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Como é que a epigrafia retrata a história social romana?

A epigrafia ajuda-nos a estudar muitos aspetos da história romana, desde da


onomástica aos estudos prosopográficos. O dossiê epigráfico ajuda a reconstruir o tecido
sociocultural do mundo romano, oferecendo-nos diferentes realidades históricas e
demográficas das diferentes regiões do império.

Na epigrafia honorifica conseguimos observar a realidade política de Roma. Estas


epigrafes, que em grande quantidade e qualidade preenchem os fóruns, retratam a
necessidade do cidadão de perpetuar a sua memória e os seus feitos à comunidade. A
ascensão social do comum cidadão passa pelo financiamento de obras públicas, a construção
de edifícios que promovam a qualidade de vida na cidade. O evergetismo é a ferramenta ideal
para o cumprimento das várias etapas do Cursus Honorum, o quadro de etapas políticas. A
epigrafia informa depois quem foi o “aristocrata” que promoveu o tal edifício, como ocorre no
Panteão de Roma e na Inscrição de Isis em Braga. Além disso, os decuriões ou os cidadãos mais
preocupados podem demonstrar a sua gratidão através de epigrafes honorificas, muitas vezes
acompanhadas por uma estátua do dedicado. Os romanos gostam de realçar a forma como
obtiveram fundos para tal dedicatória, recorrendo a herdeiros, a decreto dos decuriões ou no
final, poderá o próprio dedicante pagar todas as prestações. (H-C-I-R: Honorum Compensum
Impensum Remesit). É uma demonstração de exuberância e poder dos grandes senhores,
através de atos que na superfície parecem de humildade e de coletivismo. Porém, é através
destes atos, que a propaganda política recorre para ascender politicamente e socialmente.
Demonstram o estatuto do patrono e a sua necessidade de o expor à sociedade.

Na epigrafia votiva, podemos observar os vários tipos de culto na antiguidade Romana,


tanto de deuses clássicos, importados e indígenas. A importância da epigrafia no estudo da
religião é fundamental, visto que perpetua os nomes de antigos deuses indígenas, como Nábia,
Sanaeco e Endovelico. Sem a epigrafia desconheceríamos que estes sequer existiam. Ao
mesmo tempo, podemos observar a distribuição dos diferentes cultos ao longo do império.
Não só percebemos que Deuses pré-romanos continuam a ser venerados, mas que Deuses
importados, como Isis, têm culto aqui em Braga, por exemplo.

A questão da onomástica é uma das mais importantes na epigrafia, visto que nos ajuda
a perceber o tecido social dos Romanos. Estudamos isto principalmente na epigrafia funerária,
onde é implícito o estatuto tanto do defunto como do dedicante. A cidadania durante um
longo período de tempo era cunhada através do Tria nomina, o distintivo que comprava o
pleno estatuto romano. Era formado por praenomen , Nomen (gentilício) e cognomem, por
exemplo: CAIUS IVLIVS CAESAR. Aqueles que não tinham cidadania eram os peregrini, que
provavelmente se distinguiam por apenas um ou dois nomes. Além desses, haveria o escravo,
que não tinham algum tipo de direito. Normalmente, o seu dono dar-lhe-ia apenas um nome
para se identificar. Em braga por exemplo, na epigrafia funerária, podemos observar um
grande número de escravos com nomes gregos. Porém, isto não significava que eles tenham
sido importados da Grécia, mas devido a uma preferência pessoal dos próprios donos de
nomes gregos, apesar de muito provavelmente os seus escravos serem de origem indígena. Na
eventualidade dos escravos tornarem-se libertos através de um ato de Manumição, continuam
na influência do seu dono, que passa a seu patrono. Algo que é marcado pela adoção do Tria-
nomina: o seu antigo nome de escravo passa a cognomem, enquanto que este adota o
praenomem e o nomem do patrono: CAIUS IVLIVS ZETHVS. Também, na sociedade patriarcal
romana, a mulher não detinha cidadania plena, e daí não podia possuir o tria-nomina. De
facto, ela apenas possuía o Cognomem e nomem. E na república, enquanto não houvera a
generalização do cognome, as mulheres de uma grande família eram distinguidas por nomes
ordinais (prima; Secunda) ou adjetivos (Maior ou Menor). Na Manumição, o liberto de uma
mulher adota o praenomem do pai dela. Numa estela, o estatuto fa pessoa pode também ser
revelado através do tamanho das letras, caso haja mais que uma pessoa sepultada. O nome de
um individuo masculino antecedia quase sempre o nome de um individuo feminino. Contudo,
com a concessão de cidadania plena a todos os cidadãos do império e a generalização da tria-
nomina durante o império, levou à identificação em epigrafes da tribo a que o defunto
pertencia, outro distintivo de grande estatuto social.

Em geral, a epigrafia também servia como uma ferramenta da propaganda imperial e


municipal, tanta na criação de marcos miliares para expor os anos e os cargos dos Principatos
como na conceção de grandes obras públicas para identificar o patrono e a sua contribuição.
Destaca-se a importância da epigrafia nos estudos sociais e culturais de Roma, tanto na
questão onomástica, religiosa e prosopográfica.

Como se procede o levantamento do monumento e da inscrição epigráfica?

Inicialmente, identificamos que tipo de monumento temos, se é uma ara, arola, estela,
miliário ou Masuoleu. Posteriormente, referimos o material que compõem o monumento, se é
calcário, mármore, granito ou arenito. Depois dizemos o local onde foi encontrado (freguesia,
concelho e distrito) e o seu atual paradeiro, caso tenha sido transladado.

Tiramos recorremos a fotografia. Temos que ter em atenção a lavagem do


monumento, com água e esfregão para não haja intromissões nos sulcos das letras. Caso haja
líquenes a correr sobre o suporte, temos que pedir auxílio a técnicos especializados para não
decompor o suporte. Esperar que o monumento seque para que durante a fotografia não haja
reflexos. Podemos utilizar tanto a luz natural como artificial, mas os raios têm sempre que
incidir obliquamente nas letras, de forma a realça-las. Por isso, é sempre mais prático usar
duas lâmpadas com luzes homogêneas sobre as laterais do monumento. Devemos também
colocar um fundo branco ou negro para realçar o monumento. Para efeitos de estudo, é
sempre preferível utilizar fotografias a preto e branco.

Na eventualidade das letras serem pouco visíveis, podemos usar o decalque com papel
mata borrão sobre as letras. Encharcamos o papel e depois incidimos cuidadosamente nos
negativos da epigrafe. Esperamos uns momentos e depois de seca, retiramos o mata borrão e
podemos ler dos dois lados as letras.

Depois devemos reportar as dimensões tanto do monumento, das partes do


monumento (se for uma ara), do campo epigráfico, das letras e das linhas interlineares.
Medimos o tamanho máximo da espessura, altura e largura do monumento, devido às
irregularidades deste. Numa ara, temos que medir o capitel, o fuste e o plinto, além do
tamanho total da peça. Temos que medir a largura e altura interiores do campo epigráfico, não
a parte exterior das molduras. Medimos o tamanho máximo das letras de cada linha da
epigrafe na vertical, tendo noção que estas são quase sempre homogéneas. No entanto, caso
não sejam, há que medir a altura máxima e mínima da letra menor e maior. De seguida, mede-
se as linhas interlineares, que podem oferecer informação sobre a oficina. A primeira secção te
que se medir da parte superior do campo epigráfica até às letras da linha. A segunda secção é
medida entre a linha 2 e a 3, e assim sucessivamente.

A descrição do monumento deve ser feita da esquerda para a direita e de cima para
baixo, tendo noção que se deve ser o mais sucinto possível. Porém, na eventualidade ser uma
publicação haverá a necessidade de se ser mais minucioso. Indicamos principalmente se o
campo epigráfico abrange todas as partes do monumento ou se é restringido a apenas uma
parte. Falamos se este é trabalhado, polido ou rugoso. Se tem elementos decorativos ou não.

Finalmente chegamos ao desdobramento epigráfico que deve seguir as seguintes


regras: o texto epigráfico é dado sempre em maiúsculas, exceto no desdobramento das
abreviaturas, que devem estar entre parenteses e sempre em itálico. Quando há um nexo na
epigrafe, há que o sinalar com uma dobra sobre este. A separação de linhas é feita por uma
barra, mas se houver uma palavra que continue para a linha inferior, há que as colocar bem
junto da barra. Há quinta linha temos que sinalar o número 5. Tanto números ordinais como
cardinais têm que ser escritos por extenso, entre paracenteses e em itálico.

Para concluir com o levantamento temos que escrever um comentário paleográfico e


histórico. O primeiro caracteriza o texto e o tipo de letra usado. Já o comentário histórico, vai
discutir o conteúdo da epigrafe e a sua importância geral na comunidade romana.

Como se procede a Cadeia operatória da produção epigráfica?

A cadeia operatória inicia-se com a extração do material pétreo e o seu transporte


para a oficina. Aqui, a pedra é talhada e rebaixada, criando os contornos e os suportes (soco)
do monumento. Posteriormente é feito o acabamento, que se pode cingir apenas à parte
anversa do monumento, ou apenas ao campo epigráfico. Há o polimento excessivo para a
criação do campo epigráfico, muitas vezes delimitado por uma moldura. Com o bisel, o
ordinator vai esculpir as letras no campo com a ajuda de linha auxiliares, que podem ser
gravadas a grafite. Cada letra usada é um capital quadrado, no qual o ordinator pode recorrer
a um molde de argila ou madeira para as escrever. As inscrições irão se encontrar sempre
alinhadas da esquerda para a direita.

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