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Resenha Filme Beleza Americana

O filme faz uma crítica à sociedade americana vive um modelo de


existência baseado no self ideal, apontado por Rogers como um conceito que
diz de um conjunto de características do individuo ao qual mais gostaria de
poder reclamar como descritivas de si mesmo.
A partir dessa análise pode-se concluir a crítica referente à
incongruência na vivência da cultura norte americana que é representada pela
personagem Carolyn. Essa personagem demonstra um ideal de sucesso no
âmbito profissional, social e familiar. Esses aspectos são evidenciados no filme
quando ela busca o tempo todo apresentar uma imagem de uma corretora de
imóvel bem sucedida, quando na verdade não vende nenhuma casa. Outro
fator incongruente é quando ela todas as manhas cultiva as rosas do jardim e
faz questão de mostrar ao seu vizinho que as elogia e confere a beleza de suas
rosas como uma projeção do “falso sucesso” da própria Carolyn. No ambiente
familiar é apontado outra incongruência quando diante de um casamento falido
ela pede ao esposo que interprete uma figura de marido ideal, companheiro,
carinhoso, afetuoso nos ambientes sociais, por tudo isso a vivência da
personagem demonstra que a experiência do self, daquilo que realmente é,
não foi tomada à consciência e com isso torna seu modo de vida inautêntico e
com alta tensão já que ela tampona a realidade ao não implicar-se em
conhecer os limites, as necessidades, as resistências e os seus desejos em
relação ao meio. Por isso, sua ação no meio em busca de equalizar a tensão é
pouco eficiente e mais frustrante. Isso é muito evidente nas cenas em que
Carolyn ao invés de refletir sua ação na forma de ser verdadeiramente
profissional, esposa, mãe, vizinha, amante fica ouvindo e repetindo mantras de
auto-ajuda e sucesso.
Diferentemente da proposta de Heidgger que evidencia que a “tomada
da consciência profundamente existencial de que não se deve a significação de
sua existência a nada senão a seus próprios atos, e, sobretudo não a deve à
utilidade e à “atividade” cotidiana”, percebe-se que essa vida autentica não é
experienciada também por outros personagens como o Rei do Imóvel e a
adolescente Angela que vivem em alta tensão com o meio. O primeiro dita a
projeção do sucesso nas suas propagandas e nas relações sexuais adulteras,
o que é incompatível com a própria realidade uma vez que seu casamento é
um “faz de conta” que chega ao fim. Nessa mesma perspectiva encontra-se a
adolescente que é conhecida por todos na escola como mulher sexualmente
descolada e bem sucedida, no entanto, não passa de uma virgem insegura e
com medo de ser comum, por isso escolhe amizade de uma colega que, ao
contrário, não se preocupa com a aparência de deusa. Portanto, ao lado da
apagada Jane, a imagem de sucesso de Angela é mais evidenciada ao público.
Já o anti-herói do filme, Lester o personagem morto que vê tudo do alto
e narra a história convidando o espectador a olhar a vida e a morte a partir
dessa perspectiva, trata-se, no início, de um homem que é mal amado pela
filha adolescente, ignorado pela mulher Carolyn e dispensável ao trabalho que
passou grande parte da vida exercendo. Nessa configuração, o personagem
vive de forma incongruente, inautêntica sem expectativa em relação ao que o
meio pode lhe oferecer, uma vez que o ponto alto de sua emoção diária é uma
masturbação matinal. Além disso, percebe-se, também, sua falta de
engajamento e responsabilização no mundo quando ele não se apropria dos
papéis que deveria desempenhar como fica visível quando ao sair para o
trabalho, pela manhã, Lester vai de carona com a esposa, a filha na frente e a
imagem que se pode associar dele no banco traseiro é como uma criança na
cadeirinha de bebê, com o corpo encolhido, que não tem uma ação e é levado
de um lado para outro sem opinar. É possível inferir, ainda, que no personagem
há praticamente uma falta de tensão em relação ao meio e isso se dá pela
ausência de investimento, que é a simbolização da morte, pois, segundo
Goldstein há tensão se há vida.
Durante o desenrolar do filme o personagem narrador preocupa-se em
como tornar a vida mais agradável, buscando soluções, transformações e
saídas para a rede inautêntica que envolve sua rotina. O investimento na vida é
despertado quando Lester vai assistir a uma apresentação de dança da filha e
depara-se com a beleza sedutora de Angela, uma adolescente que surge a ele
como uma fonte de desejo, um estopim que desperta nele o interesse pela
vida. É a partir desse encontro com a Angela que o protagonista implica-se no
investimento com a própria vida. Isso é para Goldstein uma centragem, uma
ação no mundo representada por suas ações como, por exemplo, malhar e
mudar de emprego, isso emerge ao deparar-se com a angústia de ver sua vida
como um fracasso sem prazer, um tédio. A partir das atitudes práticas o self é
apreendido por sua consciência e uma ação no mundo desperta um sentido
autêntico e congruente exemplificado pela cena em que ele ao se demitir opta
por uma profissão mais simples que exige menor responsabilidade, dedicando-
se a atividades que lhe proporcione bem estar. Surge, então, o cuidado que
para Heidegger, pg. 113, “visa o desprendimento da relação utilitária que temos
com o mundo ao trazer a luz uma realidade que fugimos: nossa tendência ao
deixarmos absorver em nossa relação com os objetos, a nos identificarmos
com eles ou com sua função”. Partindo do cuidado consigo mesmo Lester
estende-o para mais personagens quando diante da possibilidade de ter
relação sexual com a adolescente ao saber de sua virgindade passa a
percebê-la como um menina (o que realmente é) e a envolve em um roupão,
oferece-lhe um lanche. Preocupa-se também em saber de como ela está se
sentindo, aproveita, então, para perguntar sobre a vida de sua filha.
O personagem Ricky apresenta-se durante todo o filme como o sujeito
de características mais preservadas, no sentido de que ele sabe posicionar-se
diante das tensões ambientais, identificando o momento de agir e o momento
de recuar. É o único que durante todo o filme tem uma atitude autêntica que é a
abertura para a percepção do campo de possibilidades, observada pelo olhar
que ele tem do que é realmente belo, pois dedica-se filmar cenas cotidianas
aparentemente sem graça, mas que revelam o sentido verdadeira de beleza
que contrapõe-se ao imagem do belo transmitida pelos demais personagens. O
personagem tem uma visão clara da facticidade, que é a consciência dos
limites que cercam sua ação, isso possibilita uma adaptação das condições
adversas quando seu pai, o ex-coronel Fitts, o espanca e ele recua por saber
que não pode competir com a força física do ex-coronel. No entanto, no
momento que percebe a fragilidade do pai enfrenta-o e sai de casa utilizando a
falsa desculpa de que é homossexual. Nesse sentido, confere-se ao
personagem a característica do Dasein, o próprio homem enquanto lugar da
manifestação do ser. O homem é o campo de possibilidades.
A esse personagem confere-se os conceitos da Autencidade, da
Congruência que é definida como o grau de exatidão entre a experiência da
comunicação e a tomada de consciência, do Cuidado e da Centragem.
Em relação ao ex-coronel e sua esposa são dois personagens que tem
vidas incongruentes e uma tensão que é uma energia desordenada que surge
quando não pode mais lidar com uma exigência de um problema em situação
insuperável e reage com ansiedade ou pânico. Ainda, segundo Goldstein é um
fenômeno de choque do organismo como um todo esse estado põe em perigo
sua existência como sistema, o que resulta numa saída da ordem em face de
uma deficiência de um resultado. Infere-se a partir de tal conceito que o casal
está diante de tamanha tensão com o meio que sua fronteira, área de contanto
com o mundo, fica tão estreita impedindo assim a ampliação da percepção de
outras possibilidades.

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