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Cabaré Valentin - Karl Valentin
Cabaré Valentin - Karl Valentin
MARIDO - Não começa às sete MULHER - Você aparece sempre MARIDO - Anda logo, senão' va-
e meia. Vamos logo. no pior momento. Além do mais está mos perder a hora. (A millher aju-
MULHER - Mas ainda por cima sempre pedindo alguma coisa em- da-o a vestir o peitilho)
você está vestido dessa maneira. prestada. (Pega ~ lata de azeite) .\ MULHER - Desse jeito a gente
Quando é' que você vai perder essa Bom, quanto voce quer? vai chegar atrasado. Vamos ter de
mania de andar imundo? Que ca- A VIZINHA - Só uma gotinha (A I pegar um táxi se quisermos pegar
misa é essa? mulher bota o azeite numa xícara: o início do espetáculo. Ih, a gente
MARIDO - É uma camisa de ho- nesse instante o marido volta. Ele ia esquecer os binóculos. (Ela pára
mem. está ainda com as calças na mão. B de ajudá-lo e vai pegar o binóculo.
Ao entrar ele dá um encontrão no ota na mão do marido e volta a
MULHER - Você não vai ao tea-
tro com essa camisa de jeito ne- cotovelo da mulher no momento que ajudá-lo. O binóculo escapole das
- . )' mãos dele)
nhum. É a mais velha que você tem. I poe o azelle.
ea .
Tem mais de quinze dias que você MARIDO - Mas onde é que você MARIDO - Quebrou ...
não tira ela. botou a minha camisa? (O azeite MULHER - Pra mim é o suficien-
MARIDO _ Mas isso ninguém vai derrama no vestido da mulher) te. (Abre o estojo, está vazio) Ainda
! MULHER - Meu Deus do céu. Só bem.que eles não estão aqui, senão
notar. f lt estanam em pedaços. Vamos assim
. me a ava essa. •
MULHER - Mas eu não saio com .. mesmo. Voce pegou as chaves da
você com essa camisa de forma .A VIZINHA - Eu sinto muiío, nem casa? Ah, não se esqueça de fechar
alguma. As pessoas vão pensar que I ser como me desculpar. . . as janelas; nunca se sabe quando vai
eu sou uma miserável. MULHER - Estragou todo o ves- cair um temporal.
MARIDO - Ah, não tem impor- tido. Pelo menos é azeite, não vai MARIDO - Anda, anda.
tância. I fica~ manc~ado. Ag~r~ chega. Toma. MULHER - Apague as luzes.
MULHER - Não senhor, você vai (Da o azeIte pra vI~mha) . MARIDO (No escuro) - Os in-
tirar essa camisa já e botar uma A VIZINHA - MUlto obngada.... gressos estão com você?
outra. Eu vou lá pegar. (Sai) I (Sai) . MULHER - Não, estão com você.
MARIDO - Não vou conseguir I MARIDO - ,Mas, . h aíinal'?das con- M ARIDO -e onugo:
' ? D'eixa eu
nunca na vida esquecer esta noite. d
tas, on e esta mn a. camisa. . acender as luzes. (Começa a pro-
Nunca mais, nunca mais eu vou ao MULHER - Em cI~a da cadeira, curar o botão)
I'
teatro. I MARI,?O (Pega a,camIsa. Ao .levan- MULHER - Eu dei pra você logo
Ele tira a roupa inteira e fica só ta~la ve que ela e uma camisa de I que eu vim da rua.
com a camisa. Nesse momento entra ctiança.} - Meu Deus, . I MARIDO - VaI. ver que calram
, meu Deus... , no
a vizinha. Ao vê-lo, nu, de camisa, MULHER - Mas e uma camisa I chão.
ela dá um grito de pavor. • , den- I MULHER - EU vou diIzer uma
de criança. É a única que havia
MULHER - Por que é que você - I cOisa:
trodc.dodeiguarda-roupa. Voce .e engra- ' a pronma, . vez que aguem 1 .
não bate na porta antes de entrar? ça o, deixa suas camisas s~Jas e nao tiver ~ idéia de ir ao teatro, eu vou
E você vai ficar parado aí, nu dessa b?ta pr~ .lavar. Faz o seguinte: bo~a ter um xilique. Se ao menos a gente
maneira? Vá se trocar lá no quarto. so o peltI~ho e fech~ bem o paleta. achasse os ingressos, senão não va-
(Pra vizinha) Agora a gente está . Olhe, aqUi tem um hmpo. mos nem poder entrar.
muito ocupado; estamos indo ao MARIDO - Mas esse é muito MARIDO - Estão aqui.
teatTjl. . grande. _ MULHER _ Até que enfim. Vou
ANIZINHA - Ah. .. desculpe m- MULHER - Bem, entao rasga o botá-los na minha bolsa senão é ca-
comear; eu só queria um pouquinho que sobrar. (Ele rasga a parte de paz de você perdê-los de novo. Eu
24 de az ite para botar na salada. baixo do peitilho) só queria saber se as outras pessoas
quando saem, é exatamente assim 1.,' A. - Claro que ele está aí. A. - Unia cozinha e uma praça
como nós. B. - Mas, a gente não pode vê-lo. pública são duas coisas diferentes.
MARlDO - Exatamente igual. I A. - Quando ele não esguicha B. - SÍIil; mas não se pode dizer
MULHER ': Eu não acredito que I não. " que um jato d'água como esse seja
possa ser assim em nenhum lugar do I B. - A gente também não pode I uma coisa útil. .
mundo. i escutá-lo. A. - Ele não tem nenhuma uti-
MARIDO - 'É que ninguém diz. só I A. _ Quando ele esguicha, a lidade. ,
isso. I água murmura. i B. - E~tão, por que se constróem
MULHER - Deixa eu conferir a I B. _ Ele murmura e ao mesmo esses esguichos?
hora.que começa. Está aqui.: come- i tempo ele esguicha. A. - Pra enfreitar, pra olhar!
ç~ OitO. em ponto. Quem tinha ra- A. _ Não é o jato que murmu- B. -:-' Quem?
zao, mais uma _vez? ~u. A. mulhe~ I ra é a água! A. - Os habitantes da cidade.
sempre tem razao. Esta escrito aqUi I " . ? ' ,
no ingresso: o espetáculo tem início I B. - Se~ o Jato. . B. ~ H~ q?uanto tempo que esse
às oito em ponto. I A. - Nao, com o Jato. chafanz exste;
MARIDO - Ê, você tem razão. InÍ- I B. - A gente pode comprar um .A. -, Desde 1860, eu acho. Quer
cio às oito em ponto, sexta-feira, 17 jato desses? I dizer, ha quase cem anos.
de julho. I A. - Não. B. - Bem, então todos os habi-
MULHER - Como? Sexta-feira? I B. _ Então como a Prefeitura tantes de Munique já devem tê-lo,
Mas hoioje am. da e' qumta...
. "I (Os d' OIS I '
fez pra consesuír um jato desses? .
ViStO.
se entreolham petrificados: cai o A É d f A. - É uma questão de gosto.
P
ano) II
.- 1)
um ona IVO.
As coisas belas podem ser vistas
B. - Entregaram esguichando? 'duas, três vezes.
i A. - Não. Primeiro é preciso es-
i buracar o chão, depois instalar o en- B. - Tá certo... duas, três ve-
zes. Mas os velhos ou mesmo os que
In - CONVERSA NO canamento; fazer o lago, botar as
I. flores, moram perto da praça já devem ter
CHAFARIZ e então se coloca uma grade enchido 'o saco de tanto olhar.
: protetora em volta.
A. - Mas ele não foi feito so-
(A. numa praça de Munique: B. - E depois?
olhando o jato d'água; B. está a seu I mente para os habitantes da cidade
I A. - Depois terminou. ele foi construído, principalmente
lado.)
B. - Mas a gente ainda não pode para os turistas.
I
A. - Afinal de contas esse jato i vê-lo. B. - Não, isso não é verdade.
d'água é maravilhoso. A. - Quem? Os turistas não vêm à Munique por
B. - Ê muito bonito quando ele B. - O jato em si. causa de água, eles vêm por causa
esguicha. A. - Não, só quando se abre a de cerveja.
A. - Esguichar, esguichar. Oque i água éque o jato começa a esguichar i A. - Tá certo.
quer dizer isso? Se ele não esgui- , pro alto. : B. - Eu nunca vi um turista per-
chasse não seria um jato d'água. B. - De alegria? I guntar: "Por favcr, meu senhor, onde
B. - Que tipo de jato seria'! A. - Bem, é uma lei da natureza será que eu poderia ver um chafariz
A. - Não seria jato nenhum. da física, sei lá. Quando se abre uma I que esguicha água, por aqui? Mas já
I
B. - Ah, não? torneira, a água esguicha pro alto. : vi muitos me perguntarem: onde fica
A. - Não seria jato nenhum. Se- B. - Nem sempre. Na cozinha lá I a cervejaria mais próxima?
ria apenas um jato que não esguicha. de casa, quando se abre a torneira, A. - rá certo, ninguém vem à
B. - Sim, mas ele está aí. a água sai pra baixo. I Munique por causa da água, nem 25
ninguém pode encher a cara com a B. - Aúnica coisa certa pra mim ELA - Ainda bem que eu não
água da fonte. é que a água espirra pro alto, desce, botei meu vestido de lã. Ia suar
E. - Então, por que botaram cai no laguinho e escapa pelo ralo. ainda mais.
essa grade protetora em volta? A. - Mas, é certíssimo. Porque ELE - Agente sempre acaba bo-
.\
A. - Pra quando alguém chegar se a gente observar bem o ralo é a tando uma roupa mais quente prá
muito perto do chafariz, não se mo- coisa mais importante que tem; mais dançar.
olhar. importante mesmo que o próprio jato ELA - Minha mãe, também, ela
d'água, porque se não houvesse o sua à toa. Ela vive falando.
E. - E no inverno? ralo para escorrer e se a água não ELE - A sua mãe ainda danca
A. - No inverno? Mas ele não pudesse ter escapado por ele desde também? '
funciona no inverno. 1860, Munique inteira, a Baviera in-
teira, toda a Europa estariam, tal- ELA - De jeito nenhum.
E. - Mas se um turista quiser ver
{) chafariz no inverno? vez, completamente inundadas. E o ELE - Por quê?
que você está dizendo é que haveria ELA - Ah, eu acho que é por-
A. - Ele não vai poder. Terá de
uma catástrofe descomunal se, por que ela já tem idade. E além do
esperar pelo verão.
acaso alguém resolvesse, pra se di- mais, ela sua à beça, como eu disse.
E. - Ele vai ter que ficar esse vertir, entupir o ralo do chafariz. ELE - Sua mãe também? Vai ver
tempo todo em Munique? B. - Ah, agora eu sei por que é que foi dela que você herdou esse
A. - Não, ele vai embora e volta que eles botaram uma grade prote- calor todo.
no verão. tora em volta do chafariz. ELA - (Ri.)
E. - E se ele não voltar? ELE - Quer dizer então que sua
A. - Ele aí não vai ver. IV - ADANÇA mãe sua com freqüência?
E. - É mais fácil então pro pes- ELA - Não. Não à toa. Só quan-
(Extraída do sketch "A Loja de
soal aqui de Munique. Eles podem do ela dança, que ela falou.
Discos")
ver quando quiser. _ ELE - Ah, bem. Ela só sua
A. - Não no inverno. ELE - f: uma valsa magnífica, quando dança? Eela ainda dança com
não é mesmo? freqüência?
E. - Por que ele não funciona
ELA - Mas, faz um calor pavo- ELA - De jeito nenhum. Há mui-
no inverno?
roso nesse lugar. to tempo.
A. - O jato d'água ficaria con-
ELE - É, o calor é infernal. ELE - Quer dizer que ela não
.gelado. dança mais?
E. - Ah, isso não pode ser ver- ELA - Mas, é preferível um calor
desses que um frio insuportável. ELA - Ela é incapaz de mexer
dade. A água corrente não congela um passo.
nunca. ELE - Domingo passado eu vim
aqui, mas não estava fazendo um ELE - Pelo menos ela não tem
A. - Você tem razão. Uma vez mais a oportunidade de ficar suando.
calor como o de hoje.
um encanador me disse isso. Vai ver D
e meio.
o
amarelo claro.
escrevesse. Meu pai, também,. escre- I A VENDEDORA - Bom d'la se-
veu-me ontem. Ele me disse que te nhor. O que desei VALENTIN - Não é pra usar, é
A I • • eseJa.? '
escreveu. Voce, ao contrano, nao , pra botar na cabeça.
escreveu nem uma palavra pra me VALENTIN - Um chapeu. A VENDEDORA - Com um cha-
dizer que ele tinha te escrito. Se você ' A VENDEDORA - Que tipo de péu amarelo claro, o senhor vai ficar
tivesse me escrito para me dizer que chapéu? ridículo.
meu pai te escreveu, eu teria escrito VALENTlN - Um chapéu pra bo-
VALENTlN - Mas os chapéus de
à meu pai dizendo que você gostaria tar na cabeça. palha são bem amarelo claro.
de lhe escrever mas que, infelizmen- A VENDEDORA - Certamente meu
te, não tin~a tido te~po de I~e es- senhor, um chapéu não é pa~a se
A
A VENDEDORA - Ah, então o
crever, senao voce Ja lhe tena es- vestir a sente sempre usa ele na senhor está querendo um chapéu de
crito. Você não escreveu nenhuma cabeça. e palha?
carta respondendo
. d d aquelas que eu VALENTlN - S empre · nao. Na VALENTlN - Não, os chapéus de
te escrevi, on e eu penso que essas . . I' • I palha são facilmente inflamáveis.
-estórias todas de escrituras são bem Igreja, por e;emp o, eu nao posso
.t ' b o t a r o chapeu na cabeça. A VENDEDORA - É uma pena,
tns es.
A _ • A VENDEDORA - Na igreja, não mas, infelizmente, não estão fabri-
Se voce nao soubesse ler, sena mas o s h - ' ,. cando ainda chapéus de amianto.
uma outra coisa,. eu não iria te es- ja, não é? or nao vai sempre a igre- -Mas vamos receber uns chapéus de
crever de maneira nenhuma. Mas feltro bem macio.
você sabe escrever e você não es- VALENTlN - Não, somente pra
VALENTIN - O inconveniente dos
creve mesmo quando eu te escrevo. lá, pra aqui ...
chapéus de feltro éque a gente nunca
Eu termino minha carta te escre- .A VENDEDO.RA - ? senhor quer escuta quando eles caem no chão.
vendo na esperança de que você me ! dizer pra aqUi, p~a la apenas ...
escreva, afinal. Senão será a última ! VALENTlN - E, eu quero um A VENDEDORA - Basta então o
carta que eu te escrevo. Se, esta vez I chapéu que a gente use e possa ti- senhor comprir um capacete de fer-
ro, desta maneira vai poder escutar
ainda, você não me escrever, escre- I rar. ..
quando ele cair.
va-me ao menos para me dizer que A VENDEDORA - Todos os cha-
você não quer mesmo me escrever, péus são pra se usar e se tirar. O se- VALENTlN - Sendo um civil, mi-
de maneira alguma. Eu saberei, dessa nhor vai querer um chapéu mais fle- nha senhora, eu não tenho o direito
forma, porque você nunca me es- xível ou um tipo mais duro? de usar um capacete de ferro.
creveu. VALENTlN - Não, um cinza. A VENDEDORA - Bem, o senhor
Perdoe meu jeito ruim de escre- A VENDEDORA - Eu quero di- precisa se decidir logo sobre o tipo
ver, mas é que eu tenho uma espé- zer: de que espécie? de chapéu que quer usar.
cie de artrite típica dos que escre- VALENTlN - Do gênero de cor
lO VALENTlN- Eu quero um cha-
vem sempre. Isso acontece sempre pastel. péu novo. 27
ECA/USP BIBLIOTECA
· A VENDEDORA ~ É claro, meu VALENTIN ~ Sempre? É erata- pessoas, gente excêntrica, como se
senhor, aqui só trabalhamos· com mente isso o mais triste. Os comer- diz, que saem na rua sem usar ne-
chapéus novos. ciantes se recusam a mudar seus ve- nhum chapéu, tanto faz ser verão
VALENTIN - Exatamente: eu que· lhos hábitos; são incapazes de acom- como inverno, e dizem que isso é o
ro um novo. panhar os novos tempos. que há de mais moderno. .
A VENDEDORA - Sim, mas -que AVENDEDORA - Qual é a relação VALENTIN - Ah, é? Quer dizer
tipo? entre uma medida de chapéu e os que oquê há de mais moderno é não
usar nenhum chapéu? Então, é por
VALENTIN - Um chapéu de ho- tempos modernos?
mem. VALENTIN - Agora a senhora vai isso que eu não vou comprar ne-
nhum. Até logo, minha senhora.
A VENDEDORA - Nós não íabri- me desculpar, mas as cabeças dos ho-
camos chapéus para senhoras. mens não permanecem exatamente
iguais sempre. Elas estão sempre mu- FIM
VALENTIN - Mas eu não estou
dando.
querendo chapéus para senhora.
A VENDEDORA - Por dentro sim,
AVENDEDORA - Osenhor é real-
mas por fora. .. Depois isso tudo vai
mente uma pessoa difícil de ser aten-
acabar levando a gente para uma dis- VII - NA SERRARIA
dida. Eu vou lhe mostrar alguns
cussão de tamanho.
modelos.
VALENTIN - Justamente, o tama- MADAME LISENBERGER - Por fa-
VALENTIN - Como alguns mode- nho. Não era isso o que a senhora vor, a senhora poderia me informar
los? É apenas um que eu quero. Eu queria saber? como que eu faço para ir à fábrica
só tenho uma cabeça. de Móveis Holzinger?
A VENDEDORA - Mas não o da
AVENDEDORA - Não. .. Eu vou época, apenas o da cabeça. A SÍNDICA - No fundo do corre-
lhe mostrar vários modelos, para que dor à direita. A senhora vai escutar
o senhor possa escolher. VALENTIN - Eu estava apenas o barulho de uma serra elétrica.
querendo dizer que, nos velhos tem-
VALENTIN - Eu não estou pe- pos, como se diz, a cabeça das pes- MADAME LISENBERGER - Obriga-
dindo para escolher, eu quero ape- soas era completamente diferentes do. (Elaentra na carpintaria de mô-
nas um chapéu que me caia bem. das de agora. v ás, o bamlho de máquinas é tão
AVENDEDORA - Certamente, meu alto que mal se ouve o que ela fala.
A VENDEDORA - Mas, é comple- O texto a seguir é apenas marcado.
senhor. É preciso que o chapéu lhe tamente estúpido isso. É claro que,
caia bem. Agora, se tiver a fineza I desde que os homens são homens, Vai ser repetido no final, de maneira
de me dizer sua medida de cabeça, eles sempre tiveram cada um sua audível pela platéia, a mulher, entre-
eu vou encontrar um chapéu que própria cabeça; mas o que nos inte- tanto faz os gestos naturalmente,
lhe caia bem. como da primeira vez)
ressa saber não é de que maneira O MARCENEIRO - Ah, espera lá,
VALENTIN - Minha medida de é sua cabeça.mas qual é o tamanho
cabeça? Eu tenho 55 de cabeça, mas dela. Olha, escuta meu conselho: leve , madame, mas eu não entendi nada
quero um chapéu de 60. : do que asenhora quer. Deixa eu des-
este aqui, tamanho 55. Custa apenas ligar a serra. (Desliga) O que quê
A VENDEDORA - Vai ficar muito , 15 marcos, é bonito, de ótima quali- a senhora quer mesmo?
grande pra você. dade e, ainda por cima, muito mo- I
! MADAME LISENBERGER - Eu es-
VALENTIN - Mas, pelo menos fi- derno. tava justamente acabando de dizer...
cará firme. Se eu pegar um número VALENTIN- Eu vou seguir o seu é que meu filho está noivo e vai se
menor, ele vai acabar caindo. conselho, já que a senhora é uma casar dentro de 2 meses. Eu estou
. A VENDEDORA - Mas isso não especialista. Então a senhora me diz querendo saber o orçamento para o
I
faz o menor sentido: quando a gente que esse chapéu é muito moderno? dormitório completo em carvalho
tem 55 de medida, a gente .usa um . A VENDEDORA - É. .. enfim, o claro, quer dizer, duas camas, duas
28 chapéu 55. Sempre foi assim. que é ser moderno hoje em dia? Há mesinhas de cabeceira, duas cadei-
- ~ - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -
ras, uma poltrona um armário euma o FILHO - Então, por que conti- O' PAI ~. Não, "Umvoluntário não
cômoda. Mas o que houver de mais nuamos fazendo guerras, se é tão pe- tem que dar tiros, ele dá tiros porque
moderno. Meu filho, Lorenz, acha rigoso? na guerra a gente tem que dar tiros.
que um dormitório em madeira cla- O PAI - Ora, enquanto houver O FILHO - Então, eles têm que
ra é pouco acolhedor para um quar- homens, haverá guerras. dar tiros!
to. Ele acha que o mogno cairia me- O FILHO - E aí, papai? Quando OPAI -:. É. .. mas eles dão tiros
lhor mas, eu acho que o carvalho é um rei ou um imperador insulta um voluntariamente.
mais barato que o mogno. ".. Aí, eu rei ou um imperador de outro país, OFILHO - E aí, papai? os fuzis,
e meu marido, pensamos que o car- os canhões, as bombas e todo o arse-
isso dá uma guerra?
valho seria melhor, por ser mais cla- nal de guerra? Tudo isso quem man-
• O PAI - Bem, deixa eu ver ...
ro, mas minha nora acha o carvalho da fazer éo imperador? .
muito comum, afinal das contas, um Não é assim tão simples. É preciso
consultar primeiro os Ministros da OPAI - Claro!
mogno, é"muito mais original. Além
disso suja menos que o carvalho. Guerra e o Conselho de Guerra. O FILHO - Eles são caros.
Quando eu e meu marido nos casa- O FILHO - E quando o senhor O PAI - Claro que é caro. Isso
mos, há muito tempo atrás, fizemos Conselho de Guerra quer a guerra, custa muito dinheiro.
nosso quarto em nogueira e, ainda isso dá numa guerra? O FILHO - Ah . . . E o chefe da
hoje eles estão de pé, muito bem con- nação pode pagar por que ele é rico?
servador, mas a nogueira é tão cara O PAI - Não... é preciso que
primeiro o Congresso seja convocado O PAI - Claro que ele é rico.
afinal quanto ao mogno. O jacaran- O chefe da nação é o homem mais
dá, é élaro, seria ainda mais bonito, e depois que os partidos decidam
rico do país.
mas o jacarandá ésem dúvida, muito pela guerra ou pela paz.
O FILHO - Como é que o impe-
mais caro, e é por isso que eu vim OFILHO - E são um "bom par- rador ficou tão rico, papai'!
aqui saber os preços e se o senhor tido" como a vizinha aí do lado? OPAI ~ Ué .. . graças aopovo ...
fabrica os móveis só por encomenda O PAI - Que bobagem! São par- graças aos impostos.
ou se já tem dormitórios prontos na tidos políticos, que são eleitos pelo
sua foja; nesse caso eu poderia vir OFILHO - Mas o povo do impe-
povo. rador não é rico.
aqui com meu filho para escolher.
OFILHO - E o povo? Se pergun- OPAI :- Não, não é, mas é o vo-
OMARCENEIRO - Bem, minha se-
ta a ele se nós queremos a guerra lume de gente quem faz isso. Se, por
nhora, esse aqui não é o lugar apro-
priado. Asenhora deve procurar uma ou não? exemplo, de 60 milhões de habitan-
fábrica de móveis, aqui só trabalha- OPAI - Não ... Ao povo não se tes, cada um pagar apenas um marco
mos com madeira para construção. pergunta, visto que o povo são os de imposto por ano, isso já faz 60
partidos, não ia haver lugar no Con- milhões de marcos.
gresso para 60 milhões de pessoas. OFILHO - Esses 60 milhões per-
É por isso que o povo tem seus re- tencem ao imperador?
I presentantes. O PAI - Não, eles pertencem ao
OFILHO - E aí, papai? A gente Estado, e o Estado é quem paga
pergunta aos soldados, se eles tam- ao imperador alguns milhões. . . uma
VIII - PAI E FILHO À espécie de salário, vamos assim dizer,
bém querem a guerra?
RESPEITO DA osuficiente para que ele e sua íamí-
GUERRA OPAI - Não, meu filho. Aos sol- lia vivam bem.
dados não se pergunta isso, eles têm OFILHO - Alguns milhões? Mas,
o FILHO - Papai, é verdade que que ir a guerra logo que ela for de- papai, você como operário ganha
a guerra é uma coisa perigosa? clarada, menos os voluntários, éclaro. isso?
O PAI - Claro. É a coisa mais OFILHO - Os voluntários tam- O PÀI - Bem... o ano inteiro
perigosa que existe. bém têm que dar tiros na guerra? eu não chego a fazer 2 mil marcos. ' 29
o FILHO - Mas, quando você foi O PAI - E milhões de operários outros operários, teríamos morrido de
operário de uma fábrica de armas, vão trabalhar na indústria fazendo fome. .
você ganhava mais? peças avulsas para 5 milhões de má- . D FILHO- É, você trabalhou tan-
O PAI - Ganhava, mas isso fOI quinas de costuras. to e, apesar disso, se bobear, hoje
durante a guerra. O FILHO- Máquinas de costu- a gente ainda pode morrer de fome.
OFILHO - Quer dizer, papai, que ras? Mas pra quê que serve máquina OPAI - Ah, quê é isso? .. Tam-
pra essa estória de ganhar dinheiro, de costura numa guerra? bém não é assim.
a guerra não é um mau negócio? OPAI - Isso é só a ilusão que se OFILHO - Mas, se acontecer uma
OPAI - Pra dizer a verdade, sim, dá aos operários. Na verdade, são outra guerra, você irá trabalhar de
mas ... metralhadoras. novo lá fabricando armas?
O FILHO - Mas. .. o quê? O FILHO - E os operários acre- OPAI - E o que eu posso fazer?
O PAI - É melhor ganhar menos ditam nisso? E como é que eles Ia- se eles nos enganarem de novo, pra
e VIver em paz. zem com os enormes canos dos ca- nós vai ser igual à última guerra.
O FILHO - Quer dizer papai, que nhões? OFILHO - Mas, papai, se é assim
se você e seus colegas não tivessem O PAI - Nesse caso se dá aos como você fala, não vai haver nunca
nunca trabahado na indústria de ar- operários a ilusão de que são apenas uma paz eterna na terra.
mamento, não existiriam armas e, telescópios de observatórios. OPAI - Nunca. E é por isso que
então a gente viveria sempre em paz, O FILHO - Mas, papai, não se se diz: enquanto houver homens, ha-
porque sem armas não se pode ter pode contar aos operários uma es- verá guerras.
guerra? tória pra boi dormir tão grande. O FILHO - Homens? Não, papai.
O PAI - Você tem toda a razão. OPAI - É claro que n ã ó conven- Nesse caso seria melhor dizer: "en-
Mas seria preciso que os operários ce ninguém. Mas os canhões estão quanto houver operários, haverá
no mundo inteiro tomassem essa aí e quem fez foram os operários. guerras".
consciência. OPAI - Não, é melhor dizer "en-
O FILHO - Você também caiu
O FILHO - E por que eles não quanto houver vigaristas pra inven-
nessa?
tomam? tar estórias pros operários, haverá
OPAI - Ora, meu filho, você ain- O PAI - Ah ... ha ... ha ... eu guerras".
da é novo pra compreender certas logo de cara vi que eram armas de
guerra. O FILHO - Ah, então são essas
coisas. Mesmo se eu te explicasse, estórias pra boi dormir a causa das
é complicado. Os operários, como é O FILHO - Então por que você guerras?
que eu posso explicar? se deixam en- não fez greve?
O PAI - É, é isso. São essas es-
ganar pelos capitalistas. OPAI - Eu não posso fazer uma I tórias pra boi dormir que a gente
O FILHO - Como "se deixam en- greve sozinho. Se for preciso, então I chama de "capitalismo internacional".
ganar?" que os operários do mundo inteiro
O PAI - Bem, primeiro se pro- entrem em greve e não fabriquem I O FILHO - A gente não pode
i acabar com ele?
voca artificialmente um desemprego mais armas. B a única maneira de I
em massa. Quando essa crise chega a acabar com essas malditas guerras. OPAI - Só com uma bomba atô-
seu ponto máximo, a guerra já está O FILHO- Por que os operários mica que destruísse o mundo inteiro.
prestes a estourar. não fazem isso? O FILHO - Mas, é aí, papai. O
O FILHO - E depois? OPAI - Ah, meu filho . .. como
I ponto fraco é esse: quem é que faz
O PAI - Depois se convoca os as bombas atômicas?
é que você diz essas bobagens. .. Se
operários para o trabalho. naquela época, com toda aquela O PAI - Os operários, é lógico.
O FILHO - Então os operários gente desempregada, eu não tivesse OFILHO - Mas, se todos os ope-
ficam contentes porque vão ter tra- me empregado na indústria de guer- rários estivessem de acordo, ainda
30 balho novamente. ra, eu, tua mãe, você e todos os assim haveria uma guerra?
o PAI - Não, aí não haveria, se- VALENTIN - Quem disse que está essa foca velha. Além do mais, ele
ria a paz eterna. fazendo calor? não sabe nada de música. (O maestro
OFILHO - Mas eles não vão nun- 19 VIOLINISTA - O seu Müller chega sem ser notado e fica escutan-
ca entrar num acordo, porque se hou- acabou de chegar dizendo que está do, tranqüilamente)
ver a paz eterna não vai existir bom- . fazendo um calor dos diabos. ÚLTIMO MÚSICO - Quando eu .\
ba atômica pra acabar com esse ne- VALENTlN (à Müller) - Você encher meu saco, ele vai ver o que
gócio que você falou ... veio por onde? vai acontecer, esse camelo velho. Já
49 MÚSICO - Pela praia. faz mais de seis anos que ele está
(VÃO SAINDO DE CENA) esclerosado.
VALENTIN - Ah, é que eu vim
VALENTIN - Não, muito mais que
IX - CONCERTO DE pela praça!
isso. Fazem 60 anos que ele está es-
ORQUESTRA 19 VIOLINISTA - Chega de absur- clerosado. (O último músico vira e
dos, dispa-se! dá de cara com o maestro, cumpri-
Quando o pano se levanta, vê-se VALENTIN - Completamente? menumco-o]
o primeiro violinista e dois outros 19 VIOLINISTA - Não... tire o ÚLTIMO MÚSICO - Bom dia ...
músicos instalando suas estantes, pro- seu chapéu eo casaco. (Valentin põe (Para Valentin) Anda, arruma logo
curando as cadeiras e se sentando. suas coisas sobre o piano.) Opa, a tua partitura e não fica aí falando
O primeiro violinista olha a hora. opa. .. tire essas coisas daí: a neve tanto. Senão você não vai estar pron-
Nesse instante o quarto músico entra. vai molhar tudo. to quando o senhor maestro chegar e
VALENTIN - Isso não derrete. b ele vai ficar nervoso mais uma vez.
19 VIOLINISTA - Por que você neve de botar em árvore de natal. VALENTIN - E, desde quando,
está chegando tão tarde? você chama esse velho mamute de
19 VIOLINISTA - Ê melhor você
49 MÚSICO - Tá fazendo um ca- organizar logo suas partituras, pra senhor maestro?
lor desgraçado lá fora. (Ele enxuga que tudo esteja em ordem quando o ÚLTlMO MÚSICO - Eu nunca cha-
o suor, tira o casaco e o chapéu, co- senhor maestro chegar. (Valentin mei ele de outra coisa a não ser "se-
loca-os numa cadeira. Nesse instante senta-se, o último músico chega) nhor maestro".
entra o 59 músico)
ÚLTlMO MÚSICO - O senhor VALENTlN - Mas, olhem só esse
19 VIOLINISTA - Mas o que está maestro ainda não chegou? palhaço. .. De repente, começa a di-
acontecendo? Você está todo mo- zer: "senhor maestro" e, normalmen-
lhado. Está chovendo lá fora? VALENTIN - Não, até agora ainda
não. Ele deve vir mais tarde. te ele vive xingando o outro pelas
59 MÚSICO - As nuvens estão costas.
caindo em cataratas. (Por sua vez, ÚLTIMO MÚSICO - Quando so-
mos nós que chegamos atrasados, ele ÚLTIMO MÚSICO - Não é verda-
o 59 músico tira seu casaco e senta: de. Eu nunca o chamei de outra coi-
Valentin chega com um casaco de nos xinga de tudo que é jeito. Ago- sa senão: "senhor maestro". Foi você
peles, chapéu côco, completamente ra, ele pode, esse símio ... q~e disse que ele 'está esclerosado há
coberto de neve) VALENTIN- Ele está no botequim seIS anos.
• ..
19 VIOLINISTA - Pelo amor de em frente, bebendo uma cerveja atrás VALENTIN - Eu disse sessenta
Deus. O que está acontecendo? Está da outra, enchendo aquele barrigão anos. (O último músico tosse meio
nevando? gordo e bêbado.
sem jeito) Mas, o que é que deu em
VALENTIN - Terrivelmente. Uma ÚLTlMO MÚSICO - Se ao menos você? Por que ficou aí calado? (Para
neve como não se via há muito na ele fosse competente, esse babuíno. os outros) E você estão aí com esse
cidade. Mas ele não conhece sequer as no- ar imbecil, por quê? Puseram de
19 VIOLINISTA - Tem um que che- tas musicais. Não sei como conseguiu novo alguma coisa nas minhas cos-
ga suando, outro dizendo que está chegar à maestro nesse teatro. tas? (Ele se vira para ver o que tem
chovendo e você chega todo coberto VALENTIN - Pistolão. Também nas costas e dá de cara com o maes-
de neve. não tinha outro lugar para colocar tro) . 31
, MAESTRO - Fazem cinco minu- MAESTRO- Oque é que o senhor VALENTlN - Pára. Deixa eu dar
tos que eu estou te escutando. disse? uma tossida antes.
VALENTlN - Tanto tempo assim? VALENTlN - Quem? Eu? Nada. MAESTRO - Você teve bastante
MAESTRO - Quem é esse macaco MAESTRO- Vamos deixar delado tempo pra tossir, e é na hora de
velho de quem você estava falando? as gracinhas e vamos ao ataque. começar" que vccê resolve. Anda,
VALENTlN - Meu irmão. Bem. .. vamos tentar hoje, pelo me- tosse logo, estou esperando, anda,
MAESTRO - Ah . .. é seu irmão. nos por uma vez, tocar exatamente anda, o que é que há? (Todos ficam
Mas você me disse uma vez que não como eu dirijo. olhanào e esperando)
tinha irmãos. VALENTlN - Mas se nós tocar- VALENTlN - Ninguém pode me
VALENTlN - Não ... mos como o senhor dirige, vamos pe·,obrigar a fazer isso agora.
MAESTRO - Então, de quem você gar, no mínimo, uns 5 anos de ca- MAESTRO(Batendo na eStante) -
estava falando? deia por perturbar a ordem pública. Vamos tocar a marcha do Follies
MAESTRO- Silêncio. Hoje vocês Bergeres.
VALENTIN - Da minha irmã ...
vão tocar como eu dirijo. E se por VALENTlN (Erra a nota e acusa o
MAESTRO - Primeiro o irmão,
acaso alguém não gostar, a porta da outro trombetista e finalmente toca
depois a irmã?
rua está ali mesmo. (Todos saem) um compasso a mais.)
VALENTlN - Perfeitamente. Mas, onde é que vocês vão? MAESTRO - O que é que você
MAESTRO - E acha que eu sou está tocando aí? Agente já terminou.
VALENTlN - Nós não gostamos.
alguma besta para acreditar nisso?
MAESTRO - Você! Há muito tem- VALENTlN - É, mas eu comecei
VALENTIN - Perfeitamente. um pouguinho atrasado.
po que você me perturba. Sente-se.
MAESTRO - Absolutamente. Mas MAESTRO - De onde é que você
Bom, agora vamos começar com um
se eu chegar a descobrir de quem tirou esse pedaço aí que você tocou
ensaio e se sair ruim, nós paramos.
você estava falando, a coisa vai fi- a mais?
car preta ... VALENTlN - É melhor parar logo.
VALENTIN - Quem tocou alguma
VALENTlN - Você não vai desco- MAESTRO - É isso que você que- coisa mais?
brir. ria, heim? Atenção, dessa vez vamos
começar bem. MAESTRO - Você tocou um com-
MAESTRO - É, vai ser melhor as- passo a mais.
sim. . . Você ultrapassa os limites, VALENTlN - Uma pausa?
VALENTIN - Eu?
senhores: boa-noite. MAESTRO- Que "uma pausa?" MAESTRO - É, você.
TODOS - Boa-noite. De onde éque você tirou essa pausa?
VALENTlN - Que merda!
MAESTRO - É ótimo a gente sa- VALENTlN - O senhor não aca-
ber com quem está lidando. Na fren- bou de dizer: "Pausa?" MAESTRO - Não seja grosseiro.
Acabou de tocar um compasso amais.
te, sorrisos; por detrás, insultos. Tipi- MAESTRO- Eu? Eu não cheguei
nho hipócrita. a pensar nem um minuto em fazer VALENTIN - Eu não toquei com-
VALENTlN - Mas eu não posso uma pausa, foi você que acabou de passo a mais coisa nenhuma. Na cer-
dizer: "Pausa". ta foi o eco!
adivinhar quando o senhor vai estar
atrás de mim. ' VALENTlN - Eu? Eu disse isso? MAESTRO - Mas aqui não tem eco
nenhum!
MAESTRO - Você precisa que eu , MAESTRO- Acabou de dizer.
esteja atrás de você. Você é o pior VALENTlN - Claro que tem. Ouan-
~ALENTlN - Ah! Por isso que eu do a música pára a gente continua
de todos.
OUVI.
VALENTlN - Os outros também. aescutar ela lá do outro lado. É exa-
-MAESTRO- Bemque você queria tamente a mesma coisa -quando a
MAESTRO - Todos prontos? Ata- uma pausa logo no início, heim? Nem gente canta uma canção e pára de
quemos a primeira marcha. .. ' pensar, vamos começar. (Bate na repente. Há um eco. Atenção. (Can-
32 VALENTlN - Avante, marche. estante com a batuta) ta) "um pássaro acaba de pousar aos
meus pés. (Pausa. Fora da cena ou- músicos pegam instrumentos de cor- zê-lo retornar mas não consegue
ve-se pés") Ouviu? É o eco. da, Valentin pega o trompete eovio- agarrá-lo. O tapeGeiro experimenta a
MAESTRO - Bando de surdetas! lino) Eu disse piano, olhem isso! cortina e testa os concertos. A can-
Se a·gente canta uma canção numa (Valentin se ajeita e tenta tirar um tora canta. Valentin pesca a peruca
floresta, aí sim vai haver o eco, mas buraco de sua calça 'eSfregando a da cantora com o arco e continua
aqui não. Logo você tocou um com- mão) Mas por que é que você está tocando sem perceber e a cantora
passo a mais. E pronto. i se esfregando assim? Você não está continua cantando sem notar nada.
VALENTlN - Mas a gente não vai vendo que é um buraco? Valentin pisa 'na mão do ponto que
ficar discutindo isso a vida inteira, VALENTIN - É, com benzina isso urra de dor.
não é. Então eu toquei um compas- sai. (Pega o trompete e oarco esente MAESTRO - Mas quem é que está
so a mais ou foi o eco? que há algo errado, pega o violino e berrando desse jeito? (Vê o ponto)
MAESTRO _ Não foi o eco, você o arco mas o violino está ao contrá- Mas você está em cima da mão do
tocou um compasso a mais. rio) ponto. Desce daí.
VALENTIN - Tá bom, nesse caso MAESTRO - Mas larga esse violi- Valentin espantado, levanta seu pé
eu paro. no! O senhor está bêbado hoje? e olha o ponto.
MAESTRO - Então páreo VALENTIN - Hoje ainda não. MAESTRO - Volte para o seu lu-
VALENTlN - Pergunta ao Alphon- MAESTRO - Bem, pronto. Acan- gar. Eu não posso entender isso ...
so se eu toquei um compasso a mais. tora vai cantar. Ele sobe na mão do ponto. Mas você
não sentiu nada?
MAESTRO - Diga aí, Alphonso, ele VALENTlN - Não é para nós e
tocou ou não tocou um compassc nem para vocês que ela vai cantar, VALENTIN - Mas como? Foi ele
a mais? é para o público. que sentiu.
ALPHONSO - É melhor parai CANTORA - Uma canção: a Ieli- Ponto continua a urrar.
por aí. cidade perdida, VALENTlN - Por que é que ele
VALENTIN - Taí, é isso. Quando VALENTIN - Que que ela perdeu? tá gritando?
ele parar os outros vão parar tam- MAESTRO _ Ela perdeu a süa Ie- I MAESTRO - Mas é claro que ele
bém, aí você pode comprar teu gra- I licidade. tem de gritar. Você acabou de subir
mofone. nos dedos dele. Você acha isso gos-
VALENTIN - Basta botar um anún- toso? Deixe alguém andar em cima
MAESTRO - Mas, isto é o cúmulo.
(A um músico de cabelos brancos) CIO. dos seus dedos pra você ver... se
Voce que e o mais idoso, diz aí. Ele
A , A cantora canta. Valentin erra você tivesse educação você pediria
tocou um compasso a mais ou era tudo tentando acompanhá-la no via- desculpas.
o eco? lino. O maestro o xinga por causa VALENTIN - Eu não tenho.
59 MÚSICO _ Era o eco. disso. Enquanto isso ele afina o vio- Ponto grita.
lino, o maestro o xinga novamente
M~ESTRO - Rua. (Ao público) I enquanto a cantora continua a can- VALENTIN - Ele continua a gri-
Perdao, senhoras e senhores mas tra- tar. Entra um tapeceiro atravessa a tar e eu não tou pisando mais na
• ta-se aqui de um litígio m~sical. Ele I sala fazendo barulho e dhega na cena mão dele ...
tocou um compasso a mais ou era ! com uma escada e material. A can- MAESTRO - A propósito acabo
o eco? I tora continua cantando. O tapeceiro de me lembrar de uma coisa: se te
PÚBLICO - Era o eco. (Quinto começa o conserto martelando ruido- acontecer de passar por mim na rua
músico senta-se) samente. A cantora imperturbável, tenha a fineza de me cumprimentar.
MAESTRO (Resignado) - Estou canta, Valentin se esforça pra saber Isso se faz. Aeducação o exige.
em minoria. Bom, agora .tá na hora o que está acontecendo, sobe na ca- UM MÚSICO - Por quê? Osenhor
da cantora. Para a senhora é preciso deira, estica o pescoço, vai andando encontrou com ele em algum lugar?
um acompanhamento de piano, o por entre os músicos sempre tocan- VALENTlN - Ontem, no correio.
trompete é muito forte. (Todos os do. O maestro o persegue para fa- Ele estava na fila. ' 33
MAESTRO - Mas se,você me viu I terrível circuito da morte através de tenha acontecido nada corri ele. '(Para
por que é que você não me cumpri- neblina e da escuridão. o ciclista) Se machucou?
inentou? . A orquestra toca um clima. OCLISTA - Não. Meus ossos 'es-
, VALENTlN - Porque você estava , Então a primeira parte, uma volta tão bem.
tão longe, lá atrás, eu não ia perder no velociclo em roda livre esem freio VALENTIN - Quebrou os óculos
o meu 'lugar para ir lá .falar com o contrapedal. também?
senhor. É que tinha muita gente lá, A orquestra toca o Danúbio Azul. MAESTRO - Não, ele está bem.
homens públicos, passantes, povo, '
VALENTIN - Ele está machucado?
tudoo iISSO nusistura do, anas,
liás a mulher , VALENTlN
b 't- bBom ele, como ele
que estava adiante' de voce, rou bae-om' mUI o om.
A
. MAESTRO - Pelo contrário.
ram a bolsa dela. . MAESTRO - Na segunda parte, VALENTIN - Onde? Atrás'!
MAESTRO - O qu e e' que você apagandoimento uma chama incandescente
]oCIC'I'Ista passa a pTl~, MAESTRO - Eu disse pelo con-
di
quer Izer com I . isso? Fala como se em ,movimento , trário.
fosse eu ue tivesse roubado. meua ve~ mas o maestco esta com
q . N a vela tao alta que nco cOllSegue VALENTIN - Ah, na frente.
VALENTIN - Bom, eu ainda nao apagar; o ciclista faz nova volta e, MAESTRO - Você quer me fazer
tenho certeza absoluta... .,. dessa vez com avela bem perto, con- de idiota? Mas o que vocês estão fa-
MAE~TRO -. Chega de, hisíórias segue apagá-la. A orquestra faz o zendo de pé nessas cadeiras? Façam
por hoje. .. Afmem em do. I clima.) ofavor de descer daí já. (Todos con-
Ouve-se. som dos músicos afinan- MAESTRO _ Terceira parte: uma tinuam em pé sobre as cadeiras)
do seus l1lstrumentos. volta ao som de sinos. Quarta parte: VALENTIN - É lógico que ele tem
MAESTRO (Sobe ao proscénio) - uma volta de olhos tapados. que quebrar a cara, ele está de olhos
Prezado público. Vamos apresentar Tapa os olhos do ciclista com um I tapados. Ele não vê nada, por que
agora, o cicli,sta, acrobata de renome pano pequeno. você tarou os olhos dele.
mundial: MIster Hamptnquenpft. I' d MAESTRO - Mas o fantástico do
, , V.ALENTlN - Ee esta enxergan o. , .
O CIclIsta entra em cena. N d numero era exatamente ISSO.
MAESTRO - Nascido em 19. .. e MAESTRO ---: ~as ele nao , po e A I ?
, . ,. ver (Para o CIclIsta) Voce esta ven- VALENTIN - Tapar os ohos.
qualquer COIsa, fez a escola pnmana' . N
Chi f It
de icago, as a a or a OI d h' d is anos do alguma coisa? t MAESTRO
d - Nao, andar de olhos
na Prefeitura finalmente abraçou a CICLISTA - Não. apa os.
carreira de ;rtista. Depois de todos MAESTRO _ Ele mesmo está di- VALENTIN - Mas aí ele não pode
os espetáculos que ele fez no nor- zendo que não vê nada. (O ciclista ver nada.
deste 'da Índia, Gleicental, em Stut- dá apartida edá de cara num muro) MAESTRO - Mas ele não deve ver
gart, em Berlim, na ilh~ de ?ás~o.a VALENTIN (E os músicos, levan- nada mesmo.
e em Pentecostes, e~e nao tera, diíi- tando da cadeira e gritando) - Ele VALENTlN - Então ele vai que-
c~ld~des de conquistar .tambem o quebrou a cara. (Acabando de dizer brar a cara.
publico local. Ofamoso Mister Hamp- isso eles voltam tranqüilamente a ele não deve
tenquenpftn vai dividir seu número MAESTRO - Mas
em cinco partes. Primeira parte: uma tocar.) ,quebrar a cara.
volta em seu original velociclo em MA.ESTR~. - ~arem debgntar des~a VALENTIN - Ele é obrigado a
roda livre sem freio, contrapedal. Se- m~nerra. mguem perce eu que ee quebrar a cara.
· . caIU.
gun damente: va; apagar em movi- , MAESTRO_ Por quê?
mento uma chama incandescente. VALENTIN (Sentado tocando) -
Terceiramente: uma volta neste mes- Aconteceu alguma coisa com o velo- VALENTIN - Porque tem os olhos
mo velociclo ao som de sinos. Quar- ciclo? tapados.
tamente: uma volta completa de MAESTRO - O velociclo é o de MAESTRO - Mas o fantástico do
34 olhos vendados. E para terminar, o menos, o mais importante é que nâo número é isso.
VALENTIN - o quê? Tapar os ensaiou, não podemos tocar sem
olhos? ensaio. Iabatuta
I
no arco de Valentin que rea-
;e esaem os dois esgrimando; o maes-
MAESTRO - Pára com isso, não MAESTRO - Tocaremos sem en- tro vai recuando egrita) - De novo,
vamos acabar nunca. saio. Esses senhores todos são músi- Valentin? (Valentin dá nova estoca-
VALENtIN - Não, realmente é um cos profissionais. sabem tocar lendo da no maestro, cumprimenta com a
número perigoso. Um número mor- a partitura. espada e arco à testa e a enfia na
tal, porque ele não sabe nunca se ele VALENTIN - E se tiver um erro bainha.)
vai se suicidar ou não. , na partitura? MAESTRO - :É o fim do mundo.
MAESTRO (Aos músicos que estão MAESTRO - Não há .nenhum erro Você devia ter vergonha.
o tempo todo em pé nas cadeiras nelas. Eu mesmo escrevi cada nota.
VALENTIN - Eu disse que eu ia
tocando) - Vocês vão descer daí VALENTIN - Por isso mesmo. tocar o que estava escrito.
de uma vez por todas. MAESTRO - Você está passando
MAESTRO - Fazer semelhante es-
Os músicos descem das cadeiras e dos limites.
cândalo diante do público, imagina
terminam o trecho. VALENTIN - Bom, para nós tanto l o que eles não vão pensar.
VALENTlN (Descendo) - Mas e faz'.A g,ente vai tocar o que estiver
se ele quebrar a cara de novo? escnto aI; A
VALENTIN - Estou pouco me in-
comodando.
N