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PORTUGUÊS – Módulo 2

LUÍS de CAMÕES, RIMAS

Camões e as altas torres

De Camões, em pura verdade, muito pouco sabemos. Nasceu pobre, viveu pobre, morreu mais
pobre ainda (se não miseravelmente), ele que acumulou bens que milhares e milhares de homens não têm
chegado para delapidar. E será difícil exaurir tão fabulosa fortuna. Porque – quem o duvida? – foi Camões
que deu à nossa língua este aprumo de vime branco, este juvenil ressoar de abelhas, esta graça 5súbita e
felina, esta modulação de vagas sucessivas e altas, este mel corrosivo da melancolia. Daí ser raro o verso
português digno de tal nome que as águas camonianas não tenham molhado de luz, desde as mais ásperas
das suas consoantes às suas vogais mais brandas.
Fora do nosso coração, não sabemos onde Camões nasceu; nem o ano ou o dia em que saiu da
«materna sepultura» para o primeiro amanhecer. Como não sabemos onde estudou ou quem lhe ensinou o
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muito que sabia. Nem isso importa. Nalgumas linhas da sua poesia, e sobretudo nas poucas cartas que
indubitavelmente são dele, pode ler-se que, como português, encarnou até à medula toda a nossa
condição: pobreza, vagabundagem, cadeia, desterro. «Erros», «má fortuna» e «amor ardente» se
conjuraram para fazer daquele alto espírito do Maneirismo europeu uma das figuras mais desgraça- das da
via-sacra nacional. Por «erros», talvez se possa entender um cristianíssimo arrependimento daquele
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marialvismo da sua juventude; a «má fortuna» não pode ter sido senão a de ter vivido num tempo em
que «Portugal era uma casa sem luz em matéria de instrução», e se preparava fatidicamente para
abandonar todas as suas guitarras nos campos de Alcácer-Quibir; quanto ao «amor ardente» - não foi o
próprio Camões que se mostrou dividido entre o límpido apelo dos sentidos e toda uma platonizante
teoria de amor bebida em Petrarca e Santo Agostinho? [...]
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Afinal, este homem que deixou fama de desabusado, este pobre soldado raso que regressa de
Ceuta a «manqueja(r) de um olho» (para o dizermos com terríveis palavras suas), que serviu na Índia
durante cerca de três lustros sem sequer ter ganho para as passagens de regresso à pátria, este homem que,
segundo um dos seus primeiros biógrafos, ao morrer não tinha um lençol para lhe servir de mortalha,
estava destinado a consolidar a Hierarquia com o seu Canto – o supremo ressoar das águas de todos os
nossos mares e de todos os nossos olhos.
Eugénio de Andrade (pref.), Versos e alguma prosa de Luís de Camões,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1977.

1) Para responder a cada um dos itens de 1.1 a 1.5, selecione a opção que lhe permite obter uma
afirmação correta.
1.1. Eugénio de Andrade apresenta um contraste entre a pobreza de Camões e a
A. fortuna material deixada por ele, impossível de esgotar.
B. sua acumulação de bens materiais ao longo da vida.
C. sua fabulosa e inesgotável dádiva à língua portuguesa.
D. fabulosa fortuna, não compreendendo a sua miséria
1.2 No caso de Luís de Camões, a expressão «“Erros”, “má fortuna” e “amor ardente”»
(linha 14), corresponde a uma síntese da sua vida que exclui
A. o desregramento da juventude.
B. a ausência de Universidades em Portugal.
C. o desprezo pelas artes em Portugal.
D. o arrebatamento das paixões.

1.3 Ao referir que a consolidação da «Hierarquia» (linha 29) estava destinada a Camões, o autor
refere-se à
A. supremacia dos portugueses relativamente aos mares celebrada n’Os Lusíadas.
B. sua supremacia na Índia ao longo de quinze anos, cantada n’Os Lusíadas.
C. nossa comoção perante a leitura d’Os Lusíadas.
D. sua supremacia enquanto autor d’Os Lusíadas.

1.4 Com a interrogação retórica apresentada entre travessões (linha 3), o autor pretende
A. exprimir as suas dúvidas acerca do discurso anterior.
B. reforçar o seu discurso posterior.
C. introduzir uma informação adicional.
D. destacar uma crítica

1.5 As orações introduzidas por «onde», na linha 8, e por «que», na linha 20, são
A. subordinada substantiva relativa, no primeiro caso, e subordinada adjetiva relativa, no
segundo caso.
B. subordinada adjetiva relativa, no primeiro caso, e subordinada substantiva relativa, no
segundo caso.
C. subordinadas adjetivas relativas, em ambos os casos.
D. subordinadas substantivas relativas, em ambos os casos.

2. Identifique a função sintática desempenhada pelas expressões:


a) «de tal nome» (linha 6); complemento do adjetivo;
b) «de Ceuta» (linhas 20-21). complemento oblíquo

2. Identifique o antecedente do pronome presente em «ao morrer não tinha um lençol para lhe servir de
mortalha» (linha 23). O antecedente do pronome presente em “ao morrer não tinha um lençol para
lhe servir de mortalha” é “este homem”.

BOM TRABALHO!!!

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