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José Carlos Zanelli (2002)

LIVRO: O psicólogo nas organizações de trabalho


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A PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL NAS ÚLTIMAS DÉCADAS


A formação e a atuação do psicólogo na realidade brasileira têm sido
objeto de constante estudo. Essas investigações cresceram em quantidade
na medida em que um maior número de psicólogos foi colocado no
mercado de trabalho, muitas vezes denunciando um desajuste na situação
de exercício das atividades profissionais.
Quando se verifica o panorama geral desses estudos, incluindo as
dissertações, as teses e os livros, percebe-se que a análise das relações
entre a formação e a atuação do psicólogo organizacional merece maior
atenção. Desde que surgiram os primeiros cursos de Psicologia,
oficialmente regulamentados, a partir de 1964, poucas alterações são
visíveis no processo formativo. Nas palavras de Bouvier e colaboradores
(1988, p. 4), "até hoje a essência do curso não foi reformulada". Para Weber
e Carraher (1982, p. 5), (...) existe consenso de que o currículo vigente no
Brasil não reflete o estado atual da Psicologia como ciência e como
profissão.
Constatam-se defasagens patentes entre o que aqui é ensinado e o
que é produzido nos grandes centros intelectuais, bem como entre o que o
psicólogo aprendeu e os desafios que afronta cotidianamente na sua
prática profissional. A formação profissional e o exercício das atividades de
trabalho pelo psicólogo organizacional têm sido restritos, precários e
deficientes. Os limites no preparo para a atuação, em muitos cursos de
Psicologia, não ultrapassam as linhas demarcadas pela seleção e orientação
profissional, o que revela uma obsolescência até no título conservado para
a disciplina. Os departamentos que devotam à formação na área um
empenho um pouco maior não conseguem avançar além do fornecimento
de algumas técnicas tradicionais, em regra pela insuficiência no tempo
disponível para o conteúdo que se pretende transmitir. A reivindicação por
maior carga horária repete-se nas outras áreas. Isso, à primeira vista,
permite pensar que o curso carece de maior duração. Contudo, a conclusão
pode ser falaciosa, se forem ponderados outros aspectos, como a falta de
integração das disciplinas. Conteúdos ensinados em disciplinas básicas, por
exemplo, raramente são associados aos conceitos ou à prática em
organizações.
A manutenção da precariedade do sistema apoia-se em vários
fatores. Entre eles está, sem dúvida, a nítida preferência do psicólogo pelas
atividades da área clínica, desde o seu início no curso.
O tempo total utilizado nos cinco anos de formação é fortemente
dirigido para as disciplinas da área clínica. Essa identificação com o exercício
de consultório, influenciada pela pretensa semelhança com as profissões
liberais, traz implicações que dificultam a interação profissional em
ambientes de trabalho, nos quais o parâmetro deve ser o grupo ou a
comunidade. A desatenção acadêmica para a área é também revelada pelo
reduzido número de pesquisas produzidas em Psicologia Organizacional nas
universidades.
Após investigar as pesquisas relatadas na Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, no período de 1983 e 1984, uma das constatações de
Matos (1988) é que "os pesquisadores brasileiros que relatam seus
trabalhos na SBPC não se interessam por Psicologia do Trabalho" (p. 112).
Mais adiante, ressalta que é "quase nada" o interesse da pesquisa em
Psicologia "por problemas institucionais, organizacionais ou por qualquer
coisa que se refira a desempenho de trabalho" (p. 119). Desde a década de
80, alguns avanços têm sido produzidos, com o acréscimo de inclusões de
trabalhos de psicólogos, por exemplo, em congressos de psicologia e em
outros campos do conhecimento, principalmente na administração. Já se
conta também com um periódico acadêmico-científico voltado para a área:
a Revista Psicológica: Organizações e Trabalho. A formação do psicólogo
para atuar em organizações tem sido sobremaneira relegada. São inúmeras
as evidências desse fato. Uma das mais óbvias é a quase ausência de cursos
de pós-graduação existentes no País que oferecem oportunidades ao
profissional para continuar seus estudos. Por outro lado, as atividades em
empresas, de qualquer modo, revertem nas melhores remunerações da
categoria. Bastos (1988, p. 178; p. 184) aponta que "nessa área
encontramos as melhores remunerações dos serviços" e que o salário é o
fator de maior peso na escolha dessa área como primeiro emprego.
A situação conflui no encaminhamento de psicólogos despreparados
para o exercício das atividades em organizações. Atividades que são
realizadas com pouca satisfação do profissional (Borges-Andrade, 1987, p.
305; Bastos, 1988, p. 190; Borges-Andrade, 1988b, p. 266). Tanto pior para
ele, enquanto pessoa, quanto para a imagem da profissão, dado o impacto
e a rápida divulgação que ocorre no ambiente, como para a sociedade, pela
perda de oportunidades de intervenções conscientes do potencial de
mudança.

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