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BEBER COMO HOMEM:

Dilemas e armadilhas em etnografias sobre gênero e


masculinidades

Pedro Nascimento
Universidade Federal da Paraíba (UFPb), João Pessoa – PB, Brasil. E-mail: pedrofgn@uol.com.br

DOI: http//dx.doi.org/10.17666/319057-70/2016

Introdução, ou aperitivo bebidas alcoólicas e o alcoolismo. Ou seja, evitando a


relação com visões moralizantes e buscando a forma
Este artigo foi construído sobre pesquisas realiza- como os próprios sujeitos se classificam: “o ato social
das em diferentes momentos (cf. Nascimento, 1995, de ingestão da bebida alcoólica não pode ser estudado
1999, 2000) e diálogos com diferentes interlocutores, sem que sejam levados em consideração os sistemas
a partir dos quais as reflexões aqui expostas foram se de crenças no controle do comportamento e da so-
configurando. O eixo dessas reflexões é o fato de serem cialização” (Neves, 2004, p. 9). Ainda nessa direção,
pesquisas interessadas em compreender a dimensão de interessa-me mais a compreensão dos modos como
gênero na forma como se apresenta no cotidiano as pessoas se relacionam com o consumo de bebidas
de homens de classes populares, tendo o espaço dos alcoólicas, a embriaguez e o alcoolismo, e não o por-
bares como um ambiente sempre presente e a marca quê. Mais que uma fuga ao enfrentamento das ques-
do consumo de bebida alcoólica no agenciamento de tões relacionadas ao “uso problemático” da bebida,
relações, lugares e pertencimentos. esta opção reflete o interesse de contribuir para estu-
Minha interpretação se insere no âmbito dos es- dos que considerem as dimensões sociais desse uso e
tudos que, de acordo com a observação de Delma menos o “alcoolismo como patologia médico-social”
Pessanha Neves, caracterizam-se pela forma como a (Neves, 2003, p. 79), sem negar a relevância dos es-
antropologia tem tratado a questão do consumo de tudos que consideram a relação entre ciência, poder
e autoridade na produção de conceitos como depen-
Artigo recebido em 12/11/2013 dência e adição (Berridge, 1994, p. 15). Ainda, por
Aprovado em 26/08/2015 se tratarem de reflexões surgidas no âmbito de pes-
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quisas que relacionavam gênero, sociabilidade mas- Bar, bebida e gênero: buscando conexões
culina e trabalho, o exercício aqui é também de fugir
à equação simples entre pobreza, precariedade e alco- No Brasil, estudos em contextos diferentes têm
olismo (Neves, 2004, p. 11). refletido sobre a bebida como ato social a partir dos
Tais questões, não previstas inicialmente, foram espaços dos bares (Machado da Silva, 1978), e alguns
surgindo e se construindo para mim, inserido no deles têm refletido sobre a relação entre o consumo
processo da pesquisa. Aos poucos, busquei caminhos de bebida alcoólica e a sociabilidade masculina,
para dar sentido aos questionamentos que se coloca- como certo aprendizado de códigos de masculinida-
vam – a partir da centralidade da questão da bebida de (Jardim, 1991; Guedes, 1997; Matos, 2001; Gar-
alcoólica – e pareciam não ter respostas fáceis. Nes- cia, 2004). Para essa relação, vale destacar também
se sentido, a reflexão sobre o ofício de etnógrafo em pesquisas realizadas no México, a exemplo de Mat-
suas várias dimensões é outro elemento central nas thew Gutmann (1996) e Stanley Brandes (2003),
reflexões que trago aqui. As dificuldades em campo apostando na possibilidade de aproximar este debate
para dar sentido às experiências dos sujeitos com do campo de estudos sobre gênero e masculinida-
quem convivi e os dilemas pessoais e éticos nessa tra- des.1 Ao mesmo tempo, Gutmann (1996) adverte
jetória são igualmente importantes para a elaboração para o fato de que dizer que há maior consumo de
do argumento. Deste ponto de vista, a experiência álcool entre os homens é diferente de pressupor um
da etnografia está muito distante da visão do etnó- padrão de como os homens se relacionam com a be-
grafo herói e sem dilemas que sabe muito bem quais bida. Para a flexibilização dessa ideia, o autor usa a
as questões que importam e a forma como “obtê- noção de degendering, significando que, embora os
-las”. Assumo a postura de quem está construindo homens continuem bebendo mais que as mulheres,
sentidos a partir das várias falas no sentido dado por observa-se (para o caso do México) uma mudança
Geertz (1989), que ultrapassa os limites do discurso no sentido de maior participação das mulheres, de
oferecido ao investigador e considera as práticas so- forma que não se pode falar da bebida como algo
ciais, os contextos, os fluxos de comportamento e as “tipicamente masculino” a princípio.
relações travadas, incluindo aquelas entre o pesquisa- Na mesma direção do que foi apontado por
dor e seus interlocutores. Neves (2003), Gutmann e Brandes, para o Méxi-
Concordando com a ideia de que “não existe co, Simoni Guedes (1997, pp. 149-150), para o
método sem calcanhar-de-aquiles”, busco não dei- Brasil, reconhece a relação entre o consumo festivo
xar que as possíveis fragilidades identificadas levem e “naturalizado” de bebida com o alcoolismo, mas
a uma paralisia, mas permitam explorar ao máximo alerta para que o estudo do primeiro não deve estar
as vantagens da escolha pela etnografia (Fonseca, subsumido ao segundo. Nesse sentido, quando estou
2000, p. 11). As dúvidas, imprevistos, mudanças de falando muitas vezes em consumo de bebida alcoó-
percurso passam, assim, a constituir elementos igual- lica e alcoolismo ao mesmo tempo, não pretendo fa-
mente importantes, não apenas enquanto alegoria, zer uma confusão ou uma indiferenciação grosseira
mas “dados” a serem “analisados”. Ao mesmo tempo, de duas realidades. Busco perceber que meus inter-
os diferentes lugares de onde meu olhar se constrói locutores, em momentos diferenciados, tratam essas
fazem-me considerar os diferentes vieses que, na duas realidades como coisas distintas, reconhecendo
trajetória de pesquisa, se insinuam e demandam se- os malefícios do “beber em excesso”, sem negar os
rem considerados e os dilemas daí advindos. Dessa aspectos de positividade do “beber junto”. Trata-se,
forma, este trabalho se insere em um conjunto de por outro lado, de perceber que o beber qualificado
reflexões desenvolvido nas últimas décadas na antro- como excessivo “não pode ser compreendido apenas
pologia, onde, ao problematizar o desenvolvimento pela perspectiva da doença e do desvio. E, mesmo
da etnografia, são destacadas as relações entre pesqui- sob esta perspectiva, não pode ser compreendido tão
sador e interlocutores e suas implicações no processo somente pelo ato individual” (Neves, 2003, p. 83).
de escrita etnográfica (Clifford, 1998; Geertz, 2002; Visa-se, com essa percepção, a substituição de uma
Favret-Saada, 2005; Bonetti e Fleischer, 2007). perspectiva baseada na premissa de que o alcoolismo
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reflete “problemas de psicologias individuais”, o qual origem” do alcoolismo, por si, não serve como expli-
se constituiria num problema para a sociedade, por cação para as situações por mim encontradas.
uma perspectiva que vê o alcoolismo como criado Outro modo de explicação não menos difun-
socialmente e definido como um problema da socie- dido, e igualmente insuficiente, é o de que sujeitos
dade (Gutmann, 1996, p. 174). irresponsáveis acabam perdendo repetidos empregos
Assim, dialogarei com interpretações nativas em decorrência de embriaguez, falta ao trabalho
que transitam desde uma consideração corriqueira etc. Reconheço que ambas as explicações podem ser
e festiva da vida cotidiana regada a cachaça ou cer- encontradas entre os homens que estudei. Mas que-
veja, a ponderações, juízos e “diagnósticos” a res- ro chamar a atenção para o fato de que a presença
peito de pessoas que têm um problema de saúde a do álcool na vida dos homens como algo corriquei-
ser resolvido. São percebidos limites tênues entre ro e legítimo faz com que essa relação necessite ser
doença e “pouca vergonha” ou “vadiagem”, e uma analisada de modo mais cuidadoso, permitindo a
oscilação nas imagens manipuladas não só pelos percepção de que pode haver mais que dois cami-
que bebem e são assim enquadrados. nhos para interpretá-la.
Embora concordando com Gutmann acerca do
perigo de equacionar de forma naturalizada masculi-
nidades e álcool, é nesse sentido específico que afirmo Da etnografia nos bares: a festa e o sofrimento
que, nos contextos por mim investigados, beber não
apenas é algo presente como esperado, particular- Conforme indiquei na introdução a este artigo,
mente, nas trajetórias masculinas. Muitas vezes, beber as questões aqui trabalhadas surgiram em diferentes
masculiniza. Assim como dizer para os amigos que momentos de pesquisas distintas. Vou contar agora
teve muitas relações sexuais é uma forma de se apre- uma pequena história de como o cruzamento da
sentar como “mais homem”, beber e, em alguns casos, questão dos bares enquanto “palcos de masculini-
beber muito, pode ser também uma forma de parecer dade” com o tema do “consumo excessivo” de ál-
do mesmo modo. Não será casualidade que entre os cool ou do alcoolismo foi se constituindo em uma
sujeitos investigados, apenas uma mulher foi identi- questão para mim, com o objetivo de indicar mi-
ficada bebendo com regularidade em público, junto nhas dificuldades para enfrentar certos dilemas em
aos homens e embriagando-se. Não apenas no sentido campo. Nem sempre estiveram muito claras essas
da valorização do ato de beber, mas a legitimidade de questões e algumas vezes necessitei de tempo e da
beber em público e embriagar-se é um atributo mas- interlocução com pessoas distanciadas desse proces-
culino para as pessoas com quem convivi.2 so para entender o que se me apresentava como no-
Tais observações querem alertar para que, no vidade. Espero com isso exemplificar como o pro-
caso da reflexão sobre a bebida em sua relação com os cesso de construção de nossas questões de pesquisa
discursos sobre o trabalho, não é possível defini-la de e nossas escolhas e decisões em campo são muito
modo determinante e com vias predefinidas de forma mais complexas e, algumas vezes, mais complicadas
unicausal. Ou seja, não considerei casos de homens do que supomos em um primeiro momento.
que deixaram de trabalhar por causa da bebida sim- A questão da importância da sociabilidade dos
plesmente, tampouco propus tratar de situações onde, bares para pensar a identidade masculina me foi co-
por causa da falta de trabalho, os homens começaram locada de modo mais claro quando realizei uma etno-
a beber. Trata-se de um fenômeno mais complexo do grafia de um bar na feira central da cidade de Campi-
que fazem supor algumas narrativas bastante difundi- na Grande, Paraíba. O meu lugar é o de alguém que
das e com personagens definidos mais ou menos como iniciou seu exercício de etnógrafo a partir desses espa-
segue: certo dia um homem que perdeu o emprego ou ços. Este bar se caracterizava principalmente por ser
a mulher ou algo muito significativo em sua vida (o frequentado, em sua maioria, por homens das classes
teor psicanalítico do silogismo não retira sua popula- populares que estavam de alguma forma relacionados
ridade) passou a beber de modo desregrado, acabando ao trabalho na feira livre. Ao longo da investigação, o
por perder o controle sobre sua ação. Esse “mito de bar foi se configurando enquanto um espaço profícuo
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para a reflexão sobre a sociabilidade masculina e a ne- bar chamando palavrões. Marcelo, o dono do
gociação de suas identidades. Este funcionava como bar vizinho, reclama mandando-o parar. Todos
um grande fórum de discussão e cenário para o relato os que estavam na calçada, aproveitam o ensejo,
de experiências. Entre os muitos assuntos partilhados, entendo eu que, menos para apoiar o dono do
o sexo era a temática recorrente. Embora ausente fisi- bar que para provocar Renato, o bêbado: “É isso
camente, a mulher era o pano de fundo das conversas mesmo. Olha o palavrão! A mulher de Marcelo
que giravam em torno de três assuntos: a infidelidade tá aí”. E das reclamações passa-se a uma gran-
feminina, enunciada no medo de ser “corno”; a po- de algazarra marcada por gritos e xingamentos
tência sexual, torneios sexuais verbais acerca do maior dirigidos a Renato que ameaça jogar-lhes pe-
número possível de relações sexuais; e a homossexuali- dras. A esta ameaça, os que estavam provocando
dade (Nascimento, 1995). mais diretamente, correm para se livrarem das
Alguns anos depois, no mestrado em antropolo- possíveis pedradas. Ao mesmo tempo, quando
gia na Universidade Federal de Pernambuco, realizei Renato se senta em frente a uma casa vizinha,
uma segunda pesquisa em Camaragibe, na Região começam a chamá-lo por “Traguinho” e “Cor-
Metropolitana do Recife, Pernambuco, buscando no”. Sempre com alguém se escondendo por
entender a diversidade de experiências masculinas para detrás de alguém, em voz alta, provocavam:
aquele grupo (Nascimento, 1999). Neste contexto “Vamos tomar um traguinho!”. [Eu não teria
onde muitas das características percebidas coincidiam entendido a razão porque Renato, a cada vez
com as identificadas no contexto anterior, os bares se que ouvia a palavra traguinho, mais se enfure-
apresentavam como espaços de sociabilidade mascu- cia, se não tivesse sabido pouco dias antes seu
lina, onde determinados repertórios eram quotidia- pequeno segredo: Traguinho era o apelido do
namente atualizados (Almeida, 1995; Nascimento, homem com quem sua esposa tinha vivido por
1995, 1999), conformando-se em cenários onde se alguns anos. “O mais grave”, haviam-me dito,
aprendia a “ser entre homens”, numa escolha pela au- foi que, após ela separar de Traguinho, Renato
tossegregação, a qual aponta para a “importância da a havia “aceitado de volta”]. Nisso, Renato es-
troca de experiências entre homens na elaboração de bravejando de modo incompreensível, dirige-se
uma cultura masculina” (Jardim, 1991, pp. 127-129). apressadamente pelo beco sem calçamento em
Por sua característica de informalidade, percebi aque- direção a sua casa. “Ele ainda vai voltar. Deve
le bar como permitindo a problematização de alguns ter ido buscar a faca em casa”, comentam os que
elementos, ao favorecer aos homens a emersão dos ainda estavam na calçada comigo. Advertem uns
sentimentos e a visualização de suas fragilidades, em aos outros que ele deverá voltar por um lugar
grande medida, viabilizadas pelo consumo de álcool. diferente do que foi. Esperam uma “embosca-
Do mesmo modo, o fato de colocar homens distintos, da”. Ao mesmo tempo, dizem que ele não tem
sob vários pontos de vista, segregados das mulheres coragem de ferir ninguém e que seria fácil de-
em um mesmo espaço, fazia com que se visualizassem sarmá-lo apenas “botando bocão”. Em meio a
as assimetrias internas à masculinidade, apresentando essa conversa, chega um senhor querendo saber
o bar não apenas em sua dimensão lúdica e festiva, o que tinha acontecido a Renato, pois o havia
mas também de enfrentamentos e tensões. Ao mesmo encontrado muito nervoso, perguntando se te-
tempo que se dá apoio, ouvido e força, no bar há tam- ria um revólver para lhe emprestar, pois queria
bém provocação, humilhação e acusação, como apon- “dar um tiro num cabra safado”. Pouco depois,
tam minhas notas de campo de 1999 em Camaragibe: Renato chega com uma faca de cozinha sem
bainha acomodada por baixo do calção. Procu-
Estávamos eu, Jota, Beto, Brito, Antônio3 e ou- rava Beto, um dos que estavam lá e havia sido o
tros que ainda não conhecia, sentados na cal- que mais o chamara de “Traguinho”, mas este
çada, em frente ao bar do Bosco, o preferido já havia ido embora. Entre outras bravatas, ar-
da grande maioria deles. Renato (cerca de 43 remata, empunhando a faca: “Ele pensa que só
anos), já um tanto trôpego, passa em frente ao ele é homem, mas eu vou mostrar que também
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sou homem”. A plateia o assiste, rindo. Uns, o qual o homem tem autoridade, sobretudo no lar;
dissimuladamente, outros, abertamente. Suas é autônomo e livre diante de outros homens; tem
bravatas que se perdem na rua, agora já escu- força e coragem e não expressa suas emoções, tam-
ra, soaram-me como as de um homem ferido. pouco chora; é heterossexual e é o provedor do lar.
Bêbado e humilhado pela brincadeira dos ami- Esta última característica sendo apresentada como
gos com os quais estará bebendo na sequên- central (Zaluar, 1985; Scott, 1990; Sarti, 1996),
cia: “Vai tomar a tua, Renato. Tá lá no balcão!”, daí sua escolha para ser problematizada na nova
diz Antônio, um de seus companheiros de copo investigação.6 É particularmente neste momento
que participara da cena. Ele se dirige ao bar, já que os dilemas postos pelo exercício da etnografia,
bem mais calmo. conforme anunciado anteriormente, começam a se
fazer presentes de forma mais direta.
Não é apenas em relação ao outro ausente – a
mulher – que o homem se diferencia e identifica, Do bar para a casa; da casa para o bar: um
mas entre os próprios homens há códigos que defi- insistente retorno
nem o que é ser mais ou menos homem (Almeida,
1995, p. 163). Penso o bar enquanto palco, na me- A opção de trabalhar com os homens adapta-
dida em que os homens encontram aí um espaço dos à condição de “não provedores” e “não traba-
para certa performance da masculinidade (Jardim, lhadores” levou-me a princípio a uma busca pelos
1991), o qual se constitui num processo social frá- espaços em que estes pudessem ser localizados para
gil, autovigiado e disputado (Almeida, 1995; Leal além dos bares. Essa opção gerou algumas dificul-
e Boff, 1996), interpretação para a qual a noção dades na condução da investigação a princípio.
de performatividade do gênero é central (Butler, Como muitos dos contatos que mantivera inicial-
2003). No bar se delimitam que conversas, pos- mente se deram a partir do espaço dos bares, quan-
turas e atitudes podem informar sobre o que é ser do retornei para a realização da nova pesquisa, vol-
homem, bem como manter-se assim.4 tei a me relacionar com um número significativo de
No momento em que finalizava a pesquisa para sujeitos com os quais estava habituado a conversar
o mestrado, iniciei outro estudo onde havia definido nos bares ou nas calçadas e rodas de jogos.
como população a ser investigada homens desem- As novas questões postas para a pesquisa impli-
pregados.5 Não me interessavam os casos de homens cavam necessariamente em que eu, sem perder os
que, desempregados, estavam à procura de trabalho, contatos estabelecidos e as relações travadas, fosse
tendo sua história laboral caracterizada por períodos capaz de ampliar o raio de convivência em que esta-
regulares de desemprego. Meu objetivo agora era va inserido. No sentido mais imediato, criar novos
caracterizar a condição de homens que apresenta- espaços, para mim, implicava poder ter acesso mais
ram essa trajetória, mas, no momento da pesquisa, sistemático às casas desses mesmos sujeitos. Daí
identificavam-se e eram identificados como estando dois problemas se apresentaram.
em uma situação em que não mais buscavam supe- Em um primeiro momento, eram esses mes-
rar esses períodos de desemprego, como era o caso mos sujeitos que se recusavam ou ao menos não
de muitos com os quais eu havia convivido. Estes tinham demonstrado disposição suficiente para
estavam em uma situação em que se identificavam partilhar comigo do universo de suas casas. Embora
e eram identificados como sendo homens que não eu já tivesse ido à residência de alguns deles, isso
trabalhavam e eram sustentados por outra pessoa. não implicava convivência e circulação tranquilas,
Estava presente aí também o pressuposto que mas apenas no fato de que eles me haviam apresen-
orientara minha investigação anterior (Nascimen- tado suas casas e alguns membros de suas famílias.
to, 1999), e que era partilhado por outros pesqui- Alguns até sempre diziam quererem me levar até
sadores em diferentes contextos (Almeida, 1995; suas casas, mas relutavam quando a questão era re-
Connell, 1997, Valdés e Olavarría, 1998), da exis- colocada por mim. Enfim, conhecer suas moradias
tência de certo modelo de masculinidade, segundo e ter ido até lá, não significava o mesmo que poder
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conviver com eles neste espaço – da casa – com a como vício da experiência anterior de campo. Ficava
mesma facilidade com que o fazia nos espaços de incomodado por me perceber nos espaços informais,
homossociabilidade masculina. A este ponto está pretensamente tão conhecidos por mim, quando
ligado o segundo problema a que me referia. desejava estar participando mais da vida doméstica
Em grande medida, essa dificuldade se deu ou, ao menos, dos espaços que excediam aos bares.
pelo fato de que as pessoas que moravam na mes- Contudo, esse retorno apresentava alguns elementos
ma casa que esses sujeitos me viam, em geral, como novos. Na primeira experiência, havia me detido, so-
um de seus parceiros de bebida, o que fazia com bretudo, na dimensão lúdica do bar e sua possibili-
que eu fosse recebido, às vezes com desatenção e dade de oferecer um espaço onde se pode dramatizar
outras vezes com desconfiança. Desatenção parece- com cores diversas os aspectos negativos do cotidia-
-me porque, assim como são pouco levados a sério no daqueles homens. Agora estava sendo possível
esses homens, também seriam seus amigos. Des- acompanhar mais de perto o lado menos festivo da
confiança no sentido de que, apesar da associação, vida daqueles que bebiam diariamente.
eu era visto como rico ou, quem sabe, um bobo Passou a me chamar a atenção o quadro de ho-
que, algumas vezes, pagava bebida para os outros. mens embriagados nas primeiras horas do dia. En-
E ainda é possível pensar que desconfiassem que eu contrava com regularidade, por volta de oito horas
tivesse “outros” interesses por seus homens, como da manhã, homens já caídos nas calçadas e nas ruas.
me relatou Valdonilson Barbosa, então meu assis- Alguns deles já haviam começado a beber desde a
tente de pesquisa, quando foi entrevistar Célia, madrugada, pois levavam bebida para casa para que
esposa de Nino. Valdonilson explicou-lhe que ele a tomassem ao acordar. Outros me pediam dinhei-
participava da mesma pesquisa que eu, razão pela ro para comprar mais bebida. Antes, eu pagava be-
qual eu havia ido à casa dela antes procurando por bida para eles nos bares sem maiores dilemas, pois
seu marido, ao que a mulher comentou: “Eu acha- me via inserido num circuito de reciprocidades e
va que ele tava afim de Nino... veio aqui não sei numa etiqueta do bar onde este era um dos requi-
quantas vezes procurá-lo...”. sitos. Agora, em situações como esta, passei a me
A minha compreensão era de que já havia con- recusar a pagar bebida, dando diferentes desculpas.
seguido compor com as experiências anteriores de Em outras situações ainda, alguns homens começa-
pesquisa nessa área um mapeamento suficiente- vam a narrar sua trajetória, lamentando sua condi-
mente rico do que poderia chamar de o discurso pú- ção e buscando justificativas para a mesma.
blico da masculinidade. Dessa forma, passei a buscar Não estou dizendo que havia até então enten-
construir um panorama mais próximo da vida ínti- dido a festividade nos bares como sendo a única di-
ma desses sujeitos, intimidade aqui pensada apenas mensão relevante dessa vivência. Até tinha acom-
como proximidade da vida doméstica. No entanto, panhado também as desventuras de alguns da-
mesmo quando percebi que esses dois problemas queles homens, mas, neste momento, a realidade
de ordem mais prática seriam contornados, as difi- de sofrimento se apresentava de forma mais crua e
culdades postas pela escolha feita nessa investigação seus efeitos sobre mim foram mais intensos. Des-
não pareceram se esclarecer com facilidade. se modo, pensava mesmo que não conseguiria dar
Por várias vezes, mesmo insistindo na frequên- continuidade à pesquisa se não fosse possível criar
cia às casas e na fuga dos bares, via-me sempre con- outros espaços de investigação.
duzido até estes ou às suas imediações. Seja porque, Em uma primeira análise, elaborei de modo
quando procurava os homens em suas casas, al- problemático (o que só percebi depois), uma inter-
guém dizia para procurá-los nos bares, seja porque pretação que orientou meu olhar em campo e pode
esses mesmos homens me chamavam para ir até lá, ter adiado a percepção de outras nuanças. Entendia
mesmo quando não estavam bebendo. Isto porque esse quadro como demonstrando que aqueles ho-
era nos bares que encontrariam seus companheiros. mens, estando impossibilitados de cumprirem com
Não compreendia com muita clareza, a princí- a prerrogativa do trabalho e do provimento do lar,
pio, esse insistente retorno, percebendo-o às vezes não conseguiam redefinir o ambiente doméstico,
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eminentemente feminino, nem criar novos sentidos tinham dinheiro e, aparentemente nenhuma auto-
para as suas vidas. Sendo assim, o universo da be- ridade. Em outros momentos, essa designação aca-
bida apresentava-se como a única possibilidade – bou virando quase uma acusação ou uma forma de
uma espécie de alternativa masculina diante da ex- sugerir que aqueles não eram “representativos”
clusão do espaço doméstico.7 do “homem real”, o homem com dinheiro e poder
Esta hipótese trazia uma dimensão por demais que domina as mulheres. O meu recorte metodo-
paralisante. Sendo assim, tal visão precisou dar lu- lógico teria colocado em relevo um tipo marginal
gar a uma busca dos possíveis sentidos da condição de masculinidade associado ao próprio modelo de
daqueles homens para que, inclusive, permitisse análise com que eu estava operando.
não constituir uma tendência à sua vitimização. Sa- Mesmo que vários autores tenham insistido que
bia que não podia vê-los apenas como coitadinhos, a “masculinidade hegemônica” é um “modelo ideal”
mas, ao mesmo tempo, o tipo de relação mantido que não é nunca atingido completamente na prática
naquele momento não me deixava margens a inter- por homens concretos9 (Almeida, 1995), muitas ve-
pretações alternativas. zes essa noção pode ser manuseada como se referindo
a categorias estanques. Isso pode trazer duas conse-
quências diretas. A primeira é que perdemos de vista
Manipulando identidades, superando que é no fluxo da ação que essas relações se definem.
armadilhas A segunda dificuldade, conforme mencionei, tem a
ver com as manipulações possíveis a essas interpreta-
Algumas dessas inquietações começaram a ga- ções, prestando-se facilmente a certo tipo de deslegi-
nhar sentido quando pude perceber que os caminhos timação: “ah, são os papudinhos...”. Considero que foi
que a pesquisa tomava não se deviam necessariamente possível contornar esse dilema na medida em que
a uma dificuldade pessoal de constituir outras vias de outros elementos das trajetórias desses homens pu-
investigação. Devia-se ao fato de que aquela popula- deram ser trazidos à tona, de modo que o consumo
ção que havia recortado – homens desempregados, de álcool, mesmo sendo uma dimensão central, foi
assumidos como não trabalhadores e assim percebidos considerado junto a outras, como, por exemplo: a) as
pelos demais – apresentava como característica mar- diferentes relações mantidas; b) os discursos sobre a
cante o consumo do álcool. A despeito de toda a di- bebida e sobre a falta de trabalho; c) a alternância de
versidade desses homens, era central para grande parte momentos de bebida com momentos de abstinência;
deles essa referência e eram chamados pelos morado- d) a manipulação da identidade de doentes. Elemen-
res do bairro de “papudinhos”, um equivalente local tos esses que permitiram não ver esses homens e as
para cachaceiro, bebum, pé de cana, pinguço em outras relações em que estavam inseridos como marcados
regiões do Brasil. O fato de comungarem desempre- apenas pela compaixão das pessoas que deles cuida-
go com bebida pareceria, em algum momento, como vam (Nascimento, 2000).
sendo uma dificuldade que instalaria um dilema para O momento seguinte a essa opção foi a busca
a análise da condição desses homens. Este recorte in- por perceber como esses homens legitimavam sua
viabilizaria a investigação? Refiro-me ao fato de que ao condição de serem percebidos como duplamente
ser o alcoolismo reivindicado uma dependência quí- “dependentes”: do álcool e de alguém que lhes sus-
mica, esses homens deveriam ser vistos como doentes – tentasse financeiramente. Agora se fazia necessário
o que poderia dar rumos diferentes à pesquisa.8 localizar os elementos que permitissem perceber,
Embora nem todos os homens que investiguei por trás daquela primeira nuvem de consternação,
cumprissem esse perfil, tornou-se corriqueiro em que aqueles homens não eram apenas pobres coita-
um conjunto mais íntimo de colegas, referir-se a dos, mas de algum modo procuravam gerir os pro-
minha pesquisa como sendo “sobre”/“com” os pa- cessos de construção de suas identidades, que po-
pudinhos. Neste caso, quase como um sinônimo de diam ora sim, ora não, acionar a imagem de vítima.
homens pobres, desempregados, “sem poder” diante Para levar a cabo essa proposta analítica foi
de outros homens e das mulheres, uma vez que não necessário, inicialmente, relativizar o discurso do
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homem provedor10 como a principal atribuição percebidos. Vejamos algumas dessas situações.
masculina, a qual figurava como a primeira afirma- Daniel tinha 40 anos e era funcionário de um
ção que faziam os homens quando procurei saber o hospital público no Recife, cuja função era acom-
que caracterizaria o padrão de masculinidade nes- panhar pacientes em transporte na ambulância. A
sa comunidade (Nascimento, 1999). Apesar de os esposa de Daniel me disse em uma oportunidade:
próprios homens ressaltarem a importância de ser “esses dias mesmo eu tive que chamar a atenção
trabalhador, uma vez configurada a condição do dele, porque ele estava bebendo direto e queria fal-
desemprego e sua abrangência naquela população, tar ao trabalho”. Certa vez, Daniel estava em um
alguns homens que estavam sendo ou que já ha- dos bares do bairro tomando cerveja com um ami-
viam sido “sustentados” por outra pessoa podem go que também era funcionário público. Ambos
dar sentidos diversos a essa experiência, mesmo bebiam bastante nos dias de folga, fins de semana e
que ela continuasse sendo reivindicada como fun- na volta do trabalho à noite. Nesse episódio, os dois
damental na definição das identidades masculinas. conversavam sobre as dificuldades de encontrarem
Nesse caso, o contexto da análise, como já dito, um lugar onde pudessem beber sem serem moles-
precisou incorporar a percepção do lugar da bebida tados pelos papudinhos que sempre chegavam onde
na vida desses homens e o conjunto de relações que eles estavam e pediam bebida. Comentavam com
constituirão as redes nas quais eles, ao estarem inse- desdém, buscando diferenciar-se, que não sabiam o
ridos, poderão através do discurso da enfermidade que havia entre os papudinhos que viviam brigando,
e/ou da falta de trabalho ou ainda pelo discurso da mas que “quando um tem um real pra comprar de
esperteza, de acordo com o interlocutor, forjar os cana já se chegam de novo”.
meios de constituição do lugar que ocupam no seu Em outra ocasião, vi esse mesmo companheiro
círculo de relações e a imagem que manipulam. de Daniel no mesmo bar, comentando, com a voz
Apenas depois de assim caracterizar essa popu- embargada pelo álcool: “A coisa pior do mundo é
lação, é que eu poderia perceber como seriam (e se esses homens que bebem até ficar caídos pelas ruas.
seriam) respondidas as perguntas que tinham sido Por isso, pode ser que eu chegue em casa e só dê
postas inicialmente. Sem me dar conta, eu tinha tempo cair na cama, mas eu não vou ficar caindo
me embrenhado em uma arena que agrupava dois pelas ruas não”. Um outro ainda levantava a voz
universos de discurso – alcoolismo e desemprego – para os que estavam próximos ouvissem: “Homem
que se, isoladamente, já eram difíceis de ser trata- que é homem tem que trabalhar. Porque um ho-
dos, em conjunto tomavam, às vezes, a forma de mem sem trabalho não é homem”.
uma armadilha, cuja associação é considerada mui- É possível dizer que é nessa tensão entre ser e não
tas vezes como óbvia. ser papudinho que esses homens se constituem en-
quanto homens e não homens. Antes de acompanhar-
mos o caminho dessa construção, vejamos ainda mais
Ser e não ser: a bebida para além de alguns exemplos de como é muito mais difundida do
papudinhos que aparentemente se coloca a relação entre trabalho,
não trabalho e bebida na vida dos homens – todos eles
Esta compreensão significa que a questão a ser e não só os já identificados de forma negativa.
considerada aqui é menos por que os homens bebem Conversando certa vez com Nilda, 35 anos,
e mais perceber em que situações a bebida passará irmã de Paulo e Joca (dois irmãos vistos como pa-
a se configurar de modo negativo, e as diversas for- pudinhos na comunidade) e esposa de Chico, um
mas de lidar com seus efeitos, manipulando-os de renomado pedreiro do bairro, ela falou que seu ma-
modo distinto. Em termos nativos, a pergunta passa rido deveria trabalhar naquela segunda feira, mas
a ser: o que transforma um homem que bebe em um por ter ido dormir muito tarde, não quis fazê-lo.
papudinho? E, para isso, notar como a relação com Não diria que a percebi desapontada por isso ou,
os demais membros da comunidade, bem como a pelo menos demonstrando um grande estranha-
forma como outros homens também bebedores são mento. Acredito que isso pode ser uma indicação
BEBER COMO HOMEM 65

de certo compartilhamento da visão apresentada do bar que ele frequentava mais regularmente. O
por ele quando me disse, em outra ocasião, que comentário se deu em certo momento em que me
agora não iria pegar mais trabalho “que exija muita disseram que Bento esteve doente por causa da be-
responsabilidade”, já que a esposa estava aposenta- bida. Contudo, ele continuava trabalhando mesmo
da. É como se esta fosse uma possibilidade já consi- não tendo qualquer qualificação profissional que o
derada: ele ir ou não trabalhar. diferenciasse dos demais. Há sete anos trabalhava
Certa noite acompanhei Chico e Joca em uma fazendo bicos no mercado público de Camaragibe,
incursão pela zona de prostituição do bairro, quan- entregando em casa feiras das pessoas que iam lá
do ouvi o primeiro dizer que sua esposa “não tinha fazer compras. Tinha vários filhos todos pequenos e
porque se preocupar” porque ele já tinha deixado sua esposa não trabalhava fora de casa.
o dinheiro da feira. Durante um período em que Daniel, Bento, Joca e Chico, dependendo de
Chico não estava bebendo, perguntei à sua mulher onde se observe, podem parecer muito aproximados
se não gostava que ele bebesse e o seu argumento ou muito diferenciados. Todos eles apresentaram
foi referente exclusivamente à questão das impli- momentos distintos em que, “por beberem demais”,
cações da bebida para o uso do dinheiro e não a suscitaram preocupações e acusações daqueles com
bebida em si ou potenciais malefícios a sua saúde. quem conviviam. Por outro lado, os contextos e as
redes de apoio em que estavam inseridos davam-lhes
Eu não gosto quando ele bebe porque ele gasta di- condições distintas de agenciamento e manipulação
nheiro demais. Ele não abusa comigo nem nada, de suas identidades. Caso eu tivesse tido acesso às
mas o dinheiro não dá pra nada. Se ele bebe só no suas histórias em um momento ou outro apenas, tal-
fim de semana não tem problema, mas tinha vez vez pudesse ter congelado suas experiências em um
que ele começava a beber na quarta-feira e seguia único ponto. O acompanhamento de suas trajetórias
bebendo todo dia, aí o dinheiro voava. revelava particularidades que me impediam de fixar
limites na forma como se identificariam e seriam ca-
Joca, certa vez, falou longamente sobre seu racterizados pelos seus pares.
cunhado e a relação dele com sua irmã e o trabalho: Alguns homens que bebiam muito por deter-
minado período, depois passavam “um tempo sem
Teve um tempo mesmo, quando a gente tava beber”. Não era fácil configurar o que determinava
morando em Paudalho com ele, com mamãe11, uma “decisão” por esse tempo, sua duração e o que
de ele passar quase um ano parado. E a vida da mudava de forma mais direta em suas vidas. Era um
gente era só pescar. Quando a gente chegava, desafio passar a perceber o novo ritmo de vida de um
tinha comida feita, tudinho. [Por que ele pas- abstêmio após meses de acompanhamento de sua be-
sou esse tempo parado?, eu perguntei.] Porque bida diária da mesma forma que não era simples re-
não aparecia serviço pra ele fazer e uma que ele encontrar esse mesmo abstêmio embriagado em outro
já tava se acostumando porque, graças a Deus, momento. Nesse percurso, procurar por identidades
mamãe já tava recebendo o dinheiro dela, aí fixas no dia a dia do trabalho de campo poderia ser
mamãe fazia compra, tudinho. Faltava nada. uma tarefa sem muito êxito. Para além dessas dificul-
Ou muito ou pouco a gente tinha dentro de dades, era possível perceber que, nesse período sem
casa, peixe, qualquer coisa, num faltava não. E beber, mesmo frequentando os bares, começava-se a
assim a gente ia vivendo... Aí ele não se preocu- criar outro tipo de contato com o lar, onde a constan-
pava não de procurar emprego. te embriaguez se suspendia e talvez fosse possível apa-
recer de modo diferente frente os demais.12 Contudo,
Ao compararmos essa narrativa, de um feliz e quer estivessem em fase de bebida ou de abstinência,
abundante passado, com o seguinte caso, será pos- os efeitos do consumo de álcool sobre a saúde e sobre
sível perceber algumas questões. Bento, 38 anos, a manutenção dos laços sociais eram percebidos com
também bebia quase que diariamente, e há alguns clareza pelos homens. Não só as dificuldades presentes
anos bebia só nos fins de semana, segundo o dono no cotidiano, mas a noção de que problemas surgidos
66 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 90

no passado estariam ligados à bebida e seus desdobra- razão da bebida, como a continuação da mesma po-
mentos no presente. deria levar ao abandono dele pela esposa. Em certo
Conversando com Renato, em um desses pe- momento, em sua casa, perguntei se ele achava que
ríodos em que ele não estava bebendo, ele falava havia muita diferença na forma da convivência com
sobre quando sofreu um acidente com o carro e as a esposa quando ele bebia e nos períodos em que
mudanças que ocorreram em sua vida: não arran- não estava bebendo, e ele me disse: “Quando eu tô
jou mais emprego e passou dois anos sem trabalhar, bebendo ela não fala comigo não... Quer nem con-
bebendo. Disse que, nesse período, perdeu todos versa. Eu entro, saio, aí eu vou dormir. Mas agora
os documentos e ficou revoltado porque ninguém não, agora eu parei de beber, já faz quatro meses.
os devolveu. A partir daí não renovou mais a car- Ela tá boa demais!”.
teira de habilitação, que já estava vencida há vários A bebida muitas vezes redundava em períodos
anos. Justificava esta atitude dizendo que “não tem de abstinência não apenas como uma forma de re-
serviço” e, além de tudo, “os caras não confiam”. cobrar a possibilidade de continuar desfrutando do
Eu questionei, querendo demonstrar solidariedade, apoio e cuidado das mulheres com quem conviviam,
que o fato de ele ter sofrido um acidente não tinha mas também porque, diziam eles, eram “obrigados”
a ver com não poder mais voltar a dirigir, mas ele a parar de beber por razões de saúde. No entanto,
retrucou dizendo saber-se culpado, pois, quando quando a suspensão da bebida ocorria por esse mo-
ocorreu o acidente, ele estava “cheio de cachaça”. tivo, a mesma se dava em virtude de hospitalização
A partir desse comentário, Renato começou a ou de casos mais graves de doenças decorrentes do
falar sobre “a cachaça” e o que pode causar a uma consumo, como foi o caso do mesmo Brito que
pessoa, retomando o que já me havia dito em tom passou um longo período doente na casa da irmã,
sério de outra vez, que “a cachaça acaba com o cara”. pois estava fazendo hemodiálise duas vezes por se-
Falava sobre amigos que já haviam morrido por cau- mana no Recife.
sa da bebida, ao mesmo tempo que citava seus pró- Em todo esse período em que estive em cam-
prios exemplos: po, apenas uma vez ouvi um dos homens falando
que uma amiga sua o tinha sugerido ir a uma reu-
Quando eu tava bêbado, vindo do bar pra nião dos Alcoólicos Anônimos. Esses períodos sem
casa não via nada e esbarrava nas cercas, caía beber apareciam em suas vidas como parte de um
por cima dos arames, me arranhava todinho... esforço pessoal, muitas vezes sob pressão de ami-
Quando era no outro dia que me acordava gos e familiares. Se isto está vinculado a outra for-
tava todo cortado, mas pensa que eu parava? ma de constituição e entendimento do que são os
Começava tudo de novo... Já pensou? O cara problemas que demandam atenção e está inserido
se matar pelas próprias mãos. E o pior é que num conjunto maior de privações, não foi este o
ainda às vezes nem morre depressa: fica doente foco deste trabalho. No entanto, não deverá passar
sofrendo e aguentando piada dos outros. Tanto despercebida a grande semelhança entre as repre-
dos amigos quanto da família: “eu não mandei sentações formuladas por meus interlocutores com
você beber?! Vá beber com seus amigos!”. aquelas presentes em estudos realizados em institui-
ções como os Alcoólicos Anônimos, particularmen-
Dino, 39 anos (irmão de Renato), não bebia te a noção de que a bebida pode levar à perda de
logo que o conheci. Quando retornei para a segun- controle e, assim, à impossibilidade de assumir res-
da fase de residência no bairro, cerca de um ano ponsabilidades sobretudo em relação à família e ao
depois, ele era tido como um dos maiores bebedo- trabalho (Campos, 2004; Garcia, 2004). Por estar
res e apontado por muitos como alguém que não interessado muito mais no que as pessoas diziam
viveria muito tempo se não parasse de beber, o que sobre o consumo de álcool e como se relacionavam
aconteceu um ano depois de encerrada a pesquisa. com o mesmo – não estabelecendo de forma radical
Da mesma forma, Brito, 40 anos, não somente re- seu uso enquanto positividade e problema –, cer-
conhecia que estava doente à época da pesquisa em tamente muitas questões escaparam ao meu olhar.
BEBER COMO HOMEM 67

Manteve-se a perspectiva de ver ambos os lados de da população que não vivencia a experiência do
como estando igualmente relacionados aos signifi- trabalho-emprego em sentido clássico.
cados que aquelas pessoas davam para suas vidas e Com isso, não nego nem a magnitude do al-
estes sendo construídos no seu dia a dia a partir das coolismo como problema de saúde, nem a força da
experiências com que se defrontavam. Isto impede persistente e largamente partilhada expectativa
qualquer tentativa generalizante de dizer como as de que o homem deve trabalhar e ser o provedor do
pessoas se relacionariam com a questão, principal- lar. Chamo a atenção para o fato de que, enquan-
mente se estas análises se focarem em uma busca to estivermos olhando para fenômenos diferentes,
pelas razões ou determinações individuais para uma marcados em suas especificidades, usando os mes-
patologia e não nos caminhos pelos quais essas pos- mos instrumentos e os mesmos nomes para classifi-
sibilidades se constituem socialmente, redundando cá-los, estaremos, talvez, distantes de vermos novas
ou não em doença. possibilidades de enfrentar velhos problemas.

Comentários finais, ou saideira Notas

Além dessa insistência em pensar sobre a be- 1 Os estudos sobre masculinidades no Brasil, com o qual
bida e sua relação com o gênero a partir de uma este trabalho dialoga, tem se ampliado significativa-
perspectiva que levasse em conta os sentidos dados mente, particularmente ao se cruzar com diversos cam-
pos como saúde, violência e sexualidade. Ver, por exem-
pelas pessoas a essas experiências, procurei refletir
plo, Costa (2001), Machado (2003), Schraiber, Gomes
neste artigo, como esse exercício não esteve des-
e Couto (2005), Medrado e Lyra (2008), Toneli, Souza
vencilhado do próprio exercício da etnografia. As e Muller (2010), Gomes (2011) e Meinerz (2013).
muitas questões e objetivos que tinha em mente
2 É possível identificar no uso de álcool por mulheres
quando fui a campo em cada uma das etapas discu- a relação com questões de gênero, família e trabalho,
tidas aqui foram, o tempo todo, postas sob suspei- como apontado por Campos e Reis (2010), embora
ta. Refiro-me não apenas ao sentido de que existe focando um contexto diferente do abordado aqui.
um fluxo do dia a dia que em muito ultrapassa a 3 Todos os nomes são fictícios.
nossa capacidade de fechá-lo em esquemas, mas o
4 Essa expressão da masculinidade não pode ser vista
reconhecimento de que houve sempre a necessida- como algo restrito aos homens, como demonstrou
de de questionar o meu lugar em campo, a minha Andrea Lacombe (2005) ao estudar modos de produ-
relação com as pessoas com quem eu convivia e os ção do masculino entre mulheres em um bar do Rio
pressupostos teóricos e políticos que geravam aque- de Janeiro, fazendo parte de um campo de pesquisas
las mesmas perguntas com as quais eu me deparava em desenvolvimento, na qual se incluem, por exem-
e as quais, algumas vezes, pensei em abandonar. plo, os estudos de Nádia Meinerz (2011) e Gilberta
De todo modo, como enfatizei várias vezes, de Soares (2014).
forma mais central quis problematizar o desconforto 5 Sob esta definição, abordei um espectro por demais
com certas explicações que encaram a discussão so- amplo de experiências e não me detive a uma defini-
bre bebida e suas implicações, entre elas, o alcoolis- ção formal de desemprego. No entanto, aqueles su-
mo, como sendo sempre decorrência de situações ad- jeitos, independente de qualquer atividade que vies-
sem a desenvolver, não deixavam de ser percebidos e
versas, sendo o desemprego uma das principais. Esta
se perceberem como sujeitos desempregados, mesmo
explicação deixa de lado dois aspectos importantes: a que em sua maioria nunca tivessem estado inseridos
forma como o consumo de álcool é um elemento nas no mercado formal. Ver Nascimento (2011).
configurações de gênero e a diversidade de formas
6 Também quando falo de “provedores” ou “não prove-
pelas quais os homens se inserem no mundo do tra- dores”, não estou acreditando que os contextos foram
balho e, assim, muitas vezes a expectativa de homem sempre recortados assim. Nem entendo como uma es-
provedor não se atualiza (Nascimento, 2011). Essa pecificidade daquela comunidade, absolutizando con-
visão do desemprego obscurece um conjunto gran- ceitos e negando, por exemplo, o fato da variação do
68 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 31 N° 90

trabalho dos homens e a presença do trabalho fora de BRANDES, Stanley. (2003), “Drink, abstinence,
casa das mulheres pobres desde há muito tempo (e.g. and male identity in Mexico City”, in M. Gut-
Fonseca, 1997). Em outro exercício, também proble- mann (ed.), Changing men and masculinities in
matizei essa relação (Nascimento, 2005b, 2011). Latin America. Durham, Duke University Press.
7 Isto se relacionava a um debate, ainda persistente, BUTLER, Judith. (2003), Problemas de gênero. Rio
sobre a oposição entre público e privado (Rosaldo, de Janeiro, Civilização Brasileira.
1979, 1995). Para uma problematização, em contexto
CAMPOS, Edemilson Antunes de. (2004), “As
diferenciado, da separação estrita desses domínios e da
consequente reificação da imagem do homem ausen-
representações sobre o alcoolismo em uma as-
te, ver Longhi (2001). sociação de ex-bebedores: os Alcoólicos Anô-
nimos”. Cadernos de Saúde Pública, Rio de
8 O que implicaria concordar com um destacado estu-
dioso da saúde coletiva que certa vez afirmou, ao de- Janeiro, 20 (5): 1379-1387. Disponível em:
bater outro trabalho de minha autoria, que “a antro- <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
pologia não deveria se preocupar com o alcoolismo” arttext&pid=S0102-311X2004000500033&l
(Nascimento, 2005a). ng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 25 jul. 2015.
9 E foi com esta perspectiva que desenvolvi as pesquisas CAMPOS, Edemilson Antunes de & REIS, Jés-
aqui discutidas. sica Gallante. (2010), “Representações sobre
10 Como já havia feito, por exemplo, Alba Zaluar o uso de álcool por mulheres em tratamento
(1995), ao demonstrar que essa atribuição não era ex- em um centro de referência da cidade de São
clusividade dos homens. Paulo – Brasil”. Interface, Botucatu, 14 (34):
11 Dona Aline, a única mulher que vi beber e se em- 539-550. Disponível em: <http://www.scielo.
briagar junto aos homens – mãe de Joca, Paulo e Nil- br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
da – ocupava uma posição de destaque que, talvez, -32832010000300006&lng=pt&nrm=iso>.
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RESUMOS / ABSTRACTS / RESUMÉS

BEBER COMO UM HOMEM: DRINKING LIKE A MAN: BOIRE COMME UN HOMME:


DILEMAS E ARMADILHAS EM DILEMMAS AND PITFALLS IN DILEMMES ET PIÈGES DANS UNE
ETNOGRAFIAS SOBRE GÊNERO E GENDER ETHNOGRAPHIES, ETHNOGRAPHIE SUR LE GENRE,
MASCULINIDADES MASCULINITY LES MASCULINITÉS

Pedro Nascimento Pedro Nascimento Pedro Nascimento

Palavras-chave: Etnografia; Consumo de Keywords: Ethnography; Alcohol con- Mots-clés: Ethnographie; Consom-
álcool; Gênero; Masculinidades; Homens. sumption; Gender; Masculinity; Men. mation d’alcool; Genre; Masculinités;
Hommes.
Este artigo apresenta a trajetória de pes- This article presents the trajectory of the
quisas etnográficas sobre gênero e mascu- recent ethnographic research on gender Cet article présente le parcours des re-
linidades, destacando as vicissitudes desse and masculinity highlighting the unfold- cherches ethnographiques à propos du
objeto de pesquisa em seu cruzamento ing of the theme in its crossing with the genre et des masculinités en mettant en
com a questão do consumo de bebidas al- issue of alcohol consumption. It deals avant les vicissitudes de cet objet de re-
coólicas. Destaca-se a contribuição da pes- with the contribution of the ethnographic cherche par rapport à la consommation
quisa etnográfica para o campo de estudos research to the study of alcohol consump- de boissons alcooliques. L’article met en
sobre o consumo de bebida alcoólica, tion, so avoiding a biomedical and moral- avant la contribution de la recherche eth-
evitando uma abordagem medicalizada e izing approach to the issue and its imme- nographique dans le domaine d’études
moralizante da questão e sua imediata diate link with alcoholism. In this sense, à propos de la consommation d’alcool
relação com o alcoolismo. Para isso, são the article considers the socially shared tout en évitant une approche médicali-
considerados os significados socialmente meanings about the social act of drinking, sée, voire moralisée, de cette question et
compartilhados sobre o ato social de be- as well as the elements involved in work sa relation immédiate avec l’alcoolisme.
ber; os elementos do trabalho e da con- and conjugality, and the wider network of Il considère ainsi les définitions partagés
jugalidade, bem como a rede de relações relations in which the actors are embed- socialement à propos de l’acte social de
mais ampla em que os sujeitos estão inse- ded. Such approach proves to be impor- boire ; les éléments du travail et de la
ridos. Essa abordagem torna-se importan- tant in order to understand how the con- conjugalité, ainsi que le vaste réseau des
te para compreender como esses sujeitos cerned persons cannot be seen simply as relations dans lesquelles les sujets sont in-
não podem ser vistos simplesmente como dependents or ill, and the ways in which sérés. Cet abordage est important en vue
dependentes ou doentes e as formas como multiple identities are negotiated. de comprendre la raison par laquelle ces
múltiplas identidades são negociadas. sujets ne peuvent être simplement consi-
dérés comme des dépendants ou des ma-
lades. Il permet aussi de comprendre les
formes par lesquelles les identités multi-
ples sont négociées.

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