Você está na página 1de 2

Resuma o texto a seguir transcrito, constituído por mil e vinte e três palavras, num texto de trezentas e

trinta palavras. Antes de iniciar o resumo, leia atentamente as observações apresentadas em final de
página.

Luís de Camões: a complexa fisionomia espiritual da pátria

Há sempre uma indizível dificuldade quando se trata de falar de Camões, sobretudo quando nos
propomos apresentar excertos da sua obra, porque Camões foi tudo, projectando por isso múltiplas
leituras.

Seria correcto dizer-se que «foi tudo de todas as maneiras» e perseguiu uma perspectiva da vida
caracterizada por «não deixar nada de fora». Talvez seja essa a dimensão mais marcante da
coincidência da sua fisionomia espiritual com a nossa fisionomia colectiva.
[…]

Camões foi um homem dividido, que cantou os feitos heróicos dos Portugueses, sentindo-se com eles
irmanado, mas que caiu também em profundos rebates de consciência e de reprovação moral, falando
sobre «aqueles reis grandes, cujo estudo / é fartar esta sede cobiçosa / de querer dominar e mandar tudo
/ com fama larga e pompa sumptuosa», ou desgostando-se de nós próprios e da nossa vaidade e
soberba quando em contacto com os outros povos: «Vi quanta vaidade em nós se encerra / E nos
próprios quão pouca; contra quem / Foi logo necessário termos guerra».

Estas duas faces de Camões são igualmente importantes, a que juntaríamos tantas outras em que
aparece o orgulho e a indignação; o culto da sensualidade e das maravilhas da natureza física e a
saudade do céu, entendido como espírito puro; a grandeza de Portugal e a sua aviltante decadência
moral, sentida por quem desenhou em verso o desconcerto do mundo e se viu, como português,
sucumbir à injustiça, à incompreensão, aos longos exílios de solidão interior que de nós fizeram um povo
«rico de desilusões» («Mudando andei costume, terra e estado/ por ver se se mudava a sorte dura/ a vida
pus nas mãos de um leve lenho»). A estas vertentes da sua obra importa ainda juntar o tema da conjura
da fortuna e dos fados («Ah, Fortuna cruel! Ah, duros Fados! /Quão asinha em meu dano vos
mudastes!»), e ainda a supremacia do Amor sobre a Razão: «Sempre a Razão foi vencida de Amor»,
considerando o poeta que a vitória da Razão sobre o Amor, significaria sempre «Novo modo de morte e
nova dor!»

Por ser uma obra de arte, não tem só um sentido, Camões não foi apenas o poeta das grandezas de
Portugal, podendo e devendo descortinar-se também essa vertente profunda e dolorosamente crítica da
sua pátria.

No primeiro caso é justo sublinhar-se a dimensão da força humana levada à extremosidade dos deuses,
de que decorre o heroísmo, a santidade, a loucura, («Vistes aquela insana fantasia /De tentarem o mar
com vela e remo / .../ Que do Mar e do Céu, em poucos anos, /Venham Deuses a ser, e nós, [Os deuses
do Olimpo] humanos»); a sedução do longe e da solidão do mar largo («Não vimos mais, enfim, que mar
e céu»); a mobilidade e a inquietação constante; a sedução da descoberta e o aventureirismo («De ver
cousas estranhas desejosa, / Da terra que outro povo não pisou»); a capacidade de resistência à
adversidade («E do esperar comprido tão cansados / Quanto a desesperar já compelidos»; «Ora imagina
agora quão coitados/Andaríamos todos, quão perdidos/De fomes, de tormentas quebrantados»); a
capacidade de nos movermos na incerteza («No mar largo fazendo novas vias/ Só conduzidos de árduas
esperanças»).
Mas Camões foi também, como dissemos, o poeta da nossa desilusão, do cântico das maravilhas da
natureza e da ascese mística ou elevação a partir do mundo dos sentidos, expressa nas saudades do
céu, e foi ainda o poeta da fraqueza e fragilidade humanas e da fadiga de ser herói.

Da desilusão porque nos mesmos Lusíadas antepõe a alegria de viver àqueles dois dolorosos versos:
«Agora, da esperança já adquirida/ De novo, mais que nunca, derribado».

Da indignação perante a ingratidão da pátria, quando lembra que «A troco dos descansos que esperava
[...]/Trabalhos nunca usados me inventaram/ Com que em tão duro estado me deitaram».

Da revolta pela corrupção dos poderosos, pela falta de reconhecimento do mérito e pelo triunfo dos
incapazes: «Culpa de Reis, que às vezes a privados/ Dão mais que a mil que esforço e saber tenham».

Do canto da sensualidade no tão conhecido episódio da Ilha dos Amores («Quando as formosas Ninfas,
co'os amantes /Pela mão, já conformes e contentes...»); do cântico das maravilhas da natureza, expresso
em «Se os antigos filósofos, que andaram/ Tantas terras, por ver segredos delas, / As maravilhas que eu
passei, passaram / A tão diversos ventos dando as velas», até às saudades do ceú:«Daquela santa
cidade/ donde esta alma descendeu».

E o mesmo Camões que fizera os deuses descer à terra, erguendo os homens à altura dos deuses,
exprimiu também o cansaço e a fraqueza. O cansaço perante a confusão e a nostalgia de uma saudosa
visão da paz interior («Cale-se esta confusão, / cante-se a visão da paz») e, perante o Deus da sua
religião, que não era uma instituição mas sobretudo uma vivência interior em Cristo, soube reconhecer-se
fraco e carente do auxílio da graça:«Não basta minha fraqueza /para me dar defensão, / se vós, santo
Capitão,/ nesta minha fortaleza / não puserdes guarnição».

É por isso difícil enfrentar a tarefa de fixar excertos de Camões, neste esforço para traçar uma fisionomia
tão complexa, tão vária e multiforme que é, afinal, também a nossa. Em certo sentido, a sua biografia
coincide com o destino da Pátria, lembrando Antero de Quental que «a tradição, num símbolo
terrivelmente expressivo, apresenta-nos Camões, o cantor das nossas glórias que nos empobreciam,
mendigando para sustentar a velhice, triste e desalentada. É uma imagem da nação»

Fixaremos por isso os traços da sua obra que mais se aproximam desse esforço de caracterização da
fisionomia da pátria, expressos na afirmação do sentimento nacional e no orgulho pátrios, do
aventureirismo, do heroismo e do prazer da descoberta, do experiencialismo, do gosto pelo sensível e
pela sedução do longe, mas daremos também atenção àquela outra faceta não menos importante desta
«pintura que fala», onde se situa a desilusão, o sentimento de exílio interior, a revolta perante a
ingratidão, a fraqueza e a tristeza, perante a conjura da fortuna e dos fados. Disse bem Agostinho da
Silva que a Luís de Camões «só lhe faltou inventar ele os heterónimos que foi, para se irmanar a
Fernando Pessoa. Deixou-nos esse trabalho a nós: podemos percorrer a obra que ele foi assinando com
o mesmo nome e inventar os heterónimos que cabem a cada composição».

Pedro Calafate, in Portugal como Problema, org. Pedro Calafate, vol. I, Lisboa, Fundação Luso-Americana e Público, 2006,
pp.273-277

Observações:
Há uma tolerância de quinze palavras relativamente ao total pretendido. Um desvio maior implica uma
desvalorização parcial do texto produzido. De acordo com o critério de contagem, o fragmento a seguir
transcrito é constituído por dezoito palavras: "Talvez / seja / essa / a / dimensão / mais / marcante / da /
coincidência / da / sua / fisionomia / espiritual / com / a / nossa / fisionomia / colectiva.

Você também pode gostar