Conflito

É muito fácil você dizer que é corajoso enquanto não está correndo perigo. É muito fácil
você dizer que é calmo enquanto não está sendo perturbado. É muito fácil você dizer que é honesto
enquanto não está sendo tentado a ser desonesto. Suas decisões, ações e comportamentos em
situações cotidianas revelam apenas a imagem que você deseja que os outros tenham de você.

A verdade é que, fundamentalmente, nenhum de nós é quem afirmamos ser. Somos o que
fazemos em situações de conflito. Somos nossas decisões, nossas ações, nossos comportamentos
diante de problemas complicados. Quando estamos sob pressão, testamos nossas qualidades,
encaramos nossas fraquezas e  revelamos o âmago da nossa personalidade.

Você tentaria resgatar seu filho sequestrado se a polícia não estivesse fazendo nada? Você
conseguiria manter a calma se alguém ofendesse sua mãe profundamente? Você devolveria uma
carteira recheada de dinheiro que encontrou na rua se estivesse passando por dificuldades
financeiras?

Problemas são verdadeiros testes de caráter e valores morais.

Em circunstâncias extremas, pensamos, sentimos e nos comportamos motivados

primordialmente por restabelecer um senso de segurança e controle na nossa vida. Situações de
conflito nos forçam a questionar nossas motivações, nossos medos e nossa identidade.

Problemas são experiências emocionais que nos permitem olhar para o mundo, para as
pessoas e para nós mesmos com novos olhos. Conflitos testam nossa força de vontade e nos
nossos limites físicos e mentais.

Segundo o roteirista William C. Martell, o que as pessoas buscam em histórias de ficção são

justamente essas experiências emocionais. Em nossas vidas diárias, normalmente precisamos conter
nossas emoções.

Histórias permitem que a gente alivie essa pressão emocional acumulada e coloque nossas
emoções para fora. Nosso trabalho como escritores é criar um ambiente onde as pessoas se sintam a
vontade para sentir, seja medo com uma história de terror, tristeza com uma tragédia, romance com
uma história de amor, alegria com uma comédia, excitação com uma história de ação.

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 Conflito é o eixo central de uma história porque permite ao escritor dar uma dimensão
humana ao protagonista, mostrá-lo como uma pessoa com qualidades, defeitos, ambições, medos,
desejos, necessidades, sonhos, motivações e prioridades. Assim como eu, assim como você.

O conflito da história pode existir em 3 níveis:

1. Nível Pessoal 

Quando o grande obstáculo entre o protagonista e seu desejo é outra(s) pessoa(s), o drama
da história está centrado nas interações entre os personagens. Esse tipo de narrativa é desenvolvida
a partir da disputa pelo controle de uma situação, e testa as crenças e valores morais do personagem,
abrindo a possiblidade para ele encontrar novas formas de se relacionar com essa outra pessoa ou
lutar contra ela.

O personagem encontra ou não uma nova forma de se relacionar ou lutar contra o

antagonista no final dependendo da ideia-chave que o escritor quer passar com a
história. Ressentimentos, brigas mal resolvidas, diferenças de valores morais, conflitos de interesse,
desejos contraditórios são ingredientes comuns nesse tipo de história.

Exemplo: A história de um homem que, depois de muito insistir com seu pai, assume o
negócio da família: uma pizzaria. Quando um velho amigo de escola abre um restaurante italiano do
outro lado da rua, ele começa imediatamente a perder clientes. Agora ele precisa encontrar uma
forma de reinventar seu restaurante e desbancar a concorrência.

2. Nível Emocional

Quando o grande obstáculo entre o protagonista e seu desejo é algo de natureza emocional, o
drama da história acontece na mente do personagem. Esse tipo de narrativa testa as limitações e os
medos desse personagem, abrindo a possibilidade para ele aprender a olhar para si mesmo com
novos olhos.

Essa mudança de perspectiva do protagonista acontece ou não no final dependendo da ideia-

chave que o escritor quer passar com a história. Traumas, inseguranças, ambições, desejos

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escondidos, falhas de caráter, inibições, instintos incontroláveis são ingredientes comuns nesse tipo
de história.

Exemplo: A história de um homem que, nos últimos anos, vem se sentindo fracassado,
pequeno, medíocre. Ele se sente inteligente e capaz, mas se acomodou em uma rotina segura por ter
medo de mudanças. Ao descobrir que tem câncer terminal e poucos meses de vida, ele
deseja encontrar uma forma de se sentir vivo novamente.

3. Nível Social 

Quando o grande obstáculo entre o protagonista e seu desejo é o ambiente cultural,

econômico e político em que o personagem se encontra, o drama da história está centrado na
opressão criada por normas e estruturas sociais. Esse tipo de narrativa é desenvolvida a partir de um
choque entre tradições estabelecidas e o desejo de mudança, e testa as convicções do personagem
sobre uma causa que ele acredita ser justa, abrindo a possibilidade de uma mudança na sociedade.

Essa mudança social acontece ou não no final dependendo da ideia-chave que o escritor quer
passar com a história. Ascensão social, contato entre culturas diferentes, leis que beneficiam apenas
um grupo de pessoas, regimes políticos rígidos, tradições sociais e culturais, perdas materiais
e guerras são ingredientes comuns nesse tipo de história.

Exemplo: A história de uma freira que, depois de anos se escondendo em uma cidadezinha
pequena, tem um reencontro com seu passado secreto. O padre da sua igreja descobre que ela fez
um aborto. Agora ela precisa enfrentar os preconceitos e julgamentos dessa comunidade
conservadora e lutar para defender sua identidade religiosa.

Algumas histórias focam mais no nível emocional do conflito, explorando seu impacto
emocional no psicológico dos personagens. Outras histórias focam mais no nível pessoal do
conflito, explorando seu impacto no comportamento dos personagens. Outras histórias focam mais
no nível social do conflito, explorando seu impacto na sociedade.

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 Quanto mais cada um desses níveis de conflito é desenvolvido em uma história, mais
complexa, envolvente e verdadeira ela se torna.

Mas introduzir um conflito na vida do protagonista não basta para desenvolver uma história.
O personagem precisa estar motivado para resolver esse problema. Quanto melhor o leitor conhece
e entende as motivações do personagem para enfrentar o conflito da história, mais envolvido ele se
sente com os dramas e dificuldades do protagonista.

Considere os 3 níveis de motivação do personagem:

[1] Motivação Externa: o desejo concreto e racional do personagem para resolver o

conflito ou alcançar um objetivo

[2] Motivação Interna: a necessidade de sentir certa emoção para compensar um medo

relacionado a um evento do passado

[3] Motivação Social: a busca por uma identidade idealizada ou arquetípica

Exemplos:

[1] A história de um professor que deseja ajudar um aluno com problemas pessoais [2] Ele
quer se sentir mais prestativo para compensar o medo de se sentir imprestável como quando um de
seus alunos se matou na sala de aula [3] Ele quer desenvolver a identidade de professor compassivo

[1] A história de um homem que deseja deixar dinheiro para família antes de morrer [2] Ele
quer se sentir mais poderoso para compensar o medo de se sentir impotente como quando perdeu a
oportunidade de ficar milionário [3] Ele quer desenvolver a identidade de pai provedor

[1] A história de uma mulher que deseja se vingar do marido adúltero [2] Ela quer se sentir
mais confiante para compensar o medo de se sentir insegura que como seu pai a fazia se sentir
quando criança [3] Ela quer desenvolver a identidade de mulher independente

Acontecimentos significativos na vida de um personagem – tais como romance, ganhos

materiais e mudanças de status – são catalisadores de dramas e conflitos envolventes.

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 Experiências

10 experiências que inspiram histórias envolventes.

1. Romance

Só quem já se apaixonou sabe da revolução enlouquecida que essa experiência traz para a
vida de alguém. É por isso que esse é um universo rico a ser explorado em histórias de ficção. O
início de um namoro, um triângulo amoroso, ciúmes exagerados. Que valor cada personagem dá
para esse relacionamento? Quanto o protagonista está disposto a abrir mão para estar com essa
pessoa? Quem mais sofre as consequências do início ou fim desse romance?

2. Ganho Material

Herança, loteria, promoção no trabalho, roubo de banco e golpe do baú são alguns exemplos
de como seu personagem pode subitamente mudar de status material. Mas não são as mudanças
superficiais que essa nova condição traz que contém uma boas ideias. A história está nas
transformações pelas quais o personagem vai passar a partir dessa experiência. O que esse
personagem passa a fazer com seu tempo livre? Como ele gasta o seu dinheiro? Como suas relações
foram afetadas por esse ganho material?

3. Amizade

Amigos são membros da família que a gente escolhe. Os relacionamentos de amizade tem o
poder de mudar a vida de um personagem de forma significativa. Essas mudanças podem ser tanto
positivas quanto negativas. Há amigos que abusam da confiança depositada neles e nos
decepcionam, e há aqueles que enriquecem nossas vidas ao nos tirar da nossa zona de
conforto. Outro aspecto que se pode explorar em histórias de amizade são as motivações
individuais. Por que o personagem X investe tanto na amizade com o personagem Y? O que há por
traz dessa relação? Com essa amizade mudou a vida dos personagens?

4. Família

Os relacionamentos familiares marcam e moldam nossa personalidade de forma

profunda. Sejam positivas ou negativas, as experiências com a família são guardadas dentro da

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mente, não necessariamente como eventos com data e lugar, mas sempre como um registro de
sensações boas ou ruins. As dinâmicas familiares são universos complexos em constante mutação.
As experiências individuais de cada fase da vida vão modificando as experiências no grupo
familiar. Nascimentos, mortes, casamentos, divórcios, reencontros, separações, celebrações, brigas.
Como esses eventos alteram a dinâmica da família e cada um dos seus membros?

5. Ganho de Conhecimento

Educação universitária, aprendizado de uma nova língua, cultura e/ou habilidade. O ganho
de conhecimento traz novas perspectivas e tem o poder de mudar a vida de um personagem e sua
atitude perante certas situações. Um formando de direito que agora pode defender seu pai acusado
de um crime que não cometeu. Um australiano que aprende português porque quer pedir a mão da
brasileira em casamento para seus pais. Um garoto que aprende kung fu e começa a se defender dos
ataques dos colegas na escola. O que muda na vida desses personagens após o ganho de
conhecimento? Que outras experiências se abriram para eles?

6. Mudança de Status

Status é um reconhecimento coletivo de poder e influência sobre outras pessoas com base
em posição social, hierarquia empresarial, conhecimento, fama, premiação, condição material ou
mesmo estrutura física. Dificilmente aqueles que ascendem de status olham para trás e refletem
sobre sua mudança de posição. Parece fazer mais sentido esquecer sua condição passada, e usufruir
ao máximo o novo status adquirido. A perda de status, entretanto, parece ser mais eficaz em fazer
um personagem reconsiderar seu passado, suas atitudes e sua identidade. Como ele tratava seus
subordinados? Que imagem as pessoas tinham dele? Sem esse status, quem é esse personagem?

7. Mudanças Físicas

Engordar, emagrecer, entrar em forma, perder a forma, adquirir uma doença, perder um
membro, órgão ou função do corpo, reaprender a andar, falar, tornar-se mais bonito, mais feio, mais
ou menos atraente. Todas essas situações trazem mudança de autoestima e têm o potencial de lançar
um personagem em uma jornada profunda de autoconhecimento, que o ajudará associar suas
mudanças físicas às psicológicas. Que alterações na vida diária do personagem as mudanças físicas
trouxeram? Como suas relações foram afetadas quando sua auto-imagem se modificou?

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 8. Mudanças Psicológicas

Depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtornos de ansiedade, anorexia, bulimia,

síndrome do pânico, stress, fobia social, insônia, hipocondria. A lista é enorme. Todas essas
doenças psicológicas implicam em mudanças na estrutura mental, e modificam de forma
significativa a vida de alguém e todos ao seu redor. Quais as origens internas e externas de tal
doença? Como o personagem administra essa situação? Quais as possíveis formas de cura?

9. Mudança de Ambiente

Mudar de casa, bairro, cidade, estado, país, planeta, escola, trabalho, sempre implicam em
readaptação. Que novos relacionamentos o personagem deve desenvolver nesse novo ambiente?
Como muda o seu dia-a-dia? Que novas atividades são introduzidas na sua vida?

10. Experiências Traumáticas

Aborto, acidente grave, violência urbana ou doméstica, guerra, desastres naturais, agressão,
humilhação pública, abuso físico verbal e/ou sexual, prisão, perdas inesperadas, diagnóstico de
doença grave, procedimento médico invasor. Todas são experiências que trazem sentimentos de
ameaça à vida, à integridade física ou moral, rompendo o sentimento de proteção e
previsibilidade. Quem era esse personagem antes dessa experiência traumática? Como suas ações
do presente estão associadas a esse trauma? Qual a sua relação com o seu agressor?

Cada um desses tipos de experiência tem o potencial de virar de cabeça para baixo a vida do
protagonista, despertando a curiosidade do leitor em saber como a história vai se desenvolver.

Para que o enredo da sua narrativa seja coerente e seus personagens acreditáveis, você
precisa caracterizar os participantes da sua história. Seu objetivo é entender suas principais
motivações, objetivos, desejos, aspirações, frustrações e preocupações.

Fonte: http://ficcao.emtopicos.com/estrutura/conflito/