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Lírica Trovadoresca

Colégio Oficinas de São José – 10.º ano


Ano letivo 2021-2022
Contextualização histórico-literária
IDADE MÉDIA:

Espaço de tempo compreendido entre a queda do Império Romano no Ocidente, no século V, e a


queda do Império Romano no Oriente, no século XV.

Teocentrismo:
- a religião ocupava um papel preponderante na mentalidade medieval: sociedade
teocêntrica em que Deus é a explicação para tudo;
- igreja como palco da maioria dos acontecimentos sociais, comunitários, comerciais,
culturais: as igrejas medievais não se destinavam apenas a lugares de culto, servindo
também de espaços de reunião e até de recintos para atividades de entretenimento.
- as populações, que assistiam às missas, faziam jejuns e abstinências e participavam em
peregrinações e romarias.

- .
Principais acontecimentos…
- 476: tomada de Roma pelos bárbaros – fim do Império Romano do
Ocidente;
- 1143: Tratado de Zamora – Portugal torna-se independente de Castela e D.
Afonso Henriques seu primeiro rei;
- 1175: pacto de não agressão entre os irmãos Gomes Pais e Ramiro Reis é
considerado por muitos investigadores como o primeiro documento
redigido em língua portuguesa;
- 1179: Bula Manifestis Probatum, na qual o Papa Alexandre III ratifica a
independência de Portugal e reconhece D. Afonso Henriques como
legítimo rei;
- 1290: fundação da Universidade de Coimbra pelo rei D. Dinis (a primeira
em Portugal e uma das mais antigas da Europa);
- 1297: Tratado de Alcanizes, firmado por D. Dinis e Fernando IV de Leão e
Castela, que fixou as fronteiras entre Portugal e Castela;
… que marcaram a Idade Média…
- 1348-1350: Peste Negra (matou cerca de um terço da população europeia);
- 1383-1385: Crise de Sucessão - D. Fernando morre sem deixar filho varão, sendo que
a sua única filha era casada com o rei de Castela, o que punha em causa a nossa
independência;
- 1384: Cerco de Lisboa - durante quatro meses, os castelhanos cercaram a cidade,
levando a população a passar por muitas privações
- 1385: Batalha de Aljubarrota – os portugueses vencem os castelhanos e D. João I
(Mestre de Avis, casado com D. Filipa de Lencastre) é aclamado rei nas cortes de
Coimbra – início da “ínclita geração” (assim designada por Camões) que se destacou
pelo elevado grau de educação, conhecimento militar e relevância na vida pública
portuguesa;
- 1415: conquista de Ceuta;
- 1419: João Gonçalves Zarco chega à Madeira;
- 1434: Gil Eanes dobra o Cabo Bojador;
- 1453: Queda de Constantinopla, em Istambul – fim do império romano no Oriente.
Sociedade portuguesa
medieval
Estratificação social hierarquicamente bem
demarcada: clero (alto clero, baixo clero, clero
regular e clero secular), nobreza (ricos-homens,
filhos d’ algo, infanções, cavaleiros, escudeiros) e
povo (vilãos ricos e vilãos pobres, lavradores ou
cavaleiros lavradores ou cavaleiros-vilãos, os peões,
que eram os lavradores mais pobres que prestavam
serviço militar a pé, os mesteirais, homens de ofício
nas cidades, e semi-servos) – os escravos não eram
considerados uma classe social.
Portugal medieval
Consolidação da nacionalidade Sobreposição do poder eclesiástico ao poder
portuguesa: fundação, alargamento régio: conhecimento e saber circunscritos
e delimitação de Portugal – época ao Clero, gradual e lentamente estendidos
mais virada para assuntos bélicos à Nobreza de Toga (classe de letrados e
(Reconquista e Cruzadas). pessoas ligadas ao Direito).

Economia agrária assente no sistema Os mosteiros eram as escolas e os


feudal (Feudalismo): homenagem de centros de difusão da cultura
um vassalo a um suserano, sob a medieval, cujo papel foi decisivo na
forma de obrigações, deveres e formação da língua portuguesa, num
juramento de fidelidade. tempo de conflitos, fome e epidemias.
Idade Média:
ponte da Antiguidade para a Época Moderna
- Fundação de universidades;
- Afirmação de falares distintos do Latim:
o galego-português;
- Movimentos artísticos: românico, gótico (século
XII), manuelino (Descobrimentos);
- Descoberta de novos processos de cultivo e novas
alfaias agrícolas;
- Desenvolvimento do armamento (armas de fogo) e
da navegação, da medicina e do estudo do movimento
das estrelas e da matemática;
- Nascimento e crescimento de uma nova classe social
(Burguesia) no século XIV.
A génese da Poesia
Trovadoresca
O que é a poesia trovadoresca?
É a designação dada à literatura oral produzida
entre finais do século XII e meados do século XIV
por toda a Península Ibérica (Reinos de Galiza,
Leão, Castela e Portugal), em galego-português.
Esta literatura oral é constituída por composições
que aliavam a poesia à música, daí se designarem
“cantigas”, as quais eram transmitidas oralmente e
só mais tarde foram compiladas e registadas por
escrito.
Origens da lírica trovadoresca:

A par da cultura monástica, floresceu, na Idade Média, uma cultura profana que evidenciava
o espírito cavaleiresco sem, no entanto, abandonar os valores religiosos. Essa cultura,
difundida em cantos ou em composições em verso de índole lírica ou satírica, passou a
expressar-se através da chamada poesia ou lírica trovadoresca, precisamente por ser
produzida e divulgada sobretudo por trovadores.

A reprodução de livros era feita, nesta fase, pelos copistas através do método de cópia
manuscrita em folhas de pergaminho, sendo um processo muito demorado e dispendioso,
pelo que a poesia se desenvolveu mais cedo do que a prosa, e a criação literária era
eminentemente oral, daí que o verso seja a medida mais frequente, pois representava uma
forma de ritmar a fala que facilitava a memorização.
Origens da lírica trovadoresca:

O início da literatura portuguesa coincide, portanto, com o período histórico da Península


Ibérica que durante séculos foi campo de batalhas e de convivência entre muitos povos,
nomeadamente cristãos, árabes e judeus.
Graças à presença de vários povos no território galaico-português, é possível detetar, na
poesia trovadoresca, a influência de outras literaturas: no Sul da Península, por exemplo, os
moçárabes (cristãos sob o domínio muçulmano) produziam pequenas composições
amorosas em que, frequentemente, uma donzela se queixava do abandono do seu habib
(amigo); já no Norte, foi introduzida a lírica trovadoresca provençal que se espalhara por
toda a Europa, trazida pelos trovadores e jograis da Provença. Esta começou a difundir-se
na Península Ibérica a partir de 1140, em especial nas cortes régias de Castela, Aragão e
Leão.
Origens da lírica trovadoresca:

Nasceram, assim, umas cantigas de caráter culto, as cantigas de amor, a par de umas de caráter
popular e marcadas pelo sentimentalismo e pela saudade galaico-portuguesa, as cantigas de
amigo. A estas juntaram-se as que resultavam da veia satírica dos trovadores: as cantigas de
escárnio e de maldizer.

Exterior, sobretudo
de França – cantigas
de amor.
Poesia trovadoresca:
duas proveniências
Formada no espaço
do galego-português
– autóctone –
cantiga de amigo.
Origens da lírica trovadoresca:

Assim, a poesia medieval nasceu da literatura oral dos trovadores e jograis (também
designados segréis na Península Ibérica), que transmitiam as composições poéticas de
geração em geração através da tradição oral, sendo que só posteriormente foi reunida e
compilada nos Cancioneiros.
A poesia trovadoresca representa, em geral, a primeira grande manifestação da nossa
literatura, documentando a realidade cultural e literária de Portugal desde a fundação da
sua nacionalidade, em 1143.
Esta poesia espelha a realidade daquele tempo: valores como a honra, vassalagem,
vingança, cortesia, fidelidade, hierarquia; conflitos, fome, epidemias; regime senhorial;
estratificação social; escassa atividade cultural, centrada no clero, em alguns letrados e
poetas que animavam os espaços públicos.
Cancioneiros medievais
Estes poemas fixaram-se por escrito numa época posterior à sua criação, sendo recolhidos e reunidos em
Cancioneiros (valiosos documentos históricos, linguísticos e literários da Idade Média, pois expressam as
tradições, costumes, ideias, preocupações e quotidiano dessa época):
- Cancioneiro da Ajuda ou do Real Colégio dos Nobres (é o mais antigo, foi compilado na corte portuguesa
em finais do século XIII; só tem cantigas de amor e é anónimo);
- Cancioneiro da Vaticana (século XIV);
- Cancioneiro da Biblioteca Nacional (é o mais completo; século XVI);
- Pergaminho de Vindel;
- Pergaminho de Sharrer.
Os agentes da lírica
trovadoresca
Trovadores

- poetas oriundos da Nobreza, de condição social elevada;


- ao contrário dos jograis, compunham cantigas apenas por comprazimento estético.

Agreement
Jograis

- poetas plebeus, homens de condição social inferior (oriundos maioritariamente do povo)


que cantavam poesias alheias, sendo remunerados por isso e sobrevivendo dessa forma;
- a sua função era animar os tempos livres da plebe e as festas nos palácios;
- por vezes, também compunham cantigas.

Agreement
Os jograis e trovadores eram por vezes acompanhados de soldadeiras (mulheres a
soldo, que cantavam e dançavam).

Apesar de alguns autores permanecerem anónimos, os textos dos cancioneiros são atribuídos a
mais de uma centena de trovadores e jograis, não só galegos ou portugueses, mas também
castelhanos, leoneses e até extrapeninsulares, de várias classes sociais.
Os géneros da lírica trovadoresca
Lirismo peninsular
Cantigas de amigo

- Género literário de caráter tradicional popular, de origem galaico-portuguesa com forte influência
da poesia árabe (visto que os muçulmanos conquistaram muitos territórios após a queda do império
romano, no início da Idade Média);
- Trata-se de uma poesia sincera e afetiva, que retrata um ambiente rural e doméstico: campo,
lavadouro, fonte, romaria, praia, baile, rio, ...;
- Nestas cantigas o poeta assumia uma voz feminina, distanciando-se claramente o autor da
entidade que se expressa (sujeito poético), tratando-se o emissor de uma rapariga jovem e
solteira (donzela) que dedica os seus sentimentos ao namorado (amigo);
– plano de igualdade no relacionamento entre ambos: sentimento amoroso espontâneo e verdadeiro;
Cantigas de amigo

Temas mais frequentes:

danças primaveris tradicionais; saudade provocada pela ausência do namorado


(que se demora na guerra ou que a trocou por outra donzela); sofrimento por
ciúme; queixas por promessas não cumpridas; o encontro amoroso na fonte; o
baile; a espera angustiada pelo regresso do amigo; a ida à romaria para
encontrar um namorado; a ida ao rio para lavar a roupa ou os cabelos na
esperança de ver o amigo; a natureza, a/as amiga/as, a/as irmã/ãs ou mãe como
confidente/es; a alegria de amar e de ser amada,...
Cantigas de amigo

Classificação:

- bailadas ou bailias

- cantigas de romaria

- marinhas ou barcarolas

- albas/alvas ou alvoradas (pouco cultivadas entre nós)

- pastorelas (apesar do ambiente rústico, têm o artificialismo formal típico


das cantigas de amor)
Cantigas de amigo

Aspetos formais:

-surgem ora em forma de diálogo ora em forma de monólogo;


- Processo de leixa-prem;
- Refrão;
- Paralelismo (perfeito ou imperfeito).
Lirismo provençal
Cantigas de amor

O lirismo provençal surgiu nos finais do século XI, na região da Provença (sul de França – Langue d’
Oc, Côte d’ Azur) como resultado de uma literatura familiar e confidente, regida por direitos e leis
que formavam um código do amante perfeito baseado nos seguintes princípios: supremacia da
mulher, o amor à margem do casamento, o fingimento de amor. Este lirismo surgiu a partir da
filosofia cátara/albigense (heresia que surgiu no sul de França e que defendia a oposição entre o
amor e o casamento, dizendo que o amor era puro quando era fora do casamento) e difundiu-se para
a Península Ibérica, a partir do século XII, pois foi quando nasceu o primeiro Tribunal da Inquisição
(com o Rei de França e o Papa, com o objetivo de combater a heresia cátara), o qual perseguiu os
cátaros, que fugiram para outros locais, levando a sua lírica consigo. A lírica provençal teve duas
fases, uma primeira mais erótica e uma segunda mais sentimental, mais domesticada. A lírica
galego-portuguesa foi influenciada por esta segunda fase, em que os cátaros já estavam mais
contidos devido à perseguição de que eram alvo, daí o tom mais melancólico das nossas cantigas de
amor;
Cantigas de amor

Nos séculos XII e XIII, este lirismo difundiu-se na Península Ibérica, no ambiente cortesão (cantigas
de amor de caráter aristocrático): os nossos poetas começaram a imitar os cantares provençais,
adaptando-os às formas já existentes e expressas nas cantigas de amigo;

A nossa língua ficou então imbuída de numerosos provençalismos (ex.: sen – senso, cor – coração,
prez – valor/preço, gréu – grave/difícil, ...).

Nestas cantigas, o emissor é o homem (trovador), que se dirige a uma dona ou “senhor” (casada ou
comprometida) de classe social superior, em atitude de vassalagem – rutura com a ordem normal
das relações sociais na sociedade feudal (casamentos por conveniência, desvalorização dos impulsos
amorosos, mulher submissa), pois é o homem que serve a dama, inclinando-se perante os seus
caprichos e submetendo-se a ela.
Cantigas de amor

- A “coita de amor”: expressão de um sentimento amoroso doloroso provocado pela não


correspondência, por parte da “senhor”, ao amor confessado pelo homem apaixonado; sofrimento
que está frequentemente associado à morte por amor;

- O ideal de beleza feminina (modelo provençal): olhar sereno e luminoso, mansidão e dignidade
do gesto, riso subtil e discreto;

- As regras do amor cortês (recebidas da Provença) no relacionamento de vassalagem estabelecido


nas cantigas de amor: o trovador tinha de ser comedido na expressão pública do seu amor
(“mesura”), devia ocultar a identidade da sua dona ou recorrer a um pseudónimo (“senha”) e não
podia ausentar-se sem o seu consentimento – a dama era uma “suserana” à qual o trovador “servia”,
numa atitude submissa de vassalo;
Cantigas de amor
Aspetos formais:

Regra geral, as cantigas de amor não têm refrão (cantigas de mestria) e recorriam a vários
artificialismos formais:
- o dobre: processo pelo qual se repetem palavras na mesma estrofe, em pontos que são fixos em
todas as estrofes, ou seja, exemplificando: se na 1ª estrofe se repete a mesma palavra em dois
pontos, nas estrofes seguintes deverá repetir- -se uma outra palavra na mesma posição;
- o mozdobre ou mordobre: processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da
palavra (exemplo: amar/amei);
- finda: copla-remate, de um a três versos, que rimava normalmente com o refrão ou, nas
cantigas de mestria, com a segunda parte da última estrofe;
- atafinda: encadeamento (encavalgamento ou enjambement) estrófico que permite levar o
pensamento sem interrupção até ao final da cantiga.
Lirismo satírico
Cantigas de escárnio e maldizer

Origem: possivelmente estas cantigas surgiram do “sirventês” da Provença (sul de França), mas não
há certezas, pois na verdade a sátira popular é uma tradição carnavalesca, vem da tradição popular;
-
Estas cantigas fazem um retrato da sociedade da Idade Média, quer através da paródia ao amor
cortês, quer através da crónica de costumes, tendo como principal objetivo a crítica e moralização da
sociedade.

Recurso a trocadilhos, jogos de palavras, construções ambíguas ou com duplos sentidos.

Uso de recursos expressivos como a comparação, ironia ou personificação.


Cantigas de escárnio e maldizer

A distinção entre cantigas de escárnio e cantigas de maldizer será apenas escolástica (Arte de
Trobar), pois os jograis e trovadores não fariam essa diferenciação:

- cantigas de escárnio: o trovador ridiculariza de forma indireta e ambígua as ações de uma pessoa,
recorrendo ao equívoco (emprego de uma ou mais palavras com mais do que um sentido), aos
trocadilhos e à ironia;

- cantigas de maldizer: o trovador ridiculariza de forma direta essas ações.


Cantigas de escárnio e maldizer

Cantigas de escárnio Cantigas de maldizer


 Crítica subtil, sem se identificar  Crítica direta e ostensiva, identificando
explicitamente a pessoa satirizada; explicitamente a pessoa satirizada nos
 Recurso ao equívoco, à ambiguidade e à primeiros versos;
alusão para o alvo da crítica não ser  Possível intenção moralizadora;
reconhecido;  Recuso a linguagem irreverente ou
 Recorte caricatural; obscena.
 Tom irónico e mordaz.
Cantigas de escárnio e maldizer
Aspetos temáticos:

Principais temas: falta de valores elementares; corrupção social; interesses materiais de alguns
membros do Clero; leviandades das soldadeiras (bailarinas, companheiras dos jograis, prostitutas
ou cozinheiras que recebiam os exércitos); paródia ao amor cortês e à expressão exagerada da coita
de amor, assim como ao ridículo da morte por amor; ataque às mulheres velhas que querem ver a
sua beleza cantada; a infidelidade conjugal; o mau trato dado aos animais; as mentiras; a falta de
arte e vida boémia dos trovadores e jograis; os acontecimentos escandalosos da época; …

Aspetos formais:

Estas cantigas podem ser de mestria e de refrão e podem recorrer à finda.


Cantigas de escárnio e maldizer
Representações de afetos e emoções

Paródia do amor cortês Crítica de costumes


 Sátira dos aspetos do ideal de  Temas mais recorrentes:
amor cortês valorizado nas - decadência da classe nobre;
cantigas de amor; - conflitos entre trovadores e
 Situações mais recorrentes: jograis;
- ridicularização da superioridade - falta de dotes poéticos dos
da “senhor”, da sua beleza e jograis;
valor; - cobardia dos vassalos nobres
- troça do respeito que o em campo de batalha;
trovador tem pela “senhor” e da - maus costumes morais.
sua submissão a ela.

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