DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS LITERATURAS SÉRIE: 2ª TURNO: TURMA:
TROVADORISMO Na tradição literária portuguesa, os primeiros
textos literários apareceram escritos em galego O Trovadorismo, que corresponde ao primeiro (também chamado de galego-português), língua que período da literatura medieval, é um movimento literário antecede o português moderno. Esses textos são as que se desenvolveu na Europa, a partir do século XII, e cantigas medievais, estudadas a seguir. que compreende, principalmente, cantigas – poemas acompanhados de música – e novelas de cavalaria. Durante a Idade Média, a Igreja católica As cantigas trovadorescas acumulou grandes territórios e seu poder cresceu muito, tornando-se até maior que o poder dos O termo “trovadorismo” surgiu em monarcas (soberanos vitalícios e, comumente, consequência das atividades dos trovadores, ou seja, hereditários, de uma nação ou Estado). Por isso, a dos poetas que compunham textos para serem sociedade medieval era profundamente teocêntrica cantados e recitados pelos chamados jograis. O jogral (centrada em Deus). Praticamente toda a cultura interpretava a cantiga sempre acompanhado por letrada ficou sob o domínio da Igreja, que, em seus músicos, também chamados de menestréis. Escritas mosteiros, conventos e igrejas, também se tornou pelos nobres, as cantigas possuíam fortes traços de responsável pela educação. oralidade e eram divulgadas pelos jograis e menestréis quando eles circulavam por aldeias, feiras e castelos. A sociedade da Idade Média se organizava no sistema feudal, em que um suserano era responsável Em Portugal, o auge da produção das cantigas por um território no qual vassalos prestavam a ele o trovadorescas se deu entre 1250 e 1350. Elas estão juramento de vassalagem, que pressupunha lealdade, registradas em três cancioneiros (coleções): o pagamento de impostos, além de obrigações, como Cancioneiro da Ajuda, o Cancioneiro da Biblioteca defesa mutual em caso de guerras. Nacional e o Cancioneiro da Vaticana. Tradicionalmente, as cantigas são divididas em dois Especialmente na península Ibérica, onde se grandes tipos: as líricas e as satíricas. Cada um situam Portugal e Espanha, cristãos e povos desses tipos, por sua vez, divide-se em outros dois. As muçulmanos oriundos do norte da África, também cantigas líricas podem ser de amor ou de amigo, e as chamados de mouros, conviveram intensamente satíricas podem ser de escárnio ou de maldizer. desde o século VIII, o que gerou uma cultura rica e miscigenada. Os árabes influenciaram fortemente a agricultura, o artesanato e as artes produzidas nesse Cantigas líricas período. Porém, com a intensificação das tensões políticas entre os reinos cristãos e a luta pela Cantigas de amor reconquista dos territórios dominados pelos muçulmanos, que durou do século XI ao século XV, os O teocentrismo medieval apresenta-se, nas mouros foram expulsos da região, possibilitando a cantigas de amor, representado pela submissão do constituição de Portugal como Estado independente, trovador a Deus e às damas. O princípio básico que em fins da Idade Média. orienta a composição desse tipo de cantiga é o código do amor cortês, que apresenta regras bem definidas sobre o comportamento de homens e mulheres. Assim, o tema central das cantigas de amor é o suposto sofrimento amoroso do trovador por uma mulher inatingível. Essa dama, muitas vezes referida como “mia senhor” (“minha senhora”), é um símbolo de superioridade, virtude e castidade, e possui um tipo físico característico: traços delicados, cabelos claros, pele alva, riso sutil. Em relação à sua amada, o trovador deve colocar-se de maneira servil, numa espécie de espelhamento das relações de dependência e submissão que organizavam a sociedade feudal. Nesse sentido, o cavaleiro apaixonado que canta seu amor não correspondido possui, assim como os vassalos, uma série de obrigações e deveres, como ser fiel e discreto. No universo convencional (pautado por regras e convenções) das cantigas de amor, o sofrimento do São Jerônimo em seu mosteiro. 1480-1490. Mestre de Parral. Óleo sobre tela, 176 cm 3 100 cm. Museu de Lázaro Galdiano, Madri, Espanha. homem apaixonado chama-se coita de amor, e sua
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relação de submissão à mulher ideal é chamada de a recorrência de determinados sons, como também a vassalagem amorosa. de favorecer a memorização. Pelo uso dos paralelismos e dos refrões, que provavelmente eram A primeira cantiga escrita em galego (ou em entoados por um coro, é possível perceber quanto esse galego-português) de que se tem notícia é intitulada tipo de texto estava ligado à música e à dança. “Cantiga da ribeirinha”, assinada por Paio Soares de Taveirós. É interessante perceber que esse texto inaugural da literatura portuguesa é uma exceção entre Cantigas satíricas o conjunto das cantigas de amor. Isso porque o eu lírico fere uma das principais regras do amor cortês: ele se As cantigas satíricas tinham o objetivo de mostra indiscreto ao dizer que viu sua amada “em criticar determinadas pessoas que faziam parte do saias”, ou seja, sem o seu manto. Segundo os padrões grupo social do trovador, ou que haviam ficado famosas morais da época, essa situação seria considerada na corte por atitudes consideradas socialmente imprópria. Leia, a seguir, a primeira estrofe dessa transgressoras. Essas cantigas revelavam aspectos cantiga. típicos da vida cortesã, como a bebedeira exagerada, a avareza de um senhor feudal ou o conflito entre um Original trovador e os jograis que tentavam igualar-se a ele. No mundo non me sei parelha, As modalidades de cantigas satíricas mais mentre me for’ como me vay, conhecidas são: ca ja moiro por vós, e – ay mia senhor branca e vermelha, • cantigas de escárnio – apresentam críticas queredes que vos retraya sutis, geralmente por meio de frases ou palavras de quando vus eu vi em saya! duplo sentido, e não nomeiam a pessoa atingida; Mao dia me levantei, • cantigas de maldizer – apresentam uma que vus enton non vi fea! crítica mais direta, um vocabulário mais grosseiro e individualizam a pessoa que é alvo da crítica feita pelo Tradução trovador.
No mundo ninguém se assemelha a mim, Leia, a seguir, as duas primeiras estrofes de
Enquanto a minha vida continuar assim, uma cantiga de maldizer. No texto, a sátira é voltada a Porque morro por vós, e ai Maria Dominga, mulher que, em vez de ensinar Minha senhora de pele alva e faces rosadas, trabalhos domésticos às moças de família como Quereis que vos descreva apregoava a moral da época, ensinaria a elas maneiras Quando eu vos vi sem manto! de seduzir os homens. Maldito dia em que me levantei, Quem à sua filha quiser dar E não vos vi feia! uma profissão com que possa prosperar, há de ir a Maria Dominga, Cantigas de amigo que lhe saberá muito bem mostrar; e vos direi o que lhe fará: Assim como as cantigas de amor, as cantigas antes de um mês lhe ensinará de amigo são pautadas por convenções e como rebolar as ancas. caracterizam-se por possuir um eu lírico feminino, isto é, por expressar a perspectiva da mulher sobre a E já a vejo a ensinar relação amorosa. Isso significa que, embora fossem uma filha sua; escritas por homens (na Idade Média, praticamente e quem observar bem suas artes todas as mulheres eram analfabetas), os autores pode afirmar isto: assumiam uma identidade feminina e falavam da que de Paris até aqui experiência amorosa como se fossem mulheres. não há mulher que rebole melhor. DA PONTE, Pero. In: LAPA, Manuel Rodrigues. Cantigas d’escárnio e De modo geral, as cantigas de amigo são maldizer. Coimbra: Editorial Galáxia, 1965. (Versão atualizada). construídas em forma de diálogo, em que a moça apaixonada, de origem simples, dirige-se à mãe, às irmãs, às companheiras ou até à natureza para reclamar da ausência de seu amado (chamado de “amigo”). Essas situações dialogadas frequentemente acontecem num cenário campestre, que remete ao universo rural, bastante próximo da natureza: ao pé de fontes, à beira-mar, em um pinheiral ou bosque.
É importante notar que as cantigas de amigo
são bastante sonoras e têm muitas repetições, o que torna a linguagem dessas composições mais simples do que a das cantigas de amor. As rimas têm tanto a função de favorecer a coesão dos textos, ao promover