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A Educação em Ciências na Educação de Infância

1.1. Introdução

A ciência faz parte da vida de todos os cidadãos. Os avanços científicos e


tecnológicos têm vindo a ter uma influência crescente na sua vida e os cidadãos
precisam de ser capazes de tomar decisões informadas sobre assuntos que afetam as
suas vidas e as dos outros. Em suma, a nossa sociedade requer cidadãos informados,
científica e pedagogicamente, capazes de tomar decisões esclarecidas.

De acordo com Aikenhead (2009), um cidadão informado toma decisões


cuidadosamente, conciliando o seu conhecimento com os valores que orientam as suas
ações.

Mas será que os cidadãos possuem estas capacidades e são capazes de


compreensão, de análise crítica dos problemas e de fazer escolhas informadas?

De facto, nem todos os cidadãos possuem estas capacidades e competências,


e a escola, por vezes, parece não colmatar estas fragilidades. A escola tem de assumir
um papel crucial neste processo, conduzindo à formação de cidadãos cientificamente
cultos, não só capazes de exercer uma cidadania ativa e responsável, mas também
capazes de analisar criticamente as situações que os afetam e, portanto, possuir
competências de literacia científica.

Assim, vários autores, como por exemplo, Kutluca e Mercan (2022) e Pereira,
Rodrigues e Vieira (2020) e entidades científicas como por exemplo a National Science
Teachers Association (NSTA) (2014), advogam a pertinência de promover a educação
científica desde cedo, devendo-se estabelecer uma sólida base para a literacia científica
de crianças e jovens, de modo a que sejam cidadãos ativos e participativos, tomando
parte nas soluções dos problemas da sociedade de modo crítico e informado,
considerando-a, por isso, uma prioridade nas sociedades modernas.

No que à educação de infância diz respeito, é preciso investir em contextos de


elevada qualidade em educação científica potenciadores de aprendizagens
fundamentais e de práticas pedagógicas desafiadoras e adequadas às crianças, onde
estas se sintam motivadas e empenhadas em aprender ciências, e os educadores de
infância se sintam entusiasmados, empenhados e competentes em promover essa
educação científica.

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1.2. A promoção da educação científica na educação de infância

Vários autores (como, por exemplo, Anastasiou, Kostaras, Kytitsis & Kostaras,
2015; Areljung, Ottander & Due, 2017; Barenthien, Lindner, Ziegler & Steffensky, 2020;
Kutluca & Mercan, 2022; Ravanis, 2017; Trundle & Saçkes, 2021) consideram que, nos
últimos vinte e cinco anos, a pesquisa em educação científica da primeira infância tem
sido fortemente incrementada, tendo-se constituído como um campo de pesquisa e
implementação educacional, representando a ciência uma dimensão importante na
educação de crianças pequenas (Barenthien, Lindner, Ziegler & Steffensky, 2020).

Ainda que a educação científica seja atualmente considerada uma prioridade na


educação de crianças pequenas e tenha aumentado o número de pesquisas nessa
área, alguns autores (como, Nayfeld, Brenneman & Gelman, 2011; Trundle & Saçkes,
2021) sublinham que o conhecimento sobre o ensino e a aprendizagem de ciências
durante os primeiros anos é, ainda, limitado, carecendo de estudos que possam
informar a teoria e a prática nas salas de jardim de infância.

Vários investigadores, como por exemplo, Eshach e Fried, 2005; French, 2004;
Larimore, 2020; Trundle, 2015, têm defendido a exploração de temas das ciências
desde cedo, indicando que a literatura tem sugerido que as crianças têm a capacidade
de aprender ciências (Kutluca & Mercan, 2022; National Research Council [NRC] 2007;
NSTA, 2014; Nayfeld, Brenneman & Gelman, 2011).

A NSTA (2014), na sua Declaração de Posição relativamente à educação em


ciências na primeira infância, recomenda que seja promovida desde cedo, pois as
crianças têm capacidades básicas para observar, explorar e descobrir o mundo ao seu
redor. Se encorajadas e apoiadas, a sua curiosidade e o seu prazer em explorar o
mundo em seu redor aumentam, criando as bases para um crescimento de
aprendizagens ao longo da vida.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD,


2018b) reconhece o impacto que as aprendizagens precoces têm na vida da criança
nos resultados posteriores e acentua que a investigação tem evidenciado que é nos
primeiros anos que o cérebro da criança tem níveis mais elevados de plasticidade,
sendo, por isso, as crianças mais sensíveis a estímulos externos.

Deste modo, os primeiros anos são um período de desenvolvimento linguístico,


motor, social, emocional e cognitivo rápido. Para além disto, Gopnik (2012) e Kutluca e
Mercan (2022) sublinham que as crianças têm uma orientação inata para aprender,
ganhar experiência e descobrir.

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Considerando a sociedade atual e atendendo a que as suas inovações
tecnológicas determinam uma maior necessidade de especialistas em áreas da Ciência,
Tecnologia, Engenharia, Matemática (STEM), é fulcral um maior investimento nestas
áreas de formação desde cedo. Atendendo aos dados da UNESCO (2019) de que as
mulheres não optam pelas disciplinas STEM, e que representam menos de um terço de
empregos ligados à pesquisa, leva-nos a pensar na pertinência de investir na educação
científica nas primeiras idades de modo a contribuir também para a diminuição deste
fosso.

Segundo Rippon (2021), a investigação em neurociências, realizada já no século


XXI, ajudou a melhor compreender esta situação, que poderá estar associada aos
efeitos de certos estereótipos de género sobre ciência e cientistas. Com base nas
descobertas recentes nas neurociências, a autora sublinha que os desequilíbrios de
género nas disciplinas de ciências podem ter a sua origem em experiências e
expetativas de desenvolvimento muito precoces, desde logo na primeira infância.
Reforça que as explicações baseadas na diferença determinada pelo sexo entre
cérebros feminino e masculino são insuficientes para este menor número do género
feminino nestas profissões e indica que fatores externos como fatores sociais e culturais
podem exercer forte influência.

Deste modo, Rippon argumenta que a educação nas primeiras idades oferece
oportunidades eficazes para neutralizar o desenvolvimento de conjuntos negativos de
crenças sobre quem pode e quem não pode fazer ciência e porquê.

Olsson e Martiny (2018) indicam algumas estratégias a usar para combater o


desenvolvimento destes estereótipos, como: (1) desafiar o status quo e as crenças; (2)
oferecer exemplos e experiências contra os estereótipos; (3) monitorar cuidadosamente
as atitudes negativas pode ter um efeito moderador; (4) impedir que os estereótipos se
tornem fixos e imutáveis.

Em suma, promover uma educação em ciências desde cedo pode ser


fundamental para combater estes estereótipos e incrementar o gosto pelas áreas de
formação STEM.

Para além destas, outras razões têm sido apontadas para incluir as ciências na
aprendizagem de crianças pequenas. Por exemplo, Larimore (2020) apresenta um
conjunto de razões para isso. Desde logo, pode facilitar aprendizagens posteriores e
apoiar o desenvolvimento de outras áreas de desenvolvimento. Com efeito, ao
desenvolver o conteúdo de ciências, criam-se experiências de aprendizagem, que, para
além das próprias aprendizagens, proporcionam oportunidades de aprendizagem em

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outras áreas de conteúdo, como por exemplo em linguagem, ao descrever fenómenos,
explicar ideias, argumentar, pesquisar informações em textos. A autora refere, ainda,
que as crianças têm o direito de compreender o mundo ao seu redor, expondo
argumentos que se prendem com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos
das Crianças que no seu art.º 13.º salvaguarda que a criança tem o direito de “[...] obter
informações, dar a conhecer ideias e informações, sem considerações de fronteiras”
(2019, p. 13).

Assim, promover a educação em ciências, desde cedo, é dar a oportunidade às


crianças de explorar os fenómenos naturais e entender o mundo que as rodeia e, não o
fazer, restringe o seu direito de conhecer o mundo.

Outros autores, como Eshach e Fried (2005) e Eshach (2006), sistematizaram


um conjunto de argumentos, que têm vindo a ser usados por outros autores, como
Martins et al. (2009), Pereira, et al. (2020), Saçkes, et al. (2011), para justificar a
importância de promover a educação científica desde cedo: (1) as crianças gostam
naturalmente de observar e pensar sobre a natureza; (2) a exposição precoce à
educação em ciências desenvolve atitudes positivas em relação a esta área do
conhecimento; (3) a exposição precoce a fenómenos científicos leva a uma melhor
compreensão futura dos conceitos; (4) a utilização de uma linguagem cientificamente
adequada influencia o eventual desenvolvimento de conceitos científicos; (5) as
crianças são capazes de compreender alguns conceitos científicos e pensar
cientificamente; (6) a educação em ciências é um meio eficaz para desenvolver o
pensamento científico.

Assim, promover a educação em ciências desde cedo é investir, a curto prazo,


numa criança cidadã, que tem o direito de compreender e aprender sobre o mundo em
que vive e, no futuro, poder ser competente, cooperativa, responsável e capaz de
intervir, participar e ter sentido crítico na sociedade em que vive (Larimore, 2020; Pereira
et al., 2020).

Extraído de: Rosa, C. (2023). Implicações do Empenho dos Educadores de Infância no


Envolvimento das Crianças: Um Estudo ao Nível das Ciências. Tese de Doutoramento.
Universidade de Lisboa: Instituto de Educação.

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