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Importância e Finalidades da Educação em Ciências na Educação Pré-escolar

A relevância curricular que o ensino e a aprendizagem das ciências têm vindo a


conquistar nas últimas décadas tem reforçado o papel da Educação Pré-Escolar na
promoção da Literacia Científica dos alunos, num mundo onde “a literacia, a
numeracia e a proficiência tecnológica são consideradas indispensáveis na sociedade
moderna” (Portugal & Laevers, 2010, p. 40). Têm-se vindo a ouvir vozes
concordantes de várias áreas de investigação, de associações e organizações de
promoção de ciência, da psicologia, do ensino e da política em defesa de uma
Educação em Ciência efetiva na fase da Educação Pré-escolar (Harlen, 2000),
resultando em orientações curriculares para o ensino das ciências em documentos
curriculares da maioria dos países europeus, como Portugal (OCEPE, 1997; 2016),
Inglaterra (Department for Children, Schools and Families, 2008), Escócia (Scottish
Government, 2011), Gales (Department for Children, Education, Lifelong Learning
and Skills, 2008), Irlanda do Norte (Department of Education, s/d), Itália (Ministero
della Pubblica Istruzione, 2007), República da Irlanda (National Council for
Curriculum and Assessment, 2009), França (Centre Nationale de Documentation
Pédagogique, 2005; B.O. nº5 12 AVR, 2007) e Espanha (Real Decreto 1630/2006).
É uniforme em todos os documentos curriculares consultados a referência à Educação
em Ciências como meio de a criança conhecer o mundo natural e construído que a
rodeia, dando-se relevância diferente à forma como, no jardim de infância, esse
conhecimento deve ser construído. As temáticas/conceitos incluídos são também
diversificados, com um enfoque percetível nos fenómenos que são próximos das
crianças. Sendo a construção de conhecimento conceptual assertivamente referido
como objetivo da Educação em Ciências em todos estes currículos, as aprendizagens
referentes a processos de ciência e às atitudes científicas e face às ciências (Johnston,
2005) já não surgem com a mesma proeminência em todos eles. As referências à
tecnologia como componente integrante da Educação em Ciências também surgem de
forma desigual, estando omissas em alguns desses documentos curriculares,
confirmando-se aquilo que se verifica também nos níveis subsequentes de
escolaridade (UNESCO, 2000).
A leitura dos currículos consultados permite perspetivar qual a orientação definida
para a Educação Pré-Escolar, e que vem consolidar o papel deste nível de educação
no ensino e aprendizagem das ciências de crianças pequenas. Esta orientação integra-

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se numa educação que Portugal (2009) considerou contributiva para a formação de
“cidadãos emancipados, autênticos na interacção que estabelecem com o mundo,
emocionalmente saudáveis, (…) com um sentido de pertença e uma forte motivação
para contribuir para a qualidade de vida, respeitando o homem, a natureza, o mundo
físico e conceptual.” (p. 7).
Hernández (2003) considerou como um dos objetivos da Educação Pré-Escolar a
progressão da criança para processos de pensamento mais complexos e flexíveis,
conseguindo manifestá-los e mobilizá-los na tomada de decisões.
A este propósito, Eshach (2006) apontou uma série de razões inter-relacionadas para
que a Educação em Ciências seja integrada no currículo de Educação Pré-Escolar:
 A observação e interpretação da natureza e dos fenómenos naturais é feita com
muito interesse pelas crianças. O contexto de jardim de infância deve
satisfazer a curiosidade e interesse pela exploração do mundo e, também,
proporcionar aprendizagens conceptuais que fomentem um sentimento de
admiração, entusiasmo e interesse pela ciência e pela atividade dos cientistas.
 A educação em ciências contribui para a formação de uma imagem positiva e
refletida acerca da ciência. As imagens que as crianças formam sobre a ciência
constroem-se desde cedo e são de difícil mudança, pelo que o contexto da
Educação Pré-escolar deve fomentar um ambiente adequado à apreciação da
ciência e à construção de imagens positivas em relação à ciência.
 A compreensão dos conceitos científicos apresentados nos níveis de ensino
posteriores é facilitada com uma exploração precoce dos fenómenos. À luz das
teorias sócio-construtivistas, interessará criar situações de confronto entre os
conhecimentos adquiridos pelas crianças e novas observações, que facilitem,
de forma precoce, a construção de novos conceitos.
 O desenvolvimento dos conceitos científicos é facilitado pela utilização de
uma linguagem adequada. Como ferramenta de teorização das suas
experiências, a linguagem utilizada com e pelas crianças deve ser
caracterizada pela simplicidade, clareza e rigor científico, potenciando o
crescimento cognitivo.
 Crianças pequenas conseguem compreender alguns conceitos científicos e
pensar cientificamente. Diversos estudos têm vindo a contrariar a
subvalorização da capacidade das crianças em pensar abstratamente sobre

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alguns fenómenos alegadamente complexos.
 A educação em ciências promove o desenvolvimento da capacidade de pensar
cientificamente. Pensar de forma crítica e criativa são também formas de
pensar cientificamente que decorrem da satisfação da curiosidade das crianças
na sua procura de compreensão dos fenómenos do dia a dia.

Uma Educação em Ciências precoce pode também, segundo Fumagalli (1998), ser
justificada à luz de argumentos sociais como:
 Aprender ciências também faz parte dos direitos das crianças, pois está
integrada no seu direito mais vasto de aprender, considerando-se a sua
exclusão como uma forma de discriminação social.
 O conhecimento científico é parte da cultura socialmente construída, pelo que
deve ser necessariamente integrado nos currículos de uma Educação Pré-
escolar à qual se reconhece o papel social de distribuição do conhecimento.
 Todos os indivíduos melhoram a sua qualidade de interação com o mundo
através da aplicação, a diversos níveis, do conhecimento científico.

Johnston (2000) defendeu a Educação em Ciências como direito das crianças, sem a
qual Vargas (2007) considera a sua educação como incompleta. É a ciência que
permite compreender e descrever a natureza e é através da Educação em Ciências que
a criança tem a possibilidade de estabelecer referências e desenvolver a inteligência e
o raciocínio, contribuindo para o desenvolvimento do pensamento lógico associado a
atitudes de rigor e tolerância que a aproximam do real e a afastam racionalmente do
mundo da magia.
Para De Bóo (2006), a evolução da compreensão das crianças em cada nível de ensino
suporta-se no anterior, pelo que a ciência nos anos pré-escolares é tão importante
como a dos anos subsequentes.
Pereira (2009) referiu múltiplos pontos de contacto entre a ciência e a educação de
infância, potenciando o caráter educativo das situações do quotidiano, em que as
atividades de ciências são “espaços de procura” onde os conceitos científicos
importantes estão presentes sem ser necessário evocá-los. Keogh e Naylor (2003)
consideraram a sala de educação pré-escolar como um cenário ideal para a ciência, em
que, com o devido suporte do adulto, se constroem as fundações do conhecimento

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científico futuro e se relaciona o fazer ciência com o aprender ciência.
Na esteira de Johnston (2011), a ciência nos primeiros anos deve ser prática e
motivante, através de situações em que as crianças interagem com fenómenos
científicos que observam no seu dia a dia de forma socialmente contextualizada. O
enquiry desempenha um papel central nas aprendizagens de ciências das crianças
pequenas (Howard, 2011) por as expor a situações em que as suas capacidades
encontram terreno fértil para se desenvolver (Eshach, 2006) quando participam em
atividades de complexidade progressiva (Martins et al., 2009).
Para Glauert (2005), a ciência em contexto pré-escolar deverá contribuir para
expandir o conhecimento e a compreensão que as crianças têm acerca do mundo
físico e biológico para que desenvolvam meios mais eficazes e sistemáticos de
descoberta, naquilo que Martins e colaboradores (2009) definem como uma iniciação
aos procedimentos e formas de pensar próprias da construção do conhecimento
científico. Russell (2011) conferiu à Educação em Ciências desenvolvida na Educação
Pré-escolar o papel de encorajar as crianças a observar e comentar os fenómenos que
observam, efetuar registos, fazer previsões e refletir acerca de causas e efeitos através
de questões que possam ser testadas.
A construção de conhecimento conceptual é central aos currículos, devendo a
Educação em Ciências também ser considerada para este nível de educação com
outras finalidades mais abrangentes, no que diz respeito ao desenvolvimento e
aprendizagem das crianças. A dimensão curricular das ciências não se concretiza
através de uma coleção de experiências avulsas, mas sim integrada numa planificação
intencionalizada e coerente que integra a participação ativa das crianças em múltiplas
e diversificadas oportunidades para explorar e questionar a realidade, desafiando
ideias acerca do mundo de que fazem parte (Patrick et al., 2009). O conhecimento
científico não é transmissível ou inato, é construído lentamente ao longo dos anos
(Howard, 2011), quando são encorajadas e incentivadas a demonstrar a sua
curiosidade através da exploração de recursos e situações de aprendizagem (Braund &
Schofield, 2011).
É no contexto de Educação Pré-Escolar que as primeiras aprendizagens de ciências
acontecem, iniciando-se o desenvolvimento de skills básicas (Braund & Schofield,
2011), que são os primeiros passos para uma aprendizagem independente ao longo da
vida. Eshach (2006) considerou como Educação em Ciências de qualidade na
Educação Pré-Escolar aquela que nutre scientific thinking skills e que promove o

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desenvolvimento de desejo e gosto em saber e em aprender. O desafio para este nível
de educação reside em desenvolver o conhecimento das crianças suportando-se nessas
skills, preservando a sua curiosidade sobre o mundo (Braund & Schofield, 2011).
Importa, de acordo com Brickhouse (2007), que a aprendizagem inclua não só
conhecimentos e skills, mas também atitudes e predisposições que influenciem a
forma como nos envolvemos nas atividades de ciências.
É num contexto de continuidade educativa onde a Educação Pré-Escolar é
considerada a primeira etapa do Ensino Básico que este nível de educação deve
assumir a responsabilidade de consolidar um interesse duradouro pela aprendizagem
das ciências e desenvolver atitudes positivas face à aprendizagem das ciências, tanto
de rapazes como de raparigas.
Siraj-Blatchford (2000), defendeu a Educação em Ciências na Educação Pré-escolar
na perspetiva da igualdade e da cidadania. Os educadores têm uma grande
responsabilidade em salvaguardar as crianças de estereótipos e de preconceitos
prejudiciais à sua autoestima, num período que é considerado essencial para o
desenvolvimento de atitudes. A abordagem às ciências na Educação Pré-Escolar deve
combater quaisquer considerações raciais e de género desajustadas, assim como
quaisquer preconceitos ocorrentes nos contextos ou veiculadas pelos recursos
didáticos adotados. Deve ajudar a estabelecer uma identidade racial, cultural e de
género, o que implica promover a igualdade entre crianças que, de si, não são iguais,
mas que são únicas, como elementos constituintes de um grupo. Segundo este autor, a
Educação em Ciências estará a promover a cidadania, através da igualdade de
oportunidades no ensino das ciências, a crianças de todos os grupos étnicos, idiomas,
géneros e capacidades.
Fialho (2009) defendeu uma abordagem transversal das ciências como contexto
privilegiado para o desenvolvimento das outras áreas do currículo, com enfoque nas
atividades experimentais. Baptista e Afonso (2004) vão mais longe, encontrando
potencialidades na área de Conhecimento do Mundo em servir de eixo estruturante
das várias áreas, onde a formação generalista do educador é considerada uma mais-
valia na operacionalização integrada, transdisciplinar e transversal das atividades das
várias áreas do currículo. Esta abordagem integrada é também salvaguardada nas
OCEPE (ME, 1997; 2016) em que, segundo Bianchi e Thompson (2010), a ligação
criativa das disciplinas em torno de um tema unificador proporciona contextos de
trabalho relevantes, práticos e motivantes para as crianças. Para estes autores,

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abordagens que contemplem a infusão de skills da literacia, numeracia e TIC
possibilita que as crianças relacionem a ciência e as outras áreas de aprendizagem,
contribuindo para o seu envolvimento e motivação para a ciência. O modelo integrado
de desenvolvimento do currículo e de organização do ensino foi considerado por
Roldão (2008) como mais adequado para este nível de educação, pois a aprendizagem
das crianças estrutura-se através da mobilização e organização dos vários saberes “na
sua interacção face a situações, tanto quanto possível significativas para os alunos,
cujo pensamento e apropriação do real é ainda mais global que analítica, em
detrimento da abordagem segmentar dos diferentes campos do conhecimento
formalizado.” (p. 109).
Segundo esta autora, esta integração não exclui ou oculta as especificidades dos
saberes com que as crianças contactam, mas permite perspetivar as relações
recíprocas entre eles e a sua utilidade convergente para compreensão e ação sobre a
realidade, o que, para Portugal e Laevers (2010), representa um investimento na
pessoa “total”.
Segundo Ellis e Kleinberg (2000), a Educação em Ciências implementada na
Educação Pré-Escolar deverá contribuir para que as crianças construam ideias sobre
porque se faz ciência, o que fazer ciência envolve e que a ciência é algo que elas
próprias podem e querem fazer, predispondo-as para a ciência escolar.
As crianças constroem ideias mais concretas quanto às ciências, começando a
compreender que: (1) a ciência se refere à compreensão do mundo e não apenas a
algumas atividades realizadas na sala; (2) o conhecimento científico é acessível e
interessante, referindo-se ao seu ambiente imediato; (3) se devem considerar dados
reais para construir ideias, e não aquilo que pensam ou que querem pensar, e que (4)
saber e compreender alguma coisa leva tempo, esforço e observação atenta.

Extraído e adaptado de: Pereira, S. (2012). A educação em ciências em contexto pré-


escolar- Estratégias didáticas para o desenvolvimento de competências. Tese de
Doutoramento, Universidade de Aveiro .

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