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Uma Maneira de Criar


Personagens Profundas e
Coerentes
22 de Agosto de 2017

Kaio Gabriel 6min de leitura

C riar personagens é algo delicado. Mais ainda é saber o


quanto investir nisso.

De vez em quando acabamos lidando com personagens que não parecem fiéis

ao que seus atos passados diziam. Ou, às vezes, colocamos uma personagem
que deveria ter um papel importante e marcar a história, mas acaba sendo
apenas alguém sem graça.

Daí entram as análises.

Não que as personagens precisem ser a alma de sua história. Como dissemos
aqui, algumas histórias funcionam muito bem com personagens pouco
marcantes, dirigindo o foco do leitor para outros elementos narrativos.

Mas se essa não é a sua intenção e você quiser personagens que permaneçam
na mente dos leitores muito após seu livro ser posto de lado, alguns pontos
devem ser pensados.

E o artigo de hoje trata de um deles. Uma maneira de entregar às suas


personagens um pouco mais de personalidade e realismo. Uma maneira de
mantê-las congruentes, trilhando o caminho que deveriam trilhar.

Estou falando de objetivos.

Objetivos Externos

São os desejos conscientes da personagem, aquilo pelo qual ela busca


ativamente.

Se sua história for centrada em um único protagonista, é bem provável que


seja isso que a move adiante. O quê? O protagonista quer derrotar o tirano
que controla a galáxia inteira? Quer encontrar aquele artefato perdido? Quer
descobrir quem é o verdadeiro assassino?

Como você pode ter pensado ao ler essas perguntas, os objetivos externos
relacionam-se com o gênero da história. Mais precisamente, ao gênero
de valores (como abordamos nesse artigo aqui, existem mais de uma
classificação de gênero).

Se a história for ação, é provável que o protagonista queira derrotar o vilão.

Se for romance, ele quer perseguir ou fugir de uma relação amorosa.

Se for crime, ele quer solucionar o mistério.

Se for terror, ele quer escapar da situação aterrorizante.

Não que isso seja uma regra, mas você precisa estar ciente que as promessas

feitas ao leitor começam já na definição do gênero. Um romance sem uma
relação amorosa é… estranho, não?
Mas enfim, é bem provável que seu protagonista já tenha um objetivo externo
bem definido. Dificilmente se pensa em uma história sem ele. O mesmo vale
para o antagonista.

O cuidado vai para as demais personagens. O que elas querem? Estão apenas
vivendo por aí? Esperando para ajudar ou atrapalhar o progresso do
protagonista? Existem apenas para isso?

É claro que em menor ou maior grau, dependendo da relevância da


personagem, essas perguntas podem levar você a pensar sobre o passado
delas. Mesmo que não seja na mesma profundidade do protagonista, o pouco
que você entregar as deixará mais reais.

Objetivos Internos

São os desejos geralmente inconscientes da personagem, aquilo que ela


precisa.

Podem ou não estar ligados ao objetivo externo. Se a sua personagem é


alguém que quer derrotar o vilão poderoso, mas é uma grande covarde,
ela precisa superar o medo.

Por outro lado, vamos supor que a sua personagem é um detetive famoso que
só conquistou o prestígio porque teve problemas familiares que o fez focar no
trabalho. Ele terminou com a esposa e perdeu a guarda da filha. E agora foi
convocado para solucionar o crime mais enigmático da história; isso é algo
que ele quer, pois esse trabalho excessivo faz ele esquecer da família. Mas o
que ele precisa é fazer as pazes com ela. Nesse caso, os objetivos caminham
em direções opostas.

Você percebe a diferença entre um detetive inteligente sem uma vida além do
trabalho explorada e o detetive do exemplo acima? Percebe a profundidade
que o último ganha?

É a busca pelo objetivo interno, consciente ou não, que transforma a


personagem internamente. Essa transformação pode vir sob a forma de
amadurecimento, superação de um defeito, inversão de valores ou até a
conquista/perda de notoriedade.


Além disso, o mesmo comentário feito para os objetivos externos vale para cá:
é interessante pensar nas necessidades das personagens secundárias. Sim,
com sua devida proporção. Mas essa proporção é algo que somente você pode
aferir.

Alguns Exemplos

Vamos começar por “Harry Potter”. O que ele quer e o que ele precisa? Bem,
ele quer derrotar Voldemort, só que para isso ele precisa aprender magia.
Claro que ao longo dos livros ele possui outros objetivos externos e outros
internos, mas aqueles dois figuram como os maiores da trama como um todo.
E é justamente o objetivo interno — aprender a magia, descobrir o mundo
bruxo e o seu papel nele — o responsável pela transformação de Harry.

Em “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, Arthur Dent quer a Terra de volta e,


após uma série de eventos improváveis, acaba indo em busca da resposta para
a Vida, o Universo e Tudo Mais. Só que o que ele realmente precisa é
encontrar o seu lugar no universo.

Jack Torrance, de “O Iluminado”, tem dois objetivos externos: cuidar do hotel


Overlook durante o inverno e terminar de escrever sua peça. Contudo,
precisa controlar o alcoolismo e o temperamento explosivo.

Em “A Guerra do Velho”, John Perry quer dar um novo sentido à sua vida e
parte para combater alienígenas que ameaçam as colônias humanas por todo
o universo. Enquanto isso, o que ele precisa é superar a morte da esposa.

Por último, um exemplo um pouco mais profundo: Harry Haller, em “O Lobo da


Estepe”, é um homem dividido entre seu lado social e seu lado solitário. Um
deles quer se tornar um Imortal, um ícone da cultura de sua época; o outro
busca o isolamento completo. Dividido entre dois objetivos externos e
conflitantes, ele se torna alguém extremamente infeliz e deslocado. Mas o
que ele precisa é encontrar uma maneira de viver na sociedade, que tanto
despreza, sem ser afetado por ela.

Notas Finais

Em geral, é a busca pelo objetivo externo que dita o ritmo da história. Porém
são somente os objetivos internos que podem mudar a personagem, que

mostram ao leitor a transformação que a jornada causou. Acho que essa
transformação é o mais importante de qualquer história. É ela que cria o
vínculo entre leitor e personagem. É com ela que nos identificamos. É com ela
que aprendemos.

Dificilmente você e eu seremos os únicos capazes de salvar o mundo das mãos


de um poderoso mago encantador de dragões. Mas é bem provável que nós
dois tenhamos algo a aprender com o cavaleiro mágico que descobriu o
verdadeiro significado da humildade.

E aí, você sabe o que suas personagens querem e precisam?

Sobre o Autor

Kaio Gabriel
Natural de Floripa e, curioso pelos mistérios da natureza, acabou se
formando em engenharia mecânica, sem nunca deixar de rabiscar suas
histórias. Desenha com mais vontade do que habilidade, faz trilhas
esporadicamente, curte um bom rock clássico e toca violão para as
paredes. Adepto ao minimalismo ainda com tralhas a serem jogadas
fora na próxima mudança. Jogador de RPG de mesa quando possível,
mas se contenta sendo o narrador. Aos fins de semana, também gosta
de levantar debates filosóficos sofistas.

  Suas histórias: w v SITE

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