâneas, comprometendo a quali- sistema ótimo seria mais recomendada para as regiões semiá-
dade das águas disponíveis e limitando usos considerados ridas que não são atendidas pelas redes de abastecimento.
nobres (BRITO, SILVA e PORTO, 2007). Nesse sentido, Desse modo, trabalhos que proponham metodologias
alternativas para o convívio com o semiárido ganham de dimensionamento otimizado de sistemas de aproveita-
importância, como o aproveitamento de água da chuva. mento de água pluvial para fins domésticos em áreas rurais
A utilização de reservatórios para armazenar água em têm um apelo técnico e científico relevante, possibilitando
tempos chuvosos é bastante antiga e ganhou destaque no o maior retorno econômico e social para os investimentos
Brasil com o programa Um Milhão de Cisternas Rurais na infraestrutura hídrica da região.
(P1MC), que, desde o seu início em 2003, proporcionou a Neste trabalho, demonstra-se a aplicação de uma técnica
construção de mais de 620 mil cisternas de placa nas áreas de otimização do dimensionamento de SAAC, com base
rurais da região semiárida (ASA, 2021). Cada cisterna tem em um estudo de caso feito para a cidade de Ibotirama-BA.
capacidade para armazenar 16 m³ de água, no entanto Inserido na zona do Polígono das Secas, o município está
estudos demonstram tendência à diminuição da eficiência sujeito a longos períodos de estiagem, tornando essencial a
dos sistemas quando se padroniza o volume do reserva- implantação de tecnologias sociais para o aproveitamento
tório e/ou área de captação, visto que não se consideram da água de chuva (BRASIL, 2010).
o regime pluviométrico local, o número de usuários e a
área de captação disponível (GHISI, 2010; CAMPISANO 2. METODOLOGIA
e MODICA, 2012; ANDRADE NETO, 2013; ARAUJO e A metodologia proposta norteia-se pela técnica de otimi-
COHIM, 2016; COHIM SILVA e ORRICO, 2015). zação econômica de sistemas de captação de água de chuva
Grandes reservatórios reduzem a probabilidade de falhas apresentada por Giffoni e Cohim Silva (2019), que deter-
no abastecimento durante períodos de estiagem, no entanto mina a combinação de menor custo entre diferentes arran-
podem criar, na maior parte do tempo, um volume ocioso jos de área de captação e volume de reservatório capazes de
significativo, tornando-se excessivamente caros. O subdimen- atender a determinada demanda. Neste caso, o dimensiona-
sionamento, por sua vez, resulta em reservatórios de custos mento do reservatório é realizado por meio de um modelo
reduzidos, porém mais propensos a falhas no atendimento à comportamental com balanço hídrico de intervalo diário
demanda. Tendo em vista que, em um sistema de aproveita- (FEWKES, 2000), constituído pelas Equações 1, 2 e 3.
mento de água de chuva (SAAC), o reservatório é normalmente
o componente mais custoso (CAMPISANO e MODICA, 2012; Q(t) = P(t) · A · C  (1)
SEVERIS et al., 2019), a determinação do volume de armaze-
namento deve ser feita de forma criteriosa, buscando-se uma (2)

solução que promova maior economia e eficiência.
Algumas pesquisas têm se voltado ao desenvolvimento (3)
de técnicas de otimização de sistemas de captação e arma- 
zenamento de água de chuva. Entre as variáveis otimizadas, Em que:
o custo aparece com maior frequência, e a abordagem mais Q(t) = quantidade de água, em litros, que flui para o reser-
comum avalia o custo de água do tratamento centralizado que vatório no intervalo de tempo t (dia);

14 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 13-19


Otimização do aproveitamento de água pluvial em áreas rurais

P(t) = precipitação nesse mesmo período (mm); Diante da variedade de parâmetros utilizados nesse
A = área de captação (m²); método, julgou-se necessário normalizar essas combinações
C = coeficiente de escoamento superficial (Runoff), que de valores por meio de fatores adimensionais. Para isso,
neste caso equivale a 0,8. utilizou-se a ideia proposta por Fewkes (2000) e calcula-
ram-se a fração de demanda (FD) e a fração de reservação
O coeficiente adimensional θ, presente nas Equações (FR), parâmetros estes obtidos conforme as Equações 4 e 5.
2 e 3, varia de 0 a 1. Adota-se θ = 0 quando a demanda
D
diária é totalmente consumida antes que o escoamento FD = (4)
A·P
de água de chuva no intervalo de tempo seja adicionado
ao tanque, e θ = 1 quando o consumo é feito posterior-
V
mente. Foi utilizado θ = 0,5 com o intuito de abordar uma FR = (5)
A·P
situação intermediária. Quanto às outras variáveis, todas
estão expressas em litros: D(t) refere-se à demanda diária Em que:
total no período t; Y(t) é o volume de água utilizado para D = demanda anual (L);
suprir a demanda naquele período; V(t) é o volume arma- V = volume do reservatório (L);
zenado no reservatório no mesmo período; e R é a capa- A = área de captação (m²);
cidade do reservatório. P = precipitação média anual (mm).
Utilizou-se uma série diária de precipitação com
33 anos de observações, com dados disponíveis no Portal A concepção do SAAC baseou-se na cartilha publi-
HidroWeb, da Agência Nacional de Águas e Saneamento cada pelo Centro de Desenvolvimento Agroecológico
Básico (ANA), e no Banco de Dados de Recursos Hídricos Sabiá (SANTOS, MEDEIROS e ANGOLA, 2013), em que
(BDRH), do Instituto do Meio Ambiente e Recursos se utiliza como tecnologia de aproveitamento de água de
Hídricos da Bahia (Inema). chuva a chamada “Cisterna Telhadão”. Nesse sistema, a
Foi considerado o total de quatro moradores por resi- estrutura de captação de água é um telhado em forma de
dência, com base em cálculos feitos para o contexto rural galpão, que possibilita às famílias a utilização do espaço
baiano, conforme o Censo Demográfico de 2010 (IBGE, para outros fins, como estocagem de alimentos, armaze-
2010). A fim de representar cenários com baixo e alto con- namento de ferramentas e criação de animais. Foi consi-
sumo de água, foram simuladas demandas per capita diárias derado um telhado constituído por telhas de fibrocimento
de: 15, 30, 45, 60, 75 e 90 L. Com relação à área de captação, apoiadas em estrutura de madeira e pilares de alvenaria.
adotou-se o valor inicial de 20 m², que sofria acréscimos A água de chuva é encaminhada por meio de calhas e
de 5 m² até que determinada eficiência de atendimento tubos para uma cisterna de placas de concreto, onde se
fosse atingida. Como este estudo buscou retratar o cená- prevê a instalação de uma bomba de repuxo manual para
rio em que a água de chuva era a única fonte de abasteci- a retirada de água pelos usuários.
mento, adotou-se 95% como valor mínimo de eficiência, Os custos das partes de captação e de armazenamento
o qual representa o percentual da demanda no período foram estimados por meio do banco de dados do Sistema
simulado que poderia ser atendido com água de chuva. Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção
O procedimento de dimensionamento do reservatório Civil (SINAPI, 2021), atualizado para janeiro de 2021, e
consistiu, portanto, na obtenção de volumes que supris- do Sistema de Orçamento de Obras de Sergipe (ORSE,
sem a quantidade de água solicitada, considerando-se o 2021), atualizado para dezembro de 2020. Foram feitas
valor mínimo de eficiência e diferentes áreas de captação. composições de custo para a construção de cisternas e
Para cada demanda, foram geradas combinações de área telhados de diferentes tamanhos, com volume variando de
de captação e volume de reservatório. 5 a 100 m³ e área de 50 a 300 m². As despesas relacionadas

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 13-19 15


Souza, A.C.B.L. et al.

à contratação de mão de obra, como armador, pedreiro e Tabela 1 – Determinação do ponto ótimo (realçado em cinza)
servente, foram contabilizadas, porém não foram consi- para a demanda diária de 120 L na cidade de Ibotirama, Bahia.
Custo da Custo do
derados os custos de manutenção do sistema. Área Volume
área reserv.
Custo Total
FR FD
(m²) (m³) (R$ 1.000)
Então, foi possível interpolar os resultados e obter (R$ 1.000) (R$ 1.000)
75 33,4 6,98 7,98 14,95 0,616 0,807
equações que permitem calcular o custo associado à cons-
80 26,9 7,44 7,20 14,64 0,466 0,757
trução do telhado e à construção do reservatório em fun-
85 24,5 7,91 6,87 14,78 0,398 0,712
ção da área de captação e do volume de armazenamento.
90 23,0 8,37 6,67 15,04 0,354 0,673
Os valores de área e volume encontrados para cada uma
95 22,2 8,84 6,56 15,39 0,323 0,637
das demandas analisadas foram substituídos nessas equa-
100 21,6 9,30 6,48 15,78 0,299 0,605
ções, obtendo-se, no fim, um custo total para cada com- 105 21,3 9,77 6,42 16,19 0,280 0,577
binação. O ponto ótimo corresponde à combinação de 110 21,1 10,23 6,39 16,62 0,265 0,550
menor custo total.
A identificação do ponto ótimo foi realizada para os
diferentes valores de demanda. Com os valores ótimos de
FD e FR, foram obtidos dois parâmetros característicos do
município: as frações médias de demanda e reservação.
Por meio das Equações 4 e 5, foram estimadas as áreas
de captação e volumes de reservatório associados a esses
valores médios.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As composições de custo forneceram uma função de cará-
ter linear (Equação 6) para a construção do telhado e uma
função com comportamento exponencial (Equação 7) para Figura 1 – Custos em função da área de captação para demanda
a construção do reservatório. diária de 120 L na cidade de Ibotirama, Bahia.

CA = 93 · A  (6) seus respectivos custos e produzindo um valor mínimo de


custo total. Todas as combinações apresentadas atendem à
CR = 1481 · V0,48  (7) eficiência mínima de 95%, entretanto uma promove maior
economia. Nessa situação, o sistema mais econômico pos-
Em que: sui área de captação de 80 m², reservatório de 26,9 m³ e
CA = custo de construção da área de captação (R$); custo total equivalente a R$ 14.640.
A = área de captação (m²); Para a demanda de 120 L (Tabela 1), o valor mínimo
CR = custo de construção do reservatório (R$); de área de captação necessário para suprir a solicitação
V = volume de armazenamento (m³). hídrica com 95% de eficiência é de 75 m². Sistemas com
áreas menores que isso precisariam de reservatórios de ele-
O processo de identificação do ponto ótimo pode ser vadas dimensões e, ainda assim, não atingiriam o poten-
visualizado na Tabela 1 e na Figura 1, que apresentam os cial de atendimento desejado.
resultados para a demanda de 120 L na cidade de Ibotirama/ É possível aproveitar como área de captação a cobertura
BA. Ao se aplicarem as equações do modelo comporta- já existente de uma residência. Se o telhado for menor que
mental, percebe-se que o aumento da cobertura provoca a a área ótima, demonstra-se a utilização do reservatório
redução do volume da cisterna, o que acaba refletindo nos com volume ótimo e a construção de uma área adicional.

16 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 13-19


Otimização do aproveitamento de água pluvial em áreas rurais

Tomando como referência Ibotirama, a demanda diária para ambos os casos, confirmando que é possível realizar
de 120 L e uma casa com telhado de 75 m², por exemplo, estimativas de área e volume ótimos por meio de equa-
o custo total seria decorrente da despesa com os 5 m² de ções que dependem apenas da demanda.
ampliação, ou seja, R$ 465, e da construção do reservató- Essa conclusão tem grande relevância, visto que apre-
rio de 26,9 m³, levando ao total de R$ 7.665. Adotar esse senta um recurso simplificado de dimensionamento ótimo
procedimento traz mais economia do que manter a cober- do SAAC. Nessa circunstância, não é necessário conhecer
tura inicial e investir em um reservatório maior de custo as frações médias de demanda e reservação e a precipita-
equivalente a R$ 7.980, como exibido na primeira linha ção média anual do local, sendo preciso apenas substituir
da Tabela 1. a demanda desejada em equações lineares. Para Ibotirama,
As simulações para demandas de 60 a 360 L mostraram são utilizadas as Equações 8 e 9.
que os valores de FD e de FR para as combinações ótimas
associadas às diferentes demandas tinham pouca varia- A = 0,66 · D  (8)
ção, justificando-se a análise da possibilidade de se usarem
valores médios para esses parâmetros, o que traria maior V = 0,23 · D  (9)
simplicidade nos cálculos para casos diversos na área de
influência do posto pluviométrico. Desse modo, foram Em que:
calculados FD e FR médios, que, ao serem aplicados nas A = área ótima (m²);
Equações 4 e 5, forneceram novos valores de área de cap- V = volume ótimo (m³);
tação e volume de armazenamento para cada demanda. D = demanda diária total (L).
Conforme observado na Tabela 2, os erros entre os
custos totais reais e aqueles obtidos pela utilização de FD Como exemplo de aplicação, considera-se o caso de
e FR médios correspondem a menos de 1%. Assim sendo, uma família cuja demanda diária equivale a 200 L, resi-
é possível utilizar FD médio = 0,763 e FR médio = 0,479 dindo na zona rural do município de Ibotirama (precipi-
para realizar o dimensionamento do sistema localizado em tação média anual de 723,4 mm) em uma casa de aproxi-
Ibotirama de forma mais prática e direta. Verificou-se, tam- madamente 70 m². Recorrendo-se às frações médias de
bém, a existência de forte relação linear positiva entre demanda e reservação, 0,763 e 0,479, respectivamente, o
a demanda diária e as variáveis área e volume ótimos. dimensionamento do sistema começa com o cálculo da
O coeficiente de correlação de Pearson atingiu r = 1,000 e razão entre a demanda anual e o produto de FD médio e da
r = 0,998 para o primeiro e segundo caso, respectivamente. precipitação média anual, o que fornece uma área ótima
Além disso, pelo processo de regressão linear, foram encon- de 132,2 m². Multiplicando-se essa área pelo FR médio e
trados valores de R-quadrado aproximadamente iguais a 1 pela precipitação média, encontra-se o volume de 45,8 m³.

Tabela 2 – Aplicação do método de otimização para a cidade de Ibotirama, Bahia.


Demanda Custo Total ótimo 3
Custo Total FM
FR ótimo FD ótimo A ótima (m²) AFM (m²)
1
V ótimo (m³) 2
VFM (m³) Erro (%)
diária (l) (R$ 1000) (R$ 1000)
60 0,464 0,757 40 39,7 13,4 13,8 8,87 8,90 0,37
120 0,466 0,757 80 79,4 26,9 27,5 14,64 14,65 0,10
180 0,464 0,757 120 119,1 40,2 41,3 19,89 19,90 0,10
240 0,464 0,757 160 158,8 53,8 55,0 24,91 24,90 -0,01
300 0,514 0,776 195 198,4 72,5 68,8 29,71 29,74 0,11
360 0,503 0,773 235 238,1 85,6 82,5 34,39 34,46 0,22
Área de captação obtida por meio de FD e FR médios; 2volume de armazenamento obtido por meio de FD e FR médios; 3custo total resultante do dimensionamento feito com
1

FD e FR médios.

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Souza, A.C.B.L. et al.

Aproveitando-se a cobertura já existente, é necessária a considerando o grau de dependência do sistema no aten-


construção de uma área adicional de 62,2 m², levando a dimento de suas demandas. Diversos estudos seguem essa
um sistema de captação e armazenamento de água pluvial linha de dimensionamento, seja por meio de equações,
de aproximadamente R$ 15.069. seja por meio de representações gráficas ou ferramentas
Se, em vez de se utilizarem as frações médias, fossem computacionais. Khan et al. (2017), por exemplo, em aná-
escolhidas as equações lineares, que para essa cidade são lise aplicada a três áreas específicas de Bangladesh, pro-
as Equações 8 e 9, bastaria substituir a demanda de 200 L puseram um software que determina o volume ótimo do
em cada expressão para encontrar as dimensões ideais de reservatório para qualquer região, baseando-se no padrão
telhado e reservatório. Assim, seria necessária uma área de de chuvas, na área e nas características da superfície de
captação ótima de 132 m² e um volume ótimo de 46 m³. captação, bem como na demanda hídrica. No programa
Considerando-se o custo da área adicional de 62 m², o desenvolvido, o tamanho ideal para o tanque foi definido
preço total do SAAC corresponderia a R$ 15.070. como o volume mínimo para o qual a relação de demanda
De maneira similar a este trabalho, Jin, Zhou e Lo (2018) máxima podia ser encontrada. Após a determinação das
também propuseram uma metodologia de dimensiona- confiabilidades volumétrica e temporal em função do
mento de sistemas de aproveitamento de água de chuva volume do reservatório, os usuários poderiam escolher
para atendimento doméstico em áreas rurais baseada na qual o nível de serviço eles exigiriam, dependendo de sua
minimização dos custos. A determinação do volume de capacidade e preferência de tempo ou custo.
armazenamento foi feita por meio de um balanço hídrico
e buscava satisfazer a taxa de eficiência mínima de 90%. 4. CONCLUSÕES
Entre as diferentes combinações de área de captação e Ambos os métodos desenvolvidos fornecem valores óti-
volume de armazenamento, o sistema ideal era definido mos de área de captação e volume de armazenamento para
como o de menor custo de construção. No entanto, esse sistemas de aproveitamento de água pluvial que visam
procedimento requer tempo e esforço consideráveis para suprir a demanda humana em áreas rurais não atendidas
realizar as diversas simulações, não sendo, portanto, tão pelas redes de abastecimento. Além disso, simplificam o
interessante em termos de aplicabilidade. processo de dimensionamento do sistema de captação e
Silva e Maia (2021), por outro lado, desenvolveram armazenamento de água de chuva, já que dispensam o
equações empíricas que simplificam o processo de dimen- uso das equações do modelo comportamental, da série
sionamento de reservatórios de água de chuva, determi- histórica de precipitação e das diferentes combinações
nando o volume e sua respectiva eficiência de atendimento. de área e volume. Ao optar por utilizar as frações médias
Todavia, essas equações não definem o melhor tamanho de demanda e reservação, o usuário necessitará desses
para o reservatório do SAAC, como o que promove maior dois parâmetros, do valor de precipitação anual média e
economia, por exemplo. Assim, essa abordagem fornece da demanda hídrica. Caso recorra às equações de área e
informações para que os usuários possam escolher o volume volume, precisará informar somente a demanda.

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© 2023 Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301003

Artigo Científico

Métodos alternativos de ensino e aprendizagem de


sustentabilidade: idealização e modelagem de um
jogo de realidade virtual para o ensino do descarte
correto de resíduos sólidos
Alternative methods for sustainability teaching and learning: virtual reality game
idealization and modeling for teaching the correct disposal of solid waste

Davi Breciani Demonier Avancini1 , Andromeda Goretti de Menezes Campos1 ,


Danieli Soares de Oliveira1*

RESUMO ABSTRACT
A inserção da Educação Ambiental na grade curricular das instituições tem o The inclusion of environmental education in the curriculum frameworks
intuito de formar indivíduos conscientes com relação ao meio ambiente do qual of institutions is intended to prepare individuals who are aware of
fazem parte, bem como aptos a resolver as questões ambientais atuais e futuras. the environment of which they are part, as well as to become able to
Professores e educadores têm cada vez mais utilizado metodologias alternativas solve current and future environmental issues. Teachers and educators
no processo de ensino-aprendizagem, ampliando o acesso aos conteúdos e have increasingly used alternative methodologies in the teaching-
despertando o interesse dos alunos. Diante dessa realidade, este trabalho teve learning process, expanding access to content and arousing students’
como objetivo a idealização e a modelagem de um jogo, em realidade virtual, para interest. In this context, this work aimed to idealize and model a game,
o ensino e aprendizagem da temática da sustentabilidade, especialmente para a in virtual reality, for teaching and learning sustainability, especially for
instrução acerca do descarte correto de resíduos sólidos. A metodologia deste instruction about the correct disposal of solid waste. The proposed
trabalho baseou-se na idealização e desenvolvimento de jogos educacionais methodology was based on the idealization and development of
produzidos por meio de recursos tecnológicos da realidade virtual. A abordagem educational games, produced through technological resources of
metodológica utilizada foi fundamentalmente qualitativa e, para o desenvolvimento virtual reality; the methodological approach was fundamentally
do trabalho, foram realizadas etapas que contemplaram: pesquisa bibliográfica a qualitative, and 4 steps were carried out, including: bibliographic
respeito de educação ambiental, jogos educacionais, realidade virtual, ferramentas research on environmental education, educational games, virtual reality,
de modelagem e implementação; definição e estruturação do processo a ser modeling and implementation tools; definition of the game structure;
tratado pelo jogo; desenvolvimento da lógica do jogo; e, por fim, modelagem development of game logic; and, finally, conceptual modeling of the
conceitual do jogo. Até o momento foi obtida a primeira versão deste objeto de game. The first version of this learning object was obtained, which can
aprendizagem, que poderá ser utilizado por discentes, docentes, prestadores de be used by students, teachers, service providers and anyone interested
serviço e quaisquer pessoas que se interessem pela temática sustentabilidade e in sustainability and solid waste. In this way, the proposed game can
resíduos sólidos. Dessa forma, o jogo proposto pode auxiliar o desenvolvimento help the development of a critical view in the academic and external
de visão crítica na comunidade acadêmica e externa acerca de suas ações diante community about their actions on this subject, developing their
desse assunto, desenvolvendo seu raciocínio sustentável. sustainable reasoning.

Palavras-chave: educação ambiental; realidade virtual; jogos educacionais; Keywords: environmental education; virtual reality; educational games;
tecnologias educacionais; sustentabilidade; aprendizagem ativa. educational technologies; sustainability; active learning.

1. INTRODUÇÃO públicas e particulares, conforme a Lei Federal nº 9.795, de


Em 1999, tornou-se lei no Brasil a inserção da educação 27 de abril de 1999. A educação ambiental foi definida na
ambiental na grade curricular das instituições de ensino Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação

1
Instituto Federal do Espírito Santo – Cariacica (ES), Brasil.
*Endereço para correspondência: Rodovia Governador José Henrique Sette, 184, Itacibá – Cariacica, ES. CEP: 29150-410. e-mail: danieli@ifes.edu.br

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Avancini, D.B.D.; Campos, A.G.M.; Oliveira, D.S.

Ambiental como “um processo permanente, no qual os ambiental, considera-se importante a utilização de ambien-
indivíduos e a comunidade tomam consciência do meio tes imersivos, visto que estes “oferecem mais possibilida-
ambiente e adquirem os conhecimentos, os valores, as des de conduzir o usuário a uma atmosfera construída e
habilidades, as experiências e a determinação que os tor- controlada que, se utilizada para fins educacionais, pode
nam aptos a agir individual e coletivamente para resolver proporcionar ricas experiências de aprendizagem, que
problemas ambientais presentes e futuros” (DIAS, 1992, seriam muito difíceis de serem reproduzidas em nossa
p. 92). Une-se a isso o plano de ação da Agenda 2030, realidade” (ABREU; OLIVEIRA; BATTESTIN, 2020, p.
uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) 2). De acordo com Latta e Oberg (1994), a realidade vir-
que propõe um pacto global em prol do desenvolvimento tual é definida como uma interface homem-máquina que
sustentável, com o objetivo de erradicar a pobreza, pro- simula um ambiente realístico, no qual é possível a inte-
teger o planeta e garantir que as pessoas alcancem a paz ração do usuário com esse ambiente. É uma tecnologia
e a prosperidade. Essa agenda contém o conjunto de 17 com grande potencial, que pode ser aplicada em diversas
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS); entre áreas técnicas e do conhecimento. Segundo Braga (2001),
eles existem três que fazem parte dos objetivos deste tra- a realidade virtual é uma ferramenta que contém especi-
balho: o Objetivo 4, que trata da educação de qualidade ficidades e atributos que a transformam em um método
— garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e ideal para as diversas situações e contextos de aprendiza-
equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem gem e pesquisa.
ao longo da vida para todos; o Objetivo 11, que trata das Além de poder aumentar a motivação para o apren-
cidades e comunidades sustentáveis — tornar as cidades dizado, a utilização da RV no ensino, conforme compro-
e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilien- vado pela pesquisa de Johnsen et al. (2007), permite que
tes e sustentáveis; e o Objetivo 12, que trata do consumo e este seja efetivo e estimula a transferência do conheci-
produção responsáveis — assegurar padrões de produção e mento adquirido. Outras vantagens são o maior engaja-
de consumo sustentáveis. Esses objetivos (e os demais 14) mento e interatividade do aluno com o assunto a ser estu-
são integrados e indivisíveis e equilibram as três dimensões dado, o conhecimento construído de forma colaborativa
do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a e contextualizada, além do estímulo à prática reflexiva
ambiental (ONU, 2015). (BAILENSON et al., 2008). Para que isso seja possível,
Professores e educadores procuram maneiras diferentes o ambiente de realidade virtual não deve se limitar a ser
para realizar o processo de ensino e aprendizagem, lan- apenas um ambiente com o qual o aprendiz irá interagir, é
çando mão de metodologias que proporcionam a seus alu- necessário considerar também os conceitos relacionados
nos um aprendizado eficaz. Tem se somado a isso o uso de à aprendizagem por intermédio de jogos. Assim, o joga-
tecnologias, dentro e fora da sala aula, ampliando o acesso dor adquire conhecimento à medida que interage com o
aos conteúdos e despertando o interesse dos alunos. Para jogo, por meio dos conteúdos que estão sendo tratados
auxiliar no processo de ensino e aprendizagem, os obje- e, também, das atividades apresentadas, sendo estimu-
tos educacionais (também conhecidos como objetos de lado na resolução de desafios. Os elementos de design
aprendizagem) são ferramentas úteis e são definidos por de jogos podem incluir colaboração, papéis, objetivos,
Wiley (2000) como qualquer recurso digital que pode ser desafios, exploração, narrativa, complexidade, competi-
reutilizável e adaptável para dar suporte à aprendizagem. ção, estratégia, comunicação, feedback, realidade aumen-
O advento das tecnologias digitais mudou o cenário tada, controle, interatividade, realismo, regras, estrutu-
educacional no que diz respeito à ampliação das diversas ras, curiosidade, expressão, envolvimento e recompensas
possibilidades e maneiras de ensinar e aprender. A tecno- (JAFARI; ABDOLLAHZADE, 2019). Para Nakashima,
logia selecionada para ser trabalhada nesta pesquisa foi Sato e Maruyama (2017) e Zakaria et al. (2020), o uso
a realidade virtual (RV), pois, para o tema da educação de um sistema de pontuação e ranqueamento auxilia

22 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 21-29


Jogo para ensino do descarte correto de resíduos sólidos

no processo de ensino e aprendizagem, de maneira que • Etapa 1: Revisão da literatura: Inicialmente foi rea-
os usuários ficam entusiasmados e motivados, gerando lizada revisão da literatura sobre realidade virtual,
uma mudança de comportamento e, assim, tornando o jogos educacionais, educação ambiental e descarte de
aprendizado mais prazeroso para o usuário. Esses auto- resíduos (secos e úmidos). Para o desenvolvimento
res acreditam que a gamificação da aprendizagem pos- de todas as etapas do projeto, foram necessárias pes-
sibilita o despertar da criatividade e da intuição, esti- quisas bibliográficas direta e indiretamente ligadas à
mulando os alunos a aprenderem determinado tema de área tecnológica de meio ambiente e sustentabilidade.
forma atraente e eficaz. Destaca-se que a instituição na qual esta pesquisa foi
Assim sendo, é possível alinhar o processo de ensino desenvolvida disponibiliza acesso a conteúdo cientí-
e aprendizagem à realidade de vida dos aprendizes, os fico pela rede corporativa e, remotamente, por meio
quais já utilizam o meio digital em seu cotidiano, gerando da Comunidade Acadêmica Federada (CAFe). Nesta
assim maior interesse e criando engajamento nas ativi- etapa, também foram realizadas buscas bibliográficas
dades escolares. A cultura digital foi até mesmo inserida com termos diretamente relacionados à temática desen-
na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com o volvida neste projeto, tais como “jogos educacionais
seguinte objetivo: em sustentabilidade”, “objetos de aprendizagem em
sustentabilidade”, entre outros;
Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de • Etapa 2: Definição, descrição e estruturação do pro-
informação e comunicação de forma crítica, signifi- cesso a ser tratado pelo jogo: Com base no conheci-
cativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais mento adquirido na etapa anterior, foi definido, des-
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar crito e estruturado todo o processo de navegação do
e disseminar informações, produzir conhecimentos, jogo, tendo como produto um relatório técnico. Nesta
resolver problemas e exercer protagonismo e auto- etapa, também foi realizado o estudo das ferramentas
ria na vida pessoal e coletiva (BRASIL, 2018, p. 9) para modelagem e implementação (Blender e Godot),
permitindo a compreensão delas, de seu processo de
Pelas razões expostas, este trabalho teve como objetivo instalação, de sua interface, navegação, comandos, visões,
a idealização e a modelagem de um jogo em realidade vir- inserção de objetos etc. Além disso, nesta etapa foram
tual para o ensino e aprendizagem da temática sustentabi- abordados modelagem, materiais e renderização;
lidade, especialmente para a instrução acerca do descarte • Etapa 3: Desenvolvimento da lógica do jogo: Os pes-
correto de resíduos sólidos, de maneira atrativa, eficiente quisadores interagiram diretamente com outros jogos
e colaborativa. em realidade virtual, bem como jogos voltados para a
educação ambiental, o que proporcionou uma base para
2. METODOLOGIA estruturar a lógica do jogo proposto. Foram desenvol-
A metodologia fundamenta-se na idealização e desenvol- vidas as lógicas referentes aos três perfis de usuários
vimento de jogos educacionais produzidos por meio de requeridos (servidores, alunos e terceirizados);
recursos tecnológicos da realidade virtual. A abordagem • Etapa 4: Modelagem conceitual do jogo: Após as eta-
metodológica utilizada neste trabalho foi fundamental- pas de estudo e o desenvolvimento básico das ideias,
mente qualitativa, pela necessidade de lidar com informa- foi modelado o “Descarte”, que é um jogo em realidade
ções diretamente extraídas das percepções de intervenien- virtual que tem por objetivo fazer com que o usuário
tes diretos durante o processo de coleta de dados, para a atinja uma pontuação previamente definida (1.000 pon-
obtenção de um conhecimento mais aprofundado sobre tos) por meio do descarte correto de resíduos presen-
o assunto estudado. Para o desenvolvimento do trabalho, tes no ambiente virtual modelado (ambiente escolar).
foram realizadas as seguintes etapas: O contexto do jogo é o ambiente do Instituto Federal

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Avancini, D.B.D.; Campos, A.G.M.; Oliveira, D.S.

de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifes), campus Hada et al. (2017) apresentam o processo de desenvol-
Cariacica/ES, cujos gestores objetivam transformar vimento de um objeto de aprendizagem, mais especifica-
a escola em um espaço mais sustentável e acreditam mente um jogo mobile em realidade aumentada, denomi-
que a educação ambiental é o caminho para atingir nado “ReciClô”, para o ensino da temática “reciclagem”.
o resultado esperado. Os resíduos encontram-se em Pontes, Mendes e Tomazela (2017) descrevem o “Lino”,
ambientes distintos da escola, de acordo com o perfil um jogo eletrônico para auxiliar na educação ambiental
escolhido pelo jogador. O jogador é desafiado a des- de crianças em idade escolar, contribuindo assim para a
cartar o resíduo corretamente em de diferentes con- conscientização e a preservação do meio ambiente.
textos (ele pode estar comendo uma fruta no pátio da Souza (2018) projetou o aplicativo “CidEco”, cujas fina-
escola ou então um chiclete na sala de aula). Conforme lidades são propagar a educação ambiental e o conceito de
o descarte é realizado de forma correta, o participante ecocidadania assim como estimular a consciência ambien-
conquista pontos, e é necessário o descarte correto de tal, baseando-se nas principais ferramentas adotadas nos
pelo menos dez itens ao longo da partida para se obter aplicativos voltados ao meio ambiente.
a vitória. À medida que os desafios são apresentados e Costa et al. (2019) descrevem a aplicação de um jogo
realizados pelo jogador, feedbacks são dados para que os de educação ambiental desenvolvido por graduandos de
estudantes compreendam o que precisam melhorar e um curso da área de Ciência da Computação, voltado
quais decisões foram positivas, gerando uma conscien- para a educação básica. O jogo tem como principal obje-
tização valiosa para o processo de aprendizagem. tivo conscientizar seus jogadores sobre a necessidade e
importância de se descartarem adequadamente resíduos
Os recursos de hardware necessários para a implanta- sólidos (lixo), contribuindo assim para a preservação do
ção do jogo foram um computador, controles e óculos de meio ambiente.
realidade virtual. Foram utilizados os softwares Blender Farias e Roed (2019) desenvolveram o jogo digital
e Godot para as modelagens e animações. O jogo possui “SOS Meio Ambiente”, um jogo educacional 2D voltado
três componentes: o Menu, o Tutorial e o Jogo em si, além para o combate à poluição gerada pelo lixo doméstico
de perfis diferentes para cada grupo de usuários (alunos, para crianças do ensino fundamental. O jogo propõe as
servidores e prestadores de serviço terceirizados). seguintes ações aos jogadores: recolher o lixo, jogá-lo em
local adequado e apresentar impactos causados por ele;
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO além disso, tem como feedback mensagens de conscienti-
Uma extensa revisão de literatura acerca de formas alter- zação e traz diálogo entre personagens.
nativas de ensino sobre descarte de resíduos foi obtida, Vestena e Bem (2020) relatam os resultados da cons-
incluindo trabalhos de revistas, congressos e produções trução e aplicação do jogo “RECICLAPPSM”, que possui
acadêmicas. Os principais artigos são apresentados nesta fins educacionais para o letramento científico, ambiental
seção. O Quadro 1 mostra, de forma comparativa e suma- e tecnológico das crianças dos anos iniciais do Ensino
rizada, as principais diferenças entre as funcionalidades Fundamental. A intenção do jogo é a de conscientizar as
e elementos dos trabalhos analisados e o jogo proposto crianças acerca do destino ideal de resíduos, considerando
neste trabalho. também sua toxicidade e periculosidade.
Dias e Zorzal (2013) desenvolveram um jogo sério com Laércio e Fonseca (2022) propuseram um jogo edu-
realidade aumentada visando apoiar a educação ambiental. cativo digital no formato de quiz, submetido para o uso
O jogo, cujo nome é “Aprendendo a Reciclar”, visa alertar de alunos do Ensino Fundamental II de uma instituição
sobre a importância de descartar os resíduos na lixeira pública de Educação Básica. A avaliação do jogo digital foi
de maneira correta e ensinar alguns dos diferentes tipos realizada por meio de relatos dos alunos que participaram
de lixeiras de lixo reciclável (metal, papel, plástico etc.). da atividade, visando identificar o nível de usabilidade do

24 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 21-29


Jogo para ensino do descarte correto de resíduos sólidos

Quadro 1 – Comparativo entre as principais funcionalidades e elementos dos trabalhos analisados.


Apren- Lino
SOS Meio RECICLAPP-
Funciona- dendo a ReciClô Pontes, CidEco Costa Laércio e Descarte
Ambiente SM
lidades e Reciclar Hada et al. Mendes e Souza et al. Fonseca proposto neste
Farias e Vestena e
Elementos Dias e Zor- (2017) Tomazela (2018) (2019) (2022) trabalho?
Roed (2019) Bem (2020)
zal (2013) (2017)
Coleta seletiva SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM NÃO SIM
Descarte de
SIM SIM NÃO NÃO SIM SIM SIM NÃO SIM
resíduos
Apresentação
de impactos
NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO SIM SIM NÃO NÃO
causados pelo
resíduo
SIM —
Treinamento
Treinamento NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO para utilização,
antes de iniciar
o jogo.
SIM — Apresenta
NÃO — NÃO — NÃO — NÃO — o ambiente
Layout de Apresenta Apresenta Apresenta Apresenta real de
SIM SIM NÃO NÃO
espaço real ambiente ambiente ambiente ambiente aprendizagem
fictício fictício fictício fictício (o espaço
escolar)
SIM — Tutorial,
no qual estão
NÃO — O
descritos os
educador
conceitos de
éo
sustentabilidade
responsável
Tutorial SIM NÃO SIM SIM SIM NÃO SIM e resíduos
por ensinar
sólidos, com
o aluno a
exemplos de
utilizar o
descarte correto
jogo.
de resíduos
úmidos e secos.
Apresentação
Não NÃO
de feedback NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM SIM
identificado INFORMADO
construtivo.
3D 3D
3D (Realidade
Plataforma (Realidade (Realidade 2D 2D 2D 2D 2D 2D
Virtual)
Aumentada) Aumentada)
Abrange perfis
distintos:
estudantes de
ensino básico
Abrange Abrange
Não Crianças dos Alunos e superior,
Não Não apenas Alunos da apenas
Perfil de definido anos iniciais do Ensino professores,
descrito descrito crianças Educação crianças
usuário (cidadãos do Ensino Fundamental técnicos
pelo autor. pelo autor. em idade Básica. em idade
em geral). Fundamental. II. administrativos
escolar. escolar.
e prestadores
de serviço da
instituição de
ensino.
Temporalizado NÃO NÃO SIM NÃO NÃO NÃO SIM NÃO NÃO
Desafios SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM SIM
Níveis de
NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO NÃO
dificuldade
Pontuação SIM SIM SIM NÃO SIM NÃO NÃO SIM
Barra de
NÃO NÃO NÃO NÃO SIM NÃO SIM NÃO NÃO
progresso
Avaliação SIM SIM SIM SIM NÃO SIM NÃO NÃO SIM
Fonte: elaboração própria.

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 21-29 25


Avancini, D.B.D.; Campos, A.G.M.; Oliveira, D.S.

jogo educativo, o nível de interesse pelo jogo e a efetivi- a sala utilizada pelos prestadores de serviço terceiriza-
dade dele como método de ensino. dos. Os círculos vermelhos representam os recipientes de
Quadro 2 – Perfis de jogadores definidos no jogo proposto.
No Quadro 1 é possível verificar que o jogo proposto descarte espalhados pela instituição. Os perfis de jogado-
PERFIL
possui diversas funcionalidades e elementos que indicam resDESCRIÇÃO
definidos para o jogo são apresentados no Quadro 2,
Nesse perfil o
sua potencialidade de aplicação como ferramenta educa- jogador se encontrará dentro
sendo definidos de umacom
de acordo salaosde aulaverificados
perfis com em
cional. Destaca-se especialmenteuma
ALUNO a utilização de realidade
porta para o ambienteinstituições
externo, comde ensino.
resíduos espalhados dentro e
virtual, não verificada em nenhuma das demais platafor- Por meio da opção Menu, o jogador recebe orientações
fora da sala que deverão ser descartados de forma correta.
mas avaliadas. para a utilização da plataforma de realidade virtual, com-
Nesse perfil o jogador
Na Figura 1 é apresentada a vista em planta do cená- se encontrará
posta dentro de
dos comandos sua sala,
e funções do também
controle. com
Dessa forma,
SERVIDOR uma porta para
rio desenvolvido para a criação do ambiente em realidade o ambiente
aprenderá a se movimentar e interagir comque
externo, com resíduos espalhados o ambiente
virtual, que é uma representação esquemática
precisam serdodescartados
segundo em modelado. Além disso,
seus respectivos um conjunto de informações e as
recipientes.
pavimento do Instituto Federal do Espírito Santo, cam- boas-vindas ao usuário são apresentados, o que coopera
Nesse perfil o jogador se encontrará em ambiente de trabalho e deverá
pus Cariacica .1
com a usabilidade do jogo.
TERCEIRIZADO também descartar
De forma simplificada, a sala em azul representa as corretamente os resíduos
Na sequência espalhados
é apresentado tanto em
o Tutorial, foraque estão
quanto
salas utilizadas pelos alunos, as salas emdentro
amarelodorepre-
espaço. descritos os conceitos de sustentabilidade e resíduos sóli-
sentam as salas elaboração
Fonte: utilizadas pelos servidores (professores e
própria. dos, com exemplos de descarte correto de resíduos úmidos
técnicos administrativos), e a sala em laranja representa e secos. Após essa etapa, o participante pode realizar um

Fonte: elaboração própria.


Fonte: elaboração própria.

Figura 1 – Vista em planta do cenário (salas) desenvolvido para a criação do ambiente em realidade virtual.

A dinâmica e as evoluções do jogo podem ser visualizados pelo link https://youtu.be/1pRtqleK_YQ.


1

26 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 21-29


Jogo para ensino do descarte correto de resíduos sólidos

Quadro 2 – Perfis de jogadores definidos no jogo proposto.


PERFIL DESCRIÇÃO
Nesse perfil o jogador se encontrará dentro de uma sala de aula com uma porta para o ambiente externo, com resíduos
ALUNO
espalhados dentro e fora da sala que deverão ser descartados de forma correta.
Nesse perfil o jogador se encontrará dentro de sua sala, também com uma porta para o ambiente externo, com resíduos
SERVIDOR
espalhados que precisam ser descartados em seus respectivos recipientes.
Nesse perfil o jogador se encontrará em ambiente de trabalho e deverá também descartar corretamente os resíduos
TERCEIRIZADO
espalhados tanto fora quanto dentro do espaço.
Fonte: elaboração própria.

treinamento sobre os conceitos aprendidos, descartando modo trabalho para muitos cidadãos, e permite-se menor
um tipo de resíduo em cada recipiente corretamente. É consumo de energia e materiais, auxiliando na redução da
nesta parte que o conteúdo a ser aprendido é introduzido. utilização de recursos naturais, além de se possibilitar a
Assim que termina o treinamento, deve ser escolhido redução no montante de resíduos descartados nos ater-
um perfil de jogador para o usuário, sendo disponibiliza- ros sanitários, promovendo-se uma solução mais susten-
das as seguintes opções: alunos, servidores e prestadores tável para o planeta.
de serviço terceirizados, para que toda a comunidade aca- É recomendável que toda a população contribua
dêmica seja atendida. Os ambientes modelados variam de para o processo ao realizar a separação dos resíduos
acordo com o perfil escolhido pelo participante. O perfil em suas residências, favorecendo assim a coleta seletiva
aluno se encontrará em uma sala de aula, o servidor (pro- em seus bairros. Dessa maneira, o jogo proposto pode
fessor ou técnico administrativo) em sua sala individual e o auxiliar no desenvolvimento da visão crítica da comuni-
prestador de serviço terceirizado no ambiente do campus. dade acadêmica e externa acerca de suas próprias ações
Todos esses locais possuem um ambiente externo onde se diante deste assunto, desenvolvendo seu raciocínio sus-
localizam recipientes de descarte para resíduo úmido, e tentável. Como a atribuição da educação ambiental na
dentro das salas existem os recipientes de descarte para grade curricular dos estudantes é lei desde 1999, com
resíduos secos, considerando-se as normas da institui- a utilização do jogo “Descarte” é possível que o educa-
ção — o que leva os usuários para mais perto da realidade. dor transmita esse conhecimento aos alunos, servido-
O jogo proposto foi avaliado e validado por seus desen- res, prestadores de serviço e comunidade externa, tor-
volvedores e pela comunidade acadêmica do campus por nando o conhecimento disponível para todos e trans-
meio de: testes relacionados à lógica do jogo e suas fun- formando-os em indivíduos mais conscientes sobre a
cionalidades; avaliação das características que o tornam sustentabilidade do planeta.
um jogo educativo e passível de ser utilizado como forma
de avaliação do conteúdo; avaliação do uso apropriado 4. CONCLUSÕES
da tecnologia de realidade virtual para o conteúdo em O jogo “Descarte” foi modelado com o intuito de colaborar
questão; e a validação como metodologia ativa de ensino para um processo de ensino-aprendizagem mais atraente
e aprendizagem e também do ponto de vista da educa- e efetivo para a educação sustentável. O jogo é voltado
ção ambiental. para a comunidade escolar e externa, apresentando de
Destaca-se que o conhecimento de formas racionais forma lúdica a forma correta de descartar resíduos sóli-
de separação de resíduos sólidos permite seu encami- dos nos ambientes em que eles vivem. Com a idealização
nhamento para a reciclagem de forma mais rápida e efi- e modelagem inicial foi possível fazer a implementação
ciente. Isso contribui diretamente para que as indústrias computacional e, assim, fazer testes e validar seu uso. A
e cooperativas do segmento reciclável tenham acesso a etapa desenvolvida neste trabalho é de grande relevância,
materiais corretamente separados, fazendo com que o pois busca encontrar formas alternativas de aprendiza-
produto volte para a cadeia de consumo. Gera-se desse gem por meio de jogos e do entendimento dos conceitos

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 21-29 27


Avancini, D.B.D.; Campos, A.G.M.; Oliveira, D.S.

envolvidos entre a realidade virtual e a educação. Assim, de sustentável, mais acessível. A nova versão está sendo
o objetivo do trabalho, que era a idealização e modelagem desenvolvida para ser utilizada em celular e com óculos
de um jogo em realidade virtual para o ensino e aprendi- de realidade virtual de menor custo, de forma a ser aces-
zagem da temática sustentabilidade, especialmente para sível a um número maior de usuários. Conta, ainda, com
a instrução acerca do descarte correto de resíduos, sóli- instruções e diálogos também por escrito, atendendo às
dos, foi alcançado. necessidades dos usuários com deficiência auditiva. Além
Como projeto futuros, uma atualização deste jogo disso, tipos diferentes de resíduos e novos níveis de com-
está sendo estruturada com o intuito de torná-lo, além plexidade estão previstos.

REFERÊNCIAS

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28 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 21-29


Jogo para ensino do descarte correto de resíduos sólidos

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© 2023 Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301004

Artigo Científico

Clarificador de fluxo ascendente em pedregulho


com cinco camadas para tratamento de água bruta
com presença de algas: estudo piloto na estação de
tratamento de água Castello Branco/PE
Ascending flow clarifier in pebbles with five layers for treatment of raw water
with algae presence: pilot study at WTP Castello Branco/PE

Joana Eliza de Santana1* , Romero Correia Freire2,3 , Júlia Rodrigues Neves2 ,


Olga Carolina Amaral Santos1 , Fábio Henrique Portella Correa de Oliveira2

RESUMO ABSTRACT
A presença de algas pode dificultar o tratamento de água em estações de The presence of algae can make it difficult to treat water in conventional
tratamento de água (ETA) convencionais, reduzindo a sedimentação dos WTPs due to reduced deposition of floc, clog of filter bed, and increased
flocos, colmatando o leito filtrante e aumentando o consumo de produtos dosages of chemical products. The present study aimed to evaluate the
químicos. Este trabalho visa estudar a utilização de um clarificador ascendente performance of an ascending flow clarifier in pebbles with five layers in the
em pedregulho com cinco camadas, no tratamento da água bruta que chega treatment of raw water that arrives at Castello Branco/PE WTP, where there
à ETA Castello Branco/PE, em que há histórico de algas. A granulometria do is a history of presenting algae. Particle size of the filter bed studied ranged
leito estudado variou entre 2,0 e 25,4 mm, e a taxa utilizada foi de 80 m3/ from 2.0 to 25.4 mm and filtration rate used was 80 m3/m2.day. The average
m .dia. A densidade total média de cianobactérias na Barragem Tapacurá, que
2
total density of cyanobacteria in the Tapacurá Dam, which corresponds
corresponde a 52% da água bruta que chega à ETA, foi de 49.713 células/mL, to 52% of the raw water that reaches the WTP, was 49,713 cells/mL, being
sendo 85,8% do total de cianobactérias correspondente a Cylindrospermopsis. 85.8% of the total of cyanobacteria corresponding to Cylindrospermopsis.
Como resultado, a água clarificada (clarificador piloto) apresentou menor The results showed a reduction of color and turbidity in the clarified water
valor de cor e turbidez médias quando comparada à água decantada da (pilot clarifier) when compared to WTP decanted water (reduction of 72.8
ETA (redução de 72,8 e 37,7%, respectivamente), e cor média 20% menor and 37.7%, respectively), and average color 20% lower than treated water,
quando comparada à água tratada, com a turbidez se mantendo no mesmo with no significant variation in average turbidity value (~ 0.5 uT). The clarifier
patamar (~ 0,5 uT). A utilização do clarificador possibilitou reduzir a dosagem usage enabled the reduction of coagulant dosage by half of that applied in
de coagulante utilizado na ETA pela metade, resultando em cor de 4,0 uC e WTP, resulting in a color of 4.0 uC and average turbidity of 0.57 uT (minimum
turbidez média de 0,57 uT (com mínima de 0,35 uT) na água clarificada, com value of 0.35 uT) to clarified water, with possibility to reach turbidity lower
possibilidade de atingir, após a filtração, turbidez menor que 0,3 uT. than 0.3 uT, after filtration.

Palavras-chave: cianobactérias; Cylindrospermopsis; Barragem Tapacurá. Keywords: cyanobacteria; Cylindrospermopsis; Tapacurá Dam.

1. INTRODUÇÃO nutrientes, principalmente fósforo e nitrogênio, sendo o


As algas são organismos clorofilados que podem ser encon- uso do solo na bacia de drenagem para o reservatório um
trados em quaisquer mananciais de superfície, indepen- importante fator de contribuição para a proliferação de
dentemente do seu estado trófico. O seu desenvolvimento algas (NICHETTI et al., 2022). A presença de algas em
depende de alguns fatores, como luz solar e aporte de mananciais utilizados para o abastecimento pode representar

1
Universidade Federal de Pernambuco – Recife (PE), Brasil.
2
Companhia Pernambucana de Saneamento – Recife (PE), Brasil.
3
Instituto Federal de Pernambuco – Recife (PE), Brasil.
*Endereço para correspondência: Avenida Cruz Cabugá, 1387, Santo Amaro, Recife, PE. CEP: 50040-905. e-mail: joana.santana@ufpe.br

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 31-37 31


Santana, J.E. et al.

sérios problemas para os administradores dos sistemas de com presença de algas. Utilizou-se uma faixa granulomé-
distribuição de água (BOX et al., 2021). trica de 2 a 25,4 mm, garantiu-se uniformidade na porosi-
A interferência da presença de algas no tratamento dade e atuou-se à taxa de 80 m3/m2.dia, visando à melho-
de água depende dos grupos predominantes presentes. ria na qualidade da água produzida de forma a atender o
Alguns podem afetar o processo do tratamento de dife- que preconiza a Portaria GM/MS nº 888 de 4 de maio de
rentes formas: aumentando o consumo produtos quími- 2021 (BRASIL, 2021).
cos (coagulantes, alcalinizantes e polímeros); reduzindo
a sedimentabilidade dos flocos, prejudicando a decanta- 2. METODOLOGIA
ção; reduzindo a carreira de filtração, pois colmatam o O teste foi realizado na ETA Castello Branco, cujo manan-
leito filtrante, aumentando o risco de transpasse de mate- cial principal (Barragem Tapacurá) já possui histórico de
rial particulado, o que promove maior consumo de água massivas florações de microalgas e cianobactérias. A con-
para a lavagem dos filtros; elevando a demanda de cloro cepção da ETA é convencional (calha Parshall, floculador
na desinfecção em razão da presença de matéria orgânica, mecanizado, decantadores e filtros descendentes), dividida
com maior possibilidade de formação de organoclorados; em duas etapas que funcionam paralelamente: a primeira,
e alterando os parâmetros organolépticos da água tratada com decantador convencional, e a segunda, com decan-
pela produção de geosmina e o MIB-2-metil-isoborneol, que tador lamelar. A ETA, no momento do teste, tinha como
são compostos metabólicos desses organismos (LIBÂNIO, mananciais o Rio Capibaribe e Barragens Várzea do Una,
2010; CETESB, 2013). Duas Unas e Tapacurá; esta última sendo responsável por,
Diante das opções de tratamento existentes, a flotação em média, 52% do fornecimento total. A água bruta uti-
por ar dissolvido é muito indicada para a remoção de algas, lizada no teste foi bombeada da caixa de reunião, locali-
mas a filtração ascendente com pedregulhos associada à zada antes da calha Parshall, e a água clarificada produ-
filtração descendente é mais acessível e tem menor custo zida pelo clarificador piloto foi devolvida para a entrada da
de operação. calha Parshall. A dosagem média do coagulante sulfato de
Di Bernardo (2003) revisou alguns trabalhos com alumínio da ETA no momento do teste foi de 55,8 mg/L.
dupla filtração, na qual o clarificador era de fluxo ascen- O clarificador piloto foi confeccionado em acrílico e fibra
dente com pedregulhos, para tratamento de águas com de vidro, com diâmetro interno de 0,29 m e altura de 1,5
presença de algas, incluindo variações nas granulometrias m, sendo 0,58 m ocupado pelas cinco camadas de pedre-
das camadas e taxas de filtração. Ele observou que essa gulhos (Figura 1). A descrição encontra-se na Tabela 1.
tecnologia apresenta viabilidade na remoção de turbidez A vazão de água bruta no teste piloto foi de 248,4 L/h,
e algas, reforçando, porém, a importância de ensaios em e o rotâmetro instalado, responsável pelo ajuste dessa
escala-piloto em função das especificidades de cada ETA vazão, tinha capacidade de 500 L/h. Para promover a mis-
e da qualidade da água bruta. tura rápida, 1.000 s-1 (ABNT, 1992), foi feito um estran-
Em seu trabalho, Di Bernardo e Dantas (2005b) mos- gulamento na tubulação, simulando um Tubo de Venturi,
traram o uso de filtros ascendentes com pedregulhos de antes da entrada do clarificador. O coagulante utilizado
cinco camadas e filtros descendentes para tratar águas foi o sulfato de alumínio à dosagem de 30 ppm.
com presença de algas, conseguindo remoção média de A dosagem escolhida foi um pouco maior que 50%
86,6% na turbidez e utilizando taxa de 60 m3/m2.dia no da utilizada na ETA Castello Branco. Por ser uma ETA
filtro ascendente com pedregulhos, em que a turbidez da convencional, ela utiliza o mecanismo de coagulação por
água bruta variou entre 2,3 e 13 uT. varredura, em que os flocos deverão apresentar maior
Assim, o objetivo do presente trabalho foi verificar a tamanho e densidade suficiente para permitir sua deposi-
viabilidade de utilizar o clarificador ascendente em pedre- ção nos decantadores. Já nos clarificadores ascendentes, o
gulho com cinco camadas no tratamento de água bruta mecanismo é o de adsorção e neutralização de cargas, em

32 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 31-37


FAP (5 camadas) para tratamento de água com algas na estação de tratamento Castello Branco

necessárias no mecanismo de coagulação por varredura


(DI BERNARDO; DANTAS; VOLTAN, 2012).
A descarga do clarificador piloto era efetuada quando
a perda de carga atingia 80% da altura do leito, medida
em manômetro, ou quando a turbidez da água clarificada
ultrapassava 3 uT — parâmetro utilizado como máximo na
água decantada de ETA convencional (DI BERNARDO;
DANTAS, 2005a) e também admitido como máximo para
o clarificador piloto. Era realizada com o auxílio de uma
linha de manutenção de carga hidráulica, com a lâmina
de água de 30 cm acima do leito de pedras, o que garantia
limpeza uniforme (Figura 2). A velocidade nessa linha foi
20% superior à velocidade de descarga, mantendo a carga
hidráulica suficiente.
Os parâmetros considerados para caracterizar a água
bruta em estudo e os respectivos equipamentos utilizados
são indicados na Tabela 2. Os parâmetros de cor e turbidez
da água clarificada do clarificador piloto foram compara-
dos aos da água decantada produzida pela ETA. Para as
análises qualiquantitativas de cianobactérias na água bruta
que abastece a ETA Castello Branco, as amostras foram
concentradas 10x e visualizadas em microscópio óptico
invertido (Leica) com aumento de 400x. A classificação
foi realizada de acordo com Bicudo e Menezes (2006).
O desenvolvimento deste trabalho contou com o
apoio e a participação da Companhia Pernambucana de
Saneamento (COMPESA).
Fonte: elaboração própria.

Figura 1 – Clarificador piloto carregado com o leito de pedregulhos. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO


A Tabela 3 apresenta as principais características da
Tabela 1 – Caracterização das camadas do clarificador piloto.
Faixa de diâmetro dos
água bruta, e a Tabela 4 aponta as características das
Camada Espessura da camada (cm)
grãos (mm) outras águas em estudo: água decantada (considerando
1ª 18 19 a 25,4 as duas etapas da ETA) e tratada da ETA Castello Branco
2ª 10 12,7 a 19
e a água clarificada do clarificador piloto, obtidas durante
3ª 10 7,9 a 12,7
o período do teste.
4ª 10 4,8 a 7,9
Os mananciais Rio Capibaribe, Barragens Duas Unas e
5ª (topo) 10 2 a 4,8
Várzea do Una não apresentaram histórico de floração de
Fonte: elaboração própria.
algas, e foi observado o valor máximo de densidades igual
que não há a necessidade de se formarem flocos grandes a 140 células/mL no período de estudo. Os percentuais
e sim de desestabilizar as partículas, para que estas sejam dos gêneros de cianobactérias detectados na Barragem
retidas no meio granular do clarificador; assim, as dosa- Tapacurá encontram-se na Figura 3. O valor médio de
gens de coagulante utilizadas tendem a ser inferiores às densidade total de cianobactérias para o período de estudo

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 31-37 33


Santana, J.E. et al.

foi 49.713 células/mL, com valor máximo de 119.411 célu-


las/mL. As densidades de cianobactérias mantiveram-se
elevadas na Barragem Tapacurá, que já possui frequên-
cia de monitoramento semanal, conforme estabelecido na
Portaria GM/MS nº 888 de 4 de maio de 2021 (monito-
ramento semanal acima de 10.000 células/mL) (BRASIL,
2021), confirmando o histórico de florações.
Das espécies observadas no estudo, a maior contri-
buição foi do gênero Cylindrospermopsis, dominante até
mesmo nas amostras, já que as suas concentrações cor-
responderam a mais de 50% da densidade total de ciano-
bactérias (56,1%).
De acordo com o resultado das análises hidrobiológi-
cas, 85,8% das cianobactérias presentes na água bruta da
Barragem Tapacurá são filamentosas, com destaque para
Cylindrospermopsis, que foi dominante durante o período
de estudo. Além de ser reconhecidamente um gênero pro-
dutor de cianotoxinas (JIANG et al., 2020), estudos têm
mostrado que Cylindrospermopsis pode produzir e liberar
o metabólito geosmina, podendo conferir gosto e odor à
água (HO et al., 2012).
No período de estudo, os valores de cianotoxinas (micro-
cistina e saxotoxina) na água tratada da ETA Castello
Branco não ultrapassaram os limites preconizados pela
Portaria GM/MS nº 888, de 4 de maio de 2021 (BRASIL,
2021), mantendo-se com os resultados < 0,1 μg/L. Não
foram feitas as análises na água clarificada da ETA Piloto.
Fonte: elaboração própria. Conforme os resultados obtidos no teste piloto, observa-
Figura 2 – Descarga no clarificador piloto. -se que há diminuição nos parâmetros de cor e turbidez
médios (72,8 e 37,7%, respectivamente), quando feita a
Tabela 2 – Equipamentos utilizados nas medidas de turbidez e
cor aparente.
comparação da água clarificada com a água decantada da
Parâmetro Equipamento utilizado ETA Castello Branco. A cor da água clarificada da unidade
Turbidez Turbidímetro Hach 2100Q piloto conseguiu ser menor que a da água tratada da ETA
Cor aparente Colorímetro Digimed DM-COR em questão (redução de 20%), com a turbidez mantendo-
Fonte: elaboração própria. -se no mesmo patamar de ~ 0,5 uT. Contudo, deve-se ter
em vista que a água clarificada ainda passará pelos filtros
Tabela 3 – Características da água bruta que abastece a estação
descendentes, podendo esses parâmetros serem reduzidos
de tratamento Castello Branco.
Valores
ainda mais, com grande probabilidade de atingir-se a meta
Parâmetros
Máximo Médio Mínimo operacional de turbidez abaixo de 0,3 uT na água filtrada,
Cor (uC) 89 60 40 reduzindo o risco microbiológico para Cryptosporidium,
Turbidez (uT) 9,9 5,45 2 Giardia, vírus e bactérias. Isso porque, segundo Heller
Fonte: elaboração própria. et al. (2004), a água filtrada de um sistema de filtração bem

34 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 31-37


FAP (5 camadas) para tratamento de água com algas na estação de tratamento Castello Branco

Tabela 4 – Características das águas decantada (estação de tratamento), tratada (estação de tratamento) e clarificada (Piloto).
Decantada (ETA) Tratada (ETA) Clarificada (Piloto)
Parâmetros
Máximo Médio Mínimo Máximo Médio Mínimo Máximo Médio Mínimo
Cor (uC) 17,5 14,7 10 5 5 5 7 4 2,7
Turbidez (uT) 1,8 0,9 0,7 0,7 0,5 0,3 3 0,57 0,35
ETA: estação de tratamento de água.
Fonte: elaboração própria.

Tabela 5 – Clarificador com fluxo ascendente em pedregulho


com cinco camadas testado por Silva (2009).
Água
Camadas Parâmetro Água Clarificada
bruta
0,60 m – 2,0 a 4,8 mm (topo) Cor (uC) 182 < 1 a 14
0,30 m – 4,8 a 7,9 mm
0,20 m – 7,9 a 12,7 mm Turbidez
0,15 m – 12,7 a 19,0 mm 29,6 0,42 a 2,41
(uT)
0,15 m – 19,0 a 25,4 mm
Fonte: elaboração própria.

A análise de cianobactérias apresentada por ele na água


bruta gerou o resultado de 433 células/mL, muito abaixo
do valor médio encontrado na água bruta da ETA Castello
Branco (49.713 células/mL), mostrando que o clarificador
testado consegue reduzir os parâmetros de cor e turbidez
a níveis tão baixos quanto os de Silva (2009), mesmo com
alta concentração de cianobactérias.
Comparando-se os custos dos clarificadores de fluxo
ascendente com três (já implementados em algumas ETA)
Fonte: elaboração própria.
e cinco camadas de pedregulhos em escala real (Tabela 6),
Figura 3 – Percentual de contribuição da densidade dos gêneros
constata-se que o clarificador com três camadas de seixos
de cianobactérias em relação à densidade total nas amostras de
água da Barragem Tapacurá durante o período estudado. apresenta preço mais elevado, principalmente em razão
da maior altura total de seixos e da diferença na granu-
operado, com turbidez < 0,5 uT, pode alcançar remoção e lometria utilizada.
inativação de 99,9% de cistos de Giardia (quando a filtração Na prática, com a granulometria mais grossa, o cla-
é seguida de desinfecção); e, com turbidez < 0,3 uT, pode rificador de três camadas não consegue reter tão bem as
alcançar remoção de 99% de oocistos de Cryptosporidium. impurezas como o clarificador de cinco camadas. O gasto
A dosagem do coagulante utilizado no teste foi quase com água de processo (utilizada nas descargas) também
metade da utilizada na ETA, para obter cor e turbidez é menor para o segundo tipo. Estações de tratamento de
ainda menores, ou seja, menor gasto com coagulantes para efluentes de ETA com menor gasto de água de processo
obter água clarificada de melhor qualidade em compara- ficam mais atrativas economicamente, levando-se em conta
ção com a decantada. o menor volume de resíduos a ser tratado.
Silva (2009) testou um clarificador piloto cujos sei-
xos tinham a mesma granulometria deste trabalho, ope- 4. CONCLUSÕES
rando à taxa de 120 m3/m2.dia e obtendo os resultados da Com base no estudo realizado, pode-se concluir que
Tabela 5; a diferença encontrava-se na profundidade das o clarificador de fluxo ascendente com cinco camadas
camadas, que eram maiores que as praticadas neste estudo. produziu água clarificada com cor e turbidez médias

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 31-37 35


Santana, J.E. et al.

Tabela 6 – Custos dos clarificadores de fluxo ascendente com três e cinco camadas de seixo.
Clarificador com 3 camadas de seixos Clarificador com 5 camadas de seixos
Diâmetro: 3,7 m Diâmetro: 3,7 m
Gasto de água mensal com descargas*: 72 m 3
Gasto de água mensal com descargas*: 40 m3
Altura total das camadas: 2,10 m Altura total das camadas: 1,60 m
Camadas:
Camadas: 0,60 m – 19,0 a 25,4 mm
0,70 m – 24 a 36 mm 0,35 m – 12,7 a 19,0 mm
0,70 m – 19 a 36 mm 0,25 m – 7,9 a 12,7 mm
0,70 m – 12 a 19 mm 0,20 m – 4,8 a 7,9 mm
0,20 m – 2,0 a 4,8 mm
Valor estimado em 2019**: R$ 24.149,16 Valor estimado em 2019**: R$ 17.490,17
*Para a mesma qualidade e vazão de água bruta; **orçamento obtido com a empresa Construtora América Empreendimentos.
Fonte: elaboração própria.

menores que a água decantada (redução de 72,8 e 37,7%, sem mesmo passar pelo filtro descendente. Após a filtra-
respectivamente), redução de 20% da cor em relação à ção, a turbidez poderá atingir valores menores que 0,3
água tratada da ETA Castello Branco e turbidez média uT, e após clorada garantirá água tratada com mínimo
mantendo-se próxima de 0,5 uT. Com a dosagem de 30 risco microbiológico.
mg/L de sulfato de alumínio (metade da dosagem utili- Como próxima etapa dos estudos, recomenda-se acres-
zada na ETA), foi possível obter cor de 4 uC e turbidez centar outro piloto como filtro descendente, verificando-se
média de 0,57 uT (com mínima de 0,35 uT) na água cla- os percentuais de remoção de algas e fazendo-se uma ava-
rificada, alcançando-se valores próximos (e até menores) liação de cianotoxinas na água filtrada, haja vista que a cia-
que o preconizado pela portaria (água filtrada < 0,5 uT), nobactéria predominante (Cylindrospermopsis) as produz.

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© 2023 Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301005

Artigo Científico

Projeto básico de estação de tratamento


de água para reúso de efluente da lavagem
de veículos em lava-rápido
Basic design of water treatment station for
reuse of vehicle washing effluent in car wash

João Lucas Melo de Oliveira1* , Andressa Duarte Gil1 , Antonio Mardonis Silva Santos1 ,
Thaynara Ribeiro Felismino1 , Alexandre Saron1

RESUMO ABSTRACT
O presente trabalho teve como objetivo a elaboração de um projeto The present work had as objective the elaboration of a basic engineering
básico de engenharia de uma estação de tratamento de água para reúso project of a water treatment plant for the reuse of effluent from the
de efluente da lavagem de veículos em um lava-rápido da cidade de washing of vehicles in a car wash of the city of São Paulo in compliance
São Paulo, em atendimento ao Decreto Municipal nº 56.634/2015, o qual with municipal Decree No. 56,634/2015, which determines that car washes
determina que lava-rápidos da cidade de São Paulo pratiquem o reúso. in the city of São Paulo must practice water reuse. After visiting the car
Após visita ao lava-rápido utilizado como área de estudo, foram utilizadas wash used as the study area, normative references and technical literature
referências normativas e literatura técnica sobre o dimensionamento de on the subject were used to design a Water Treatment Plant for Reuse by
estação de tratamento de água para reúso (ETAR) pelo processo físico- the conventional physical-chemical process of continuous flow. In addition
químico convencional de fluxo contínuo. Além do dimensionamento, to the sizing, technical drawings, flowchart, implementation and operation
foram elaborados desenhos técnicos, fluxograma, custos de implantação costs, mass balance of total dissolved solids and evaluation of the Water
e operação, balanço de massa de sólidos dissolvidos totais e avaliação de Treatment Plant for Reuse environmental aspects and impacts were
aspectos e impactos ambientais da ETAR. Com as análises financeiras OPEX prepared. Through the OPEX and CAPEX financial analysis of the project,
e CAPEX do projeto, considerando-se o custo do consumo de água do local considering the cost of water consumption at the project implementation
de implementação do projeto, a estimativa de retorno do investimento site, the estimated return on investment was approximately 6 months,
ficou em aproximadamente seis meses, visto como bastante satisfatório. considered extremely satisfactory.

Palavras-chave: efluente oleoso; tratamento físico-químico; estação Keywords: oily wastewater; physical-chemical treatment; compact station;
compacta; análise econômica; balanço de massa. economic analysis; mass balance.

1. INTRODUÇÃO por tratamentos adequados para que a população e suas


Em razão da poluição ambiental nas áreas urbanas e atividades possam se utilizar de água apropriada e de boa
rurais, seja por esgotos domésticos ou industriais, seja qualidade (MOTA, 2016).
por vazamentos, disposição inadequada de resíduos sóli- Entretanto, muitos usos da água não exigem um nível
dos, emissões atmosféricas, entre outras formas de polui- de qualidade tão elevado quanto aquele necessário para
ção, a qualidade natural dos recursos hídricos (rios, lagos, o consumo humano. Logo, grande volume de água tra-
represas, córregos etc.) tem sido negativamente impactada. tada e potável é consumido em atividades como descarga
Com isso, é necessário que a água desses recursos passe de vaso sanitário, lavagem de quintais, calçadas e carros,

1
Centro Universitário Senac Santo Amaro – São Paulo (SP), Brasil.
*Endereço para correspondência: Avenida Engenheiro Eusébio Stevaux, 823, Santo Amaro. São Paulo, SP. CEP: 04696-000. e-mail: joao_lucasmo@hotmail.com

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 39-48 39


Oliveira, J.L.M. et al.

irrigação de plantas e hortas, entre outras atividades que 2,4 indica, segundo Von Sperling (2014), o uso de trata-
não exigem água potável. mento biológico, mas por ele possuir baixíssima carga
Em consciência disso, foi publicado na cidade de São orgânica (DBO), não seria viável manter o metabolismo
Paulo o Decreto Municipal nº 56.634, de 24 de novembro microbiano de uma tecnologia de tratamento biológico.
de 2015, o qual preconiza que postos de serviços e abas- Assim, é seguro afirmar que, para efluentes de lava-rápi-
tecimento de veículos e lava-rápidos devem instalar siste- dos, é indicado o tratamento físico-químico.
mas e equipamentos exclusivos para captação, tratamento Entretanto, deve-se avaliar a aplicabilidade do trata-
e armazenamento da água, visando a seu reúso em ativida- mento biológico e as características do efluente para cada
des que admitam o uso de água de qualidade não potável. caso. Subtil et al. (2016) alcançaram elevadas eficiências
Para subsidiar o projeto de uma estação de tratamento de tratamento do efluente de lavagem de caminhões utili-
de água para reúso (ETAR) em um lava-rápido e a escolha zando um contator biológico rotativo (DBO inicial = 169
da tecnologia de tratamento adequada, é necessário aten- ± 4 mg/L e DBO final = 14 ± 7 mg/L). Já Rodrigues et al.
tar-se aos parâmetros de qualidade do efluente da lavagem (2021) também utilizaram um sistema com uma etapa de
de veículos. A Tabela 1 apresenta os parâmetros de quali- tratamento biológico, neste caso um biodigestor.
dade de efluentes de lavagem de veículos em lava-rápidos. Altas concentrações de óleos e graxas no efluente
Observa-se que o pH de efluentes de lavagem de veícu- tornam necessária a etapa de separação de água e óleo,
los em lava-rápidos se situa próximo à neutralidade, dis- presente também em diversas outras propostas e siste-
tanciando-se pouco dessa característica, o que é benéfico mas de tratamento e reúso de efluentes em lava-rápidos.
para sistemas de tratamento que utilizam coagulação quí- Os principais processos de tratamento de água utilizados
mica por estar próximo da faixa de varredura otimizada em lava-rápidos são o tratamento físico-químico conven-
(RICHTER, 2009). Há uma quantidade considerável de cional por coagulação química, floculação, decantação
Escherichia coli, indicando a necessidade de desinfecção e filtração, além de variações de tratamentos biológicos
do efluente. A alta turbidez indica a presença de sólidos como contator biológico rotativo, filtro percolador anae-
suspensos e totais. róbio e biodigestor (ZANETI, ETCHEPARE e RUBIO,
Observando-se as concentrações de demanda bioquí- 2013; ALTHAUS e ROSA, 2014; CRUVINEL et al., 2015;
mica de oxigênio (DBO)5 e demanda química de oxigênio SUBTIL et al., 2016; CARVALHO, DUARTE e MANCA,
(DQO) do efluente, pode-se dizer que este possui fração 2020; RODRIGUES et al., 2021).
orgânica considerável em relação à fração inorgânica. Já os sólidos dissolvidos totais (SDT) não são efi-
A relação DQO/DBO desse efluente de aproximadamente cientemente removidos por sistemas biológicos nem

Tabela 1 – Parâmetros físicos, químicos e biológicos de efluentes de lavagem de veículos em lava-rápidos.


Valor
Parâmetro Unidade Zaneti, Etchepare e Rubio Althaus e Rosa Carvalho, Duarte e Manca Valores típicos
(2013) (2014) (2020)
pH – 7,4 ± 0,8 7,8 ± 0,005 6,4 ± 0,1 6a8
E. coli NMP/100 mL 2,1 . 10
4
– 1,98 . 10 4
2 . 104
Turbidez uT 103 ± 57 535 ± 3 – 319 ± 30
DBO5,20 mg/L 68,0 ± 13,0 75,0 ± 3,0 17 ± 2 53 ± 18
DQO mg/L 191,0 ± 22,0 – 64 ± 7 127 ± 15
Óleos e graxas mg/L – 65,6 ± 5,0 115,0 ± 3,0 180,6 ± 4,0
SDT mg/L 345,0 ± 27,5 – 356 ± 30 350 ± 29
DBO: demanda bioquímica de oxigênio; DQO: demanda química de oxigênio; SDT: sólidos dissolvidos totais.
Fonte: adaptado de Zaneti, Etchepare e Rubio (2013); Althaus e Rosa (2014); Carvalho, Duarte e Manca (2020).

40 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 39-48


Tratamento de água para reúso em lava-rápido

físico-químicos e, portanto, acumulam-se no sistema de realizada por equipamento automático do tipo rollover, o
tratamento. Esse parâmetro foi tratado como contami- qual consumia em média 90 litros de água por lavagem, e
nante crítico passível de análise de balanço de massa em a água era oriunda do sistema de abastecimento público,
outros trabalhos, assim como ocorreu neste, para a deter- sendo fornecida pela Companhia de Saneamento Básico
minação da fração máxima de reúso que se pode alcançar do Estado de São Paulo (SABESP).
(MORELLI, 2005; SUBTIL et al., 2016). Com base na referida média de veículos e no con-
Nesse contexto, este trabalho teve como objetivo a ela- sumo médio de 90 litros de água do equipamento de
boração de um projeto básico de engenharia, de acordo lavagem utilizado, estabeleceu-se a vazão de projeto da
com os critérios estabelecidos pela Resolução nº 361, de 10 ETAR em 9 m3/dia.
de dezembro de 1991, do Conselho Federal de Engenharia
e Agronomia (CONFEA), para uma ETAR de efluente da 2.2. Projeto da estação de
lavagem de veículos em um lava-rápido da cidade de São tratamento de água para reúso
Paulo, em atendimento ao Decreto Municipal nº 56.634/2015. Neste trabalho, optou-se pela utilização de tratamento físico-
-químico, como em diversas propostas apresentadas por
2. METODOLOGIA outros autores (MORELLI, 2005; ZANETI, ETCHEPARE
e RUBIO, 2013; ALTHAUS e ROSA, 2014; CRUVINEL
2.1. Determinação da vazão de projeto et al., 2015; CARVALHO, DUARTE e MANCA, 2020).
Em um primeiro momento, foi realizada uma visita téc- Suas principais etapas são comentadas brevemente, como
nica à área de estudo, um lava-rápido de um posto de ilustrado na Figura 1.
combustível na zona sul da cidade de São Paulo, para a A mistura (1) de produtos químicos, geralmente sul-
obtenção de informações a respeito do número de carros fato de alumínio a 50 mg/L, cloreto férrico a 25 mg/L e/
atendidos pelo lava-rápido, consumo de água e tecnolo- ou polieletrólitos (polímeros) para a coagulação na água
gia utilizada na lavagem e para a realização de registros bruta deve ser rápida (no máximo 5 segundos) e com alto
fotográficos. Com base na coleta de informações, eram gradiente de velocidade (entre 700 e 1.100 s-1), podendo
atendidos em média cem carros por dia, a lavagem era ser hidráulica ou mecanizada. Na etapa de floculação (2)

Fonte: Vesilind e Morgan (2015).

Figura 1 – Fluxograma do processo de tratamento físico-químico convencional da água.

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 39-48 41


Oliveira, J.L.M. et al.

ocorrerá a agregação de flocos de partículas e sólidos em Os custos associados ao descarte do lodo desidratado e
suspensão com baixo gradiente de velocidade. Em seguida, reposição do bag (em função do tempo de saturação/enchi-
os flocos formados serão separados da fase líquida por mento), assim como de manutenção e reposição dos equi-
processo de sedimentação (3) em escoamento laminar. pamentos, não foram contemplados, podendo fazer parte
A filtração (4) removerá partículas menores remanescen- de estudos complementares futuros, uma vez que o tipo de
tes. Por fim, a desinfecção com cloro (5) terá como função estrada e as condições climáticas podem afetar tais custos.
eliminar microrganismos patogênicos da água e realizar a Foram elaborados desenhos técnicos e fluxograma do
oxidação de outras impurezas causadoras de cor (RICHTER, projeto da ETAR, análise de balanço de massa de sóli-
2009; VESILIND e MORGAN, 2015; HOWE, et al., 2016). dos dissolvidos totais, avaliação do período de retorno
Procedeu-se ao dimensionamento da ETAR, utilizando do investimento (economia financeira gerada pelo reúso
como referências as normas brasileiras NBR 12216/92 para de água) e avaliação de aspectos e impactos ambientais.
parâmetros de projeto e NBR 16783/19 para parâmetros
de qualidade de água de reúso; Saron e Leite (2001) para o 2.3. Análise de balanço de massa
cálculo de produção de lodo; Richter (2009) para o dimen- de sólidos dissolvidos totais
sionamento das etapas de tratamento; e Azevedo Netto e Como o tratamento físico-químico convencional não é
Fernández (2018) para cálculos hidráulicos. eficiente na remoção de SDT, há a necessidade de analisar
O processo de tratamento de água da ETAR consiste em um balanço de massa para determinar a máxima fração de
coagulação química com sulfato de alumínio em mistura- reúso que pode ser usada para atender à NBR 16783/19, a
dor estático em linha, floculação mecanizada, decantador qual determina que o valor máximo de SDT na água para
convencional e filtro de dupla camada de areia e antracito. fins não potáveis deve ser de 2.000 mg/L.
Após o tratamento, o tempo de contato para a desinfec- Considerando-se que a lavagem de um veículo consome
ção com hipoclorito de sódio ocorrerá no tanque de água 90 litros de água, que o efluente tratado possui concentra-
tratada. Foram especificados diferentes equipamentos ção estimada de SDT em 328 mg/L (MORELLI, 2005) e
necessários à operação da ETAR, estimativa de custos de que a água potável fornecida pela rede pública possui con-
implantação e custos de operação, desenho técnico, fluxo- centração de SDT estimada em 50 mg/L, obtém-se a carga
grama, balanço de massa de SDT, avaliação do período de de SDT de 25.020 mg/L por veículo lavado. A Figura 2
retorno do investimento e avaliação de aspectos e impac- apresenta o balanço de massa do lava-rápido com reúso.
tos ambientais. A desidratação do lodo (enquadrado pela De acordo com Morelli (2005), o balanço de massa do
NBR 10004/2004 como resíduo sólido classe II A — não lava-rápido com reúso é dado pelas Equações 1, 2 e 3, em
perigoso e não inerte) será realizada com bag geotêxtil que F representa a fração de reúso:
vertical e o lodo desidratado posteriormente será desti-
nado a aterro sanitário por empresa de gerenciamento de (1)
resíduos sólidos habilitada.
Nos custos de implantação (CAPEX) da ETAR, foram Clavagem = [(1 – F) Cágua] + (F Creuso)(2)
considerados custos com equipamentos (caixa separadora
de água e óleo, bombas centrífugas, bombas dosadoras, Qlavagem = Qágua + Qreuso (3)
floculador mecânico, fluxostatos e misturador estático),
tubulações e seus acessórios, medidores de vazão, bag geo- 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
têxtil para desidratação de lodo, bombonas de produtos
químicos, painel elétrico, projetos hidráulico, civil e elé- 3.1. Características gerais
trico, tanques de água bruta e tratada, estrutura princi- A Tabela 2 resume as características da ETAR obtidas no
pal da ETAR e custos de mão de obra para sua instalação. dimensionamento.

42 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 39-48


Tratamento de água para reúso em lava-rápido

Fonte: Morelli (2005).

Figura 2 – Balanço de massa do lava-rápido com reúso.

Tabela 2 – Características da estação de tratamento de água Esses resíduos são armazenados e, de tempos em tempos,
para reúso obtidas no dimensionamento. devem ser devidamente encaminhados para aterro sanitário.
Dimensões (m)
Processo/equi-
Larg. x Comp. x Descrição/características O efluente livre de areia, óleos e graxas é então arma-
pamento
Altura zenado em um tanque, de onde é bombeado para o trata-
Bomba de
recalque de - Potência de 0,33 cv
mento. A jusante da bomba de recalque se encontram o
água bruta misturador estático e o ponto de dosagem do coagulante
Dosagem de sulfato de alumínio a sulfato de alumínio a 50 mg/L, o qual será responsável
Mistura rápida/ 50 mg/L com bomba dosadora e
-
coagulação misturador estático em linha (G = por desestabilizar sólidos coloidais em suspensão, pre-
1.000 s-1 e t = 5 s).
parando-os para a etapa subsequente (RICHTER, 2009).
Floculador mecânico de fluxo
Floculação
0,5 x 0,5 x 1 axial com potência de 0,25 cv e No floculador, ocorre a agregação das partículas coagula-
mecânica
gradiente de velocidade de 70 s-1
das com baixo gradiente de velocidade, formando flocos mais
Decantação Taxa de sedimentação de 25 m3/
convencional
0,5 x 0,72 x 1
m2 dia
densos, os quais irão sedimentar no decantador em regime
Filtro rápido de 0,45 m de carvão (antracito) e 0,25 de escoamento laminar. Após a decantação, a maior parte dos
0,5 x 0,2 x 1,9
dupla camada m de areia sólidos causadores de cor, turbidez, DBO e DQO presentes
Dosagem de solução de hipoclorito
de sódio a 5 mg/L com bomba
na água bruta é removida, estando a água com turbidez de
Desinfecção -
dosadora e tempo de contato cerca de 5 uT, além de 40 a 99% de microrganismos patogê-
mínimo de 30 min (V útil = 9,4 m3)
nicos (RICHTER, 2009; HOWE et al., 2016; RODRIGUES
Potência de 0,5 cv, tempo de
Bomba de
retrolavagem
- retrolavagem de 10 min e taxa de et al., 2017; LACERDA, RÄDER e LOPES, 2018).
60 cm/min.
Após a filtração, a qual promove a remoção de flocos
Desidratação de lodo com bag
Desidratação
1,0 x 1,0 x 1,5 geotêxtil vertical e posterior remanescentes, a água apresentará turbidez < 1 uT. No pro-
de lodo
destinação para aterro sanitário
cesso de desinfecção, com dosagem de hipoclorito de sódio
Fonte: elaborada pelos autores.
a 5 mg/L e contato no tanque de água tratada, é garantida a
ausência de microrganismos e a manutenção de cloro residual
3.2. Desenhos técnicos livre, estando a água pronta para ser utilizada no processo de
Na Figura 3 é apresentado o fluxograma do processo de lavagem de veículos (RICHTER, 2009; HOWE et al., 2016).
tratamento da ETAR. O desenho técnico do projeto da ETAR em vista supe-
O separador de água, areia e óleo promove a separa- rior (planta) é apresentado na Figura 4 e, em vista lateral
ção de areia, óleos e graxas presentes no efluente bruto. (corte), na Figura 5.

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Oliveira, J.L.M. et al.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 3 – Fluxograma do processo de tratamento da estação de tratamento de água para reúso.

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 4 – Desenho técnico do projeto da estação de tratamento de água para reúso em vista superior (planta).

3.3. Custos de implantação (CAPEX) e operação • consumo mensal de energia elétrica dos equipamentos
(OPEX) da estação de tratamento de água para reúso com base em suas potências, período de operação diá-
A estimativa do custo de implantação (CAPEX) do projeto, ria e na tarifa média de R$ 0,542/KWh em São Paulo;
levantada entre os meses de março e maio de 2021, é de • reposição mensal de sulfato de alumínio e hipoclorito
R$ 49.155,64, e seguirá para o cliente no desenvolvimento de sódio;
futuro do projeto executivo. A Tabela 3 apresenta os custos • reposição mensal do bag de desidratação de lodo;
de operação (OPEX) mensal da ETAR, os quais incluem: • transporte de lodo desidratado;

44 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 39-48


Tratamento de água para reúso em lava-rápido

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 5 – Desenho técnico do projeto da estação de tratamento de água para reúso em vista lateral (corte).

Tabela 3 – OPEX mensal da estação de tratamento de água • reposição de peças, equipamentos e leito filtrante;
para reúso. • análises laboratoriais mensais da água tratada (parâ-
Equipamento/material
Período de
operação
Potência
consumida
Custo
mensal
metros da NBR 16783/2019: pH, Escherichia coli, tur-
(h/dia) (kW) (R$) bidez, DBO5, cloro residual livre e SDT).
Bomba de recalque de água
12 0,24 47,33
bruta
3.4. Balanço de massa de sólidos dissolvidos totais
Bomba de retrolavagem 0,007 0,37 0,04
Resolvendo-se o balanço de massa para diferentes frações
Floculador mecânico 12 0,18 35,85
de reúso, foi determinado que o lava-rápido poderá utili-
Produtos químicos: sulfato de
- - 85 zar, para cada lavagem, 80% de água de reúso e 20% pro-
alumínio e hipoclorito de sódio
veniente da rede pública (ou outras fontes, como poços
Análises laboratoriais - - 200
devidamente outorgados e água de chuva com menor
Reposição de peças,
equipamentos e leito filtrante
- - 200 concentração de SDT) para atender aos requisitos de
Transporte de lodo desidratado - - 100
qualidade de água de reúso da NBR 16783/19, evitando
a corrosão de peças e pinturas dos carros lavados, como
Reposição de bag para
- - 289,44
desidratação de lodo mostrado na Tabela 4.
Total 957,66 A avaliação da fração de água de reúso que poderá ser
Fonte: elaborada pelos autores. utilizada deve ser recalculada periodicamente em função da

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 39-48 45


Oliveira, J.L.M. et al.

variabilidade da qualidade da água fornecida pela rede pública, Somando-se o OPEX mensal da ETAR com a conta
o que poderá ter influência da época do ano. A qualidade de água com reúso e subtraindo-se da conta de água sem
da água fornecida também pode sofrer variações em fun- reúso, tem-se a economia mensal proporcionada pelo pro-
ção da localidade, mesmo nos limites do mesmo município. jeto, de acordo com a Equação 4:

3.5. Avaliação do período de retorno Economia mensal = R$ 10.824,92 –


do investimento e viabilidade financeira (R$ 957,66 + R$ 1.705,40) = R$ 8.161,86 (4)
Sabendo-se que o lava-rápido poderá usar no máximo
80% de água de reúso nas lavagens dos veículos, é possí- Com o reúso, haveria economia mensal de R$ 8.161,86
vel estimar o período de retorno do investimento do pro- na conta de água. Dividindo-se o CAPEX do projeto
jeto. Deve-se levar em consideração também a tarifa de pelo valor economizado por mês, obtém-se o período
água e esgoto da Sabesp na cidade de São Paulo, a qual é de retorno do investimento em meses, de acordo com
apresentada na Tabela 5. a Equação 5:
Sem reúso, o lava-rápido consome 270 m3/mês de
água nas lavagens, o que gera o custo de R$ 10.824,92 (5)
com conta de água. Utilizando-se 80% de água de reúso
nas lavagens, esse consumo cai para 54 m3/mês, gerando Assim, o período de retorno do investimento é de seis
o custo de R$ 1.705,40 com a conta de água. meses. Logo, o projeto é financeiramente viável e atraente
do ponto de vista econômico.

Tabela 4 – Carga de sólidos dissolvidos totais na água de


lavagem para diferentes frações de reúso. 3.6. Avaliação de aspectos e impactos ambientais
F Creúso Clavagem Qágua Qreúso Qlavagem Qefluente A avaliação de aspectos e impactos ambientais foi reali-
(%) (mg/L) (mg/L) (L/veículo) (L/veículo) (L/veículo) (L/veículo)
zada para cada etapa do processo de tratamento da ETAR,
0 328 50 90 0 90 90
conforme a Tabela 6.
10 358,9 80,9 81 9 90 81
20 397,5 119,5 72 18 90 72
40 513,3 235,3 54 36 90 54
Tabela 6 – Avaliação de aspectos e impactos ambientais da
50 606 328 45 45 90 45
estação de tratamento de água para reúso.
60 745 467 36 54 90 36
Etapa Aspectos ambientais Impactos
80 1.440 1.162 18 72 90 18
Separação de
Geração de resíduos (areia e
90 2.830 2.552 9 81 90 9 água, areia e
óleo)
óleo
Fonte: elaborada pelos autores.
Recalque de Geração de ruídos e consumo
água bruta de energia elétrica Poluição sonora
Consumo de
Armazenamento e uso de recursos hídricos
Tabela 5 – Tarifa de água da Companhia de Saneamento Básico
produtos químicos, consumo Emissões
do Estado de São Paulo na categoria comercial comum, na Coagulação
de energia elétrica e geração atmosféricas
cidade de São Paulo, a partir de 15 de agosto de 2020. de ruídos Risco de
Classes de consumo Tarifa de água Tarifa de esgoto
contaminação do
Geração de ruídos e consumo
(m3/mês) (R$) (R$) Floculação solo e das águas
de energia elétrica
subterrâneas
Até 10 54,36/mês 54,36/mês Decantação Geração e transporte de lodo Risco de acidentes
com produtos
11 a 20 10,58/m 3
10,58/m 3
Filtração Geração de águas servidas químicos
21 a 30 20,27/m3 20,27/m3 Armazenamento e uso de
produtos químicos, consumo
31 a 50 20,27/m3 20,27/m3 Desinfecção
de energia elétrica e geração
Acima de 50 21,11/m3 21,11/m3 de ruídos
Fonte: Sabesp (2020). Fonte: elaborada pelos autores.

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Tratamento de água para reúso em lava-rápido

4. CONCLUSÕES A avaliação de aspectos e impactos ambientais da


Com a implantação da ETAR, o lava-rápido poderá uti- ETAR mostra que o principal impacto que pode ocorrer
lizar até 80% de água de reúso nas lavagens dos veículos, é a poluição sonora, devendo o empreendimento aten-
como demonstrado pelo balanço de massa de SDT, e aten- der às legislações trabalhistas relacionadas. Já os riscos
der aos critérios da NBR 16783/19 e ao Decreto Municipal de contaminação do solo, águas subterrâneas e acidentes
de São Paulo nº 56.634/15. A realização do projeto execu- com produtos químicos podem ser evitados alocando-se
tivo representa também relevante contribuição sustentável os tanques em pequenos diques de contenção apropriados
para o uso racional de água no meio urbano. e atentando-se ao correto cuidado no manejo do lodo e
Além disso, a conta de água do lava-rápido com lavagem das águas servidas da retrolavagem.
de veículos é de R$ 10.824,92 mensais. Com o reúso, esse Por fim, em projetos de reúso de água em lava-rápidos,
valor cai para R$ 1.705,4 por mês. Logo, considerando- recomenda-se a análise periódica da qualidade da água
-se o custo mensal de operação da ETAR, a estimativa fornecida pela rede pública para se reavaliar a fração de
de retorno do investimento com a economia na conta de água de reúso que poderá ser utilizada nas lavagens dos
água é de seis meses, caracterizando um projeto financei- veículos, a fim de manter a qualidade da água para reúso
ramente viável. nos padrões estabelecidos pela NBR 16783/2019.

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Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301006

Artigo Científico

Impactos da implantação de
fossas sépticas biodigestoras em comunidades rurais
Impacts of the implementation of
biodigester septic tank in rural communities

Marina Schulz de Cristo1 , Juscelino Alves Henriques2* , Darlan Clayton de Carvalho3

RESUMO ABSTRACT
As fossas sépticas biodigestoras são uma tecnologia social desenvolvida Biodigester Septic Tanks are social technologies developed by Empresa
pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) por meio Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), through interaction with
da interação com a comunidade, com o intuito de atender a população ao the community, in order to serve the population by solving the negative
buscar solucionar os efeitos negativos causados pelo lançamento de dejetos effects caused by the disposal of waste in rudimentary cesspools, water
em fossas rudimentares, cursos d’água ou diretamente no solo a céu aberto. courses or directly on the ground in the open. In the municipality of
No município de Aimorés/MG, tal tecnologia foi adotada pelo Programa Olhos Aimorés, Minas Gerais, this technology was adopted by the Programa
d’Água, criado pela instituição Instituto Terra, e vem sendo utilizada pelos Olhos d’água, created by Instituto Terra and has been used by residents
moradores das zonas rurais inseridos na bacia do Rio Capim. Nesse contexto, of rural areas, inserted in the Rio Capim basin. In this sense, the study
o estudo tem por objetivo avaliar os impactos da instalação das fossas sépticas aimed to evaluate the impacts of installing biodigester septic tanks, from
biodigestoras na perspectiva dos proprietários que delas usufruem. Para isso, the perspective of the owners who use them. For this, data was collected
foram feitas coleta de dados na instituição responsável pela instalação das from the institution responsible for installing the biodigester septic tanks
fossas e análise deles com a ferramenta online de formulários do Google and analyzing them through the online Google Docs Forms tool. With
Docs. Com isso, constatou-se que as fossas sépticas biodigestoras são uma this, it was found that the biodigester septic tanks are an alternative with
alternativa com alto índice de aceitação pela população rural e viável do ponto a high rate of acceptance by the rural population, being viable from a
de vista técnico e econômico, uma vez que apresenta baixa manutenção, fácil technical and economic point of view, since it has low maintenance, easy
instalação e baixo custo. installation, and low cost.

Palavras-chave: fossas sépticas biodigestoras; saneamento rural; tecnologia social. Keywords: biodigester septic tanks; rural sanitation; social technology.

quantidades elevadas de cargas poluidoras, ao se conside-


1 INTRODUÇÃO rar sua totalidade, representam um montante considerável
Segundo a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2019), lançado sem tratamento e de forma dispersa no ambiente,
o setor de saneamento no Brasil apresenta graves deficiên- podendo atingir cursos d’água e poços que poderão ser
cias de atendimento à população, especialmente àquela utilizados para o abastecimento humano.
localizada nas zonas rurais, onde apenas 4% dos domicí- O principal risco associado à disposição inadequada
lios estão ligados à rede geral, 16% utilizam fossas sépti- dos efluentes domésticos é a possibilidade de transmis-
cas, 64% possuem fossas rudimentares e 16% usam vala, são de doenças pelos organismos patogênicos presentes
rio, lago e mar. Efluentes líquidos gerados nas pequenas no esgoto in natura e/ou na água do lençol freático con-
propriedades rurais que, individualmente, não produzem taminado. Diante desse cenário que subjaz à população

1
Instituto Federal do Espírito Santo – Ibatiba (ES), Brasil.
2
Instituto Federal de Pernambuco – Afogados da Ingazeira (PE), Brasil.
3
Instituto Terra – Aimorés (MG), Brasil.
*Endereço para correspondência: Rua Edson Barbosa de Araújo, s/n, Manoela Valadares. Afogados da Ingazeira, PE. CEP: 56800-000. e-mail: henriqueskj@gmail.com

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Cristo, M.S.; Henriques, J.A. & Carvalho, D.C.

rural, com elevada carência de serviços de saneamento filtrante, o Clorador da Empresa Brasileira de Pesquisa
básico, é necessário que se apresentem soluções que sejam Agropecuária (Embrapa), entre outras já desenvolvidas,
acessíveis, seguras e de simples instalação, adequando-se, aperfeiçoadas e disseminadas, de simples e baixo custo
assim, às chamadas tecnologias sociais (TS). de implementação, que são fundamentais para garantir à
O termo TS, segundo Dagnino, Brandão e Novaes população rural uma convivência mais digna e em con-
(2004), advém de um movimento nominado Tecnologia cordância com o meio ambiente.
Apropriada (TA), criado na Índia no final do século XIX. Segundo Ribeiro et al. (2017), o papel dos agricultores
Os pensamentos dos reformadores daquela sociedade esta- familiares não deve ser de recebedores passivos das tec-
vam voltados para a reabilitação e o desenvolvimento das nologias prontas, mas de protagonistas na mobilização e
tecnologias tradicionais/convencionais como forma de apropriação dessas tecnologias nas comunidades, dadas
luta contra a injustiça social. Entre 1924 e 1927, Gandhi suas propriedades no conhecimento de tais realidades e
dedicou-se a construir programas que visavam à popula- de como seus ambientes se comportam.
rização da fiação manual, realizada em uma roca de fiar Várias são as TS criadas e utilizadas pela população rural
reconhecida como o primeiro equipamento tecnologica- para o tratamento de águas negras. No entanto, nesta pes-
mente apropriado, a charkha. quisa, foi abordado o uso de fossas sépticas biodigestoras
Entre os anos de 1970 e 1980, houve grande prolife- desenvolvidas pela EMBRAPA. A escolha deu-se por se
ração de grupos de pesquisadores das ideias de TA, bem tratar de uma tecnologia social de grande disseminação e
como significativa produção de artefatos tecnológicos que que substitui, a um custo acessível, as fossas rudimentares
objetivavam minimizar a pobreza nos países de Terceiro (NOVAES et al., 2002).
Mundo. Nessa mesma época, a preocupação com as ques- As fossas sépticas biodigestoras de tratamento de esgo-
tões ambientais e com as fontes alternativas de energia, de tos domésticos (SB) são unidades primárias de separa-
forma genérica, já começava a ser questionada pelos pes- ção e transformação da matéria sólida contida no esgoto
quisadores (DAGNINO, BRANDÃO e NOVAES, 2004). (CHERNICHARO, 1997). Consideradas como benfeitorias
Apesar de sua popularização, as TA perdem força nos complementares e necessárias às residências, são utilizadas
anos 1980, e passa a vigorar o marco das TS, que, segundo principalmente em zonas rurais. Seu uso é essencial para a
Dagnino, Brandão e Novaes (2004, p. 15), “ultrapassam a melhoria das condições de higiene das populações rurais
visão estática e normativa de produto previamente especi- (PERES, HUSSAR e BELI, 2010), no combate a doenças,
ficado” — característica das TA —, destacando-se a neces- verminoses e endemias, evitando o lançamento de dejetos
sidade de iniciar um processo nas condições dadas pelo humanos diretamente em rios, lagos, nascentes ou mesmo
ambiente específico onde ele terá de ocorrer. na superfície do solo (RAMOS, 2017).
Franzoni e Silva (2016, p. 355) definem as TS como “pro- Nesse contexto, a pesquisa teve como principal objetivo
dutos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvi- avaliar os impactos da instalação dessa tecnologia, sob a
das por meio da interação com a comunidade e que repre- perspectiva dos proprietários que as utilizam, tendo como
sentem efetivas soluções de transformação social”. Dessa grupo de análise os moradores da zona rural do municí-
forma, estabelece-se a aplicabilidade da inovação a diferen- pio de Aimorés/MG.
tes comunidades, tornando seu papel social mais efetivo.
Ainda assim, segundo Lassance Junior (2004, p. 8), as TS 2 METODOLOGIA
são criadas com o objetivo de “atender à dimensão humana
do desenvolvimento e aos interesses coletivos, garantindo, 2.1 Caracterização da fossa séptica biodigestora
de maneira sustentável, melhor qualidade de vida”. As fossas sépticas biodigestoras são importantes sistemas
São exemplos de tecnologias sociais no âmbito de para a substituição das formas rudimentares, também
saneamento rural a fossa séptica biodigestora, o jardim chamadas de fossas negras, que são tão difundidas nas

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Fossas sépticas biodigestoras em comunidades rurais

comunidades difusas e regiões periurbanas (POSTIGO


et al., 2017). A fossa SB (Figura 1) é composta de um
conjunto de três caixas de cimento amianto ou plástico
de 1.000 L cada [5 e 6], sendo a primeira caixa conectada
unicamente à tubulação do vaso, já que a água da pia e do
chuveiro não possuem potencial patogênico por causa do
uso do sabão e detergente, podendo também influenciar
negativamente na biodigestão dentro das caixas. A cone-
xão entre as caixas é feita por tubos de cloreto de polivi-
nila (PVC) de diâmetro de 100 mm, com curvas de 90º
[3] e T de inspeção [4] para ocasionais desentupimentos, Fonte: Novaes et al. (2002).

sendo necessário também um sistema de alívio de gases Figura 1 – Esquema do sistema da fossa séptica biodigestora de
tratamento de esgotos domésticos instalada.
[2] instalado nas tampas das caixas, que promoverá o esca-
pamento do gás metano CH4, produzido durante a bio-
digestão dos dejetos. O sistema deve ficar parcialmente
enterrado no solo para manter o isolamento térmico e em
uma área próxima à casa (NOVAES et al., 2002).
Ainda segundo Novaes et al. (2002), inicialmente na pri-
meira caixa devem ser adicionados 20 L de uma mistura de
50% de água e 50% de esterco bovino ou outro ruminante,
necessariamente fresco, através da válvula de retenção [1]
instalada antes da primeira caixa (Figura 2). Segundo Costa
e Guilhoto (2014), a função do esterco é inserir bactérias no
sistema, pois essas bactérias estão adaptadas à utilização da
matéria orgânica como substrato e podem utilizar eficien-
temente as fezes humanas em seus processos metabólicos.
Nas duas primeiras caixas que devem ser vedadas, Fonte: Instituto Terra (2013).

ocorre um processo de fermentação natural por meio de Figura 2 – Adição da mistura de esterco bovino e água na fossa
bactérias anaeróbias que atuam em ambiente sem oxigê- séptica biodigestora de tratamento de esgotos domésticos.

nio. Esses processos biológicos visam, principalmente, à


remoção de matéria orgânica, sendo realizados por uma nas caixas fermenta por aproximadamente 35 dias, período
grande variedade de microrganismos. Estes convertem a suficiente para uma adequada biodigestão (SCHOKEN-
matéria orgânica em gás carbônico, água e material celular, ITURRRINO, 1995 apud NOVAES et al., 2002).
havendo também a produção de metano (VON SPERLING, A coleta do efluente é feita por meio do registro de
2005 apud LEONEL, MARTELLI e SILVA, 2013). Com o esfera de 50 mm [item 7 — Figura 1] instalado na última
intuito de aumentar a atividade microbiana e a eficiência caixa. Caso não se queira aproveitar o efluente como
da biodigestão, a cada 30 dias se deve repetir o procedi- adubo e utilizá-lo para irrigação, pode-se montar na ter-
mento e acrescentar a mistura, com 5 L de água e 5 L de ceira caixa um filtro de areia (Figura 3), que permitirá a
esterco bovino fresco (BRITO, 2009). saída de água sem excesso de matéria orgânica dissolvida,
Esse sistema com três caixas é o indicado para uma famí- quando necessário. O resíduo que fica na terceira caixa,
lia composta de até cinco pessoas, resultando em média de resultado da filtragem, deve ser retirado e pode ser deposi-
1.500 L/mês lançados ao sistema. O material depositado tado no solo como adubo orgânico (NOVAES et al., 2002).

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da Vala, até desaguar no Rio Manhuaçu, afluente do Rio


Doce, a 10 km da sede do município.
Em consequência da realização indiscriminada de
queimadas em suas margens, desmatamento, excessivo,
uso da terra para pastagens, o Rio Capim encontra-
-se em acelerado processo de assoreamento e erosão,
até mesmo de desaparecimento por soterramento de
suas nascentes, o que provoca diminuição da quanti-
dade de água em seu leito, exigindo ações imediatas
Fonte: Novaes et al. (2002).
para sua recuperação. Por afinidade com a área que
Figura 3 – Filtro de área instalado na última caixa caso não seja abrange a bacia do Rio Capim, este rio foi então esco-
aproveitado o efluente para adubação.
lhido para compor a pesquisa com as fossas SB insta-
ladas nessa bacia.
A instituição responsável pela instalação das fossas
Segundo Silva, Marmo e Leonel (2017), o efluente tra- SB foi o Instituto Terra, organização sem fins lucrativos
tado, no fim do processo, é um adubo orgânico livre de com sede no município de Aimorés. Essa organização é
potenciais patógenos e com quantidade significativa de dedicada ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio
matéria orgânica e de nutrientes. A aplicação do efluente Doce, entre os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo
gerado da biodigestão sobre o solo, em culturas de con- (INSTITUTO TERRA, 2018).
sumo indireto, tem se mostrado eficiente, uma vez que, No âmbito da restauração ecossistêmica, o Instituto
concluídas as análises das amostras de solo, verificou- Terra desenvolveu o Programa Olhos d’Água, que tem
-se aumento da matéria orgânica e de alguns nutrientes por objetivo a recuperação de nascentes, aumentando não
(NOVAES, 2002 apud LIMA et al., 2012). somente a quantidade de água com a proteção delas, mas
Ainda segundo estudos realizados por Lima et al. (2012), também a qualidade da água da região. É uma das princi-
para que a fossa SB tenha melhor eficiência, recomenda- pais ações realizadas para alcançar o proposto, a instala-
-se que o lodo gerado no sistema seja removido a cada ção das fossas SB nas propriedades rurais que abrangem
três anos. No entanto, aquele aderido às paredes e depo- a bacia em questão (Figura 4).
sitado no fundo, em pequenas quantidades, não deve ser Segundo levantamento realizado pelo Instituto Terra,
removido, porque será importante para o desenvolvimento a microbacia do Rio Capim possui 474 nascentes e bene-
mais rápido de nova população bacteriana. ficia 300 produtores rurais. Sendo assim, o referido insti-
tuto propôs-se a implantar 180 fossas SB nas propriedades
2.2 Caracterização da área de estudo rurais que se sensibilizassem com a realização do programa.
O município de Aimorés está localizado na bacia Contudo, até o momento da pesquisa realizada,
hidrográfica do Rio Doce, região leste do Estado de haviam sido instaladas 124 fossas SB (Figura 5) entre
Minas Gerais. A área do município, segundo o Instituto os anos de 2012 e 2015 na bacia do Rio Capim, contem-
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017), é plando os distritos de Alto Capim [9], Conceição do
de 1.348,913 km², sendo 99,73% dessa área consti- Capim [4], Expedicionário Alicio [5], Mundo Novo de
tuída por zona rural. Minas [6], Penha do Capim [7], São Sebastião da Vala
A bacia do Rio Capim está totalmente inclusa na zona [8] e Tabaúna [3] (GOMES, 2015). A área considerada
rural do município de Aimorés, nascendo no distrito de Alto como sede e o distrito de Santo Antônio do Rio Doce
Capim e banhando os distritos de Conceição do Capim, não receberam a instalação de fossas SB por estarem
Expedicionário Alicio, Penha do Capim e São Sebastião fora da abrangência da bacia do Rio Capim.

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Fossas sépticas biodigestoras em comunidades rurais

Fonte: elaborada pelos autores.

Figura 4 – Limites do município de Aimorés com indicação de distritos e delimitação do Rio Capim.

Aimorés, que receberam as fossas SB, uma pesquisa de


campo por meio de questionário formulado por seus
técnicos, de modo a gerar dados quantitativos. O resul-
tado desse tipo de pesquisa é obtido de dados numéricos
sobre a preferência e o comportamento do consumidor
de determinado grupo ou sociedade. O total de questio-
nários realizados até o mês de junho (49) corresponde
à amostragem de 39,5% do valor total de fossas SB ins-
taladas na localidade.
Os questionários foram aplicados de forma presen-
cial e por telefone aos proprietários rurais contempla-
Fonte: elaborada pelos autores.
dos pelo programa. Após realizarem os questionários,
Figura 5 – Instalação das fossas sépticas biodigestoras de
tratamento de esgotos domésticos nas propriedades rurais estes foram incluídos em uma ferramenta online deno-
com a participação da comunidade rural. minada Formulários do Google Docs, na qual os dados
foram analisados por meio de gráficos gerados pela
2.3 Aquisição de dados própria ferramenta. Os dados foram adquiridos para
Entre dezembro de 2017 e junho de 2018, o Instituto este trabalho mediante concessão do Instituto Terra,
Terra realizou nas propriedades rurais do município de responsável pela coleta.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO estudos, eles eram responsáveis pelo apoio em casa, aju-
Por meio do estudo realizado, foi possível identificar a instalação dando na subsistência da família, o que tornava o estudo
de 124 fossas SB nos distritos de Aimorés/MG, distribuídas entre uma necessidade secundária.
os distritos de Tabaúna, Conceição do Capim, Expedicionário Apesar de a internet móvel já ser uma realidade no inte-
Alicio, Mundo Novo de Minas, Penha do Capim, São Sebastião rior do município de Aimorés, mais da metade (51%) da
da Vala e Alto Capim. No entanto, não foi possível identificar população rural aimoreense ainda não possui acesso. Esse
a localização da maioria das fossas SB instaladas no município índice, segundo estudos do IBGE (2018), está ligado ao nível
por não haver descrição exata dessas localidades nos dados de instrução, pois quanto mais baixo o nível de escolaridade
analisados, ficando as fossas distribuídas conforme a Figura 6. menores são as chances de as pessoas utilizarem a internet.
Segundo levantamento, os responsáveis pela manu- Segundo o levantamento, 79,6% dos proprietários que
tenção de 77,6% das fossas SB são os proprietários, e essa receberam as fossas SB possuem renda média de até dois
função é desempenhada predominantemente por homens salários-mínimos, diferentemente do restante, que chega
(81,6%), com idade entre 25 a 76 anos. a receber entre dois e quatro salários-mínimos. Para se
No que concerne ao grau de escolaridade dos produtores obter uma das fossas SB no mesmo modelo, foi realizado
rurais, nota-se maior presença de produtores com ensino um levantamento de custo para sua instalação com valores
médio concluído (Figura 7) em comparação com aqueles fornecidos por lojas de materiais de construção situadas na
que apresentam baixo grau de ensino, muitos dos quais não sede de Aimorés/MG, sendo a média de preço de R$ 1.660
chegaram nem sequer a concluir o ensino fundamental. (apenas material de construção). Esse valor é compatível
O fato de mais da metade apresentar nível fundamen- com o que é proposto pelo conceito de tecnologia social,
tal completo e incompleto pode ser justificado pela condi- iniciativa mais eficaz para a solução dos problemas sociais
ção financeira de muitos deles. Em vez de priorizarem os relacionados a políticas públicas que abordem a relação
ciência-tecnologia-sociedade, num sentido mais coerente
com a realidade (DAGNINO, BRANDÃO e NOVAES,
2004), podendo ser facilmente reaplicada a baixo custo.
Das fossas SB, 85,7% foram instaladas nas sedes das pro-
priedades e continuam sendo utilizadas em 93,9% delas.
Para aquelas que foram desativadas, um dos prin-
cipais motivos era o fato de apresentarem mau cheiro
— o que, segundo a cartilha produzida pela Fundação
Banco do Brasil (2010), seria um indicativo de que a
Fonte: elaborada pelos autores. fossa SB não estaria funcionando bem por não receber
Figura 6 – Distribuição de fossas sépticas biodigestoras de os cuidados mínimos indicados. Há também a questão
tratamento de esgotos domésticos por distrito.
da falta de mão de obra para realizar a manutenção,
outro dos quesitos apontados como motivação para a
desativação das fossas SB, conforme apontado no ques-
tionário. Algumas das fossas foram desativadas por não
haver moradores (o que justificaria a não produção de
adubo, em alguns casos, no fim do processo, conforme
resultados demostrados posteriormente).
Conforme orientação dos técnicos durante as visitas
Fonte: elaborada pelos autores.
para a apresentação das fossas sépticas, todos estão utili-
Figura 7 – Nível de escolaridade da população rural que foi
inserida no programa Olhos d’Água. zando mistura de esterco bovino e água (10 L de esterco

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Fossas sépticas biodigestoras em comunidades rurais

para 10 L de água) nas fossas. A frequência do uso do de hortaliças (FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL, 2010),
esterco foi indicada em 80% das fossas, adicionando-se a aumentando a produtividade agrícola, uma vez que con-
mistura de 30 em 30 dias, porém 20% das fossas SB estão tém nutrientes importantes para o desenvolvimento das
recebendo a mistura em frequência diferente do indicado; plantas (FAUSTINO, 2007).
segundo Pires (2014), isso pode gerar o mau funciona- Entretanto, em 49% dos casos, o efluente final é des-
mento de algumas fossas SB. A frequência inadequada do cartado, segundo os usuários, por não possuir (63,6%)
uso do esterco pode ter ligação com a falta de informação utilidade necessária na propriedade. Outros 27,3% não
transmitidas durante a instalação das fossas. possuem mão de obra para utilizar o adubo e 4,5% consi-
Não existe indicação sobre a procedência do esterco, deram complicado o uso. O adubo que não é descartado é
porém, segundo orientação de Silva, Marmo e Leonel utilizado, em sua maior parte, em pastagens (26,5%), cul-
(2017), é necessário que ele esteja fresco para ser mistu- turas (milho, feijão e café — 10,1%) e árvores frutíferas
rado com a água e incluído na fossa SB. Em 91% dos casos (4,1%); 8% afirmam que não produziram adubo suficiente
o esterco é coletado na propriedade e demora cerca de 15 para o uso, e, apesar de não isto ser o indicado segundo
minutos, em 69% dos casos, para ser misturado com a água Silva, Marmo e Leonel (2017), 2% dos entrevistados uti-
e depositado na fossa SB. Não houve valor considerado lizam o adubo em hortaliças. Para os usuários que estão
para aqueles que demoram mais de 24 horas para coletar aproveitando o adubo em suas propriedades, os resulta-
o esterco e adicioná-lo à fossa SB; assim, os problemas de dos alcançados são considerados bons em 92% e muito
manutenção apresentados não estão ligados ao tempo de bons em 4% dos casos; o restante considera-os regulares.
coleta do esterco até sua utilização. Durante a análise dos resultados, pode-se concluir que
Com o intuito de proteger o sistema das caixas, como as fossas SB não são de difícil manutenção, já que 93,9%
é aconselhado por Pires (2014), 46,9% das fossas SB estão dos entrevistados afirmam que não enfrentam/enfrentaram
cercadas para que seja evitado o trânsito de animais e pes- dificuldade em sua manutenção, e apenas 6,1% afirmam
soas próximo às fossas SB. Os demais, que afirmaram não que sim — porém estes, apesar de terem alguma dificul-
cercar as fossas, não declararam se tiveram problemas por dade, não solicitaram orientação técnica para solucionar
conta da falta da cerca, tendo em vista que é aconselhado os problemas enfrentados.
pela cartilha da Fundação Banco do Brasil (2010) que as No questionário, no ícone aberto para outros proble-
fossas SB sejam instaladas próximo às casas, onde não mas enfrentados, alguns entrevistados citaram a presença
sofreriam pisoteio de grandes animais, com probabilidade de insetos como moscas e pernilongos em excesso pró-
de quebra das tampas. ximo à casa após a instalação das fossas SB, assim como o
Segundo Costa e Guilhoto (2014), as duas primeiras odor forte e característico de esgoto. A situação apontada
caixas, onde ocorre o processo de biodigestão, devem ser pode ser um agravante para a aceitação da fossa SB pelos
enterradas no solo com as tampas pintadas de preto, favo- usuários e um indicativo da falta de manutenção correta.
recendo a absorção de radiação e o aumento da tempera- Entretanto, para 81,6% dos entrevistados, não houve qual-
tura. Apesar disso, em 91,8% dos casos, os responsáveis quer tipo de reclamação sobre fatos acontecidos após a
pela manutenção afirmam que as tampas ainda não tive- instalação das fossas SB.
ram necessidade de ser repintadas de preto, como indi- Para uma tecnologia ser aceita por muitas pessoas, é
cado nas orientações. necessário que ela seja vista com bons olhos por aqueles
Um dos grandes benefícios da instalação das fossas SB que já a utilizam. Assim, é importante ressaltar a quan-
é o resultado gerado na terceira caixa. O adubo líquido tidade de pessoas que apreciam os resultados apresenta-
pode ser utilizado na adubação do solo de pastagens, de dos em sua propriedade com a instalação das fossas SB.
culturas frutíferas e outras de ciclo longo, como canaviais São apontados 93,9% de entrevistados com avaliação de
e paineiras, bem como no preparo do solo para o cultivo bom e muito bom resultado, o que é um elevado grau de

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confiabilidade pelos usuários. Por conseguinte, 95,9% e controle da poluição dos ambientes aquáticos, entre
indicariam a instalação das fossas SB para seus vizinhos outros. Outro fato relevante é o custo para a aquisição
e amigos. dos materiais de construção de tal sistema, que ficam
abaixo de R$ 2.000,00, sendo necessária apenas a mão
4 CONCLUSÕES de obra. Esta, por sua vez, pode ocorrer de forma cola-
Dessa forma, conclui-se que os efeitos da instalação das borativa (o que é característica imprescindível para as
fossas sépticas biodigestoras foram positivos por apresen- TC) entre os membros da comunidade, com a mentoria
tarem boa aceitação pela população rural, baixo custo de de um profissional qualificado.
implantação e pouca necessidade de manutenção. Além Por fim, verifica-se a efetividade do sistema e a
disso, elas alcançaram o que é proposto para se adequarem satisfação dos usuários (93,9%), de modo tal que 95,9%
a uma tecnologia social, sendo de fácil expansão e, assim, dos entrevistados indicam sua utilização para outras
promovendo maior qualidade de vida da população, sus- famílias. Essa confiabilidade é um aspecto relevante
tentabilidade ambiental e melhoria da saúde ambiental. para a disseminação da tecnologia, sobretudo por
Constata-se, ainda, a importância dessa tecnolo- sua consolidação no meio e pela garantia quanto ao
gia social para o desenvolvimento da população rural, entendimento do que preconiza o Plano Nacional de
sobretudo na agricultura de subsistência, na prevenção Saneamento Rural.

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© 2023 Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301007

Artigo Científico

Análise dos potenciais benefícios socioambientais


na coleta seletiva ponto a ponto em Belo Horizonte,
Minas Gerais, Brasil
Analysis of the potential social and environmental benefits of green points
selective collection in Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil

Manuella Faustina de Castro Pimenta1* , Arthur Couto Neves1 ,


Daniel Brianezi1 , Gisele Vidal Vimieiro1

RESUMO ABSTRACT
A gestão dos resíduos sólidos urbanos nos municípios brasileiros pode ser Urban solid waste management in Brazilian cities can be improved
melhorada com a implementação da coleta seletiva, visto que a reciclagem with selective waste collection implementation since recycling is an
é uma alternativa ambientalmente adequada para sua destinação. Em Belo environmentally adequate alternative for the destination of waste. In
Horizonte/MG (Brasil), as coletas de recicláveis são realizadas por meio das Belo Horizonte, Minas Gerais (Brazil), the collection of recyclables is
modalidades porta a porta e ponto a ponto. Esta última possui o atrativo carried out through green points and door-to-door systems. The latter
de permitir o acesso da população 24 horas ao dia, tornando-se uma has the attraction of allowing the population access 24 hours a day,
potencial geradora de benefícios por permitir a reutilização de materiais, a generating potential benefits through material reuse, avoiding landfills
não destinação para aterro, entre outros impactos positivos. O objetivo deste usage, among other positive impacts. Therefore, the objective of this
trabalho foi estimar o potencial de coleta dos resíduos sólidos recicláveis para work was to estimate the potential of recyclable solid waste collection,
a modalidade ponto a ponto e valorar os possíveis benefícios socioambientais to the green point system and to value the possible socio-environmental
obtidos com a reciclagem desses resíduos em Belo Horizonte. Para tanto, foi benefits obtained from recycling these wastes in Belo Horizonte. The
estimada a geração de resíduos potencialmente recicláveis pela população generation of recyclable potential waste by the population with access to
atendida nessa modalidade, o que permitiu a análise em dois cenários de this system was estimated, which allowed the analysis of two scenarios
coleta dos resíduos recicláveis. Com base nisso, foram estimados tanto os of recyclable waste collection. In this context, both the economic and
benefícios econômicos quanto o benefício total. Como resultado, estimou- total benefits were estimated. As a result, it was estimated that in 2019,
se que em 2019 tenham sido geradas 22 t/dia de resíduos potencialmente around 22 t/day of recyclables were generated by the population served
recicláveis pela população atendida na modalidade ponto a ponto. Todavia, in the green point modality. However, it was observed that the capacity
observou-se que a capacidade dos contenedores e a frequência de coleta of the containers and the frequency of collection allowed larger waste
permitiam maior recepção desses resíduos. Entre os aspectos analisados, storage. Only in the scenario of larger waste collection obtained a
apenas no cenário de maior coleta dos resíduos foi verificado um benefício positive benefit, between the analyzed aspects, demonstrating that
positivo, demonstrando que uma maior participação popular é essencial greater popular participation is essential for a positive balance during
para um saldo positivo durante o processo de reciclagem. the recycling process.

Palavras-chave: reciclagem; valoração ambiental; coleta ponto a ponto. Keywords: recycling; environmental valuation; green points collection.

1 INTRODUÇÃO consequentemente, de sua produção. A postura da socie-


O desafio que envolve a geração de resíduos sólidos urba- dade contemporânea com relação à utilização crescente
nos (RSU) e sua gestão tem se tornado cada vez mais crí- de produtos com menores ciclos de vida e embalagens
tico em razão, principalmente, do aumento do consumo e, descartáveis também tem contribuído para a situação de

1
Centro Federal Tecnológico de Minas Gerais – Belo Horizonte (MG), Brasil.
*Endereço para correspondência: Avenida Amazonas, 5.253, Nova Suíssa. Belo Horizonte, MG. CEP: 30421-169. e-mail: manuellafaustina@gmail.com

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Pimenta, M.F.C. et al.

precariedade da gestão de RSU, na qual se destaca sua ina- recicláveis foram encaminhados para as unidades de
dequada disposição final como um dos principais proble- triagem da cidade (PBH, 2016). Pode-se ressaltar que a
mas ambientais e sanitários do mundo (BARROS, 2012; proporção de RSU encaminhada para reciclagem está
GONÇALVES, TANAKA e AMENOMAR, 2013). relacionada a diversos fatores, não somente à restri-
Entre os impactos sobre a saúde e o meio ambiente ção de abrangência do modo de coleta, mas também à
também associados à indevida gestão de RSU, desta- participação da população, que é essencial para o bom
cam-se: a proliferação de vetores de doenças, como funcionamento da coleta seletiva (PORTO, SCOPEL e
dengue; a contaminação de corpos d’água, do solo e BORGES 2020).
do ar; além de doenças respiratórias (HOORNWEG e Desse modo, torna-se importante estimar os bene-
BHADA-TATA, 2012). Esses impactos são recorrentes fícios gerados pela coleta seletiva, especialmente a
no Brasil, uma vez que cerca de 40% de todos os RSU ponto a ponto, como forma de demonstrar os impac-
gerado no país são dispostos de forma inapropriada tos positivos dessa alternativa de destinação dos resí-
(ABRELPE, 2020). duos. Diante disso, o objetivo deste trabalho foi estimar
Em Minas Gerais, diversos municípios apresentam difi- o potencial de coleta dos resíduos sólidos recicláveis
culdades no manejo de resíduos sólidos e optam, muitas para a modalidade ponto a ponto e valorar os possíveis
vezes, pelo depósito desses resíduos em vazadouros a céu benefícios socioambientais obtidos com a reciclagem
aberto (lixões), destino potencialmente danoso e preju- desses resíduos em Belo Horizonte.
dicial ao meio ambiente (BARROS, SILVA e MIRANDA,
2005; BARROS, 2012; FEAM, 2016). No entanto, no caso 2 METODOLOGIA
de Belo Horizonte, Minas Gerais, desde a década de 1970, O município estudado foi Belo Horizonte, capital do estado
o município destina seus resíduos de forma ambiental- de Minas Gerais, que apresenta área territorial de apro-
mente adequada por meio da reciclagem (PBH, 2017). ximadamente 331 km², distribuída em nove regionais:
Salienta-se que tal processo consiste na alteração das pro- Barreiro, Pampulha, Nordeste, Oeste, Noroeste, Norte,
priedades dos resíduos sólidos recicláveis, com vistas a sua Centro-Sul, Leste e Venda Nova (PBH, 2018). A popula-
transformação em insumos ou novos produtos (BRASIL, ção estimada em 2021 era de mais de 2,5 milhões de habi-
2010; BARROS, 2012). tantes (IBGE, 2022).
Destaca-se que, a partir de 2003, o serviço de coleta A estimativa da geração de resíduos potencialmente
de resíduos recicláveis em Belo Horizonte ocorre em duas recicláveis pela população atendida na coleta seletiva
modalidades: a coleta porta a porta e a coleta ponto a ponto a ponto, em Belo Horizonte, foi realizada com base
ponto. A modalidade porta a porta, no início de 2021, no raio de atendimento de 370 m dos LEV, da densidade
atendia 45 bairros, alcançando população superior a populacional do município, da quantidade de LEV, da
450 mil habitantes na capital mineira (PBH, 2017; SLU, composição gravimétrica e da geração per capita diária de
2021). Por outro lado, a coleta seletiva ponto a ponto tem resíduos domésticos (PEIXOTO, 2006; SLU, 2019, 2020).
maior abrangência, com 76 locais de entrega voluntá- Salienta-se que a regional Noroeste não apresenta coleta
ria (LEV) distribuídos em pontos públicos com grande dos resíduos de papel, plástico e vidro.
movimentação populacional em todas as regionais de Para fins comparativos, foram considerados dois cená-
Belo Horizonte, além de estar à disposição 24 horas por rios de coleta dos resíduos:
dia (PBH, 2017; SLU, 2018). A. coleta dos resíduos potencialmente recicláveis
Entretanto, a abrangência do programa de coleta que a população atendida pelos LEV já destina à
seletiva de Belo Horizonte ainda se mostra restrita. Em coleta seletiva;
levantamento realizado pelo município, os dados reve- B. coleta dos resíduos potencialmente recicláveis, consi-
laram que apenas 11% dos resíduos potencialmente derando-se a capacidade total dos contenedores.

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Análise dos benefícios socioambientais na coleta seletiva

2.1 Estimativa dos benefícios econômicos O custo de energia elétrica foi considerado igual a 227
da reciclagem R$/MWh, de acordo com CCEE (2020). Já o custo do
A valoração econômica foi estimada com os benefícios consumo de água foi igual a 13,43 R$/m³ (CEDAE, 2019;
decorrentes da redução do consumo de água e energia, CESAN, 2019; COPASA, 2019; SABESP, 2020). Ambos os
de acordo com a Equação 1. valores foram utilizados para os cálculos dos dois benefícios.
Para os dados de produção primária (material virgem)
𝐵𝐸X𝑖 = 𝐶X 𝑥 𝑄X𝑃𝑖−(𝐶X 𝑥 (𝑄X𝑆𝑖 𝑥 𝑃𝑀𝑆𝑖 + 𝑄𝐸𝑃𝑖 𝑥 𝑃𝑀𝑃𝑖))(1) e produção secundária (sucata), foram utilizados os valo-
res da Tabela 1 (IPEA, 2010).
Em que:
𝐵𝐸X𝑖 = benefícios econômicos da energia elétrica/água 2.2 Benefício total
para o material i (R$); A determinação do benefício total foi obtida da soma dos
𝐶X = custo da energia elétrica (227 R$/MWh) para água benefícios totais e dos da não disposição dos resíduos em
(13,43 R$/m³); aterros sanitários, com posterior subtração do custo da
𝑄X𝑃𝑖 = quantidade de água (m³) ou energia (MWh) utili- coleta convencional, conforme a Equação 2.
zada na produção primária de uma tonelada de material;
𝑃𝑀𝑃𝑖 = porcentagem do material primário no material i; 𝐵𝑇𝑖 = (𝐵𝐸𝑇𝑖 + 𝑁𝐷𝐴 – 𝐶𝐶) 𝑥 𝑄𝑀(2)
𝑄X𝑆𝑖 = quantidade de água (m³) ou energia (MWh) utili-
zada pela produção secundária de uma tonelada de material; Em que:
𝑃𝑀𝑆𝑖 = porcentagem do material secundário no material i; 𝐵𝑇𝑖 = benefício total (R$);
X = água/ energia elétrica; 𝐵𝐸𝑇𝑖 = benefícios econômicos totais (R$);
𝑖 = tipo de material. 𝑁𝐷𝐴 = benefício da não disposição em aterros sanitários (R$);
𝐶𝐶 = custo de coleta (R$);
As porcentagens de sucata e material primário na pro- 𝑄𝑀 = quantidade de material que será reciclado (t).
dução dos novos produtos ou insumos foi determinada
de acordo com as porcentagens encontradas na literatura. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dessa forma, considerou-se que a composição de mate-
riais recicláveis para o plástico é de 40%, para os metais é 3.1 Diferença entre os cenários de coleta de
de 90% e, para o vidro e o papel, de 25%. Ressalta-se que resíduos recicláveis
para a definição dessas porcentagens foram consideradas São geradas aproximadamente 22 toneladas de resíduos
as garrafas PET e as latas de alumínio como representan- potencialmente recicláveis, diariamente, pela popula-
tes dos plásticos e dos metais, respectivamente (PRADO, ção atendida pela coleta seletiva ponto a ponto em Belo
2007; BITTENCOURT, 2013). Horizonte. Contudo, o quantitativo de resíduos coletados

Tabela 1 – Quantidade de energia e água utilizadas nas produções primária e secundária.


Material
Consumo na produção Recurso
Metal Papel Vidro Plástico
Energia (MWh/t) 20,53* 5,25** 1,58 3,04
Primário
Água (m³/t) 14,6* 42,94** 2,24 4,28
Energia (MWh/t) 2,23 3,02 0,71 0,75
Secundária
Água (m³/t) 0 0,86 6,54 2,79
*Foi considerado o alumínio como o representante dos metais para a estimativa do quantitativo de água e energia gasto no processo; **foram considerados os materiais
derivados do papel, com exceção da celulose e das embalagens de papel, como representantes do papel para a estimativa do quantitativo de água e energia gasto no processo.
Fonte: Prado (2007), ALCOA (2015; 2019), Beyound Always (2018), Brasken (2018), EPE (2018), Klabin (2019), West Rock (2019).

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Pimenta, M.F.C. et al.

mantém-se abaixo do esperado, visto que os contenedo- Tal resultado pode ser reflexo da carência de estímu-
res comportam aproximadamente quatro vezes o volume los educacionais que convençam a população da impor-
total gerado no município, mas apenas 4% deste é enca- tância da coleta seletiva, além da falta de disseminação
minhado para as unidades de triagem. do conhecimento sobre como os habitantes podem ado-
Em 2020, a taxa de cobertura da coleta seletiva em tar uma participação mais ativa. Dessa forma, tornam-se
relação à população urbana, em Belo Horizonte, foi de necessários crescentes investimentos da gestão pública em
15,36% para a modalidade porta a porta. Entretanto, em programas de conscientização ambiental que busquem
comparação aos resultados estimados para outras capitais demonstrar a importância de estratégias como a redu-
brasileiras como Rio de Janeiro (61,80%), São Paulo (79%) ção no consumo e a reutilização dos resíduos (PORTO,
e Porto Alegre (100%), pode-se observar que o municí- SCOPEL e BORGES, 2020).
pio mineiro apresenta resultados abaixo da média (SNIS, Quanto mais próximos os pontos de entrega voluntária
2021). De acordo com Bringhenti (2004), a menor taxa de estão das residências, mais estimulada a população se sente a
cobertura na coleta seletiva pode ser consequência, entre contribuir efetivamente com a coleta seletiva (GONZÁLEZ-
outros fatores, da descontinuidade política, de limitações TORRE e ADENSO-DIÁZ, 2005). Nesse sentido, não coin-
financeiras e do baixo interesse da população pela desti- cidentemente, as regionais mais participativas são também
nação dos resíduos. as com maior número de pontos de entrega voluntária em
Apesar disso, as diferenças encontradas entre a coleta seu território. Estima-se que, em conjunto, as regionais
de resíduos recicláveis nos cenários A e B demonstram Pampulha, Oeste e Centro-Sul apresentem 6.600 habitan-
potencial para a participação popular nas atividades de tes/LEV, o que representa um quantitativo duas vezes maior
reciclagem (Tabela 2). que a média municipal (PBH, 2017; SLU, 2021).

Tabela 2 – Cenários A e B para a coleta de recicláveis pelos locais de entrega voluntária (t/dia).
Cenário Regional Papel Plástico Metal Vidro Total
Leste 0,023 0,023 0,005 0,006 0,060
Oeste 0,050 0,059 0,012 0,024 0,140
Pampulha 0,120 0,113 0,027 0,038 0,300
Centro-Sul 0,027 0,024 0,004 0,069 0,120
A Norte 0,010 0,013 0,003 0,004 0,030
Venda Nova 0,032 0,04 0,008 0,006 0,090
Barreiro 0,013 0,018 0,003 0,011 0,050
Nordeste 0,036 0,044 0,010 0,012 0,100
Noroeste NA NA NA 0,005 0,005
Leste 0,760 0,970 2,510 0,670 4,900
Oeste 1,730 1,650 4,310 2,330 10,020
Pampulha 6,980 7,540 17,120 7,840 39,460
Centro-Sul 0,320 0,410 1,080 4,000 5,820
B Norte 0,110 0,140 0,360 0,330 0,940
Venda Nova 0,860 1,100 2,870 0,500 5,340
Barreiro 0,320 0,410 1,080 1,170 2,980
Nordeste 0,540 0,690 1,800 6,340 9,360
Noroeste NA NA NA 0,670 0,670
NA: não aplicável; Cenário A: coleta dos resíduos potencialmente recicláveis que a população atendida pelos locais de entrega voluntária já destina à coleta seletiva; Cenário B:
coleta dos resíduos potencialmente recicláveis, considerando-se a capacidade total dos contenedores.
Fonte: elaborada pelos autores.

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Análise dos benefícios socioambientais na coleta seletiva

Segundo González-Torre e Adenso-Díaz (2005), em material coletado. Por outro lado, os benefícios gerados
Astúrias, na Espanha, a população está disposta a percorrer com a reciclagem no Cenário B apresentaram resultado
distâncias que levem tempo menor que 5 min até os pontos de positivo de R$ 74.996,42 (Tabela 3).
coleta de resíduos. Isso, conforme Peixoto (2006), pode variar Apesar de o saldo encontrado no Cenário A não ser
entre 370 e 500 m de distância, a depender das comodida- positivo, salienta-se que a reciclagem possui benefícios não
des do trajeto. Assim, o engajamento na coleta seletiva não se contabilizados no presente estudo, sendo exemplos deles a
limita ao descarte correto dos resíduos, mas abrange a manu- contribuição para o uso racional dos recursos naturais, a
tenção e ampliação da rede de LEV (PIMENTA et al., 2022). geração de emprego e renda, além dos impactos ambientais
Ademais, apesar de a distribuição espacial dos LEV ser negativos que são evitados com a reinserção dos materiais
heterogênea no território belorizontino, os contentores ins- no ciclo produtivo (KRAUCZUK, 2019).
talados podem suportar, também, uma parcela dos resíduos Ademais, a coleta de resíduos convencionais apresenta
recicláveis gerados pela população flutuante frequentadora menor custo em relação ao valor cobrado para a realiza-
do local (RODRIGUES, MARIN e ALVARENGA, 2017). ção da coleta, triagem e reciclagem dos resíduos poten-
Como exemplo, tem-se a regional Pampulha, que possui cialmente recicláveis. Em 2019, para a prefeitura de Belo
circulação contínua de visitantes por possuir importantes Horizonte reciclar uma tonelada de material, foram desem-
pontos turísticos do município, como o Mineirão, a igreja bolsados R$ 676,31 (SLU, 2013; FGV, 2020). Já o custo com
São Francisco de Assis e a Lagoa da Pampulha. a coleta convencional foi de apenas R$ 183,97/tonelada
em 2019 (SLU, 2020).
3.2 Benefícios dos cenários A e B No que diz respeito ao Cenário B, este resulta em
Os benefícios econômicos resultantes da coleta seletiva no saldo positivo, o que mostra que a participação popu-
Cenário A apresentam saldo de R$ -8,33 por tonelada de lar na coleta seletiva é determinante para a obtenção

Tabela 3 – Benefícios econômicos nos Cenários A e B (R$/t).


Cenário Regional Papel Plástico Metal Vidro
Leste -4,39 -5,94 14,20 -2,50
Oeste -9,41 -14,98 34,08 -9,65
Pampulha -22,55 -28,75 78,24 -15,75
Centro-Sul -5,00 -6,09 11,79 -28,24
A Norte -1,86 -3,35 8,23 -1,52
Venda Nova -6,04 -10,04 22,27 -2,38
Barreiro -2,46 -4,66 9,82 -4,57
Nordeste -6,71 -11,16 27,64 -4,74
Noroeste NA NA NA -1,85
Leste -142,38 -244,50 7.286,26 -273,20
Oeste -325,49 -419,08 12.493,62 -956,01
Pampulha -1.315,33 -1.909,66 49.623,67 -3.209,64
Centro-Sul -61,10 -104,90 3.122,68 -1.639,23
B Norte -20,37 -34,97 1.040,89 -136,40
Venda Nova -162,74 -279,47 8.330,05 -204,80
Barreiro -61,10 -104,90 3.122,68 -478,00
Nordeste -101,64 -174,57 5.204,47 -2.595,24
Noroeste NA NA NA -273,20
NA: não aplicável; Cenário A: coleta dos resíduos potencialmente recicláveis que a população atendida pelos LEV já destina à coleta seletiva; Cenário B: coleta dos resíduos
potencialmente recicláveis, considerando-se a capacidade total dos contenedores.
Fonte: elaborada pelos autores.

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Pimenta, M.F.C. et al.

dos benefícios econômicos provindos da reciclagem. destinado à reciclagem por essa modalidade. Entretanto,
Assim, quanto maior o número de habitantes dis- cerca de 70% dos pontos de entrega voluntária encontram-
postos a trabalhar em prol dessa atividade, melhores -se instalados nessas localidades, o que, portanto, aumenta
serão os resultados encontrados (PORTO, SCOPEL e a possibilidade de acesso dos indivíduos ali residentes.
BORGES, 2020). Conforme a avaliação de coleta seletiva proposta pelo
Outrossim, conforme apresentado na Tabela 3, a pro- Cenário A, de resíduos já destinados aos LEV pela popu-
dução de metálicos baseada em sucatas pode ocasionar lação atendida na modalidade ponto a ponto, pode-se
elevado saldo positivo de benefícios. Tal fato é resultante observar um saldo de benefícios econômicos igual a R$
do baixo consumo de água e energia elétrica na fabricação -8,33 por tonelada de resíduo coletado. Por outro lado,
desses materiais, bem como do estímulo à reciclagem do para o cenário B, de resíduos potencialmente recicláveis
alumínio no Brasil. Em 2015, de acordo com Abal (2020), cabíveis na capacidade total dos contenedores, o soma-
98% das embalagens de alumínio produzidas no país foram tório dos benefícios resultou em saldo positivo igual a
recicladas, o que torna o Brasil um dos principais recicla- R$ 74.996,42/t. Dessa forma, demostra-se o potencial
dores desse material no mundo. da coleta seletiva como alternativa de destinação para
os resíduos sólidos urbanos. No entanto, destaca-se
4 CONCLUSÃO que a otimização nos custos de água e energia no pro-
Em 2019, apenas 4% de todo o resíduo potencialmente cesso de produção de materiais metálicos com base em
reciclável gerado pela população atendida na coleta matéria-prima secundária permite um saldo suficien-
seletiva ponto a ponto, em Belo Horizonte, foi enca- temente positivo que compense os custos encontrados
minhado para as unidades de triagem. Apesar disso, os pelos demais materiais.
LEV instalados no município possuíam capacidade de Por fim, enfatiza-se a importância dos dados levanta-
recebimento até 88 vezes superior ao total coletado, o dos no presente estudo para a tomada de decisões no pro-
que demonstra possível carência de estímulos educacio- cesso de gerenciamento dos resíduos sólidos. Nesse con-
nais que incentivem a participação popular nas ações texto, a coleta seletiva ocasiona outros impactos positivos
de coleta seletiva. não contabilizados durante a pesquisa, como geração de
Ademais, as regionais Pampulha, Oeste e Centro- renda, conscientização ambiental, bem como os benefícios
Sul contemplaram, em conjunto, 63% de todo o resíduo resultantes da reciclagem de matérias-primas.

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Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301008

Artigo Científico

Aplicação da tecnologia do lodo granular aeróbio


para reúso não potável de água residuária
Application of aerobic granular sludge technology for non-potable water reuse

Amanda Nascimento de Barros1 , Sílvio Luiz de Sousa Rollemberg1 , Paulo Igor Milen Firmino1 ,
Tasso Jorge Tavares Ferreira1 , André Bezerra dos Santos1*

RESUMO ABSTRACT
Considerando-se o alto desempenho na remoção simultânea de matéria Considering the high performance in the simultaneous removal of organic
orgânica e nutrientes, a tecnologia de lodo granular aeróbio (LGA) matter and nutrients, the technology of aerobic granular sludge (AGS) is
mostra-se promissora no tratamento de esgoto. Embora muitos estudos promising in the treatment of sewage. Although some studies have been
tenham sido realizados em escala laboratorial, ainda são poucos os que conducted on a laboratory scale, there are still few that report its application
relatam a sua aplicação em escala piloto ou real. Assim, o presente trabalho on a pilot or real scale. Thus, the present work aimed to evaluate the capacity
teve por finalidade avaliar a capacidade de formação e manutenção de LGA of formation and maintenance of AGS in an SBR (pilot scale) treating sanitary
em um reator batelada sequencial (RBS) (escala piloto) que trata esgoto sewage, analyzing the performance of the system and the possibility of
sanitário, analisando a performance do sistema e a possibilidade de uso não non-potable reuse of the treated effluent. The study was conducted in a
potável do efluente tratado. O estudo foi realizado em uma estação de pré- pre-treatment plant (PTP) operated by Companhia de Água e Esgoto do
condicionamento (EPC) operada pela Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE) for 225 days. Although the influent sewage showed great
Ceará (CAGECE) e teve duração de 225 dias. Embora o esgoto afluente variations and low organic load (COD avg ≈ 461 mg/L), the particles formed
tenha apresentado grandes variações e baixa carga orgânica (DQOméd showed good sedimentability characteristics (SVI30 < 70 mL/g) and remained
≈ 461 mg/L), as partículas formadas apresentaram boas características stable, without disintegration. The granulation process was completed in less
de sedimentabilidade (índice volumétrico de lodo — IVL30 < 70 mL/g) e than two months, and about 60% of the granules were larger than 1 mm in
permaneceram estáveis, sem desintegração. O processo de granulação diameter. The granular biomass had a compact structure, smooth surface, and
foi concluído em menos de dois meses, e cerca de 60% dos grânulos grayish-yellow color. The mean removal rates of COD, NH4+-N, and PO43--P after
tinham mais do que 1 mm de diâmetro. A biomassa granular teve estrutura reactor optimization were 95, 97, and 88%, respectively. Finally, it was observed
compacta, superfície lisa e cor amarelo-acinzentada. As taxas médias de that it is possible to use the treated effluent, after polishing in the sand filter, for
remoção de demanda química de oxigênio (DQO), nitrogênio amoniacal non-potable reuse (turbidity < 1 TU; COD < 30 mg/L; TSS < 20 mg/L).
(NH -N) e ortofosfato (PO4 P) após a otimização do reator foram de 95,
+ 3—
4
Keywords: aerobic granular sludge; biological treatment; sanitary wastewater;
97 e 88%, respectivamente. Por fim, observou-se que é possível utilizar o
non-potable reuse.
efluente tratado, após polimento no filtro de areia, para reúso não potável
(turbidez < 1UT; DQO < 30 mg/L; SST < 20 mg/L).

Palavras-chave: lodo granular aeróbio; tratamento biológico; esgoto sanitário;


reúso não potável.

1
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, Universidade Federal do Ceará – Fortaleza (CE), Brasil.
*Endereço para correspondência: Av. Humberto Monte, s/n – Universidade Federal do Ceará – Centro de Tecnologia – Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental –
Bloco 713. Fortaleza, CE. CEP: 60455-900. e-mail: andre23@ufc.br

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Barros, A. N. et al

1. INTRODUÇÃO termos de sólidos em suspensão no efluente, que muitas


O esgoto doméstico é uma matriz complexa que contém vezes acabam por diminuir também a eficiência do sis-
sólidos grosseiros (geralmente removidos durante o trata- tema quanto à remoção de DQO.
mento preliminar antes dos processos biológicos), matéria
orgânica e nutrientes (geralmente removidos durante pro- 2. METODOLOGIA
cessos biológicos) e microrganismos patogênicos (remo- A pesquisa foi desenvolvida na estação de pré-condiciona-
vidos ao longo das unidades de tratamento ou na fase de mento (EPC) da Companhia de Água e Esgoto do Ceará
desinfecção, no final do processo) (SANTOS, 2019). (CAGECE), em um RBS confeccionado em acrílico, com
Com relação às tecnologias emergentes de tratamento 0,30 m de diâmetro, 2 m de altura, relação altura diâmetro
de águas residuárias, atenção especial tem sido dada (H/D) 7 e 140 L de volume útil. O afluente era o esgoto
aos reatores que utilizam lodo granular aeróbio (LGA) doméstico captado do poço de sucção da EPC, conforme
(NANCHARAIAH; SARVAJITH; KRISHNA MOHAN, as características apresentadas na Tabela 1. A aeração foi
2019). Esses sistemas geralmente apresentam boa remo- feita por compressores, produzindo velocidade superfi-
ção de matéria orgânica e nutrientes, alta capacidade de cial de ar de 3 cm.s-1.
retenção de biomassa e podem suportar altas cargas orgâ- O RBS foi inoculado com lodo de um sistema de lodo
nicas (HAMZA et al., 2022). O LGA costuma ser cultivado ativado do tipo carrossel que trata esgoto doméstico loca-
em reatores bateladas sequenciais (RBS), que podem ser lizado em Fortaleza, Ceará, Brasil. Aproximadamente 50 L
operados com volume constante (simultaneous fill-and- foram introduzidos no reator, com concentração inicial
-draw) ou variável (convencional). Em comparação ao de sólidos suspensos voláteis (SSV) de aproximadamente
sistema de lodo ativado, essa tecnologia possui custo de 2.500 mg/L e índice volumétrico de lodo em 30 minutos
operação pelo menos 20% menor, economia de energia (IVL30) de 185,1 mL/g.
de aproximadamente 50% e demanda de área 75% menor Cada ciclo de operação (6 horas) possuía as seguin-
(HAMZA et al., 2022). tes fases: enchimento, aeração, sedimentação e descarte.
A maioria dos estudos com LGA é conduzida em A fim de selecionar a biomassa granular e de tornar o pro-
RBS em escala laboratorial (WINKLER et al., 2018) cesso mais estável, o tempo de sedimentação foi reduzido
e usa efluente sintético contendo acetato como fonte
de carbono (ROLLEMBERG et al., 2019). Entretanto,
quando se trata de aplicações em larga escala, surgem Tabela 1 – Características do esgoto sanitário afluente ao reator
problemas principalmente relacionados à instabilidade de lodo granular aeróbio em escala piloto.
Parâmetro Média (mg/L) Carga (kg/dia)
da biomassa. Por exemplo, Wagner e Costa (2015), tra-
DQOtotal 461 0,18
tando esgoto doméstico com carga orgânica de 1 a 2
DQOsolúvel 172 0,05
kgDQO/m³.d., observaram que o reator removeu efe-
DBOtotal 148 0,04
tivamente compostos de carbono e nitrogênio, porém
Relação DQO/DBO* 3,2 -
houve desintegração parcial dos grânulos e predomínio Sólidos Suspensos Totais 173 0,05
de microrganismos filamentosos. Sólidos Suspensos Voláteis 119 0,03
Assim, o presente trabalho teve por finalidade avaliar a O&G 11,5 0,003
capacidade de formação e manutenção de LGA em um RBS NH4+-N 36,9 0,01
(escala piloto) no tratamento de esgoto sanitário, analisando Nitrogênio total 43,0 0,012
a performance do sistema e a possibilidade de reúso não PO43--P (dissolvido) 4,8 0,001

potável do efluente tratado. Com este estudo, procura-se Fósforo total 5,1 0,001

melhor entendimento da operação de reatores LGA para DQO: demanda química de oxigênio; DBO: demanda bioquímica de oxigênio; O&G:
óleos e graxas; NH4+-N: nitrogênio amoniacal; PO43—P: ortofosfato.
a produção de água de boa qualidade, especialmente em Fonte: elaborada pelos autores.

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Lodo granular aeróbio para reúso não potável

gradualmente de 55 min (Ciclo Operacional I — 58 dias), para comparar o desempenho do reator durante as diferen-
para 45 min (Ciclo Operacional II — 55 dias), em seguida, tes etapas experimentais, e a análise de variância (ANOVA)
para 30 min (Ciclo Operacional III — 18 dias), e, finalmente, de Kruskal-Wallis nos testes de ranks para comparar o
para 15 min (Ciclo Operacional IV — 18 dias). A fim de desempenho do reator. Os resultados dos testes foram
manter um ciclo de 6 horas, o tempo subtraído foi adicio- avaliados de acordo com o valor p (se p ≤ 0,05, hipótese
nado ao período de reação aeróbia. Durante o estudo, após nula rejeitada).
o início do Ciclo Operacional III, foi realizada a redução
de aproximadamente 60% da aeração inicial. Após essa 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
etapa, adotou-se um protocolo de descarte de lodo sele- A Figura 1 apresenta os resultados obtidos quanto à con-
tivo com controle da idade de lodo, buscando-se mantê- centração de SSV e IVL30 no sistema. Após a inoculação
-la entre dez e 20 dias. Do total de lodo descartado, 30% do reator, durante o Ciclo Operacional I, a concentração
eram provenientes do fundo e 70% da manta de lodo, e inicial de SSV era de 2.400 mg/L. Possivelmente em razão
procurou-se descartar grânulos saturados com fósforo e do elevado tempo de sedimentação inicial, de 55 min, não
lodo filamentoso, respectivamente. se observou elevada perda de sólidos na partida, visto que
As análises de demanda química de oxigênio (DQO), baixos tempos de sedimentação podem ocasionar a total
demanda bioquímica de oxigênio (DBO), nitrogênio perda da biomassa em épocas de instabilidade no reator
amoniacal (NH4+-N), nitrito (NO2–-N), nitrato (NO3–-N), pela maior pressão de seleção (VAN DIJK, PRONK e VAN
ortofosfato (PO43--P), sólidos suspensos totais (SST) e SSV LOOSDRECHT, 2018). A técnica de usar tempo de sedi-
eram realizadas duas vezes por semana, ao passo que os mentação mais elevado (> 30 min) também foi utilizada
óleos e graxas (O&G) e a condutividade eram determina- por Li et al. (2014) e Pronk et al. (2015).
dos uma vez por semana, todos seguindo a metodologia A redução pausada no tempo de sedimentação foi
do Standard Methods for the Examination of Water and outra importante estratégia utilizada neste trabalho.
Wastewater (APHA, 2012). As análises de sólidos e IVL30 Conforme observado, não houve perdas significativas de
do licor misto, pH e temperatura eram realizadas duas biomassa e, mesmo com tempos de sedimentação acima
vezes por semana in loco; as de substâncias poliméricas de 15 min, houve boa sedimentabilidade na biomassa, de
extracelulares (SPE) (ou extracellular polymeric substan- modo que o valor médio de IVL30 foi próximo a 60 mL/g a
ces — EPS), granulometria e resistência, ao fim de cada partir do Ciclo III. Alguns artigos têm considerado o tempo
ciclo operacional. de sedimentação como o fator mais importante para a gra-
A análise de granulometria foi realizada utilizando- nulação aeróbia (NI et al., 2009), pois é uma das principais
-se três peneiras com abertura de 0,2 mm (ABNT #70),
0,6 mm (ABNT #30) e 1 mm (ABNT #18). A análise de
resistência foi realizada com metodologia modificada de
Nor-Anuar et al. (2012). A quantidade de EPS foi consi-
derada como a soma das concentrações de PN (proteínas)
e PS (polissacarídeos), e sua extração deu-se por meio de
um método de extração de calor proposto por Yang et al.
(2014) e modificado. Em seguida, eram realizadas as aná-
lises de PS pelo método de fenol-sulfúrico e de PN com o
kit de proteína (BCA).
Fonte: elaborada pelos autores.
O software computacional Statgraphics Centurion XV foi
Figura 1 – Sólidos suspensos voláteis e índice volumétrico
utilizado para a análise estatística dos dados. Aplicou-se a de lodo em 30 minutos (IVL30) no período de formação dos
soma do rank de Mann-Whitney (teste não paramétrico) grânulos.

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Barros, A. N. et al

pressões de seleção utilizadas para reter os agregados micro- Após um curto período de tempo de dois meses de partida
bianos com boa capacidade de sedimentação e remover o do sistema, este já era granular, fato considerado extre-
excesso de flocos do biorreator (HOU et al., 2021). mamente positivo, especialmente se consideradas as bai-
A formação dos grânulos esteve completa no início xas concentrações de matéria orgânica do afluente, DQO
do Ciclo Operacional III (aproximadamente três meses), média de 461 mg/L. Maior carga orgânica disponível para
visto que o processo de granulação só estará concluído o processo provavelmente ajudaria no desenvolvimento
quando a quantidade de biomassa com diâmetro superior dos grânulos em maior tamanho e quantidade, dimi-
a 0,2 mm corresponder a 80% dos sólidos presentes no nuindo ainda mais o tempo de partida. Liu e Tay (2004)
reator (KREUK, PRONK e VAN LOOSDRECHT, 2005), afirmam que o processo de granulação aeróbia é afetado
conforme a Figura 2. Após a biomassa se tornar granular, por diversos parâmetros operacionais, entre eles a compo-
a porcentagem de grânulos maiores que 1 mm manteve- sição/concentração do substrato de alimentação do reator.
-se em torno de 50%, e seu valor médio foi de 0,6 mm. As características dos grânulos formados durante
O tempo de completa granulação e estabilidade de apro- o período de maturação são apresentadas na Tabela 2.
ximadamente cinco meses foi obtido na estação de tra-
tamento de efluentes Garmerwolde (Holanda) (PRONK
et al., 2015). Levantamento feito por Sepúlveda-Mardones
et al. (2019) mostrou que diversos trabalhos realizados
em escala real ou piloto com esgoto doméstico apresen-
taram tempos variados, como 80 dias (DQO = 200 mg/L)
e 61 dias (DQO = 125 mg/L). O tempo para granulação e
estabilidade da escala piloto ou real é maior pela presença
de material particulado, óleos e gorduras, por exemplo
(WAGNER e COSTA, 2015). Adicionalmente, em labo-
ratório, os sistemas são mais bem controlados e possuem
efluentes sintéticos com concentração moderada ou ele-
vada (TAY, JIANG e TAY, 2004; CHEN et al., 2008).
Na Figura 3, apresenta-se a morfologia dos grânu- Fonte: elaborada pelos autores.

los após o período de estabilização. Na amostra, são visí- Figura 3 – Grânulos maduros obtidos do reator de lodo granular
aeróbio operado em escala piloto.
veis grânulos formados e alguns em desenvolvimento.
Tabela 2 – Características dos grânulos obtidos do reator de
lodo granular aeróbio operado em escala piloto.
Características Valores Características Valores
MLVSS (g/L) 3,7 ± 1,9 PS (mg/L) 118,2 ± 15,9
IVL30/IVL5 ~ 0,9 PN (mg/L) 230,8 ± 13,5
SST > 1mm (%) 58,1 ± 22,3 PN/PS 1,9
Velocidade de
Diâmetro médio
0,9 Sedimentação 15,7 ± 5,1
(mm)
(m/h)
Indicador de Amarelo-
56,2 ± 8,3 Cor
Estabilidade (%) Cinzento

Fonte: elaborada pelos autores. TRS (d) 8 – 25


MLVSS: mixed liquor volatile suspended solids; IVL30: índice volumétrico do lodo em
Figura 2 – Granulometria e razão índice volumétrico de lodo em
30 mintuos; IVL5: índice volumétrico do lodo em 5 minutos; SST: sólidos suspensos
30 minutos (IVL30)/ índice volumétrico de lodo em 5 minutos totais; TRS: tempo de retenção de sólidos; PS: polissacarídeos; PN: proteínas.
(IVL5) durante período de formação dos grânulos. Fonte: elaborada pelos autores.

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Lodo granular aeróbio para reúso não potável

Os grânulos crescidos com esgoto doméstico no reator As eficiências médias de remoção de DQO e DBO
piloto possuíam velocidade de sedimentação de 15,7 ± foram superiores a 80 e 85%, respectivamente, e man-
5,1 m/h e relação IVL30/IVL5 de 0,9. A concentração de tiveram-se estáveis mesmo com a grande variação das
SSV no reator foi, em média, de 3,7 gSSV/L. Valores concentrações de matéria orgânica na entrada, que apre-
entre 6 ± 5,5 dias e 6,5 ± 3 dias são reportados na lite- sentaram valores mínimos e máximos de 35 e 662 mg/L,
ratura, na operação de um reator piloto também ali- respectivamente. Liu et al. (2010) obtiveram remoções de
mentado com esgoto doméstico (CETIN et al., 2018). DQO semelhantes às deste estudo. Os pesquisadores uti-
Já no sistema estudado, o valor médio após sua forma- lizaram RBS piloto com esgoto sanitário (40% doméstico
ção variou de oito a 25 dias. Uma vez que se pretende e 60% industrial, com DQO variando de 25 a 1.800 mg/L)
priorizar algumas bactérias de crescimento lento, o ele- e obtiveram remoção de 80%, com ciclos de 4 h. Su, Cui
vado valor de tempo de retenção celular obtido (TRC), e Zhu (2012), tratando esgoto sanitário em RBS piloto,
ou idade de lodo (IL), definida como o tempo que os obtiveram remoção média de 92% em ciclos de 4 horas.
microrganismos permanecem no sistema, foi um fator Em outro trabalho (NI et al., 2009), remoções da ordem
decisivo nesse processo. de 90% foram alcançadas em RBS que tratava esgoto
Um resumo das concentrações de matéria orgânica, doméstico diluído (DQO afluente entre 95 e 200 mg/L)
nutrientes e sólidos do esgoto bruto e do efluente tratado, com ciclos de 4 horas, reduzidos posteriormente para
além das eficiências de remoção respectivas, é apresentado 3 horas após 80 dias da partida.
na Tabela 3. Neste trabalho foi mostrado, assim como em A taxa de remoção de NH4+-N alcançou valores supe-
outros estudos (PRONK et al., 2015), que é possível obter riores a 80% com aproximadamente 20 dias de operação
a granulação com maiores tempos de sedimentação, espe- e manteve-se superior a 90% após a estabilização, alcan-
cialmente quando se trata de esgoto doméstico (com ele- çando bons índices de nitrificação. Com relação à remo-
vada variação de carga orgânica), para o qual baixos tem- ção de nitrogênio total (NT), foram observados valores
pos de sedimentação podem ocasionar a total perda da médios acima de 50% após a estabilização, atrelados à
biomassa em épocas de instabilidade no reator em razão concentração média de nitrito e nitrato, que foi de 18 e
da maior pressão de seleção. 7 mg/L, respectivamente.
Observou-se que o mecanismo de nitrificação e desni-
trificação simultâneas (NDS) foi prejudicado na fase ini-
Tabela 3 – Desempenho médio do reator de lodo granular cial, provavelmente por conta do tamanho relativamente
aeróbio em escala piloto no tratamento de esgoto sanitário.
pequeno dos grânulos, que impossibilitava a formação
Parâmetros Resultados Parâmetros Resultados
das zonas anaeróbias e anóxicas. Resultado similar foi
DQOafluente (mg/L) 444 ± 70 NO3 -Nefluente (mg/L)
-
7±3
verificado nos experimentos conduzidos por Pronk et al.
DQOefluente (mg/L) 42 ± 39 Remoção de NT (%) 56 ± 15
(2015), em tratamento de esgoto doméstico com DQO de
Remoção de DQO (%) 89 ± 6 PO43--Pafluente (mg/L) 5±2
DBOafluente (mg/L) 141 ± 21 PO4 -Pefluente (mg/L)
3-
2±1
506 mg/L em sistemas de granulação aeróbia. Os autores
DBOefluente (mg/L) 11 ± 7 Remoção de PT (%) 71 ± 20 apenas observaram o mecanismo de NDS quando os grâ-
Sólidos Suspensos nulos apresentaram tamanho superior a 1 mm.
Remoção de DBO (%) 93 ± 5 112 ± 8
(mg/L)
afluente Com relação à remoção de fósforo, observou-se que,
Sólidos Suspensos
NH4+-Nafluente (mg/L) 45 ± 6
(mg/L)
43 ± 18 apesar da baixa concentração de PO43--P no afluente
efluente

Sólidos Suspensos (5,1 mg/L), o crescimento de microrganismos acumula-


NH4+-Nefluente (mg/L) 7±7 60 ± 7
remoção
(%) dores de fósforo (phosphate-accumulating organisms —
NO2--Nefluente (mg/L) 18 ± 8
PAOs) e denitrifying phosphate-accumulating organisms
DQO: demanda química de oxigênio; DBO: demanda bioquímica de oxigênio; — DPAOs) não foi limitada, já que a remoção de fósforo
NH4+-N: nitrogênio amoniacal; NO2--N:nitrito; NO3--N: nitrato; PO43--P: ortofosfato.
Fonte: elaborada pelos autores. foi de 71% (Tabela 3). A remoção obtida por esta pesquisa

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 67-74 71


Barros, A. N. et al

foi similar à encontrada na literatura em sistemas LGA em Alguns autores também aplicaram um pós-tratamento
escala piloto, com eficiência média de 70% para a remoção ao reator LGA a fim de obter efluente de melhor quali-
de fósforo (ISANTA et al., 2012; ROCKTÄSCHEL et al., dade. Por exemplo, Van Dijk, Pronk e Van Loosdrecht
2015; CETIN et al., 2018). De maneira geral, a diminuição (2018) utilizaram um defletor vertical na saída do LGA,
do tempo de sedimentação não afetou o desempenho do obtendo efluente final com sólidos suspensos (SS) pró-
reator em termos de DQO, DBO, nitrogênio total (NT) ximo a 8 mg/L e turbidez próxima a 5 UNT.
e fosfato (PO43-). Aplicar o protocolo de descarte de lodo causou pouco
Ressalta-se que a redução na aeração inicial ocorrida impacto na remoção de DQO, nitrogênio e fósforo.
na fase III foi importante para se obter melhor resultado Entretanto, impactou positivamente a concentração
na remoção de matéria orgânica e nutrientes. Antes da de SS, reduzindo-a para aproximadamente 30 mg/L.
otimização, as eficiências de remoção foram 89, 56 e 71% Ressalta-se ainda que, além de reutilizar o efluente tra-
de DQO, NT e PO43—P. Como resultado das alterações, tado, é possível recuperar fósforo e alginate-like exopoly-
alcançaram-se eficiências médias de DQO de 95,2%, de mers (bio-ALE) do lodo de descarte. O alto teor de ALE
NH4+-N de 97,4% e de PO43--P de 88,5%. no lodo em excesso sugere que a recuperação desse sub-
A fim de melhorar a qualidade do efluente final e evi- produto pode ser de interesse para a aplicação do conceito
tar a total perda de qualidade do efluente tratado em caso de biorrefinaria. O ALE possui propriedades químicas e
de problemas no reator, optou-se por um pós-tratamento mecânicas (capacidade de formação de gel) que permitem
com filtro de areia, de modo a promover o reúso interno na a aplicação na indústria. No presente estudo, obtiveram-
EPC para fins urbanos. Os resultados médios alcançados -se concentrações de 219 mgALE/gSSV e 18 mgP/gSST, as
após a implantação do filtro de areia (Tabela 4) atende- quais são menores dos que as reportadas em outros estu-
ram completamente aos limites estabelecidos na legisla- dos (LIU et al., 2016; ZHANG et al., 2018). Todavia, vale
ção ambiental referentes a reúso urbano (COEMA, 2011) considerar que o LGA foi cultivado com efluente sintético.
e lançamento (CONAMA, 2017).
4. CONCLUSÕES
Foram obtidas eficiências médias de remoção de DQO e
DBO superiores a 80 e 85%, respectivamente. A taxa de
Tabela 4 – Qualidade da água de reúso após filtração.
Máximo Média Valor máximo
remoção de NH4+-N alcançou valores superiores a 80%
Parâmetro
(mg/L) (mg/L) permitido (VMP) com, aproximadamente, 20 dias de operação, e manteve-
DQOtotal 48 27 - -se superior a 90% após a estabilização, alcançando bons
DBOtotal** 31 16 < 120 mg/L
índices de nitrificação. Com relação ao fósforo, apesar da
SST** 29 12 < 100 mg/L
baixa concentração de fosfato no afluente (5 mg/L), o cres-
NH4+-N* 9,5 3,8 < 20 mg/L
cimento de bactérias PAOs e DPAOs não foi limitada, já
NO -N-
4,1 0,9 -
2
que a remoção de fósforo foi de 71%.
NO3--N 3,7 0,5 -
Foram obtidas baixas concentrações de SST no efluente,
PO4 -P
3-
1,6 0,5 -
Condutividade
com eficiência de remoção média em torno de 60%.
859 667 < 3.000 μS/cm
elétrica** O efluente tratado é compatível com reúso não potá-
Coliformes
6.253 2.794
< 5.000 NMP/100 vel em termos dos parâmetros DBO (< 120 mg/L),
Termotolerantes** mL
SST (< 100 mg/L) e NH 4+-N (< 20 mg/L), conforme
Sulfeto** 1,0 0,7 1 mg/L
Turbidez 2,3 <1 -
a Resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente
DQO: demanda química de oxigênio; DBO: demanda bioquímica de oxigênio; SST: (COEMA) 430/2011. Adicionalmente, além do reúso, é
sólidos suspensos totais; NH4+-N: nitrogênio amoniacal; NO2--N: nitrito; NO3--N: nitrato; possível investir na possibilidade de recuperar fósforo e
PO43--P: ortofosfato; *COEMA (2011); **CONAMA (2017)
Fonte: elaborada pelos autores. bio-ALE no lodo de descarte.

72 Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 67-74


Lodo granular aeróbio para reúso não potável

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Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301009

Artigo Científico

Proposta de gerenciamento de resíduos de desastres:


caso das chuvas intensas no Espírito Santo (Brasil), 2020
Disaster waste management proposal: case of
heavy rains in Espírito Santo (Brazil), 2020

Jacqueline Rogéria Bringhenti1* , Maria Rosa Rodrigues1,


Dejanyne Paiva Zamprogno1 , Wanda Maria Risso Günther2

RESUMO ABSTRACT
Desastres hidrológicos possuem potencial de causar grandes danos materiais, Hydrological disasters have the potential to cause great material, economic,
econômicos, ambientais e, dependendo de sua intensidade, agravos and environmental damage and, depending on their intensity, human
humanos. Na ocorrência de desastres, o incremento da geração de resíduos problems. In the event of disasters, the increase in the generation of solid
sólidos demanda rápidas e apropriadas ações de gestão, fundamentais para waste requires rapid and appropriate management actions, fundamental
a recuperação da área atingida, restabelecimento dos serviços básicos e for the recovery of the affected area, restoration of basic services and
manutenção da saúde pública. Este estudo visa contribuir para a geração maintenance of public health. This study aimed to contribute to the
de conhecimento sobre a temática dos resíduos de desastres, com base em generation of knowledge on the theme of disaster residues, based on a
evento crítico ocorrido no estado do Espírito Santo (Brasil) em janeiro de 2020. critical event that occurred in the state of Espírito Santo (Brazil), in January
A escolha do tema deve-se à existência de uma lacuna de estudos sobre 2020. The choice of the theme is due to the existence of a gap in studies
identificação e caracterização de resíduos de desastres e modelos locais de on the identification and characterization of disaster residues and local
gestão. O método envolveu a seleção de municípios afetados, a elaboração management models. The method involved the selection of affected
e o envio de instrumento de coleta de dados sobre a tipologia dos resíduos municipalities, preparation and sending of a data collection instrument on
gerados e os fluxos identificados, com destaque para a destinação. A análise the typology of the waste generated and the identified flows, with emphasis
dos dados resultou em proposta de ações de gerenciamento do desastre on the destination. Data analysis resulted in a proposal for management
hidrológico estudado, com a finalidade de fornecer subsídios para a elaboração actions for the studied hydrological disaster, with the purpose of providing
de diretrizes a serem incorporadas aos planos locais e regionais de gestão subsidies for the elaboration of guidelines to be incorporated into local and
de resíduos sólidos. Conclui-se que os gestores públicos ainda consideram regional solid waste management plans. It is concluded that public managers
esses eventos esporádicos e não se preparam de forma adequada para o pós- still consider these events as sporadic and do not adequately prepare for the
desastre. Recomendam-se novos estudos sobre a temática. post-disaster. Further studies on the subject are recommended

Palavras-chave: desastres naturais; resíduos de desastres; gestão de resíduos Keywords: natural disasters; disaster waste; solid waste management;
sólidos; desastres hidrológicos. hydrological disasters.

1 INTRODUÇÃO grande quantidade de mortes, perdas e impactos materiais,


Partindo-se da definição de desastre trazida pela Estratégia econômicos e ambientais que excedem a capacidade da
Internacional de Redução de Desastres (UNISDR, sigla comunidade ou sociedade afetada para enfrentar a situa-
em inglês) da Organização das Nações Unidas (ONU), ção” (UNISDR, 2009), é importante situar os resíduos de
que o conceitua como “uma séria interrupção no funcio- desastres (RD). Esta questão insere-se nos impactos mate-
namento de uma comunidade ou sociedade que ocasiona riais, econômicos e ambientais decorrentes de eventos de

Instituto Federal do Espírito Santo – Vitória (ES), Brasil.


1

2
Universidade de São Paulo – São Paulo (SP), Brasil.
*Endereço para correspondência: Avenida Vitória, 1729 – Jucutuquara. Vitória, ES. CEP: 29040-780. e-mail: jacquelineb@ifes.edu.br

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Bringhenti, J.R. et al.

desastres, que, num primeiro momento, podem contribuir demandam respostas imediatas ou em que não há práticas
para a interrupção dos serviços básicos e comprometer bem definidas (UNISDR, 2012).
o atendimento às áreas afetadas, bem como resultar em Ao avaliar as respostas de municípios do estado do
problemas ambientais e de saúde pública. Espírito Santo no enfrentamento de evento de chuvas
Brown, Milke e Seville (2011) afirmam que o gerencia- intensas ocorrido em 2013, Paulo de Mello et al. (2021)
mento inadequado dos resíduos sólidos gerados em eventos identificaram carência de recursos e de legislação específica
críticos pode resultar em lenta e dispendiosa recuperação para o gerenciamento de RD assim como para embasar a
da comunidade afetada, sendo recomendada a realização tomada de decisão e pouca capacidade técnica da equipe
de diagnósticos sobre a quantidade e qualidade desses resí- responsável pela gestão desses resíduos.
duos por meio de caracterização e quantificação, com os Scatolini e Bandeira (2020), ao estudarem as chuvas
objetivos de mitigar impactos e gerir os resíduos gerados. que afetaram Nova Friburgo (RJ) em 2011, concluíram que
Denot (2016) comenta que a gestão de resíduos de os desastres naturais demandam frequentemente múlti-
desastres deve ser otimizada, de modo a reduzir os gastos plos esforços nas fases de resposta e resiliência. Os auto-
ao mínimo, com o objetivo de preservar recursos financei- res destacam o potencial de reaproveitamento dos detritos
ros tão necessários para restabelecer e reconstruir a área gerados, em sua maioria compostos de resíduos sólidos de
afetada, bem como apoiar as vítimas de eventos extremos. baixo nível de contaminação, ainda pouco explorados em
No Brasil, apesar da Política Nacional de Resíduos razão das dificuldades envolvidas em seu recolhimento e
Sólidos (PNRS) figurar como marco legal setorial de segregação e do baixo interesse comercial. Como forma
referência para a gestão e o gerenciamento de todos de superar tais desafios, Marcelino (2008) destaca que,
os resíduos sólidos, os RD não estão diretamente con- em episódios de desastres, o adequado gerenciamento do
templados (BARBOZA, 2016). Estes nem sequer são risco envolve etapas de planejamento e ações distribuídas
considerados como categoria específica no sistema em fases, as quais devem incluir os RD, como apresen-
municipal de limpeza urbana, na grande maioria dos tado na Tabela 1.
municípios brasileiros. Em janeiro de 2020, o estado do Espírito Santo (Brasil)
Os municípios têm papel primordial no equaciona- foi fortemente atingido por chuvas intensas que se esten-
mento da questão dos RD, pois os eventos acontecem deram por dez dias e causaram alagamentos, inundações,
no território municipal. No entanto, nota-se a ausência enxurradas e deslizamentos de terra, com interrupção
de políticas públicas que tratem do gerenciamento dessa de vias de tráfego. O evento afetou 27 dos 78 municí-
categoria de resíduo, especialmente com relação à destina- pios capixabas, com perdas humanas e materiais. Nesse
ção ou disposição final adequada, mesmo considerando- período, seis municípios tiveram situação de calamidade
-se a ocorrência crescente de desastres e a geração cada pública (SCP) decretada pelo governo estadual e outros
vez mais significativa de RD em grande parte dos muni- 16 foram considerados em situação de emergência (SE)
cípios brasileiros. Na ocorrência de desastres, os governos (G1, 2020). Após o desastre, os municípios enfrentaram
locais, que estão na linha de frente, geralmente apresentam o desafio da remoção e destinação de grande quantidade
capacidade insuficiente para lidar com circunstâncias que de RD espalhada em seus territórios, especialmente num

Tabela1 – Fases e ações de gerenciamento de risco a desastres no contexto dos resíduos de desastres.
Fases Ações
Antes Análise de risco, políticas públicas, obras, equipamentos, treinamento e educação
Durante Remoção dos RD e limpeza, segregação de RD na fonte, locais de armazenamento temporários, parcerias com catadores/centrais de triagem
Depois Retorno de serviços essenciais, avaliação de danos, reconstrução, atualização, planejamento
RD: resíduos de desastres.
Fonte: Adaptado de Marcelino (2008, p. 28).

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Proposta de gerenciamento de resíduos de desastres

ano em que a pandemia de COVID-19 passou a ser o foco pela gestão dos SLU e coordenadorias de defesa civil
das atenções. Tal cenário motivou a seleção desse evento nas 22 localidades estudadas, entre os meses de setem-
como estudo exploratório para a contribuição com subsí- bro e novembro de 2020. Na oportunidade, foi apre-
dios para a gestão de desastres e o aumento da resiliência sentando o estudo e encaminhando o link para acesso
dos municípios, com o objetivo de identificar as práticas ao instrumento de pesquisa. Considerando-se a even-
adotadas para o gerenciamento de resíduos decorrentes tual ausência de registro de dados pelos municípios,
de desastres naturais. foi incluída a opção “não possuo informações” para
ampliar e incentivar a participação. De forma comple-
2 METODOLOGIA mentar, obteve-se apoio do órgão ambiental estadual,
Como caso de estudo, focou-se no evento relacionado por meio do setor que acompanha a gestão de resíduos
às chuvas intensas de verão que afetaram o Espírito sólidos dos municípios, para a divulgação e incentivo
Santo (Brasil) em 2020, caracterizado como desastre à participação na pesquisa.
hidrológico de grande impacto no estado. Em janeiro Adicionalmente, foi realizado levantamento de regis-
de 2020, a precipitação média observada na região tros no site do Sistema Nacional de Informações sobre
variou entre 300 e 500 mm, e no período o volume Saneamento (SNIS) para os anos de 2019 e 2020, a fim de
de chuva em 24 horas foi superior ao normalmente comparar tais informações com as respostas enviadas pelas
esperado para o mês, considerado o mais chuvoso localidades participantes do estudo. Também foram levan-
deste ano (INCAPER, 2020). Como objeto de aná- tadas as notas atribuídas aos municípios avaliados para
lise, foram selecionados os 22 municípios do sul do o índice de sustentabilidade urbana (ISLU) do Sindicato
estado do Espírito Santo que tiveram reconhecida a Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (SELUR) no
SE ou a SCP em decorrência desse evento. A coleta de mesmo período, com a finalidade de embasar a discus-
dados sobre a tipologia, os diferentes fluxos e a desti- são dos resultados.
nação dos resíduos gerados no desastre ocorreu com O horizonte para levantamento de dados e busca
base em relatórios oficiais disponíveis para consulta, de notícias sobre o evento foi de um ano, a partir do
contatos com a administração municipal e, de forma início do desastre. Reportagens publicadas na mídia
complementar, notícias veiculadas na mídia sobre esse eletrônica e em sites institucionais foram a princi-
evento. Foi utilizado questionário virtual para levantar pal fonte de informações complementares. As fontes
registros sobre os efeitos do evento crítico nas diversas de consulta selecionadas foram o site de notícias G1
etapas do gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos e o jornal A Gazeta, de grande circulação e acesso
(RSU) dos sistemas de limpeza urbana (SLU) locais, no Espírito Santo. Os passos metodológicos do estudo
permitindo a comparação de resultados. O instrumento são apresentados na Figura 1.
de coleta de dados foi elaborado com o uso da ferra-
menta Google Forms, com questões sobre o perfil do
respondente, a área afetada pelo evento extremo e seus
efeitos no funcionamento do SLU (tempo para regu-
larização e necessidade de contratar veículos extras),
bem como perguntas específicas acerca da tipologia e
do quantitativo dos RD coletados e as etapas de seu
manejo (coleta, transbordo, armazenamento temporá-
rio, triagem e/ou destinação final).
SNIS: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento; ISLU: índice de
O questionário foi enviado por e-mail diretamente aos sustentabilidade urbana.
prefeitos, como também para as secretarias responsáveis Figura 1 – Etapas metodológicas do estudo.

Cad. Téc. Eng. Sanit. Ambient. | v.3 n.1 | 2023 | 75-85 77


Bringhenti, J.R. et al.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO grande número de respostas com a alternativa “não possuo


As respostas obtidas por meio do questionário foram siste- informação”, como indicativo de ausência ou falhas no regis-
matizadas e analisadas, visando extrair informações sobre o tro de dados sobre eventos de desastre, também possivel-
episódio de desastre, como: estrutura da gestão municipal, mente relacionadas a desconhecimento sobre o tema, falhas
procedimentos e práticas de atuação, efeitos do desastre nos de infraestrutura e rotatividade de servidores municipais.
municípios, características dos resíduos gerados e tempo de res- Entre os municípios estudados, 60% declararam não
posta ou de recuperação dos municípios. Todos esses aspectos ter coletado informações sobre a quantidade e as carac-
foram considerados importantes para a elaboração de proce- terísticas dos resíduos gerados e removidos em decorrên-
dimentos a serem adotados na gestão dos RD. O instrumento cia do evento crítico. Os demais municípios alegaram não
de pesquisa foi encaminhado aos 22 municípios selecionados, ter dados sobre a quantidade de RD coletados, ou não ter
com retorno de dez (45,5%), sendo assim considerado repre- informações disponíveis sobre o assunto.
sentativo para a análise proposta. O perfil dos respondentes, Em consulta sobre a realização de algum tipo de
70,0% oriundos da defesa civil e 30% da secretaria municipal segregação e/ou triagem prévia dos resíduos coletados
responsável pelos RSU, foi associado ao período de envio do em função do evento extremo, identificou-se que 30%
questionário, no qual a gestão municipal possuía demandas dos municípios avaliados realizaram algum tipo de
referentes ao período eleitoral local, além do enfrentamento segregação; em 50% das localidades estudadas essa prá-
da pandemia de COVID-19. Paulo de Mello et al. (2021), ao tica não ocorreu; e as demais não souberam informar.
realizarem estudo semelhante com relação ao episódio de A separação realizada envolveu apenas as categorias:
enxurrada de 2013, obtiveram 80% de respostas das prefei- entulhos/lama e demais resíduos gerados no desastre.
turas municipais e 25% oriundas da defesa civil. Como estímulo recordatório, integrou o instrumento
Na maioria dos municípios avaliados, o gerenciamento de pesquisa e foi apresentada aos participantes uma lis-
dos resíduos estava a cargo de secretarias, que também atuam tagem de resíduos identificados na revisão bibliográ-
em outras áreas como obras, transporte e meio ambiente. fica, os quais poderiam estar presentes nos escombros
Apenas um município possuía estrutura de gestão dedi- produzidos pelo desastre (Tabela 3).
cada ao SLU (denominada de Serviços Urbanos), conforme A maior parte dos resíduos sólidos gerados em decor-
indicado na Tabela 2. Tal perfil de gestão foi relacionado ao rência do desastre estudado apresenta características

Tabela 2 – Gerenciamento dos resíduos de desastre nos municípios afetados pelas chuvas intensas de 2020 e participantes do
estudo, segundo respostas do questionário.
Contrato emergencial Tempo para limpeza da Utilizou local de arma-
Área urbana
Município Secretaria responsável pelos RSU de coleta/destinação cidade após desastre zenamento temporário
afetada (%)
final de RD (dias) dos RD coletados?
A 80 Meio Ambiente sim 30 sim
B 50 Obras não 90 não
C 60 Obras sim 30 sim
D 70 Serviços Urbanos sim 30 sim
E - Obras e Serviços Urbanos não 2 não
F 30 Obras e serviços urbanos não 15 não
G 100 Obras não - não
Desenvolvimento Urbano,
H 10 não 15 não
Obras Públicas e Transporte
I 30 Obras, Transportes e Serviços Urbanos - - não
J 80 Obras sim 90 sim
RSU: resíduos sólidos urbanos; RD: resíduos de desastre. Nota: - não informou ou não existe dado disponível.

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Proposta de gerenciamento de resíduos de desastres

Tabela 3 – Composição dos resíduos de desastre coletados, divergentes dos resíduos domiciliares, requerendo, por-
segundo os municípios participantes. tanto, procedimentos diferenciados para seu adequado
Número de municípios
Tipologias de resíduos presentes na
que identificaram o
gerenciamento. A quantidade de resíduos carreada pelos
composição dos RD
resíduo (n = 10) cursos d’água também deve ser observada, pois pode
Construção civil/ escombros/ entulhos de
edificações danificadas
8 atingir pontos de captação e prejudicar o tratamento de
Telhas ou caixas d’água de amianto 4 água para abastecimento público, além de comprometer
Sedimento/solo/lama 10 a infraestrutura viária.
Móveis descartados 10 Os resultados revelaram que os principais tipos de resí-
Madeira 7
duos gerados no evento estudado foram: sedimentos, solo
Sucata/ reciclável (metal, plástico, vidro,
papel, papelão)
8 e lama; móveis descartados; escombros; materiais reciclá-
Equipamentos elétricos e eletrônicos 5 veis; madeira; restos de vegetação e de alimentos; segui-
Pilhas e baterias 2 dos de resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos
Produtos químicos originários de domicílios
ou indústrias
4 (REEE), especialmente integrantes da linha branca; além
Lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e de produtos químicos; pneus; lâmpadas; pilhas e bate-
3
mercúrio e de luz mista rias; e agrotóxicos. Os resíduos provenientes desse tipo
Agrotóxicos/ Embalagens de agrotóxicos 3
de desastre podem estar em condições que dificultam seu
Embalagens de óleo lubrificante 1
Pneus 4
reaproveitamento imediato, visto que a maioria está con-
Restos de alimentos/ Restos de vegetação 7 taminada com lama, conforme pode ser visualizado em
RD: resíduos de desastre. registros fotográficos divulgados pela mídia (Figura 2).

Fonte: A Gazeta (2020); Descubra Castelo (2020); G1 (2020).

Figura 2 – Resíduos diversos gerados pelas chuvas intensas, como: vegetação/lama, escombros, bens sinistrados de residências e
comércio e mobiliário escolar.

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Bringhenti, J.R. et al.

É importante destacar que, mesmo nessas condições, etapas do gerenciamento. Entretanto, nota-se que a possi-
é possível e necessário utilizar métodos para a recupera- bilidade de realizar a segregação de materiais com poten-
ção, o que pode demandar uma etapa de estocagem até a cial de reutilização e reciclagem e/ou de resíduos perigo-
secagem desses resíduos. Gil-Jong Oh e Young-Yeul Kang sos presentes nos RD foi pouco explorada pelos gesto-
(2013) propuseram que os locais de armazenamento tem- res locais. Logo, como essa segregação praticamente não
porário também fossem utilizados para fins de separação ocorreu, conclui-se que também não foi possível realizar
e tratamento de RD como uma medida prática para mini- nenhuma recuperação dos resíduos gerados.
mizar os resíduos gerados em eventos extremos. Para fins de análise comparativa, dados referentes aos
Por se tratar de uma situação de emergência, os muni- municípios estudados foram extraídos do SNIS e do ISLU,
cípios sinistrados puderam utilizar áreas disponíveis nas edições de 2019 e 2020. Considerando-se que o ISLU
em seu território para o armazenamento temporário do SELUR mede o grau de adesão dos municípios brasi-
dos RD coletados sem a necessidade de prévia autori- leiros às metas e às diretrizes da PNRS, conferindo nota de
zação ambiental. O órgão ambiental estadual publicou a 0 a 1, buscou-se verificar se haveria relação entre o tempo
Instrução Normativa nº 02-N, de 22 de janeiro de 2020, necessário para a remoção dos RD (Tabela 2) e a nota do
dando o prazo de 180 dias para o restabelecimento dos ISLU do município (Tabela 4).
serviços essenciais nos locais afetados com dispensa da O tempo para o restabelecimento da normalidade dos
licença ambiental. Zawawi, Yusof e Ismail (2018) afirmam SLU dos municípios estudados variou de dois a 90 dias,
que, em países em desenvolvimento, os locais utilizados não sendo possível identificar a existência de relação
para a disposição temporária de RD costumam ser con- direta entre o desempenho do SLU municipal, medido
vertidos em soluções permanentes, com impactos nega- pelo indicador ISLU, e o tempo necessário para a remo-
tivos à saúde e ao ambiente, sendo necessário dar maior ção dos RD. O município B, com melhor desempenho
atenção a essa prática. no ISLU entre os avaliados, declarou que 50% da área
Considerando-se que a estratégia que melhor se ade- urbana foi afetada pelas chuvas de 2020 e que não houve
quaria para a gestão dos resíduos de desastres seria sua necessidade de contratar serviço de coleta emergencial.
triagem, os RD poderiam ser remanejados até um local de Entretanto, necessitou de 90 dias para regularizar a situa-
armazenamento adequado e temporário até que a cidade ção. Por sua vez, o município E, que recolheu os RD em
fosse limpa e se pudesse dar prosseguimento às demais dois dias, não foi avaliado pelo ISLU e não enviou dados

Tabela 4 – Gerenciamento de resíduos sólidos urbanos nos municípios estudados, segundo dados secundários.
População esti- Possui Destinação dos
Cobertura da coleta (%) - IN015 Nota ISLU
Município mada (hab.) PMGIRS resíduos coletados
IBGE 2019 SNIS 2020 SNIS 2019 SNIS 2020 SNIS 2019 SNIS 2020 2019 2020
A 14.601 Sim 71,91 72,42 AS AS 0,600 0,592
B 7.567 Sim 95,81 86,05 AC AC 0,695 0,630
C 208.972 Não 100,00 94,97 AC AC 0,668 0,486
D 37.534 Sim 86,99 99,20 AC - 0,670 0,570
E 4.304 Sim - 58,55 AC - - -
F 13.377 Sim 37,85 41,55 AC AC 0,425 0,340
G 29.161 Sim 100,00 71,70 AC AC 0,633 -
H 12.192 Não 75,57 78,45 AC AC 0,654 0,467
I 11.622 Sim 79,99 68,81 AC AC 0,665 0,480
J 21.402 Sim 67,29 66,70 AC AC 0,610 -
-: não informou ou não existe dado disponível; PMGIRS: Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos; AS: aterro sanitário; AC: aterro controlado; IN015: Taxa de
cobertura da coleta de resíduos sólidos domiciliares em relação à população total.

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Proposta de gerenciamento de resíduos de desastres

sobre a área afetada. Esse resultado foi atribuído ao perfil resultantes — os quais possuem características diversas
dos respondentes (maioria da Defesa Civil) e a possíveis das dos RSU, sendo recomendado que se busquem ações
falhas nos registros de informações das secretarias muni- para sua valorização e minimização. Nesse contexto, a
cipais responsáveis, assim como nas estruturas operacio- hierarquia dos resíduos, em cumprimento ao previsto na
nais e de controle existentes. A pandemia de COVID-19 PNRS, deveria ser utilizada como diretriz para o gerencia-
e as eleições municipais de 2020 também podem ter afe- mento dos RD, favorecendo a redução de custos, o pro-
tado a qualidade dos registros. longamento da vida útil de aterros sanitários, mitigando
Contudo, cabe destacar que nos municípios B e J, com impactos ambientais e eventualmente gerando alguma
tempo de 90 dias para recolher os RD, o desempenho receita, conforme ilustrado na Figura 3.
avaliado pelo ISLU caiu da nota de 0,695 obtida em 2019 As características desses resíduos heterogêneos, mui-
para 0,630 em 2020, para o município B; e nem sequer tas vezes provenientes do arraste de água e sedimentos
ocorreu a avaliação no ano de 2020 para o município J. durante o evento, podem dificultar a etapa de triagem e
Nessas localidades, o gerenciamento dos RSU estava a identificação, que deveria ter preferência em relação ao
cargo da secretaria de obras, órgão que também geren- tratamento e destinação final na hierarquia dos resíduos
cia diversas áreas de infraestrutura como o sistema viá- ora proposta. A parceria com as cooperativas de catadores
rio, e tal sobrecarga pode ter contribuído para o maior da região é alternativa para viabilizar a triagem dos mate-
tempo. Destaca-se ainda o fato que nesses dois municí- riais recicláveis presentes nos RD coletados, aliviando a
pios os RSU eram destinados a aterros controlados, os sobrecarga nos aterros sanitários e reutilizando tais mate-
quais geralmente possuem acesso por um sistema viá- riais na reconstrução das áreas atingidas.
rio precário, e apenas o município J declarou utilizar De forma complementar, visando relacionar a vulne-
armazenamento temporário. rabilidade aos desastres dos municípios avaliados com os
O adequado gerenciamento dos RD pode contribuir de dados levantados sobre o gerenciamento dos RD, foram
forma positiva para a diminuição de prejuízos materiais, coletadas e organizadas na Tabela 5. Com os dados obti-
atenuando as consequências negativas dos desastres natu- dos, verificou-se que a inundação é o evento crítico mais
rais em cidades brasileiras (SCATOLINI e BANDEIRA, frequente, com grau de risco de ocorrência nos dez muni-
2020). Paulo de Mello et al. (2021) destacam ainda sua cípios estudados que variou entre alto (6/10) e muito alto
importância como ação de resposta a eventos extremos, (3/10). Apesar de a Lei Federal nº 12.608/2012, Política
uma vez que a natureza e intensidade destes se refle- Nacional de Proteção e Defesa Civil, atribuir aos muni-
tem na quantidade, qualidade e periculosidade dos RD cípios a responsabilidade no estudo de áreas de risco de

Figura 3 – Hierarquia de gerenciamento dos resíduos de desastre com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos.

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Bringhenti, J.R. et al.

Tabela 5 – Vulnerabilidade a desastres dos municípios avaliados, Como contribuição, as ações ora propostas para o ade-
segundo dados secundários.
quado gerenciamento de RD com vistas a tornar as cida-
Evento crítico
Município
mais frequente
Grau de risco Possui PMRR? des resilientes a desastres foram organizadas por categoria
A enxurrada/inundação muito alto Não temática: político-institucional, social, ambiental e econô-
B inundações alto Não mica, como pode ser observado na Figura 4.
C inundação/enchente alto Não Tal categorização está alinhada com a agenda 2030
D enxurrada muito alto Sim aprovada pela ONU para o desenvolvimento sustentável,
E inundação alto Não que possui objetivo específico sobre o tema de combate
F enxurrada alto Não
à mudança climática e seus impactos (ONU, 2015). O
G inundação alto Não
Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 13 (ODS 13)
H inundação - Não
propõe ações relacionadas à resiliência e à governança,
I inundação muito alto Sim
especialmente no que concerne à estrutura institucional
J inundação/enxurrada alto Sim
e aos limites sociais, econômicos, políticos e culturais de
-: não informou ou não existe dado disponível; PMRR: Plano Municipal de Redução
de Risco. adaptação às alterações ambientais.
Fonte: CEPDEC (2018).
A análise dos resultados obtidos e da literatura aponta
na direção de que os esforços para a melhoria no geren-
forma a mapear os pontos mais críticos, apontar quais pro- ciamento dos RD devem ir além das etapas operacionais
blemas podem acontecer em cada local e planejar ações dos SLU e envolver a sociedade. Ao avaliar o gerencia-
de prevenção e mitigação, apenas três entre os avaliados mento de eventos de chuvas em Recife (PE), Souza et al.
possuíam Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR). (2014) concluíram que a redução de riscos e a minimiza-
Tal lacuna de gestão pode comprometer a resiliência de ção de seus efeitos depende em grande parte da existência
municípios ao enfrentamento dos desastres. de políticas públicas consistentes, de um modelo econô-
Por se tratar de um desastre natural com grande reper- mico eficiente, da percepção do risco pelas comunidades
cussão local e regional, foi realizada uma busca sobre vulneráveis e da sociedade em geral. Por sua vez, Zawawi,
as chuvas intensas ocorridas nas reportagens publicadas Yusof e Ismail (2018), ao estudarem desastres naturais na
em mídia eletrônica e sites institucionais, sendo possível Malásia, citaram a existência de programa de conscienti-
constatar que houve preocupação em levar informações zação e de educação pública para situações de emergência,
para a população dos municípios sobre as fortes chuvas, plano de gerenciamento de resíduos pós-desastre e educa-
a título de alerta, antes e durante o evento. Também se ção pública como elementos-chave na gestão de RD, para
exploraram os aspectos sociais, com relatos do número acelerar as operações de recuperação.
de desalojados e desabrigados pelo evento crítico. No Em relato sobre missão científica no Japão para conhe-
entanto, não foi identificada informação específica sobre cer o gerenciamento dos RD, Günther e Boscov (2019)
a quantidade e caracterização dos RD gerados. destacaram a existência de planejamento prévio sobre
Quanto às notícias veiculadas na mídia, nota-se que, locais para seu armazenamento, bem como a separação
apesar de o evento ter atingido de forma severa muitos na fonte e o armazenamento diferenciado desses detritos,
municípios do estado, a divulgação concentrou-se nos por tipos e características, como medidas eficazes para
dois meses que se seguiram ao desastre e retornou como sua valorização.
avaliação geral da situação dos locais afetados e da insufi-
ciência das ações implementadas um ano após a ocorrência 4 CONCLUSÕES
do evento. Tal fato foi atribuído, em parte, à pandemia de A avaliação de resíduos de desastres e as práticas adota-
COVID-19, que passou, gradativamente, a ocupar a aten- das para seu gerenciamento podem contribuir com sub-
ção da mídia a partir de fevereiro de 2020. sídios e diretrizes a serem incorporados aos planos locais

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Proposta de gerenciamento de resíduos de desastres

AMBIENTAL SOCIAL
• Identificar e ter ações de governança de riscos a desastres • Priorizar os serviços básicos de saneamento,
• Integrar o gerenciamento dos RD ao SLU como a coleta dos RD, fundamental para liberar
• Ter abrigo temporário de resíduos licenciado o acesso e o resgate das vítimas
• Incluir os RD nas ações de comunicação e educação • Ações de reuso e reciclagem de RD na recons-
ambiental do município trução de áreas afetadas
GERENCIAMENTO DE RD E RESILIÊNCIA
POLÍTICO-INSTITUCIONAL ECONÔMICO

• Integrar gestores de RSU nas ações de planejamento e gestão


de risco de desastres
• Incluir RD nos planos municipais e estaduais de gerencia- • Limpar e remover os RD, como contribuição
mento integrado de RSU para o retorno de atividades econômicas
• Capacitar recursos humanos para o gerenciamento dos • Apurar custos de gerenciamento dos RD e a viabi-
RD e registro de dados lidade de sua segregação e valorização econômica
• Envolver as cooperativas de catadores de recicláveis na
valorização dos RD
RD: resíduos de desastre; SLU: sistemas de limpeza urbana; RSU: resíduos sólidos urbanos.

Figura 4 – Ações de gerenciamento de resíduos de desastre relacionadas à resiliência dos municípios.

e regionais de gestão de desastres, nos aspectos sanitário, e financeiros municipais disponíveis para o enfrenta-
ambiental e da participação social. mento dos eventos de desastres.
Entretanto, os gestores públicos ainda olham para esses Embora os RD afetem significativamente o funciona-
eventos como ocorrências esporádicas e não se preparam mento e o custo operacional dos SLU, 60% dos municí-
de forma adequada para atividades essenciais do pós- pios estudados desconhecem a quantidade e as caracte-
-desastre, como o gerenciamento dos RD gerados. Eventos rísticas dos resíduos gerados e removidos no pós-desas-
extremos cada vez mais recorrentes, assim como estudos tre no período que variou de dois a 90 dias. Em 30% das
sobre mudanças climáticas e os relatórios do IPCC, têm localidades foi realizada a segregação nas categorias entu-
contribuído para a reflexão sobre os RD e sua possível lhos/lama e demais resíduos, contudo não foi explorada a
inserção nas agendas ambientais e políticas. possibilidade de valorização e uso na recuperação local.
Os resultados obtidos evidenciaram a insuficiên- Um dos grandes desafios deste início de século é tornar
cia de registro de dados sobre RD nos municípios pes- as cidades mais resilientes, com maior capacidade de recu-
quisados, assim como de políticas públicas específicas peração perante desastres. A produção de conhecimento
para sua gestão. As diretrizes preconizadas pela PNRS, sobre a temática, especialmente quanto às mudanças cli-
especialmente quanto à hierarquia dos resíduos, não máticas e eventos extremos que acometem áreas urbanas,
foram identificadas nas etapas de gerenciamento apli- como os episódios de chuvas intensas comuns em nosso
cadas aos municípios avaliados para os RD coletados. país, deve ser incentivada. Verifica-se lacuna no setor em
A falta de informações compromete ainda a avaliação termos de identificação, caracterização e modelos de ges-
dos impactos, como também o alinhamento de estraté- tão locais e regionais destinados aos RD, para a qual se
gias possíveis para a otimização dos recursos estruturais recomenda maior aprofundamento de estudos.

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Bringhenti, J.R. et al.

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© 2023 Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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https://doi.org/10.5327/276455760301010

Artigo Científico

Análise hidráulica da rede de abastecimento de água de


um município de médio porte, Crateús, Ceará, Brasil
Hydraulic analysis of the water supply network of a medium-sized
municipality, Crateús, Ceará, Brazil

Thamires Ximenes Cavalcante1 , Alan Michell Barros Alexandre1 , Tatiane Lima Batista1

RESUMO ABSTRACT
O uso de modelos computacionais para a realização de simulação hidráulica The use of computer models to perform hydraulic simulation of
de redes tem se tornado cada vez mais necessário para a gestão eficaz networks has become increasingly necessary, for the effective
de redes de abastecimento complexas e, especialmente, das que não management of complex supply networks and, especially, those that
possuem monitoramento. O presente trabalho teve por objetivo elaborar e do not have monitoring. The present work aimed to develop and
parametrizar um modelo de rede, bem como realizar simulações hidráulicas parameterize a network model, as well as perform hydraulic simulations
para diferentes cenários, tanto para consumos médios atuais como para os for different scenarios, both for current average consumption and for
consumos máximos, considerando o cenário de 2019 e futuros com variação maximum consumption, considering the 2019 and future scenario with
populacional para uma rede sem monitoramento. Tais simulações têm o population variation. Such simulations are intended to identify pressure,
intuito de identificar zonas de pressões, velocidade e perda de carga nas velocity, and pressure drop zones in the pipes that are in disagreement
tubulações que estão em desacordo com a norma brasileira (NBR) 12.218:2017 with NBR 12.218:2017 and Technical Standards of CAGECE. The case
e Normas Técnicas da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE). study was carried out in the water supply network of the urban area of​​
O estudo de caso foi realizado na rede de abastecimento de água da área the municipality of Crateús, located in the western region of the state of
urbana do município de Crateús, localizado na região oeste do estado do Ceará, for a service of 58,636 inhabitants with a per capita consumption
Ceará, para o atendimento de 58.636 habitantes com consumo per capita of 150 L/inhab/day. The network modeling was elaborated through the
de 150 L/hab/dia. A modelagem da rede foi elaborada por meio do módulo UFC2 module, through the graphical interface of the AutoCad software
UFC2, com a interface gráfica do software AutoCad, e a simulação hidráulica and the hydraulic simulation from the EPANET 2.0 software. Through
com o software EPANET 2.0. Com base nos resultados produzidos neste the results produced in this study, it was possible to analyze the
estudo foi possível analisar o funcionamento e a susceptibilidade a falhas de functioning and susceptibility of supply failures in the municipality of
abastecimento do município de Crateús/CE (Brasil) para o cenário de 2019 Crateús, Ceará (Brazil) for the 2019 and future scenario, identifying the
e futuros, identificando-se as regiões mais críticas e sua evolução no tempo. most critical regions and their evolution over time.

Palavras-chave: modelagem computacional; simulação hidráulica; módulo Keywords: computational modeling; hydraulic simulation; UFC2
UFC2; EPANET 2.0. module; EPANET 2.0.

1 INTRODUÇÃO intensificando-se conforme os recursos se tornam mais


A escassez de água vem apresentando fortes consequên- limitados (CARVALHO, 2012).
cias, principalmente na região do semiárido, e a tendên- Nesse sentido, as instituições responsáveis pelo gerencia-
cia é que se tenha aumento da problematização (ANA, mento das instalações de abastecimento possuem a difícil
2018), o que pode gerar impactos sociais, econômi- missão de fornecer água em regime contínuo com quali-
cos, ambientais, políticos, institucionais e/ou culturais, dade, quantidade e pressão adequadas para seus múltiplos

1
Universidade Federal do Ceará – Crateús (CE), Brasil.
*Endereço para correspondência: BR 226, Km 4, Lado Par, José Rosa. Crateús, CE. CEP: 63707-800. e-mail: alanmichell@crateus.ufc.br

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usuários. Dessa forma, é importante a utilização de fer- AutoCad por meio da programação AutoLisp. Segundo
ramentas que auxiliem na gestão operacional de Rede de Castro (2004) e Costa e Castro (2006), a utilização da
Abastecimento de Água (RAA), principalmente quando interface gráfica do AutoCad, além de proporcionar eco-
esta está em processo de expansão, tornando mais com- nomia de tempo e facilidade em desenvolver a modelagem,
plexa a operação. garante mais precisão, uma vez que minimiza os erros na
A operação da rede fora dos parâmetros pode ocasionar entrada de dados.
intermitência no abastecimento, queda da qualidade da Dessa forma, este trabalho faz uso do UFC2 e do
água, vazamentos por danos nas tubulações, elevação dos EPANET 2.0 com o objetivo de analisar o comporta-
custos operacionais, entre outros. Nesse âmbito, torna-se mento hidráulico da RAA da zona urbana do município
evidente a importância da elaboração de um modelo da de Crateús/CE, por meio de simulação computacional
RAA e da realização de simulações, a fim de verificar se para os consumos médios atuais e máximos para os cená-
são atendidos os limites dos parâmetros de funcionamento rios atual e futuros. Pretende-se avaliar a eficácia dessas
determinados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ferramentas na modelagem de uma rede sem monitora-
(ABNT) com a norma NBR 12218:2017 e pelas Normas mento de uma região urbana de um município de médio
Técnicas para Projetos de Sistemas de Abastecimento de porte em desenvolvimento e ampliar o diagnóstico sobre a
Água e Esgotamento Sanitário (CAGECE, 2010). problemática da insustentabilidade dessas redes em longo
Há diversos softwares de simulação hidráulica disponí- prazo perante o aumento do consumo de água, oferecendo
veis. Optou-se pelo EPANET 2.0 por ser um programa gra- subsídios para sua gestão operacional.
tuito e de domínio público, com grande aceitação nacional e
internacional, e por ser um dos simuladores mais testados, 2 METODOLOGIA
analisados e confiáveis para estudos hidráulicos. A versati- A área de estudo consiste na RAA da zona urbana do
lidade do EPANET 2.0 permite sua aplicação em diversas município de Crateús/CE, dividida em três regiões —
análises, como: setorização de redes em Barreto et al. (2006), alta, baixa e mista —, alimentadas diretamente por meio
Fontana (2012), Freire (2017) e Gomes et al. (2017); estudo de um reservatório elevado e outro apoiado, respectiva-
de métodos de otimização operacional de redes em Ishihara mente, ambos situados na estação de tratamento de água
et al. (2009), Gouveia e Gomes (2012), Iglesias-Rey et al. (ETA). Na Figura 1, observa-se a divisão da rede de abas-
(2016), Teles (2017) e Pereira Junior e Barbosa (2018); aná- tecimento em zonas. O município de Crateús, situado no
lise de perdas de água em Rossigneux e Fernandes (2004), Estado do Ceará, possui população total estimada em
Soares et al. (2004), Neves e Leite (2008), Barroso e Gastaldini 75.074 habitantes para o ano de 2019, conforme dados
(2010), Moreira (2011), Figueiredo (2012) e Silva (2014). do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,
Um dos passos que consomem mais tempo e esforço 2019). A RAA do município apresenta comprimento total
para a realização da simulação hidráulica da RAA é a inser- de aproximadamente 200.000 m e possui índice de atendi-
ção da própria rede e suas características e demais dados mento urbano de 99,96% (CAGECE), estando em processo
operacionais (COSTA e CASTRO, 2006). Diante disso, o de ampliação e modificação de trechos. Vale ressaltar que
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da ela possui elevado índice médio de perdas na distribuição,
Universidade Federal do Ceará (DEHA) desenvolveu o sendo observado para o período de 2001 a 2017 o valor
Sistema UFC, composto de um conjunto de softwares volta- de 34,83% (BRASIL, 2019).
dos para o desenvolvimento de atividades relacionadas ao Para a realização do estudo, obtiveram-se o projeto da
traçado e dimensionamento hidráulico de adutoras, redes RAA e o levantamento topográfico do município de Crateús
de esgoto e de abastecimento. O módulo UFC2 destina-se fornecidos pela CAGECE. A área de estudo possui variações
à criação de um arquivo de entrada para o EPANET 2.0, topográficas em torno de 40 m, com altitudes iniciando em
possibilitando ao usuário exportar arquivos do programa 268 até 310 m. As variações podem ser observadas na Figura 2.

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Figura 1 – Divisão da rede de abastecimento de água em zonas.

Figura 2 – Levantamento topográfico na rede de abastecimento de água do município de Crateús, Ceará.

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Os dados operacionais foram obtidos por meio do A verificação do modelo pôde ser realizada por meio
Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento da análise dos valores de pressões observadas in loco pela
(SNIS) e da CAGECE. Os dados de medições de pressão CAGECE em campanha realizada entre junho e julho de
e consumo mensal dos maiores clientes foram disponibi- 2019, comparando-se esses valores com os resultados gera-
lizados pela CAGECE. Já os dados populacionais foram dos por meio da simulação hidráulica do cenário 2019,
coletados no Perfil Municipal de Crateús 2017 (IPECE, para condições médias de abastecimento. Sendo assim, a
2018), documento elaborado pelo Instituto de Pesquisa e simulação foi realizada tomando-se o funcionamento da
Estratégia Econômica do Ceará (IPECE). rede para o consumo médio per capita de 150 L/hab/dia,
Por meio dos dados populacionais, realizou-se a pro- atendendo 58.636 habitantes.
jeção populacional da zona urbana do município para o
horizonte de planejamento de 20 anos, finalizando-se no 2.1 Modelagem da rede
ano de 2040. Adotou-se o método o geométrico para o cál- Foram modelados 81% da RAA, resultando em exten-
culo de projeção, como recomendado por CAGECE (2010). são de 156.178,68 m. A modelagem englobou as regiões
Realizou-se a modelagem da RAA com a utilização abastecidas diretamente pelos grandes reservatórios. As
do módulo UFC2 do Sistema UFC, por meio da interface regiões que possuem pequenos reservatórios de apoio não
gráfica do software AutoCad e do software de simulação foram modeladas.
hidráulica. Para o desenvolvimento da modelagem, uti- Na modelagem da rede estão inclusas algumas incer-
lizou-se o projeto da RAA e o levantamento topográfico tezas inerentes ao processo, entre elas a estimativa popu-
contendo as curvas de nível metro a metro. lacional, a desatualização do projeto, a consideração do
Com a rede montada, efetuaram-se as simulações consumo como homogêneo, a desconsideração da loca-
englobando cinco cenários: 2019, 2025, 2030, 2035 e 2040. lização e volume das perdas de água na distribuição e a
Consideraram-se as demandas de consumo para a hora e diferença na rugosidade dos diferentes trechos por conta
dia de maior consumo, a fim de analisar o comportamento do envelhecimento dos condutos.
hidráulico da rede para o consumo máximo. Da rede modelada, 74% são compostos de tubula-
Ressalta-se a adoção do coeficiente do dia de maior ções de diâmetro nominal de 50 mm, sendo 68,4% de
consumo (k1) igual a 1,2 e o coeficiente da hora de maior PVC e 5,6% de cimento amianto (CA). Além disso, 6,7%
consumo (k2) igual a 1,5. As simulações foram realiza- é constituída por tubulações de diâmetro nominal de 75
das com o mesmo valor do consumo per capita, tendo mm, no qual, 6,5% do material é de policloreto de vinila
variações apenas nos valores populacionais. Assim como (PVC), 0,1% de CA e PVC com diâmetro equivalente a
na simulação hidráulica realizada para a verificação da FoFo (DEFoFo). Assim, 80,7% do modelo é formado por
modelagem, adotou-se a fórmula de Darcy-Weisbach para tubulações de diâmetros inferiores a 100 mm.
o dimensionamento dos trechos da rede.
As simulações hidráulicas do comportamento da rede 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
para os consumos máximos para cenários futuros, conside-
rando-se a variação populacional, foram desenvolvidas com 3.1 Verificação da rede modelada
base no modelo hidráulico elaborado para rede para o ano Mediante a análise da Figura 3, verificou-se que a maior
2019. A análise utilizou como critérios as zonas de pressão, parte dos nós apresentou pressões que respeitam os parâ-
velocidade e perda de carga nas tubulações de acordo com metros de limites estabelecidos pela NBR 12218:2017. Este
a NBR 12218:2017 — Projeto de Rede de Distribuição de cenário não possui nenhum ponto com intermitência no
Água para Abastecimento Público —, bem como as Normas abastecimento, ou seja, pontos com pressões negativas.
Técnicas para Projetos de Sistemas de Abastecimento de As regiões em vermelho na Figura 3 representam pon-
Água e Esgotamento Sanitário da CAGECE. tos de pressões superiores a 40 m de coluna de água (mca).

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Nota-se que os bairros Altamira e Venâncios possuem 50 mm, 0,05% de 75 mm e 0,16% de 100 mm. Ressalta-se
regiões com pressões superiores a 40 mca, apresentando que nenhum dos trechos apresentou velocidade superior
máxima de 45,44 mca para o bairro da Altamira. Dessa ao limite de 3,5 m/s estabelecido por norma.
forma, ainda estão de acordo com o limite máximo para A Tabela 1 apresenta a análise de frequência e porcen-
pressão estática estabelecido em norma, mantendo pres- tagem do resultado da diferença entre pressões calcula-
sões inferiores a 50 mca. Avaliando-se o atendimento ao das e observadas nos trechos da rede. De acordo com a
limite mínimo de 10 mca, observou-se no mapa que não Tabela 1, nota-se que as classes 3, 4 e 5 apresentaram as
houve regiões com pressões inferiores.
O cenário apresentou 1.173.867 m² de área com pressões Tabela 1 – Frequência e porcentagem da diferença entre pressões
no intervalo de 10 a 20 mca, 8.418.473 m² para pressões calculada e observada.
Intervalo de Classe
de 20 a 30 mca, 2.807.627 m² no intervalo de 30 a 40 mca Classe
(mca)
Frequência Porcentagem

e 333.400 m² para pressões superiores a 40 mca — carac- 1 – 6 ├ –4 5 4%


terizando assim 9,22, 66,11, 22,05 e 2,62% da área total 2 –4 ├ –2 7 6%
da delimitação do estudo, respectivamente. Avaliando-se 3 –2 ├ 0 23 20%
o parâmetro de perda de carga, tem-se que 108 trechos 4 0├2 35 30%

apresentaram perdas de carga superiores ao limite de 0,008 5 2├4 27 23%

m/m ou 8 m/km estabelecido em norma. Os comprimen- 6 4├6 13 11%


7 6├8 6 5%
tos desses trechos correspondem a 5,28% do comprimento
Total 116 100%
total da modelagem, sendo 5,06% de diâmetro nominal de

Figura 3 – Distribuição de pressões hidráulicas para o consumo médio do ano de 2019.

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maiores frequências, estando também entre as que apre- de DEFoFo e apenas 0,31% de FoFo. As tubulações com
sentaram as menores diferenças entre as pressões, somando diâmetros de até 100 mm compõem 85,9% da rede, em
o total de 73% dos dados avaliados; e, em junção com a que 74% possuem diâmetro de 50 mm, 6,7% de 75 mm e
classe 2, que também está entre as classes com menores 5,2% de 100 mm. Extensões significativas também foram
variações, representam 80% dos dados. Já as classes 1, 6 e observadas para os diâmetros de 150 mm, o equivalente
7 apresentaram as menores frequências e as maiores dife- a 6,2% da rede. A tubulação preponderante foi a de PVC
renças, somando o total de 20%. 50 mm, que equivale a 68,4% da rede de abastecimento.
As regiões que estão nas classes de menores diferenças As pressões simuladas para a hora de maior consumo,
são do bairro José Rosa, Planaltina, Cajás, Fátima I, Ipase no dia de maior consumo, podem ser observadas em mapas
e algumas regiões do Venâncios e São Vicente. Já o bairro que mostram as zonas mais críticas referentes ao desabas-
Cidade 2000 e algumas regiões do Venâncios e São Vicente tecimento e abastecimento com falhas para os cenários dos
apresentaram diferenças maiores. Os demais bairros pre- anos de 2019 (Figura 4), 2030 (Figura 5) e 2040 (Figura 6).
sentes na modelagem não possuem pontos com dados de Na Tabela 2, observa-se o agravamento da situação de
pressões observadas. desabastecimento com o passar do tempo. Ela apresenta as
Levando-se em consideração que a macromedição é áreas percentuais da cidade nas diferentes faixas de pres-
realizada na forma de volume por dia e que não há pontos são dinâmica e as respectivas variações com o período da
de monitoramento permanente de pressões em diferen- cenarização, além do percentual da rede que ultrapassa os
tes pontos da rede, sendo esse levantamento realizado no valores permitidos de perda de carga acima de 8 m/km.
modelo de campanhas, além das incertezas embutidas na O cenário de 2019 apresenta o valor de 10,86% de desa-
modelagem, a análise da distribuição de frequência apre- bastecimento, que cresce rapidamente para 17,28% da
sentou variações aceitáveis, podendo o modelo ser con- cidade já em 2025 e segue aumentando até 29,61%, ou seja,
siderado como parametrizado relativamente à pressão. quase um terço da cidade sofre desabastecimento em 2040.
O abastecimento com falhas pode ser observado nos
3.2 Cenarização da rede valores de pressão dinâmica entre 0 e 10 mca, que no cená-
A rede modelada é abastecida por dois reservatórios, rio de 2019 é de 19,52% e, entre 2025 e 2040, permanece
sendo um elevado de 750 m³ e um apoiado de 1.000 m³. praticamente constante, entre 17 e 19%. Ainda na Tabela 2,
A demanda média per capita de 150 L/hab/dia, valor de observa-se o aumento gradativo dos trechos com perda de
referência atualmente usado pela CAGECE, foi mantido carga acima da permitida, variando de 13,70% do compri-
para todos os cenários. A projeção populacional foi rea- mento total da rede em 2019 a 17,71% em 2040. As pres-
lizada com dados dos censos de 1991, 2000 e 2010. Como sões dinâmicas acima da 50 mca não foram observadas
houve diminuição das taxas de crescimento de 1,96 para em nenhuma região da cidade e em nenhum dos cená-
1,02% entre eles, optou-se por utilizar a projeção aritmé- rios. A velocidade de fluxo acima de 3,5 m/s só é obser-
tica que resultou em população de 58.659 habitantes para vada em 0,10% da rede.
o ano de 2019 e 72.695 habitantes para o ano de 2040. Percebe-se a fragilidade do sistema, que apresenta altos
Foi analisado se havia demandas especiais significati- índices de desabastecimento, ou seja, a RAA para zona
vas na rede. No entanto, definidos os 20 maiores usuários, urbana de Crateús já se encontra subdimensionada, com a
percebeu-se que eles somam apenas 1,54% da demanda previsão do rápido agravamento da situação nos próximos
total do ano de 2019 e se encontram distribuídos em diver- anos. Assim, faz-se necessária a revisão imediata do projeto
sos bairros da cidade. Dessa forma, não foram considera- e a geração de soluções como trocas de tubulações para a
dos condutos ou traçados especiais para essas demandas. diminuição de perda de carga, criação de tubulações tronco,
A RAA modelada foi construída com 1.657 nós e 1.922 setorização da rede, entre outras. Essas soluções podem ser
trechos, dos quais: 80,37% são de PVC, 8,75% de CA, 8,39% simuladas com base em na rede modelada neste estudo.

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Análise hidráulica da rede de abastecimento do município Crateús/CE

Figura 4 – Distribuição de pressões hidráulicas para o ano de 2019.

Figura 5 – Distribuição de pressões hidráulicas para o ano de 2030.

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Figura 6 – Distribuição de pressões hidráulicas para o ano de 2040.

Tabela 2 – Valores percentuais das áreas por faixa de pressão e da rede com perda de carga acima do permitido para cada um dos
cenários simulados.
Áreas (%) da cidade por faixa de Pressões dinâmica (mca) % da rede com
Cenário perda de carga
<0 0 a 10 10 a 20 30 a 40 30 a 40 > 40 > 8 m/km
2019 10,86 19,52 27,75 34,09 7,35 0,43 13,70
2025 17,28 18,98 26,91 30,96 6,26 0,32 14,61
2030 21,52 18,52 25,49 29,08 5,19 0,21 16,03
2035 26,94 16,74 24,67 27,57 4,08 0,00 16,83
2040 29,61 18,08 23,31 25,41 3,59 0,00 17,71

4 CONCLUSÕES Com a simulação hidráulica utilizada para o processo


Diante da análise dos resultados, tem-se que o modelo de validação, vê-se que a rede atende de forma satisfató-
da RAA do município de Crateús/CE representa bem a ria aos consumos médios de abastecimento, aos limites de
realidade, diante das incertezas envolvidas no processo pressão e velocidade estabelecidos pela NBR 12218:2017.
de modelagem e da ausência de dados essenciais para a No entanto, para o limite máximo estabelecido para o
execução de sua calibração (dados de vazão e pressão em parâmetro de perda de carga, 5,38% do comprimento
um ponto e instante de tempo determinado). Assim, o total encontra-se em desacordo com as referidas normas.
modelo pode ser utilizado como ferramenta para a ges- As simulações hidráulicas realizadas demonstram
tão operacional. que a rede não está preparada para atender a demandas

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superiores ao consumo médio, apresentando regiões com aprimorado com a calibração do modelo, além da elabo-
intermitência no abastecimento e pressões inferiores ao ração de plano de gestão operacional, com ações de miti-
estabelecido em norma, além de trechos com perda de gação e gatilhos de tomadas de decisão. No entanto, esses
carga superior ao limite, com agravamento dos valores processos não foram realizados em razão da falta de dados
de acordo com o passar dos anos. necessários para a execução. Assim, este estudo contri-
Por fim, conclui-se que para o cenário de 2019 a rede bui ao ampliar o diagnóstico sobre a funcionamento das
carecia de atualizações a fim de atender aos limites de redes de abastecimento, em longo prazo, em municípios
estabelecidos em norma e, assim, atender de forma plena de médio porte em desenvolvimento, oferecendo subsídios
às possíveis variações no consumo. O estudo poderia ser para auxiliar a gestão operacional dessas redes.

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