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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: UMA BREVE


REFERÊNCIA ..................................................................................................................2

1.1 A História, a Educação Física e suas múltiplas possibilidades........................6

2 PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: PRIMEIRAS


APROXIMAÇÕES ..........................................................................................................12

2.1 A Educação Física no Brasil ..........................................................................12

3 A HISTÓRIA DAS MANIFESTAÇÕES FÍSICO-ESPORTIVAS: DOS JOGOS


DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA AO ESPORTE MODERNO ..........................................20

3.1 A história dos jogos da antiguidade clássica .................................................20

3.2 A história dos esportes modernos .................................................................26

4 O ESPORTE NO BRASIl ...............................................................................34

5 A EDUCAÇÃO DO CORPO E A ESCOLARIZAÇÃO DAS PRÁTICAS


CORPORAIS ..................................................................................................................39

5.1 O Corpo na Escola ........................................................................................41

5.2 O Corpo no processo de escolarização .........................................................44

6 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ..................................................................................2


1 A HISTORIOGRAFIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA: UMA BREVE
REFERÊNCIA

No Brasil o conhecimento histórico compõe a grade curricular dos cursos de


graduação em Educação Física desde os anos trinta do século XX, quando surgiram as
primeiras iniciativas destinadas à formação de profissionais para atuarem nesse campo
de trabalho, dominado até então, por médicos e militares. Desde esse período, diferentes
matrizes epistemológicas e teóricas têm orientado não apenas as pesquisas históricas
realizadas por autores brasileiros como também o trato com o conhecimento no interior
das instituições escolares e universitárias.
De uma maneira bastante geral, é possível afirmar que de seus primórdios até
aproximadamente os anos de 1980 as disciplinas relacionadas à História seja da
Educação Física, seja do Esporte, estavam muito mais direcionadas para o estudo da
memória esportiva nacional e internacional do que propriamente fundamentada em
pesquisas historiográficas. Mais do que analisar os contextos onde emergiram as
diferentes atividades corporais e esportivas vivenciadas por brasileiros e brasileiras, a
centralidade desses estudos situava-se em descrever e memorizar datas, eventos, heróis
e acontecimentos considerados significativos a estas práticas.
Com relação à Historiografia da Educação Física brasileira é possível destacar,
como fez Victor Andrade de Melo (1999), três fases iniciais no que respeita à produção
do conhecimento histórico. A primeira delas, de caráter embrionário, se desenvolveu
através da adoção de livros de autores estrangeiros cujas obras mencionavam as origens
e a evolução da Educação Física e do Esporte desde a Antiguidade Clássica. Nesse
período, ou seja, desde o início do século XX até meados deste, existiam poucas
iniciativas no Brasil de escrever sobre sua história, em especial, sobre os esportes ou
mesmo sobre a Educação Física.
Vale lembrar que é a partir dos anos 1930 que o Estado instituído se empenha em
concretizar várias ações no campo específico das práticas corporais e esportivas,
identificando a Educação Física e o esporte como espaços de intervenção na educação
dos cidadãos, no sentido da valorização do corpo esteticamente belo e do
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aperfeiçoamento físico de corpos saudáveis e aptos, capazes de enfrentar os desafios
da vida modernizada.
Nessa primeira fase, a concepção que orientava os estudos históricos direcionava-
se, grosso modo, para:

A utilização bem restrita de fontes; um caráter “militante”, a história servindo para


provar e legitimar algo já previamente estabelecido irreversivelmente; a
preocupação central exacerbada com o levantamento de datas, nomes e fatos;
uma história pautada única e exclusivamente na aparência de grandes
expoentes; uma história que não busca uma periodização interna, preferindo se
vincular a periodização política geral. Uma história traçada superficialmente em
longos períodos (MELO, 1999, p. 15).

Mesmo percebendo diversas lacunas nessa produção é necessário reconhecer o


esforço de diferentes autores que, na intenção de escrever e ensinar a história da
Educação Física e do Esporte, produziram conhecimentos, mesmo que a partir de uma
perspectiva ainda muito marcada pelo enaltecimento de heróis, eventos, instituições
reforçando, assim o registro do passado a partir de uma narrativa descritiva e factual.
Vele registrar, e é necessário ter essa compreensão, que muitos dos autores que nesse
período escrevem sobre a Educação Física e o Esporte considerando seus aspectos
históricos não tem formação no campo específico. Em sua maioria são militares, cronistas
esportivos, torcedores de um clube ou aficionados por essa prática cultural.
Uma segunda fase na produção do conhecimento histórico na Educação Física
brasileira pode ser identificada a partir da obra de Inezil Penna Marinho (1915-1987),
indiscutivelmente, um dos maiores estudiosos da História da Educação Física e do
Esporte desse país. Mesmo que seus escritos não tenham rompido com a perspectiva
da História factual-descritiva, celebrada também no período anterior, é considerada como
um marco na Educação Física brasileira, tanto porque era muita bem referenciada
teoricamente quanto porque resultava de um árduo trabalho de busca e utilização de
fontes primárias.
A importância da obra de Inezil Penna Marinho também foi destacada por Janice
Mazo ao afirmar que “professores de todo Brasil foram formados, durante muitos anos,
tendo na obra de Inezil o único eixo de ligação ao seu passado profissional” (GOELLNER
ET ALL, p. 389).

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Inezil Penna Marinho escreveu várias obras sobre História da Educação Física e
do Esporte brasileiros, um fato inédito, visto que no período anterior os autores
reportavam-se basicamente a reproduzir estudos produzidos por autores estrangeiros
cujas temáticas desenvolvidas referiam-se, sobretudo, a história do Esporte e da
Educação Física em outros contextos como, por exemplo, na Grécia Antiga, e na Idade
Média ou, então, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, entre outros. Inezil
marcou a diferença pois escreveu sobre a Educação Física e o Esporte no Brasil incluindo
ainda a capoeira.

Fonte: grupoescolar.com

Para além de Inezil, outros autores também se farão presentes nessa segunda
fase, que se diferencia da anterior exatamente pelo desenvolvimento de pesquisas
relacionadas ao contexto nacional. A concepção historiográfica que sustenta essas
pesquisas é marcada, como na fase anterior, pela descrição e memorização de fatos,
data se nomes sem haver uma análise do material pesquisado compondo, o que Peter

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Burke (1991) denominou como história episódica. Na análise desenvolvida por Janice
Mazo,

Esta forma de fazer História, então dominante no campo da Educação Física e


dos esportes no Brasil, encontraria fortes reações por parte das novas
abordagens historiográficas que a sucederam, sobretudo aquelas encampadas
por autores da década de 1980. Numa visão que se pretende evolucionista, a
velha história da Educação Física foi duramente acusada de privilegiar a mera
descrição dos acontecimentos e datas, na longa duração, ignorando uma análise
mais aguçada de seus aspectos particulares de tempo e espaço. Soma-se a isto,
a indefinição e indiferenciação de um conceito claro para a Educação Física como
objeto de estudo e, sobretudo, de apoiar suas reflexões em padrões corporais e
culturais de movimento que remetiam as práticas atuais às cristalizações de
representações gregas e romanas (GOELLNER ET AL, 2010, p, 390).

A partir dos anos 1980 outras concepções historiográficas adquirem visibilidade


na pesquisa brasileira e está influenciará significativamente o trabalho com a disciplina
de História da Educação Física e do Esporte nos cursos de graduação, marcando o início
da terceira fase apontada por Melo (1999).
Esse período é bastante fecundo para o Brasil. Período no qual a Ditadura Militar
chegava a seus últimos suspiros e aquilo que se convencionou chamar de “Abertura
Política” mostrava-se diante de nossos olhos. Em agosto de 1979 o General Figueiredo,
sancionou a Lei da Anistia e no seu rastro, despontaram várias outras conquistas: o
retorno dos exilados políticos, o fortalecimento dos movimentos sociais, as greves, a
legalização do Partido Comunista e a construção do Partido dos Trabalhadores, o
Movimento Diretas Já, o Movimento de Mulheres, enfim, ideias e ações que integravam
nosso cotidiano.
No campo da Historiografia brasileira é possível identificar que a História episódica
perde sua hegemonia e as análises críticas, politizadas e contextualizadas invadem a
produção acadêmica brasileira. Fundamentadas no marxismo despontam várias
produções cujo fazer historiográfico privilegia não apenas a descrição dos fatos, mas,
sobretudo, análises que objetivam entender a constituição da Educação Física e dos
Esportes a partir de um viés crítico. Nessa perspectiva, para além de destacar datas,
acontecimentos, eventos e personagens, torna-se imperante analisá-los e interpretá-los
à luz do contexto social, político, econômico e cultural no qual foram produzidos.

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Tanto quanto a vertente marxista, outras abordagens teóricas e metodológicas
começaram a frutificar na área cujas pesquisas foram e ainda são frequentemente
citadas, nas ementas que constituem a disciplina de História da Educação Física e/ou
Esporte em vários cursos de formação.
Aportes teóricos advindos da Escola dos Analles, Micro História, História Oral,
História Cultural, Nova História, História Social, História do Cotidiano, História Pós
Estruturalista, História das Mulheres, tornam-se visíveis nos estudos e pesquisas
desenvolvidos na Educação Física brasileira indicando um movimento de “renovação
historiográfica” quando comparadas às etapas anteriores nas quais a História factual e
descritiva mantinha certa dominância no campo. Renovação essa que pode ser
creditada, segundo Janice Mazo, a expansão dos cursos de Pós-Graduação em
Educação Física nas universidades brasileiras a partir da década de 1990 possibilitando
a ampliação de estudos historiográficos. “Percebe-se, a partir deste movimento, uma
atitude mais cuidadosa dos pesquisadores com relação ao campo da produção
historiográfica no que tange aos pressupostos teóricos eleitos, à produção discursiva e à
construção de novas narrativas através das fontes (GOELLNER ET AL, 2010, p. 390).
Feita essa breve referência à inserção do conhecimento e da pesquisa
historiográfica na Educação Física brasileira, considero importante registrar que esse
caminhar não se deu de modo contínuo e linear.
Se olharmos as ementas das disciplinas e as investigações em desenvolvimento
nos dias atuais é possível identificar todas as abordagens aqui mencionadas, inclusive,
a da História Episódica com ênfase nos seus aspectos descritivos e factuais. Isso se dá
porque, como já mencionei anteriormente, a História não é sinônimo de história. Ou seja,
aquilo que se registra do passado não necessariamente é aquilo que aconteceu no
passado ou ainda não é o próprio passado.

1.1 A História, a Educação Física e suas múltiplas possibilidades

A compreensão da História, como a ciência que estuda o passado há muito vem


construindo representações acerca do fazer historiográfico assinalando ser a
necessidade de fazer lembrar uma preocupação humana.
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Fazer lembrar, mas também fazer esquecer, na medida em que, ao contar sobre
um tempo que já não é mais, a História tanto pode “celebrar” o que deve ser lembrado
quanto “invisibilizar” o que deve ser esquecido. Afinal, como tenho mencionado desde o
início do texto, a História não é sinônimo de passado, mas uma narrativa sobre o passado
(PESAVENTO, 2003; JENKINS, 2004). Nesse sentido é necessário pensar que a
narrativa histórica é resultante de um entrelaçamento de objetividades e subjetividades,
de percepções, de olhares, de possibilidades de análises e estas são sempre datadas.
Em última instância, a História é, ela própria, historicamente datada, está ancorada no
tempo e tem narrado o mundo de acordo com interesses, pessoais, políticos, sociais,
econômicos, culturais, étnicos, etc, evidenciando, sobretudo, a impossibilidade de
descrever o real como ele é. Nas palavras de Michel de Certeau “Toda a pesquisa
historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural
e está submetido a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade”
(1982, p. 66). Em outras palavras: a História não é neutra e traduz-se em um dos muitos
discursos que existem acerca do mundo, do real e da humanidade tendo sua
territorialidade atrelada ao que já aconteceu, ao passado.
Ainda que sejam palavras próximas, vale ressaltar, que História e passado
(história) são coisas absolutamente diferentes visto que o passado e a História não estão
unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter apenas uma leitura histórica do
passado. O passado e a História existem livres um do outro; estão muito distantes entre
si no tempo e no espaço. Isto porque o mesmo objeto de investigação pode ser
interpretado por diferentes práticas discursivas ao mesmo tempo em que, em cada uma
destas práticas, há diferentes leituras interpretativas no tempo e no espaço. A partir dessa
explicitação podemos indagar: O que é, afinal, estudar e pesquisar a Educação Física e
do Esporte considerando seus aspectos históricos?

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Fonte: hoje.unisul.br

Seria, por exemplo, encontrar a verdade do passado, narrar seus acontecimentos


mais importantes, enaltecer os nomes de homens e mulheres que figuram como
personalidades heroicas? Não seria, quem sabe, trazer para o tempo presente alguns
ideais da Civilização Clássica cujas representações estéticas ainda hoje se vinculam ao
universo iconográfico da Educação Física e Esportes? Pensemos: não é, ainda, o
Discóbolo, famosa escultura do artista grego Miron a imagem que seguidamente aparece
ilustrando convites de formatura de diferentes Escolas de Educação Física, muitas das
quais a disciplina História da Educação Física e/ou Esporte se não é designada como
menor, nem existe? E os Jogos Olímpicos não são, ainda hoje, estudados como
referências de ações voltadas à celebração da paz mundial e a confraternização de
diferentes nações, etnias e culturas mesmo num tempo onde a corrupção, os interesses
econômicos, o doping, o terrorismo, a exacerbação da performance são elementos que
também constituem esses Jogos?
Cabe aqui uma pergunta: É possível falar em História da Educação Física e/ou
Esporte no singular?

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Se a História é uma narrativa que tanto pode dizer do passado como também
ocultá-lo não há possibilidade alguma de pensar que exista uma História da Educação
Física e/ou Esporte senão em Histórias. Lembremos que aquilo que nos chega do
passado não é o passado em si, mas o registro que alguém fez dele. Nas palavras de
Jenkins “o passado que “conhecemos” é sempre condicionado por nossas próprias
visões, nosso próprio “presente“. Assim como somos produtos do passado, assim
também o passado conhecido (a história) é um artefato nosso. Ninguém, não importando
quão imerso esteja no passado, consegue despojar-se de seu conhecimento e de suas
pressuposições” (2004, p. 33).
Pensando especificamente no campo da História da Educação Física e/ou Esporte
é possível vislumbrar um horizonte pleno de multiplicidades, de interpretações, de
olhares, de formas de narrar vários acontecimentos como, por exemplo, história de
diferentes modalidades esportivas, de instituições 45 (clubes, associações esportivas,
comitês olímpicos, federações e confederações), pessoas (atletas, técnicos, dirigentes,
professores, etc), eventos, competições de nível internacional, nacional, regional e local.
A história de um clube, por exemplo, pode ser narrada apenas ressaltando seus
dirigentes, suas conquistas e glórias, seus méritos. Como também, dependendo de quem
registra essa história, pode evidenciar as disputas de poder, os fracassos e insucessos,
ou seja, àquilo que está nas zonas de sombra da trajetória dessa instituição. Jenkins,
outra vez, nos ajuda a pensar sobre esse aspecto quando afirma que:

Não é possível relatar mais que uma fração do que já ocorreu, e o relato de um
historiador nunca corresponde exatamente ao passado: o simples volume desse
último inviabiliza a História total. A maior parte das informações sobre o passado
nunca foi registrada, e a maior parte do que permaneceu é fugaz. (...) A História
depende dos olhos e da voz de outrem; vemos por intermédio de um intérprete
que se interpõe entre os acontecimentos passados e a leitura que dele fazemos
(2004, p.30-32).

A participação das mulheres no esporte ilustra muito bem essa afirmação. Basta
ler muitos documentos que se propõem a contar a história de várias modalidades
esportivas e o que encontramos é a narrativa histórica dos homens! Pouca ou nenhuma
menção se faz as mulheres, como se elas não tivessem participação alguma na
estruturação do esporte brasileiro. Com isso quero afirmar que a falta de registro sobre

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as mulheres no esporte não significa a sua ausência, mas a ausência de registros sobre
essa participação.
Um bom exemplo para refletir sobre essa questão é o Museu do Futebol, localizado
no Estádio do Pacaembu, em São Paulo cuja missão é “investigar, divulgar e preservar
o futebol como manifestação da cultura brasileira”10. O que se vê ao percorrer seus
acervos e exposições é que esse museu tematiza o futebol praticado por homens11. A
participação das mulheres é silenciada como se elas não estivessem, há muito tempo,
atuando na modalidade, seja como jogadoras, treinadoras, espectadoras, torcedoras,
gestoras, árbitras, enfim, como se não fizessem parte dessa História.
Dado esse exemplo, quero enfatizar que é impossível tomar a História da
Educação Física e/ou Esportes no singular pois são muitos os seus temas, objetos,
problemas, instrumentos analíticos e fontes. A tarefa de registrar a história, grosso modo
atribuída aos historiadores, possibilita múltiplas interpretações de um mesmo
acontecimento cujo resultado (ou seja, a narrativa) vai depender “das fontes existentes,
dos recursos teórico-metodológicos escolhidos e de um olhar, dentre vários outros
possíveis, marcado por nossa atualidade, vale dizer, por nossa inserção cultural e social,
enfim, por nossa própria subjetividade” (RAGO, 2004, p. 10).
Nas palavras de Sandra Pesavento “tudo o que foi um dia poderá vir a ser contado
de outra forma, cabendo ao historiador elaborar uma versão plausível, verossímil de
como foi. Mesmo admitindo uma certa invariabilidade no ter sido, as formas de narrar o
como foi são múltiplas e isso implica colocar em xeque a veracidade dos fatos” (2003, p.
51). Nesse sentido é possível afirmar que o trabalho historiográfico busca se aproximar
o máximo possível do que aconteceu um dia e que o historiador pode relatar um tempo
transcorrido mesmo que esse mesmo tempo ou fato relatado possa ser objeto de outras
tantas versões. A História, portanto, não trabalha com “a verdade”, mas com a
verossimilhança.
A impossibilidade de uma História no singular é uma boa justificativa para o
incentivo ao estudo e à pesquisa nos cursos de formação em Educação Física na medida
em que poderá fomentar a emergência de outras versões sobre algum tema já
investigado ou ainda de novos temas como, por exemplo, investigações sobre contextos

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locais e regionais, sobre diferentes etnias, sobre pequenos clubes e associações
esportivas, entre outras possibilidades.

Fonte: blogeducacaofisica.com.br

Outra justificativa para a sua presença é que ao estudarmos a Educação Física


e/ou Esportes considerando sua historicidade compreendemos que aquilo que hoje
conhecemos, vivenciamos e valorizamos nem sempre foi assim. A exigência, por
exemplo, de um corpo magro e moldado pela exercitação física é recente e decorre do
movimento fitness surgido no contexto americano nos anos 70 do século XX. Isto é, nem
sempre as imposições foram essas e nem sempre esse foi considerado um corpo belo e
saudável como o é na atualidade. Ao agir assim estamos desnaturalizando o que parece
ser natural e, assim, a História mostra-se necessária porque contribui para entender e
enfrentar os problemas humanos (BLOCH, 2001), inclusive, os específicos da nossa área
de conhecimento.
Estudar e pesquisar as Histórias da Educação Física e/ou Esporte é, portanto,
estabelecer nexos entre diferentes épocas estando ciente de que o passado é algo que

11
não se pode modificar, apenas compreender. O presente, no entanto, é algo em
construção cuja história depende também de nossa ação1.

2 PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL: PRIMEIRAS


APROXIMAÇÕES

O estudo da Educação Física constitui-se em uma atividade prazerosa e motivante


já que no seu bojo estão preocupações que vão muito além de si mesmas. Seja nos
espaços formais ou não formais, que estão ganhando visibilidade nos últimos anos,
considera-se a um complexo conjunto de conhecimentos que pode proporcionar a
elaboração de diversos olhares nos diferentes campos de trabalho sob variados saberes.
Logo para o seu entendimento faz-se necessário à análise do ser humano nas relações
assimétricas que estabelece com a natureza, com os outros indivíduos e o que daí
emerge.
Sob o nome de Educação Física estão campos de estudos e intervenção bastante
diferenciados como o lazer, a saúde, o esporte, a estética, educação física escolar. Diante
disso, Lovisolo (1995, p.19) afirma que a Educação Física é uma área “[...] claramente
mosaico, fragmentaria, multidisciplinar e não dominante disciplinar. Mas Rocha Junior
(2000) nos lembra que mesmo não havendo uma identidade e unidade nos meios e
objetivos, são os atores sociais (crianças e homem comum) que dão significado a
Educação Física.

2.1 A Educação Física no Brasil

As mudanças ocorridas na Europa aos poucos vão chegando aos países


periféricos. Tão logo o Brasil inicia-se a industrializar começa a sofrer pelos mesmos
problemas enfrentados pelos Estados europeus, ou seja, a urbanização acelerada, as

1
GOELLNER, Silvana Vilodre.. In: VILODREGOELLNE, Silvana. A Importância do conhecimento
histórico na formação de professores de educação física e a desconstrução da história no singular.
[S. l.], 2012. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/kinesis/article/download/5721/3935. Acesso em: 12
ago. 2019.
12
epidemias devido à ausência de condições básicas de sobrevivência, além de uma
quantidade enorme de mão de obra sem qualificação, analfabeta, para manusear as
máquinas nas fábricas e posteriormente as pressões dos operários por direitos a
cidadania. A Educação Física segundo Herold Junior (2005, p.5) aparece nos
documentos escritos na época como uma solução para curar as mazelas sociais e
acelerar o processo de transformação.
No ambiente escolar a Educação Física surge a partir da metade do século XIX
sob forte influência da Instituição médica, militar e posteriormente também do movimento
pedagógico escolanovista, que estava sendo importado pelos intelectuais brasileiros na
preocupação de uma educação que acabasse com as mazelas sociais, valorizando o
processo de ensino focado nas necessidades e nos interesses dos alunos.
A escola nova bastante difundida entre os educadores acabou segundo Saviani
[...] provocando o afrouxamento da disciplina e a despreocupação com a transmissão de
conhecimentos, acabou por rebaixar o nível do ensino destinado às camadas populares
as quais muito frequentemente tem na escola o único meio de acesso ao conhecimento
elaborado. Em contrapartida, “a escola nova” aprimorou a qualidade do ensino destinado
às elites. (1993, p. 22).
O movimento escolanovista aparece para contribuir com o dito desenvolvimento
do Brasil. Nesse período os intelectuais e os políticos acreditavam que dependeria de
instruir e educar o povo, tido e havido por analfabeto, doente e despreparado para as
novas formas de trabalho industrial, organizado sob a lógica capitalista de produção
(VAGO, 1999, p. 31). Para tanto precisariam que as escolas consideradas inoperantes
atingissem a tríade educação intelectual, moral e física. Esse era o espaço que iria ditar
o que seria importante para os estudantes e consequentemente para a sociedade.

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Fonte: acervo.oglobo.globo.com

A Educação Física até o final da década de 40 do séc. XX no sistema educacional do


país foi baseada nos métodos ginásticos europeus inicialmente o sueco e o alemão e
posteriormente o francês. Sobre esse momento da Educação Física o Coletivo de Autores
diz que ela:

[...] era entendida como atividade exclusivamente prática, fato este que contribuiu
para não diferenciá-la da instrução física militar. Certamente, também não houve
uma ação teórica-prática de crítica ao quadro apontado, no sentido de
desenvolver um corpo de conhecimento científico que pudesse imprimir uma
identidade pedagógica à Educação Física no Física no currículo escolar. (1992,
p.53).

A Educação Física foi se legitimando no interior da escola brasileira sob forte


influência das ciências médicas, as quais não avançavam na análise do ser humano e da
sociedade para além de um organismo em pleno funcionamento, como uma máquina.
Reproduzia os interesses políticos do Estado, mascarando e construindo valores de
normalidade nas desigualdades vigentes, ensinando hábitos saudáveis para uma
população que não tinha condições de tê-los, ao invés mostrar as possibilidades de
superá-las. Isso feito através de aulas dentro de uma proposta pedagógica não-crítica.

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A grande aceitação dos esportes pela população culmina com o surgimento de
novas tendências e possibilidades para as aulas de Educação Física a partir do final do
Estado Novo, superando o método oficial- francês. Segundo Coletivo de autores (1992,
p.54) destaca como concorrentes o método Austríaco e principalmente a Desportiva
Generalizada, sistematizado na Inglaterra e divulgado no Brasil por Auguste Listello. As
aulas de Educação Física deixam de ser desenvolvidas sob a rigidez alienante dos
militares, e passa a ser confundida com simples práticas esportivas desprovidas de
significados sociais para os alunos, já que as aulas tornaram um prolongamento da
instituição esporte. O professor que na verdade era instrutor pelas influências militares e
o aluno recruta agora a relação é professor treinador e aluno atleta (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p.54).
Com a promulgação em 1961 da lei de Diretrizes e Bases da Educação, tornando-
a obrigatório no ensino primário e médio, as crises políticas e econômicas que ocorreram
no país e a diminuição do investimento estatal em políticas sociais, fortaleceram o esporte
como conteúdo único das aulas de Educação Física.
Durante a ditadura militar grande foi à repressão às mobilizações dos setores
organizados da sociedade, mas contraditoriamente, de incentivo as práticas corporais
inclusive as coletivas, como a criação do programa Esporte Para todos. Nesse momento
histórico a educação institucionalizada, passa sob fortes influências tecnicista. A escola
possuía o papel de ensinar a fazer, sendo uma das formas de contribuir com a qualidade
da mão de obra do mercado de trabalho brasileiro. Isso veio a fortalecer o esporte nas
escolas, contribuindo com muita eficiência como afirma Linczuk (2000) para com os
interesses dominantes, em formar jovens “dóceis e saudáveis” e preparados para uma
sociedade competitiva.
O desporto usado como ferramenta política pelo Estado possui plena aceitação
dos professores de educação física, no qual Carvalho (1994, p. 24) diz que “não é o
desporto que é alienante e servil à classe dominante, mas os professores que trabalham
as práticas desportivas sob a égide de uma ideologia voltada para a alienação dos
indivíduos” quase sempre é usado para escamotear a realidade dos “chutadores de bola”,
estudando o não como um fenômeno social construído historicamente com significados
diferentes nesta sociedade de classes, mas simplesmente como atividade biológica que
15
proporciona divertimento e descanso com nenhum desenvolvimento humano efetivo nas
suas vivencias seja elas passivas ou ativas.
Surge então com esse pensamento, vindos dos questionamentos ao modelo
opressor vigente no país, uma necessidade por uma formação profissional que contribua
para a necessária transformação social clamada pela população, tendo o desporto como
um dos elementos para essa mudança. Logo, surge o movimento renovador da Educação
Física que comunga com o esse processo de mudança social do país.
A educação física que ocorria na escola não podia ser aquela com características
militares, e este profissional precisava mostrar que, para além do gesto, existia um
movimento diante de um tempo e de um espaço onde: o corpo (ser humano) que
realizava o movimento precisava ser conscientizado sobre o grupo (classe social), que
fazia parte de um espaço (contexto sociohistorico político) que precisava ser
transformado em busca de uma necessária justiça e igualdade para todos”. (MORAES E
ALMEIDA, 2004, p.159).
Essa preocupação com a Educação Física como prática social começa a emergir
na década de 70 e início dos anos 80, reflexos das mudanças clamadas pela população
no período, da ascensão do pensamento pedagógico de esquerda no país. Movimentos
progressistas intensificam o debate para a superação da Educação Física enquanto
disciplina meramente prática. Logo na Educação Física instaura-se uma crise de
identidade pela “[...] constatação de dependência de outras disciplinas cientificas e do
desejo de torna-se ciência” (BRACHT, 1999, p. 30).
Os anos 80 são considerados férteis para a Educação Física brasileira, com um
aumento significativo na produção cientifica, possibilitando o seu entendimento para além
dos aspectos biológicos do ser humano. Ela que até então se prestava para a adaptação
do ser humano a ordem oficial, adquirindo um caráter reprodutivista, começa a fornecer
elementos para criticar-la e então vislumbrar a superação do estado de exploração das
camadas populares.
No entanto, esse mesmo movimento que serviu como suporte para a elaboração
da proposta do coletivo de autores- Critico Superadora na década de 90, não avançou
muito nesse período, já que apesar da abertura para o conflito na qual a análise da
Educação Física desenvolve-se não somente para sustentabilidade do status quo da
16
burguesia, mas com um olhar para o ser humano, predominou segundo Caparroz (1997,
p. 10), “[...] denuncia do estabelecido, sem que houvesse um mergulho mais intenso na
análise das práticas pedagógicas efetivas [...]”. Muitos foram às discussões sobre a
importância da Educação Física, mas poucas foram às ações efetivas que se
concretizaram em ações reais nas escolas durante a década de 80.
Apesar dos discursos desvinculados do modelo hegemônico, a sistematização de
uma proposta que rompesse com o modelo tradicional de Educação Física se encontra
distante da realidade de muitos professores. Aquele grupo de autores que buscou na
cultura corporal avançar na fundamentação da Educação Física na escola a favor do
desenvolvimento dos estudantes como ser autônomo e capaz de transformar a realidade,
ainda não se materializou no interior da escola.
Rocha Junior (2000, p. 15) ao analisar a proposta do coletivo de autores diz que
[...] na tarefa de apresentar um modelo diferente os autores acabam por também cair na
relação funcionalista que criticam, pois entendem que a educação, e no caso a educação
física, devem estar a serviço da mudança social numa perspectiva transformadora.
A proposta do coletivo de autores foi elaborada a partir da perspectiva pedagógica
histórico- critica “[...] que se diferencia da visão crítica reprodutivista, uma vez que procura
articular um tipo de orientação pedagógica que seja crítica, sem ser reprodutivista”.
(SAVIANI, 1995, p. 77). A teoria critico reprodutivista, limita-se a criticar a realidade, a
constatar que esta é imutável, pois não consegue avançar como proposta de intervenção.

17
Fonte: revistahcsm.coc.fiocruz.br

A escola e a Educação física como espaço de formação de cidadãos necessita


está dialogando com os acontecimentos ao seu redor. É de extrema importância os
professores de Educação Física atuarem como interventores na realidade social da
maioria da população excluída pelo sistema capitalista, seja no espaço formal ou não
formal.
Percebe-se no mesmo período de denúncia da Educação Física atrelada aos
interesses do Estado pelos ditos de esquerda, surge segundo Almeida e Moraes (2004,
p. 159) “[...] os modismos ligados às academias de ginástica [...]”, as empresas do bem-
estar e da saúde que conquistam os professores de Educação Física que não se
identificavam com a área da educação institucionalizada. Nasce nesse mesmo momento
fruto do processo histórico uma cisão teórica- filosófica na produção da Educação Física
e na atuação profissional.
A ideia da atividade física como promotora de saúde, com uma suposta melhoria
da qualidade de vida, continua a sendo divulgado por um grupo satisfeito com status quo
da burguesia, que viam “[...] saúde, na maioria das vezes, restringe –se à ausência da

18
doença; a atividade física entendida como a execução de práticas físicas por meio de
modalidades esportivas” (CARVALHO, 2000, p. 32). A saúde é vista como algo estático,
de responsabilidade dos indivíduos que através da pratica da atividade física terá uma
melhoria na qualidade de vida, mesmo sendo o indivíduo explorado como mão de obra,
mesmo continuando sem ter uma educação de qualidade, sem saneamento básico,
mesmo sendo desempregado ou sem teto. A percepção restrita da Educação Física
produtora de saúde, existe pela segregação da profissão existente na década de 80 deste
séc. Ou pelas condições de existência dos seres humanos do séc. XVIII, XIX, XX e
também XXI.
A divisão criada é um fenômeno que contribui para legitimar a ação “despolitizada”
dos professores de Educação Física, mas tal necessita ser superada, pois são indivíduos
de uma mesma classe que independente do espaço de atuação, escola, clubes,
academias lutam pelos mesmos objetivos, a transformação da nossa realidade.
As preocupações mais abrangentes com as questões sociais discutidas e
desenvolvidas pelos professores e pesquisadores da educação institucionalizada
necessitam avançar e serem incorporados pelos agentes de outros ambientes e estes
atuantes nas escolas precisam prosseguir com propostas metodológicas concretas na
sistematização dos conteúdos da Educação Física escolar (ALMEIDA E MORAES,
2003).
Desde a gênese da Educação Física na Europa percebemos que a maioria da
população é explorada por uma minoria, sendo poucos os momentos de construção de
alternativas ao modelo opressor. O canto da sereia é bastante forte tanto que vários não
resistiram e preferiram não enxergar tanta diferença existente entre os seres humanos
desde a origem dessa história.
A Educação Física constitui numa disciplina importante para a formação do ser
humano e precisa ser aprofundados os estudos, tanto nos espaços formais de atuação
como não formais. Por mais forte que seja os interesses precisa se encontrar
possibilidades de trabalhar com o Lazer como mecanismo de intervenção pedagógica,
contribuindo para os cidadãos conseguirem seus direitos. Perceber que a saúde está
diretamente relacionada com as condições materiais de vida dos agentes históricos, que
a educação física escolar faz parte de uma instituição de responsabilidade em formar
19
sujeitos e não marionetes do sistema capitalista e para isso necessita buscar aproximar
da realidade da população, romper com as perspectivas de fragmentação e
especialização do conhecimento produzido por ela e vislumbrar a integração e a
interação das multidimensões possibilitadas para a formação humana 2.

3 A HISTÓRIA DAS MANIFESTAÇÕES FÍSICO-ESPORTIVAS: DOS JOGOS DA


ANTIGUIDADE CLÁSSICA AO ESPORTE MODERNO

3.1 A história dos jogos da antiguidade clássica

Os Jogos Olímpicos originais duraram mais de mil anos, de 776 antes de Cristo a
395 depois de Cristo. Mesmo antes disso já existiam competições parecidas, mas só a
partir de 776 a.C. há registo oficial dos jogos. Assim como a imitação moderna, as
Olimpíadas, os jogos eram realizados de quatro em quatro anos. Uma diferença com os
jogos de hoje é que antigamente o local era sempre o mesmo: a cidade de Olímpia, na
Grécia.

2
MATIAS, Wagner Barbosa. Panorama histórico da Educação Física no Brasil: primeiras
aproximações. EFDeportes.com: [s. n.], 2012. Disponível em:
https://www.efdeportes.com/efd164/panorama-historico-da-educacao-fisica.htm. Acesso em: 19 ago. 2019.
20
Fonte: turismogrecia.info.com.br

Desde os tempos pré-históricos, esse local era considerado sagrado, e quem


passava deixava uma oferenda para os deuses. Aos poucos começou a predominar ali a
adoração a Zeus, que era o principal deus grego, e alguns altares foram sendo
construídos. Existem lendas que explicam porque os jogos foram iniciados e porque
aconteceram em Olímpia, mas não se conhece as razões reais.
Os desportos, na sua origem, eram parte do treino para soldados. Corridas, saltos,
lutas, arremesso de dardo ou martelo, tudo isso tem a ver com a guerra. Mesmo a
ginástica olímpica tem origem militar. Não é por acaso que uma das modalidades, aquela
em que o ginasta fica a girar sobre as mãos em cima de um cavalete, chama-se "cavalo".
Era treino para soldados de cavalaria adquirirem mais agilidade em cima dos seus
animais.
Ao mesmo tempo, havia um lado religioso nos jogos. Existe uma crença grega que
diz que o corpo tem tanta importância quanto o intelecto e o espírito, e que a melhor
maneira de honrar a Zeus é cuidar dos dois aspectos, o físico e o espiritual.

21
Olímpia tornou-se uma cidade sagrada, assim como hoje Jerusalém, ou Meca, e
a ida aos jogos era tanto um divertimento quanto uma peregrinação religiosa. É um pouco
difícil de entender, porque na nossa cultura, desporto e religião são totalmente
separados. No entanto, para o grego daquele tempo, Olímpia seria uma espécie de
Vaticano, onde também estivesse o estádio do Maracanã.
Existem ruínas de Olímpia, e descrições antigas, que dão uma ideia do que era
esse complexo desportivo-religioso, com vários estádios e templos. No principal templo,
o de Zeus, havia uma estátua de marfim e ouro representando esse deus, estátua essa
que media 13 metros de altura e era considerada uma das sete maravilhas do mundo
antigo.
Embora viajar, naquele tempo, fosse tão mais difícil do que hoje, vinham milhares
de pessoas, por terra e por mar, para assistir aos jogos. Até de colónias gregas distantes,
como a África ou a Espanha, vinham viajantes. Um contemporâneo disse que "você vai
a Olímpia e morre de calor, é amassado pela multidão, passa fome e sede, toma chuva
e morre de frio, mas apesar disso vale a pena ir para ver espetáculos tão bonitos."
A Grécia não existia como país - era apenas uma região com cultura comum, mas
com cidades independentes entre si. Essas cidades viviam em guerra entre si, mas
durante o período dos Jogos havia uma trégua, respeitada por todos. A cada quatro anos,
assim que se determinava a data do início dos jogos (que era baseada na lua cheia),
emissários saiam de cidade em cidade, a divulgar a data. Inicialmente a trégua era de
um mês, mas depois foi aumentada para dois meses, e mais tarde três, para proteger os
viajantes que tinham de vir de longe.
Só homens podiam competir nos Jogos antigos. Para evitar que alguma mulher se
fingisse de homem para competir - o que podia acontecer, pois nalgumas das cidades
gregas mulheres eram soldados - deu-se uma solução simples: todo mundo nu. Todos
competiam nus, em todas as modalidades de competição. Mulher podia, no máximo,
assistir aos jogos. E isso se fosse solteira. Mulher casada não podia nem assistir. Houve
um caso de uma mulher, viúva de um antigo campeão, que trouxe o seu filho para
competir, fingindo-se de treinador. O filho ganhou e a mãe, entusiasmada, pulou acerca
da pista para abraçar o seu filho.

22
Foi reconhecida como mulher, mas não foi castigada em homenagem ao falecido
marido. Para evitar novos acontecimentos desse tipo, a partir desse dia também os
treinadores tinham de estar nus. Aparentemente, a razão para essa discriminação contra
as mulheres casadas era ligada ao aspecto dos jogos como ritual religioso de fertilidade.
Só as virgens eram consideradas suficientemente puras para estar presentes.

OS JOGOS

Embora os jogos durassem só cinco dias, os preparativos começavam um ano


antes. As pistas tinham de ser niveladas, os templos e estádios tinham sempre pequenas
reparações a ser feitas. Os juízes eram escolhidos dez meses antes e começavam a
planear tudo. Os candidatos a atletas assumiam o compromisso de dez meses antes,
começar a treinar intensivamente. Um mês antes do início dos jogos, juízes e atletas
tinham de ir para a cidade de Elis, que dominava os jogos.
Ali os atletas tinham de treinar sob a supervisão dos juízes, que desclassificavam
os que não estivessem em boa forma física.
Poucos dias antes do início, começava a chegar a multidão. Príncipes italianos
vinham em lindos barcos, subindo o rio que passava perto. Viajantes em carruagens ou
a cavalo, os pobres em carroças, jumentos, ou mesmo a pé. Vendedores ambulantes,
vendedores de comida e bebida, comerciantes em geral, todos vinham aproveitar a
oportunidade de vender os seus produtos.
Os jogos eram abertos com desfiles dos atletas e juramentos aos deuses. Havia
festas e bebedeiras todas as noites. No terceiro dia, que coincidia com a lua cheia, era
feito o grande sacrifício a Zeus. Cem bois, doados pela cidade de Elis, eram sacrificados.
As suas pernas eram cortadas e queimadas em homenagem ao deus, que se alimentava
com o fumo. A carne era usada para um grande churrasco no final do dia. No fim do
quinto dia, os prémios eram entregues, e havia mais festas e comemorações.

23
AS MODALIDADES

Nas primeiras vezes em que se realizaram os jogos, havia uma única competição,
que era a corrida curta. Este seria o equivalente aos 100m de hoje, só que naquele tempo
a distância era de 192 metros. A pista tinha esse comprimento e era reta. Quando mais
tarde se adicionaram corridas maiores, corria-se ida e volta nessa mesma pista. A lenda
diz que essa distância foi determinada por Hércules, fundador mítico dos jogos, e que
essa era a distância que ele conseguia correr de um só fôlego, prendendo a respiração.

Fonte: static.significados.com.br

Depois da corrida curta foi criada a dupla, ida e volta, e depois a de 24 vezes a
pista. Mais tarde veio a corrida com armadura, em que os atletas corriam usando
capacete, protetor metálico nas pernas, e carregavam um escudo redondo. Escritores da
época dizem que era muito engraçado ver aqueles homenzarrões a correr com toda essa
parafernália... e nus.

24
Muito mais tarde criou-se uma corrida de revezamento em que cada corredor, ao
acabar o seu trecho, passava ao seu companheiro de equipe uma tocha acesa. O
vencedor tinha a honra de acender a fogueira do altar de sacrifícios. Essa ideia foi usada
para a abertura dos jogos de hoje, em que um corredor chega no estádio com uma tocha
e acende uma chama simbólica.
O pentatlo era outra competição importante, introduzida em 708 a.C. Os cinco
eventos eram arremesso de disco, salto, arremesso de dardo, corrida e luta. Todos se
realizavam numa mesma tarde. Os dois últimos também aconteciam separadamente,
mas os três primeiros só existiam dentro do pentatlo.
O salto era em distância, o único salto que os gregos praticavam. Esse salto era
dado de uma posição parada, sem corrida para tomar impulso. Em vez disso usavam
dois pesos, um em cada mão, que eram jogados para frente para dar impulso. Esses
pesos se chamavam "halteres".
Um pouco mais tarde foram introduzidas as corridas de carros puxados por dois e
quatro cavalos e logo, também, a corrida de cavalos como a conhecemos hoje, com o
cavaleiro cavalgando o cavalo.

FIM DOS JOGOS ANTIGOS

Com o passar dos séculos, os jogos perderam gradualmente o seu significado


religioso, e com a conquista da Grécia pelos romanos esse processo continuou. Os
romanos chegaram a saquear alguns dos templos para financiar as suas guerras, e o
imperador Calígula tentou levar a estátua de Zeus para Roma. Em 267 d.C. uma tribo de
bárbaros vindos de onde é hoje a Rússia invadiu Olímpia e destruiu parte dos edifícios.
Em 393 d.C., o imperador romano Teodósio, o primeiro imperador cristão de Roma,
proibiu todos os ritos pagãos. Em 426 d.C., o templo de Zeus foi destruído por um
incêndio, possivelmente por ordem de Roma. Novas invasões, dos Visigodos, vândalos
e outras tribos bárbaras, foram acontecendo e a cada uma mais um pouco era destruído.
No século V, um terremoto, seguido de uma inundação, destruiu o que restava e
cobriu as ruínas com uma camada de vários metros de lama. A localização do santuário,
com o tempo, foi esquecida. Só mais de mil anos depois, em 1766, depois de séculos de
25
esquecimento, o local foi descoberto. A partir de 1875 foi empreendida uma escavação
em grande escala. Até os dias de hoje os trabalhos de pesquisa continuam tentando
descobrir mais e mais sobre Olímpia.

3.2 A história dos esportes modernos

Com o declínio dos jogos populares na Europa do século XVII e XVIII em


decorrência da industrialização e da urbanização, fato que levou os indivíduos a novos
padrões de vida, tornando-se incompatíveis essas práticas, os jogos tradicionais foram
perdendo suas principais funções, que estavam relacionadas às festas comemorativas
ou religiosas (DUNNING, 1979 apud BRACHT, 2011). Segundo Da Costa (1988), muitas
atividades rurais com cunho de esporte espontâneo e ritualista foram extintas após o
êxodo da população para as cidades.
Após serem reprimidos pelo poder público, Bracht (2011) afirma que o único lugar
onde os jogos populares sobreviveram foi no interior das escolas, onde não eram vistos
como ameaça a propriedade e a ordem pública. Dentro desse ambiente escolar os jogos
tradicionais foram sendo regulamentados e se tornando próximos ao que chamamos
atualmente de esporte moderno (BRACHT, 2011). Os estudantes formularam seus
próprios jogos, como o futebol e a caça, mesmo reprimidos pelas autoridades escolares
por considerá-los violentos e perigosos (BETTI, 1991).
O termo “esporte moderno” tem origem segundo Martins e Altmann (2007), em
1986 com Norbert Elias e Eric Dunning com o intuito de diferenciá-lo do esporte antigo.
A divisão entre esporte moderno e jogos tradicionais ocorre a partir da autonomização do
campo esportivo em comparação aos outros campos sociais como o religioso, e essa
ruptura se mostra na formulação de tempo e locais específicos determinados à prática
do esporte, em oposição aos jogos tradicionais, que aconteciam em espaços ordinários
durante as atividades do dia a dia nos momentos de lazer (MARTINS; ALTMANN, 2007).
Conforme Martins e Altmann (2007), as principais características do esporte
moderno são:
 Vislumbrar a igualdade entre os jogadores, onde durante a prática
desconsidera-se a condição social do praticante.
26
 A autonomização com a criação de tempo e espaços próprios: estádios,
velódromos, pista, quadras, etc.
 Sua prática passa a ter uma cronologia determinada específica, um
calendário próprio.
 Código universal das regras e das atividades, a favor de uma prática
padronizada onde quer que ele aconteça.

A primeira atividade com as características do esporte moderno foi à caça à


raposa, na Inglaterra do século XVIII e início do século XIX, onde essa prática tornou-se
altamente especializada, com organizações e convenções próprias (MARTINS;
ALTMANN, 2007). Segundo Bracht (2011), o esporte moderno tem como referência uma
atividade corporal de movimento competitiva, que surgiu na Europa no século XVIII e
expandiu-se para o resto do mundo. Foi fundamentada em meados do Século XIX nas
escolas da Inglaterra e pedagogicamente não restringia a competição (TUBINO, 1987).

Fonte: media.istockphoto.com

27
Pode-se dizer que o desporto moderno, foi resultado de uma mudança dos
elementos da cultura corporal do movimento das classes populares e burguesas da
Inglaterra, como os jogos populares, que contava com diversos jogos com bola
(BRACHT, 2011). Conforme Sigoli e De Rose Jr. (2004):

O esporte moderno se desenvolveu paralelamente ao processo de


industrialização herdando dele a racionalização, sistematização e a orientação
ao resultado. A origem do esporte na Inglaterra está em jogos e recreações
populares, assim como em algumas atividades lúdicas da nobreza britânica. As
modalidades esportivas foram concebidas pela regulamentação destas práticas
(SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p.114).

Thomas Arnold, pedagogo inglês e diretor do colégio Rúgbi, implementou as


atividades físicas da burguesia na educação, deixando que os alunos formulassem as
regras e os códigos próprios, baseado numa concepção de jogo honesto que tinha como
meta a formação moral e o prazer dos jogadores (TUBINO, 1987; 1993). Sua proposta
era diminuir o tradicionalismo pedagógico britânico e incentivar a prática dos jogos
populares nas escolas públicas, dando início a chamada “revolução esportiva”
(PEREIRA, 1980).
As características determinantes eram; ser um jogo; ser uma competição; ser uma
atividade formadora (TUBINO, 1987). Tubino (1993) afirma que mais tarde com a
popularização dessas atividades, houve a necessidade de algum órgão que coordenasse
as disputas, surgindo assim às federações, clubes e também o associacionismo. A
iniciativa de Thomas Arnold obteve sucesso, e disseminou rapidamente a prática
esportiva pela Europa e por todo Mundo, com a devida ajuda da Marinha Inglesa e sua
expansão territorial e comercial (PEREIRA, 1980; SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Sigoli e
De Rose Jr. (2004) afirmam que:

O esporte atingiu na Inglaterra todos os segmentos da sociedade e teve a igreja


e as escolas estatais como agentes propagadores de grande importância. As
igrejas, com o objetivo de atraírem fiéis, construíram ao lado de seus templos
campos de futebol, onde eram disputadas partidas após as cerimônias nos finais
de semana (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p.114).

28
No decorrer do século XIX, diversas práticas de lazer que exigiam esforços físicos
tomaram para si características do esporte moderno, com suas regras, especialmente
aquelas pautadas pelas idéias de “justiça” e na igualdade de êxito para todos, passando
a serem mais rigorosas, explícitas e diferenciadas (MARTINS; ALTMANN, 2007). Betti
(1991) afirma que as classes média e trabalhadora tiveram acesso à prática esportiva a
partir das conquistam trabalhistas, destacando-se a diminuição da jornada de trabalho, o
que acarretou em mais tempo de ócio. A partir de então ocorreu à proliferação em massa
dos clubes esportivos e organizações regionais (MCINTOSH, 1975 APUD BETTI, 1991).
Assim, a racionalização extremada, característica marcante do esporte atual, teve
início a partir da entrada da classe trabalhadora no campo esportivo e nas competições
(DA COSTA, 1988). Segundo Da Costa (1988), a burguesia sedentária, instrumentou
regras, para competir em igualdade de condições com os operários, muito mais aptos e
ativos fisicamente. Conforme o autor foi neste momento que despontaram as primeiras
noções da divisão entre profissionalismo e amadorismo na prática esportiva, com o
objetivo de segregar a classe trabalhadora, que tinha o esporte como meio de vida,
diferente da burguesia, que tinha no desporto uma oportunidade de convívio social e
prazer.
Betti (1991, p.45) afirma que em meados do século XIX o modelo esportivo
predominante era o da classe média, que deu aos vários jogos esportivos, alguns
descobertos em estado embrionário, organização, regras, técnicas e padrões de conduta
para os praticantes, em grande parte vigentes até hoje. A partir de 1857 e até o final do
século fundaram-se dezenas de associações esportivas nacionais na Inglaterra.
Para a classe empresarial na época, o esporte como alternativa nos momentos
de lazer da classe operária, se mostrou uma garantia de mão de obra produtiva e
alienada, mantendo o físico do empregado apto a suportar as longas jornadas laborais;
dando continuidade às ideias de produtividade, rendimento, respeito às regras pré-
determinadas e tempo, conceitos esses presentes nas fábricas e bases do capitalismo
moderno; como também, fomentando um “campo livre” para o trabalhador extravasar a
tensão do dia a dia, acalmando o sentimento de indignação contra as condições de vida
e trabalho, evitando assim revoltas populares (BRACHT, 2011).

29
Segundo Tubino (1993, p.19):
Outra contribuição importante para o movimento esportivo moderno, que até o final
do século XIX apresentava apenas as modalidades atletismo, o remo, o futebol, e
timidamente a natação, foi à participação da Associação Cristã de Moços, que
apresentou nos Estados Unidos os principais esportes coletivos, como o Basquetebol e
o Voleibol.
Após discorrermos sobre a origem do movimento esportivo moderno,
direcionaremos nossa pesquisa no capítulo seguinte, ao início dos Jogos Olímpicos da
Era Moderna, por considerarmos o evento como fator culminante para o desenvolvimento
do esporte quanto “fenômeno social”.

OS JOGOS OLÍMPICOS DA ERA MODERNA

Segundo Betti (1991), os fatores determinantes para globalização da entidade


esportiva foram o renascimento dos Jogos Olímpicos e a constituição do Movimento
Olímpico Internacional a partir do Comitê Olímpico Internacional (COI), em 1896. Ao Final
do século XIX, o Humanista e Aristocrata francês Pierre de Coubertain, percebendo a
dificuldade de se preservar a paz no mundo, vislumbrou a possibilidade de promover a
paz através do esporte, tal qual ocorria na trégua sagrada dos jogos Olímpicos da Grécia
antiga (BETTI, 1991; TUBINO, 1993).

30
Fonte: s.glbimg.com

Assim, pautado na filosofia educativa do esporte disseminada pelo pedagogo


inglês Arnold Thomas, Coubertain idealizou a realização dos primeiros Jogos Olímpicos
da Era Moderna (BETTI, 1991; TUBINO, 1993). Conforme Tubino (1993, p.18-19):

Nesse sentido, acreditando no poder do esporte para estimular a convivência


humana, Coubertain iniciou em 1892, o movimento de restauração dos Jogos
Olímpicos, com base nas Olimpíadas da antiguidade, que chegaram até mesmo
interromper as guerras durante o período de sua realização.

Segundo Sigoli e De Rose Jr (2004):

Em 1894, ocorreu na Universidade de Sorbonne um grande congresso esportivo


reunindo dois mil delegados de 12 países. Sob a organização do Barão de
Coubertain, o congresso abordou diversos temas do Esporte, entre os quais
tiveram destaque o anúncio oficial da restauração dos Jogos Olímpicos, a
discussão sobre amadorismo e profissionalismo e a nomeação de um Comitê
Internacional encarregado da restauração dos Jogos (Comitê Olímpico
Internacional) (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p.115).

Assim, no ano de 1896 em Atenas foram realizados os primeiros Jogos Olímpicos


Modernos, com uma participação de 285 competidores representando 13 países, e já
constando todo o ritual Olímpico (PEREIRA, 1980; TUBINO, 1993). O projeto de
31
Coubertain almejava instituir um ideal Olímpico, formado por um grupo de ideias nobres,
que todos os participantes eram obrigados a respeitar (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004).
Segundo Betti (1991, p. 48):

A ideologia Olímpica defendida através dos tempos pelo COI revela a profunda
influência do espírito cavalheiresco e nobre do esporte inglês do século XIX, que
Coubertain tentou universalizar através dos Jogos Olímpicos, e que hoje se
traduz no conceito de Fair-Play. [...]

O princípio básico do ideal olímpico é o amadorismo, onde se teorizava uma


prática descompromissada das atividades esportivas, sendo proibida a remuneração aos
atletas (CARDOSO, 2000 APUD SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Segundo Tubino (1992)
não se admitia profissionalismo entre os participantes, e os casos descobertos eram
punidos severamente. As principais modalidades eram o atletismo, ciclismo e o remo, e
curiosamente, o evento não apresentava grande relevância social na época, perdendo
em prestigio e público para a “Feira Mundial” (TUBINO, 1992).
O Comitê Olímpico lançou a Carta Olímpica, que tinha como prioridades: o
aprimoramento físico e moral, que são bases do esporte; educar os jovens numa
perspectiva de amizade entre os povos no intuito de construir um mundo pacífico;
espalhar o espírito olímpico pelo mundo, originando a amizade internacional e unir de
quatro em quatro anos atletas de todo o mundo (BINDER, 2001 APUD SIGOLI; DE ROSE
JR, 2004). Coubertain idealizava que o Comitê Olímpico Internacional e o Movimento
Olímpico deveriam ser: “[...] instituições apolíticas e independentes que visavam
promover o esporte pelo mundo [...]” (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004, p. 115).
A participação feminina só teve início a partir de 1920, mesmo sob a desaprovação
do idealizador Pierre de Coubertain que considerava a mulher frágil e responsável por
cuidar do lar (TUBINO, 1992). Segundo Tubino (1992) eram disputadas modalidades
exclusivas para o gênero, como o nado sincronizado e a ginástica rítmica.
Com o aumento da popularidade das Olimpíadas, devido ao espaço conquistado
na mídia que noticiava os feitos esportivos dos atletas, o evento passou a gerar um
sentimento patriótico tanto nos participantes, como na população dos países,
enaltecendo símbolos nacionais como bandeiras e hinos que eram exibidos a todo o
momento nas cerimônias de abertura e premiação (SIGOLI; DE ROSE JR, 2004).

32
Assim, percebendo o potencial político que o esporte tinha de mobilizar o povo, os
governos passaram a investir na especialização e treinamento de atletas como jamais
visto, levando a criação das políticas públicas para o desporto e das “Ciências do Esporte”
(BETTI, 1991; GONZÁLEZ, 1993 APUD SIGOLI; DE ROSE JR, 2004). Dessa forma o
esporte foi crescendo, junto com o número de modalidades e praticantes, paralelamente
à intervenção e controle do estado na maioria das nações (TUBINO, 1993).
Conforme Tubino (1993) o desporto passou a ignorar a perspectiva pedagógica
idealizada por Coubertain, e foi aos poucos se apropriando do princípio do rendimento,
que conforme Bracht (2011) associou-se assim cada vez mais o esporte aos
pressupostos do capitalismo moderno na busca por rendimento.
Segundo Da Costa (1988), o próprio Barão de Coubertain não estava satisfeito
com os rumos do esporte, e tentou amenizar os exageros em 1930, publicando a “Carta
da Reforma Esportiva”, onde para o idealizador das Olimpíadas: “[...] o esporte estaria
sendo acusado na época, de contribuir para a ‘fadiga física’, regressão intelectual e
difusão do espírito mercantil [...]” (DA COSTA, 1988, p. 102).
Na carta, Coubertain culpa os educadores, o poder público, as federações e a
mídia pelos rumos do esporte e determina que fossem claras as definições de esporte
para desenvolver a cultura física e para competição; também incentiva o desporto
individual para adultos e a ludicidade no esporte da juventude (DA COSTA, 1988).
Com certeza, os Jogos Olímpicos foram os principais responsáveis pela
universalização da Instituição Esportiva, visto que propagaram um modelo esportivo com
padrões de funcionamento, regras e normas de conduta, mas também acarretaram
conflitos internos entre países (BETTI, 1991).

33
Fonte: viajento.files.wordpress.com

Durante a evolução esportiva, conforme Sigoli e De Rose Jr. (2004), as nobres


ideias de Coubertain foram usadas para objetivos que não aqueles previstos na Carta
Olímpica, onde os governos passaram a se utilizar do esporte em benefício próprio na
luta por prestígio mundial para continuarem com os regimes políticos impostos,
transformando as Olimpíadas e os Campeonatos Mundiais em uma disputa de interesses
políticos e econômicos entre nações e corporações3.

4 O ESPORTE NO BRASIL

No Brasil, podemos dividir em cinco fases os estudos relacionados à História do


Esporte. A primeira engloba as pioneiras produções, publicadas na virada dos séculos
XIX e XX. Um dos autores que primeiro escreveu sobre os aspectos históricos do turfe,
no ano de 1893, curiosamente observava: “Mais vale tarde do que nunca. Já não é cedo

3
ESTEVES, Bruno Botti. A trajetória do esporte moderno: dos primórdios ao fenômeno social. [S. l.: s.
n.], 2014. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd199/a-trajetoria-do-esporte-moderno.htm.
Acesso em: 21 ago. 2019.
34
para se escrever a história do turfe nacional, história que, na falta de testemunhas
oculares e de documentos já hoje raríssimos, poderá ser para o futuro adulterada”
(Pacheco, 1893, p.7). No caso do remo, também se pode perceber preocupação
semelhante em 1909, no livro de Alberto Mendonça, que junto com Ernesto Curvello
Júnior foi um dos primeiros a sistematizar observações sobre sua história:

Evidentemente sabido é que dificuldades de monta teríamos de encontrar na


compilação de fatos históricos sobre a vida deste esporte, assim como na coleção
de documentos a ele referente; porquanto, até a presente data é conhecida de
sobejo a deficiência das publicações sobre o nosso movimento esportivo, hoje,
felizmente, em grau de desenvolvimento notório (MENDONÇA, 1909, s.p.).

Embora de grande importância, tais trabalhos são, na verdade, esforços de


preservação da memória, sem a preocupação de uma discussão mais ampla e crítica,
escritos por antigos praticantes e/ou apaixonados pelo esporte que acompanharam de
perto o desenvolvimento das modalidades.
A segunda fase (décadas de 1920-1930) é marcada por uma preocupação maior
com a história da educação física e da ginástica, ainda que com caráter embrionário: a
produção nacional era pequena, era comum a utilização de livros importados. Destacam-
se o livro de Laurentino Lopes Bonorino e colaboradores (1931), primeira publicação
específica do gênero escrita no Brasil, e as contribuições de Fernando de Azevedo.
Ambos enfatizavam abordagens mundiais, promovendo uma leitura da Antiguidade
Clássica e da história europeia.
Essas obras, a despeito da importância, lançam as bases de uma abordagem que
marcou durantes anos nossos estudos: a utilização restrita de fontes; um caráter
“militante”, a história servindo para provar e legitimar posições previamente
estabelecidas; a preocupação exacerbada com o levantamento de datas, nomes e fatos;
uma abordagem centrada fundamentalmente na experiência de grandes expoentes; o
uso de uma periodização política geral em detrimento de uma periodização interna.
A terceira fase (décadas de 1940-1980) é marcada pelo aumento da produção.
Desse período temos que ressaltar a obra de Inezil Penna Marinho, um dos maiores
estudiosos da história da educação física e do esporte no Brasil: se suas iniciativas não
significaram uma completa ruptura com as características da fase anterior, possuem uma

35
sensível diferença, principalmente no que se refere à compreensão teórica e
metodológica.
A obra de Inezil é um exemplo de estudo histórico bem desenvolvido nos padrões
de uma abordagem factual. As diferenças começam nos seus investimentos na história
brasileira, até então pouco abordada, e passam por sua erudição e pela utilização de
fontes diversificadas. Na verdade, nos seus últimos artigos já se pode identificar
mudanças, que apontam para uma perspectiva mais crítica e interpretativa da história. É
também dessa fase a importante obra de Mário Filho, na qual se destaca O negro no
futebol brasileiro (a primeira edição é de 1947). Dialogando com as considerações de
Gilberto Freyre acerca de uma possível originalidade brasileira na forma de jogar, o
jornalista envolvia claramente o velho esporte bretão na construção de discursos acerca
da identidade nacional.
A despeito das muitas polêmicas que a cercam, trata-se inegavelmente de leitura
obrigatória.
A quarta fase (década de 1980) é marcada pela crítica e pelo anúncio de
redimensionamento dos estudos anteriores, a partir fundamentalmente de uma
inspiração teórica marxista. Embora as obras desse momento tenham significado uma
importante mudança de enfoque, problemas anteriores persistem, além de um novo ter
emergido (ou reaparecido):

Metodologicamente as obras são mais confusas e incompletas. Como exemplos,


podemos citar os estudos de Castellani Filho (1988) e Ghiraldelli Junior (1988).

36
Fonte: br.freepik.com

A periodização continua a se submeter a especificidades exteriores ao objeto,


referendando uma impressão de linearidade tão presente nas fases anteriores. A história
é entendida como responsável por explicar linearmente o presente, fato agravado por
uma compreensão que parte para o passado com hipóteses confirmadas a priori. A
exasperação da crítica ao caráter factual que marcou a fase anterior resultou no
dispensar de datas, fatos e nomes, em uma deficiente operação das fontes.
Em momento semelhante, mas fora desse cenário anterior, já nos anos finais da
década de 1970 e no decorrer da seguinte, percebe-se a realização com maior frequência
de investigações sociológicas e antropológicas ligadas ao esporte, entre as quais se
destacam as fundamentais contribuições pioneiras de José Sérgio Leite Lopes, Simoni
Lahud Guedes, Roberto DaMatta e Maurício Murad.
Nessa esteira, desde a década de 1990, em diversas áreas de conhecimento
(História, Educação Física, Educação, Economia, Comunicação Social, Antropologia,
Sociologia, entre outras) identifica-se a proliferação de estudos do esporte na interface
com o arcabouço das ciências humanas e sociais. É notável o aperfeiçoamento das

37
iniciativas de pesquisa: busca-se discutir com maior profundidade a presença e o papel
da prática nos diversos quadros socioculturais.
A quinta e atual fase (a partir da década de 1990), portanto, é marcada por uma
maior sistematização e institucionalização dos estudos e pela configuração mais clara da
História do Esporte como um campo de investigação.
Curiosamente, esse movimento de conformação do campo teve início não no
âmbito da disciplina História, mas sim na área de Educação Física, tendo como marcos
a criação de um grupo dedicado ao tema, na Universidade Estadual de Campinas, e a
realização dos Encontros Nacionais de História da Educação Física e do Esporte. Um
fato importante, pelo aspecto pioneiro, merece ainda ser lembrado: a realização do I
Congresso de Filosofia, História, Sociologia e Educação Física Comparada, em agosto
de 1990, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro; provavelmente a primeira
experiência especificamente organizada para discutir o assunto no país.
Na área de História, durante mais tempo persistiram as ressalvas ou pouca
consideração da importância do tema. Patrícia Falco Genovez (1998) abordou com
propriedade tal questão. A autora demonstra como obras importantes, que apontam para
a necessidade da construção de uma história social e/ou cultural mais ampla, sequer
citam o esporte como objeto de estudo. Mais ainda, constata que até o final da década
de 1990, no interior das reuniões científicas importantes na área, como nos eventos
promovidos pela Associação Nacional de História (Anpuh), raros foram os trabalhos
sobre o assunto. Para Genovez (1998, p.9), não se percebia que:

[...] o esporte como um objeto de estudo capaz de mostrar as mais tênues


nuances das relações sociais que, fora da lógica esportiva, parecem excludentes,
como a competição e a cooperação ou o conflito e a harmonia. É, justamente,
por abrir esta possibilidade de análise que podemos pensar no esporte como um
objeto da história social ou da história cultural.

Há que se celebrar a paulatina superação desse distanciamento: cada vez mais a


História do Esporte parece menos estranha e tem sido aceita nos fóruns da disciplina
História. Isso certamente tem relação com mudanças no campo geral (a História se abre
mais para novas possibilidades de investigação), no campo específico (a própria
consolidação da História do Esporte, inclusive com a melhora da qualidade das pesquisas
realizadas), na própria universidade brasileira (menos preconceituosa com temas
38
relacionados à cultura popular), mas também com a incrível força do fenômeno esportivo
no cenário contemporâneo, algo denotado no Brasil, inclusive porque o país mais
frequentemente faz parte do circuito internacional de grandes eventos esportivos, o que
vai culminar com a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e com os Jogos
Olímpicos de 2016.
Enfim, embora estejamos nos momentos iniciais, e ainda tenhamos uma longa
trajetória a ser trilhada, há alvissareiros sinais de que caminhamos para a consolidação
da História do Esporte no Brasil4.

5 A EDUCAÇÃO DO CORPO E A ESCOLARIZAÇÃO DAS PRÁTICAS CORPORAIS

O corpo é a base de percepção e organização da vida humana nos sentidos


biológico, antropológico, psicológico e social. Dessa forma, o nosso falar, olhar, andar,
sentir e pensar representam modos de vida, podendo-se dizer que o corpo é um corpo
no mundo. Embora o corpo se constitua num universo de vida e para a vida, na escola
tem sido desconsiderada a atividade motora das crianças desde os primeiros dias de
aula, com restrições ao seu modo de ser e agir. Portanto, resgatar a motricidade humana
nos parece ser o primeiro passo para a (re) integração do “corpo” na escola, pois não se
passa da atividade simbólica (representações mentais), do mundo concreto, com o qual
o sujeito se relaciona, sem a atividade corporal – o elo de ligação.

“(...) o corpo não é, pois um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho
não é um pensamento, quer dizer que não posso decompô-lo e recompô-lo para
formar dele uma ideia clara. Sua unidade é sempre implícita e confusa. Ele é
sempre outra coisa além do que é, sempre sexualidade ao mesmo tempo que
liberdade, enraizado na natureza no momento mesmo em que se transforma pela
cultura, nunca fechado sobre si mesmo, e nunca ultrapassado. Se se trata do
corpo de outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o
corpo humano senão vivendo-o, quer dizer, retomar por minha conta o drama que
o atravessa e me confundir com ele. Sou, pois meu corpo (...)” (CAVALARI, 1996,
p. 47-8)

4
MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael. . In: MELO, Victor Andrade de; FORTES, Rafael.
História do Esporte: PANORAMA E PERSPECTIVAS. [S. l.: s. n.], 2010. Disponível em:
http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/FRONTEIRAS/article/download/1180/724. Acesso em: 21 ago. 2019.
39
Propomos o conceito de corporeidade como o nosso ponto de partida para
trabalhar os componentes motores que estão ligados ao processo de escolarização, pois
esta integra tudo o que o homem é e pode manifestar neste mundo: espírito, alma,
sangue, ossos, nervos, cérebro, etc. Com o paradigma da corporeidade rompe-se com o
modelo cartesiano, não havendo mais distinção “entre essência e existência, ou a razão
e o sentimento. O cérebro não é o órgão da inteligência, mas o corpo todo é inteligente;
nem o coração, a sede dos sentimentos, pois o corpo inteiro é sensível. O homem deixou
de ter um corpo e passou a ser um corpo”. (FREITAS, 1999, 62)

Fonte: segs.com.br

Na visão desta autora, a corporeidade implica a inserção de um corpo humano em


um mundo significativo, a relação dialética do corpo consigo mesmo, com outros corpos
expressivos e com os objetos do seu mundo, significando dizer que se torna o espaço
expressivo por demarcar o início e o fim de toda ação criadora, o início e fim de nossa
condição humana. De forma que o nosso corpo, como corporeidade, como corpo
vivenciado, não é o início e nem o fim, é sempre o meio, no qual e por meio do qual o
processo da vida se perpetua. O corpo deixa de ser análise para se tornar síntese, bem
como o conceito de corporeidade situa o homem como um “corpo no mundo”, uma
totalidade que age movida por intenções.
40
Resgatar a motricidade humana nos parece ser o primeiro passo para a (re)
integração do “corpo” na escola, pois não se passa da atividade simbólica
(representações 783 mentais), do mundo concreto, com o qual o sujeito se relaciona,
sem a atividade corporal – o elo de ligação. Portanto, propomos a corporeidade como um
novo paradigma capaz de romper com o modelo cartesiano por não apresentar mais a
distinção entre a essência e a existência, ou seja, a razão e o sentimento.

5.1 O Corpo na Escola

“O corpo é um dos mais fortes vetores de construção de identidade no mundo


contemporâneo, expressão de diferentes linguagens que encontram lugar, entre outros,
nas ciências, nas artes e nos esportes”. (VAZ, 2002, p. 91)
No âmbito das atividades corporais, o corpo, presente nas escolas, tem sido
estudado tanto na esfera da Educação Física quanto em outras disciplinas. Na Educação
Física, enquanto objeto de investigação, vislumbra no movimento corporal, motricidade
humana, a sua área de estudo e os indicativos de uma cultura corporal de movimento ou,
simplesmente, cultura de movimento.
Na escola, o corpo, como objeto de disciplina escolar, será caracterizado sob o
enfoque da infância, da pré-adolescência e adolescência, das relações sociais, do
desenvolvimento humano, da “linha de montagem do homem do sistema” – o que
caracterizaria a instituição escolar apenas como uma “fabrica” e não como um centro de
formação humana do qual todos nós somos corresponsáveis.
Em se tratando de Educação Física cabe ressaltar que...

“A Educação Física escolar que temos hoje é tributária da tradição ocidental, da


matriz europeia, dos projetos políticos-pedagógicos da Grécia e do iluminismo,
da Paidéia e da Bilding. (...) Essa tradição humanista, herdeira também do
Renascimento, conjuga formação intelectual, ética, estética e corporal, todas
imbricadas no mesmo projeto”. Na tradição do Aufklärung, das luzes e da
autonomia, os métodos ginásticos e também os jogos e esportes
desempenharam um importante papel na formação dos corpos e espíritos. Eles
não foram tema exclusivo da escola, é certo, mas nela encontraram um
importante espaço, também “científico”, de realização”. (VAZ, 2002, p.. 88-89)

41
Nesta trajetória, das práticas corporais, a ginástica surgiu ou foi resgatada na
sociedade ocidental, moderna, como um movimento de natureza popular sem qualquer
relação com a instituição escolar, tendo sido identificada por seus métodos, escolas e
país de origem de seus estudiosos. Por exemplo, no Brasil, os métodos mais conhecidos
foram o francês, alemão e sueco. Porém, o mais divulgado e adotado foi o método
francês. Embora estes métodos não tenham sido pensados inicialmente para a escola
foram adaptados em princípios e fins para esta realidade. De forma que esta ginástica
“compreendia exercícios individuais, em duplas, quartetos; o ato de levantar e transportar
pessoas e objetos; esgrima; danças; jogos e posteriormente, já no final do século XIX, os
jogos esportivos; a música; o canto e os exercícios militares” (SOARES, 1996, p.8).
Porém, o que mais chama atenção, apesar da abrangência e diversidade de conteúdos
de ensino, é que se tem claro a sua especificidade, pois as “ciências que dão suporte aos
estudos e pesquisas deste conteúdo são aquelas de natureza física e biológica” e,
aqueles que pensaram a atividade física, “a partir de parâmetros científicos, (...), o fizeram
com os instrumentos de seu tempo“ (p. 8-9).
A partir do século XX o termo Ginástica foi substituído pelo de Educação Física,
dando lugar à educação do gesto e a um conteúdo de natureza esportiva. “A abrangência
anterior perde terreno para a aula como o lugar do treino esportivo e do jogo esportivo
como conteúdo senão único, certamente predominante. As partes constitutivas de uma
aula são ditadas pela Fisiologia, agora já acrescida do item ‘esforço’, do que pela
Pedagogia” (SOARES, 1996, p. 9). Todavia, apesar de haver predominância do esporte
nas aulas de Educação Física, esta mantinha uma especificidade, sendo o seu conteúdo
de domínio daquele que ensina. Mas esta situação será alterada no final dos anos 70,
quando cede lugar para a Psicomotricidade, sendo considerada esta mudança “um dos
momentos mais ricos e mais contraditórios de sua história recente. ” (p. 9)

“Com o advento da psicomotricidade - enfatizando-se as qualidades perceptivas,


neuromotoras, neuromusculares, o domínio corporal e, por extensão, o domínio
de si mesmo - a Educação Física ganhou um conteúdo próprio para a área
escolar, tendo no corpo a sua referência máxima (como estudo e área de
conhecimento). Mergulha-se num outro universo teórico, metodológico e
linguístico. Descobre-se que se está na escola para algo maior que é a formação
integral da criança, tornando a Educação Física um meio para aprender as
diferentes matérias” (p. 9).

42
Dessa forma, com a psicomotricidade, vislumbra-se o perfil de um professor
voltado para a aprendizagem, cabendo lembrar que esta estuda o homem na sua unidade
como pessoa, pois “a intervenção psicomotora então se situa em âmbito global, numa
tentativa de modificar toda uma atitude em relação ao seu corpo, como lugar de
sensação, expressão e criação” (NICOLA, 2004, p. 5).
Porém, os pressupostos teóricos que fundamentaram a Educação Física na
Educação Infantil, e evidenciaram a psicomotricidade como referencial capaz de dar
conta da especificidade do trabalho pedagógico junto às crianças, também indicaram que
o assunto merece ser aprofundado.

Fonte: facebook.com/profdeeducacaofisica

O conhecimento produzido pela educação psicomotora vem sendo, há algum


tempo, “o conteúdo” das aulas ministradas tanto às crianças da educação infantil quanto
das primeiras séries do ensino fundamental. Mas este procedimento também tem
suscitado críticas à psicomotricidade em virtude deste ser pautado num “modelo de
criança universal” que não considera “as diferenças de gênero, etnia e classe social”,
entre outros, trazendo desde a sua gênese uma ideia de movimento como auxílio das
aprendizagens de cunho cognitivo” (VAZ, 2002).

43
Sayão (2002, p. 55) nos lembra que a psicomotricidade “se constituiu na escola e
na Educação Infantil como um suporte para as aprendizagens cognitivas. O movimento,
neste caso, serve de recurso pedagógico visando ao sucesso da criança em outros
campos do conhecimento”.
No bojo do que foi colocado o que se compreende é que o professor deve dominar,
em seu arcabouço teórico, o conteúdo da psicomotricidade, mas que o mesmo não sirva
para limitar a criança em suas linguagens de movimento quer seja na prescrição de
diagnósticos, quer seja no enquadramento das mesmas. Os trabalhos de intervenção na
escola são necessários, mas não podem se constituir num fim em si mesmo.
Para Florestam Fernandes (1979) e Deborah Thomé Sayão (2002) a cultura infantil
tanto expressa a incorporação, transferência e aceitação, pelas crianças, da cultura
adulta, quanto permite transformar aquilo que é aprendido, dos adultos, em
manifestações tipicamente infantis. As histórias de vida das crianças, nas suas origens
socioculturais, classe social, gênero, religião e etnia, também interferem na constituição
de uma cultura infantil. De modo que estas singularidades devem ser consideradas, pois
possibilitam um conhecimento maior das crianças, bem como da apreensão de um
universo multicultural a ser compreendido pelo professor e interagido pelos alunos. Neste
contexto, conscientizar as crianças sobre a diversidade cultural; incentivar o
conhecimento/reconhecimento das diferenças; considerar as questões de gênero,
visando o reconhecimento das identidades das crianças, pois desde cedo elas vão
incorporando regras, valores, normas, crenças que refletem os papéis sociais, implica em
pensar num currículo emancipatório.
Entretanto, para que um trabalho integrado ocorra, há necessidade de se conhecer
a realidade da escola, mapear seus limites, compreender a visão de corpo que está
subjacente ao cotidiano dos professores.

5.2 O Corpo no processo de escolarização

“(...) o corpo não é, pois, um objeto. Pela mesma razão, a consciência que tenho
não é um pensamento, quer dizer que não posso decompô-lo e recompô-lo para
formar dele uma ideia clara. Sua unidade é sempre implícita e confusa. Ele é
sempre outra coisa além do que é, sempre sexualidade ao mesmo tempo que
liberdade, enraizado na natureza no momento mesmo em que se transforma pela
44
cultura, nunca fechado sobre si mesmo, e nunca ultrapassado. Se se trata do
corpo de outro ou de meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o
corpo humano senão vivendo-o, quer dizer, retomar por minha conta o drama que
o atravessa e me confundir com ele. Sou, pois meu corpo (...)” (CAVALARI, 1996,
p. 47-8)

Propomos o conceito de corporeidade como o nosso ponto de partida para


trabalhar os componentes motores que estão ligados ao processo de escolarização, pois
esta integra tudo o que o homem é e pode manifestar neste mundo: espírito, alma,
sangue, ossos, nervos, cérebro, etc.
Com o paradigma da corporeidade rompe-se com o modelo cartesiano, não
havendo mais distinção “entre essência e existência, ou a razão e o sentimento. O
cérebro não é o órgão da inteligência, mas o corpo todo é inteligente; nem o coração, a
sede dos sentimentos, pois o corpo inteiro é sensível. O homem deixou de ter um corpo
e passou a ser um corpo”. (FREITAS, 1999, 62)
Na visão desta autora, a corporeidade implica a inserção de um corpo humano em
um mundo significativo, a relação dialética do corpo consigo mesmo, com outros corpos
expressivos e com os objetos do seu mundo, significando dizer que se torna o espaço
expressivo por demarcar o início e o fim de toda ação criadora, o início e fim de nossa
condição humana. De forma que o nosso corpo, como corporeidade, como corpo
vivenciado, não é o início e nem o fim, é sempre o meio, no qual e por meio do qual o
processo da vida se perpetua. O corpo deixa de ser análise para se tornar síntese, bem
como o conceito de corporeidade situa o homem como um “corpo no mundo”, uma
totalidade que age movida por intenções.
Dentro deste contexto escolhemos trabalhar com o esquema corporal e a imagem
corporal, contendo como expressão desses conteúdos a coordenação (motricidade), o
equilíbrio, a orientação espacial, a orientação temporal, a lateralidade, tendo como
referência chegar à consciência corporal.
A título de ilustração vamos utilizar o exemplo da árvore com suas raízes, tronco,
ramos, folhagem para visualizar as propriedades do esquema corporal e da imagem
corporal. Ao considerarmos o corpo como uma grande árvore vamos entender o esquema
corporal como as raízes, o tronco e os ramos, pois representa uma estrutura que
compreende a verticalidade, a lateralidade, a bidimensionalidade ou a sua

45
tridimensionalidade. As imagens do corpo representam as folhagens, a roupagem,
significando dizer que o corpo é (re) colonizado pela imagem do corpo - formado numa
ideia precisa de processo, de dinamismo, e da múltipla influência sócio-histórico-culturais
que recebe – mas que busca o seu assento na “estrutura” do esquema corporal.
A imagem do corpo é o conceito e a vivência que se constrói sobre o esquema
corporal, trazendo consigo o mundo humano das significações, pois na imagem estão
presentes os afetos, os valores, a história pessoal, marcada nos gestos, no olhar, no
corpo que se move, que repousa, que simboliza. Enfim, na imagem do corpo está
implícito não apenas o corpóreo, meu corpo como objeto de reflexão, mas,
principalmente, a corporeidade, o corpo-sujeito que age no mundo e que, nesta inter-
relação, estende-se para ele, perde suas fronteiras anatomicamente definidas e torna-se
marcado pelos símbolos de suas vivências, torna-se presença (FREIRE, 1999). Dessa
forma eu estou no mundo, não em meu corpo, pois o polo da presença é o outro.

Fonte: nova-escola-producao.s3.amazonaws.com

46
Nos estudos de Rosa Neto (2002), o esquema corporal foi tratado abarcando
alguns pressupostos da imagem corporal, mas colocando a sua ênfase maior no modelo
postural, esquema. Por exemplo;

“Há um modelo postural, um esquema, uma imagem do nosso corpo,


independente das informações cutâneas e profundas, os quais desempenham
um papel importante, mesmo que não evidente, na consciência que cada um tem
de si mesmo. O modelo postural não é estático, mas sustenta ativamente todos
os gestos que nosso corpo realiza sobre si mesmo e sobre os objetos exteriores.
(...) A construção do esquema corporal, isto é, a organização das sensações
relativas a seu próprio corpo em associação com os dados do mundo exterior
exerce um papel fundamental no desenvolvimento da criança, já que essa
organização é o ponto de partida de suas diversas possibilidades de ação. Sendo
assim, o esquema corporal é a organização das sensações relativas a seu próprio
corpo em associação com os dados do mundo exterior” (p. 21).

Embora em seu livro tenha começado pela motricidade fina, depois motricidade
global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial, organização temporal e
encerrado com a lateralidade observa-se que o esquema corporal traz consigo,
subjacente a ele, o papel de mediação entre os diferentes componentes motores.
Entretanto, numa leitura não atenta o que se poderá observar, num primeiro momento,
no âmbito da “aparência” e não da “essência”, é um conjunto de componentes motores,
podendo-se até entender que estes componentes possuem “vida própria” e não,
necessariamente, uma inter-relação.
Quando se refere à organização espacial assinala que esta envolve tanto o espaço
do corpo, diretamente acessível, como o espaço que nos rodeia, finito enquanto é
familiar, mas que se estende ao infinito, ao universo, e desvanece-se no tempo. No geral,
a organização espacial depende, ao mesmo tempo, da estrutura de nosso próprio corpo
((estrutura anatômica, biomecânica, fisiológica, etc.), da natureza do meio que nos rodeia
e de suas características. Portanto, todas as modalidades sensoriais participam em certa
medida na percepção espacial: a 791 visões, a audição, o tato, a propriocepção e o olfato.
De forma que a orientação espacial designa nossa habilidade para avaliar com precisão
a relação física entre nosso corpo e o ambiente.
Assim, o olho e o ouvido, o labirinto, os receptores articulares e tendinosos, os
fusos neuromotores e a pele representam o ponto de partida de nossa experiência
espacial restrita a duas etapas: uma ligada à percepção imediata do ambiente - sensório-

47
motora e a outras baseada nas operações mentais que saem do espaço representativo
e intelectual. (p. 21, 22)
Com relação à organização temporal observou-se que esta ficou restrita à
memória, relacionada aos componentes de ordem e duração que o ritmo reúne. A ordem
ou a distribuição cronológica das mudanças, ou dos acontecimentos sucessivos
representa o aspecto qualitativo do tempo e a duração seu aspecto quantitativo. Por sua
vez, a noção de duração resulta de uma elaboração ativa do ser humano de informações
sensoriais, tendo como conteúdo físico (mudanças, velocidade, espaço recorrido,
movimento, crescimento da medida) proporcionando a base do nosso conhecimento do
tempo e de sua organização. No que se refere à noção de tempo este foi avaliado
considerando que o tempo e a duração estão circunscritos a um movimento cuja
velocidade (distância percorrida durante um intervalo de tempo) é constante. Porém, a
organização temporal incluí uma dimensão lógica [conhecimento da ordem (esta
percepção nos leva a distinguir o simultâneo do sucessivo), uma dimensão convencional
(sistema cultural de referências, horas, dias, semanas, meses, anos) e um aspecto de
vivência, sendo que a consciência do tempo (evolui e amadurece com a idade) se
estrutura sobre as mudanças percebidas. A percepção da duração começa pela
discriminação do instantâneo e do duradouro que se estabelece a partir de 10 a 50m para
a audição e 100 a 120 para a visão. (p. 23) .
A lateralidade foi compreendida como a preferência de utilização de uma das
partes simétricas do corpo: mão, olho, ouvido, perna, sendo que a lateralização cortical
foi vista como a especialidade de um dos hemisférios, outorgando a um deles a iniciativa
da organização do ato motor. No que se refere ao equilíbrio este foi considerado a base
primordial de toda ação diferenciada dos segmentos corporais. Portanto, o equilíbrio é o
estado de um corpo quando forças distintas que atuam sobre ele se compensam e
anulam-se mutualmente. Entretanto, do ponto de vista biológico, a possibilidade de
manter posturas, posições e atitudes indica existência de equilíbrio.
No que diz respeito a motricidade fina esta foi desenvolvida na forma de
coordenação visuomanual, imprescindível para pegar um objeto e lançá-lo, para
escrever, desenhar, pintar, recortar, etc., porém, a mesma é um processo de ação em
que existe coincidência entre o ato motor e uma estimulação visual percebida. E no que
48
se refere à motricidade global esta foi concebida como movimento motor global, seja ele
mais simples, é um movimento sinestésico, tátil, labiríntico, visual, espacial, temporal, e
assim por diante.

49
6 BIBLIOGRAFIA BÁSICA

MELO, Victor. Andrade de. História da Educação Física e do Esporte no Brasil:


panoramas e perspectivas. São Paulo:IBRASA, 1999.

DEL PRIORE, Mary, MELO, Victor. Andrade de Melo. História do Esporte no Brasil: do
Império aos dias atuais. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

SOARES, Carmen. Educação Física: raízes européias e Brasil. Campinas, SP: Autores
Associados, 1994.

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