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li CABARÉ VALENTIN" e cantava baladas no seu violão.

Mas foi do cômico


Valentin, que se apresentava numa cervejaria, de quem
De Kar! Valentin ele aprendeu mais. Em rápidos esboços, Valentin repre-
sentava empregados teimosos, músicos de orquestras ou
.\ fotógrafos que detestavam seus patrões eos tornavam ridí-
Seleção de sketches cômicos culos. Opatrão era representado por sua assistente Liesl
Karlstadt, uma cômica popular, que botava uma barriga
Tradução e Adaptação: Buza Ferraz e Caique Botkay postiça e falava com voz grave. Quando Brecht montou
sua primeira peça, onde havia uma batalha que durava
quase meia hora, ele perguntou a Valentin como deviam
se comportar os soldados: "como são os soldados numa
batalha?" Valentin respondeu sem refletir: "eles estão
brancos, eles têm medo".

À RESPEITO DE KARL VALENTIN

Bertold Brecht, outubro de 1922

A FORÇA CÔMICA DE KARL VALENTIN


"Assim que Karl Valentin, na algazarra de qual-
'quer cervejaria, se aproximava com seu ar mortalmente As diferentes formas de intervenções cênicas, justa-
sério, entre os barulhos de canecas de chope, de can- postas, intercaladas, de Karl Valentin, geram o clima de
torias do público, a gente tinha imediatamente a sensa- i cabaré que fizeram a celebridade do grande cômico de
. ção profunda que, esse homem não vinha ali fazer gra- Munique. Monólogos, pequenos e grandes sketches se
·ça. Ele próprio era uma piada ambulante.
encaixam ou se desenvolvem como fragmentos de um
Uma graça tão complicada, com a qual a gente não todo; o que passou é sempre retomado num incansável
consegue brincar. Ele é um cômico inteiramente seco, trabalho artesanal de montar e desmontar. A mobilidade
interiorizado, em cujo espetáculo a gente pode continuar desse material não é gratuita: ela permite aos espetá-
a beber e fumar e que nos sacode o tempo todo com culos de Kar! Valentin os mosaicos mais diversos - o
um riso interior que não tem nada de pacífico. que permite à cada espetáculo uma composição segundo
Quando esse homem, uma das figuras intelectuais a hora e o lugar - com essa ciência de improvisação
mais penetrantes desta época, nos apresenta a simplici- sem a qual não há nem teatro público nem arte popular.
dade em carne e osso, juntamente com tranqüilidade, Nesses sketches ele costura as palavras e as situa-
besziras e prazer de viver, a velha besta que dorme ! ções com a raiva, a malícia e a angústia de quem pro-
dentro de nós acorda e nos faz rir no mais profundo i cura. Conseqüentemente o cotidiano é distorcido, e o
de nós mesmos." naturalismo é levado à abstração. Nunca definitivamen-
Brecht era ainda um jovem quando a I Guerra te, é verdade, pois nenhuma regra é definitiva em Karl
Mundial acabou. Ede estudava nessa época medicina no Valentin, mesmo a falta de regras. Valentin não penetra
Sul da Alemanha e foi aí que ele recebeu a influência diretamente em um assunto, ele contorna, se prendendo
de dois poetas e de um cômico popular. Opoeta Buchner, a detalhes, pois é um virtuose da complicação; nos seus
com uma obra escrita em 1830, foi representado pela sketches tudo se confunde e finalmente se desfaz. Como
primeira vez nessa época; a peça era Woyzeck (que mar- num labirinto ele volta aos mesmos obstáculos, avan-
.caria profundamente o seu Baal). O outro poeta, Wede- çando sem avançar, recuando ao mesmo ponto de par-
kind, produzia suas obras segundo um estilo que ele de- tida, subvertendo o processo natural de evolução do
.senvolveu nos cabarés. Wedekind foi cantor ambulante cotidiano. 19
1- POR~UE OS I Quantos atores teriam empregos? penderá mais da condição social, mas
Instituindo Estado por Estado o tea- das debilidades e doenças do público.
TEATROS ESTÃO tro obrigatório, nós transformaríamos Da primeira à quinta fila, teremos
completamente a vida econômica. os surdos e os míopes.
'VAZIOS Porque não é absolutamente a mes- Da sexta à décima fila, cs hipo-
ma coisa se perguntar: "Será que eu condríacos e os neurastênicos.
vou ao teatro hoje?" ou dizer: "Eu
tenho que ir ao teatro." O teatro Da décima à décima quinta fila,
obrigat6Íio levaria o cidadão à re- os doentes de pele e os doentes da
alma.
nunciar voluntariamente à todas as
outras distrações estúpidas como, por E as frisas, camarotes e galerias
exemplo o jogo de peteca, de cartas, seriam reservadas aos reumáticos e
as diiscussôes poI'íncas
. de botequim, asmáticos.
encontros amorosos e todos esses jo- A nossa experiência nos ensina
Por que todos estes teatros vazios? gos sociais que tomam e devoram que não seria nada bom se os bom-
Simplesmente, porque o público não nosso tempo. beiros fossem somente voluntários, e
vem. Culpa de quem? Unicamente do Sabendo que tem de ir ao teatro, por isso constituímos um corpo de.
Estado. Se cada um de nós se visse o cidadão não teria mais que esco- bombeiros. Por que o que é bom
obrigado à ir ao teatro, as coisas mu- lher seu espetáculo, ele se pergunta- para o corpo de bombeiros não é
dariam completamente. Por que não ria se iria ver essa noite Tristan ou bom para o teatro? Há uma relação
instituir o teatro obrigatório? Por que outra coisa? não! ele terá que ir ver íntima entre os bombeiros e o teatro.
instituímos a escola obrigatória? Por- Tristan eoutras coisas, pois será obri- Eu que estou nos bastidores desse'
que nenhum estudante iria a escola gado: ele terá que ir; gostando ou metiê há tantos anos, nunca vi uma
se não fosse obrigado. Ê verdade que não gostando, 365 vezes por ano, ao peça sem que houvesse um bombeio
seria mais diíídl instituir o teatro teatro. O estudante, por exemplo, ro na píatéia.
obrigatório, mas nós não podemos também não gosta de ir à escola, mas O teatro obrigatório universal, a
ter tudo se tivermos boa vontade e vai assim mesmo, porque a escola que nos propomos, o lO.D., levará
o senso do dever? é obrigatória. Obrigatória. Por lei. É ao teatro, numa grande cidade, cerca
Além disso: o teatro não é uma somente por lei que podemos obri- de dois milhões de espectadores. Será
escola? então... O teatro obrigató- gar nosso público a ir ao teatro. Nós necessário, então, que haja nessa ci-
rio poderia começar na infância com tentamos anos à Iio convencê-los dade vinte teatros de 100.000 luga-
um repertório de contos próprios para com boas maneiras, e eis o resultado. res; ou 40 salas de 50.000 lugares;
crianças como: "o grande anão mal- Golpes publicitários para atrair a ou 160 salas de 12.500 lugares; ou
vado" ou "o lobo e as setes Brancas multidão, como: "Ar refrigerado per- 320 salas de 6.250 lugares; ou 640:
de Neve". feito", ou então: "É permitido fumar salas de 3.125 lugares; ou dois mio.
Numa grande metrópole temos durante o intervalo", ou ainda: "Es- lhões de teatros de 1 só lugar. ' .
umas cem escolas e mil crianças por tudantes e mili~a~s, do general ao I Ê preciso ser ator para se dar con-·
escola cada dia, o que faz cem mil raso paga~ meia. ~om todos esses I ta da força que isso pode ter quando
crianças diárias. Essas cem mil crian- truque~ nao c?nsegmmos encher sa- somos tomados pela presença, numa .
ças irão de manhã à escola e, de las, vejam voces. sala monumental, de um público de,
tarde, ao teatro obrigatório. Preço de E tudo que iríamos gastar para digamos, 50.000 pessoas.
ingresso por espectador-criança: cin- fa~er publicidade, será. ec?~omizado , Eis o verdadeiro modo de ajudar '
qüenta pfennig, às custas do Estado, pOIS. o teatro se:a. obngatono. Quem os teatros que estão à beira da Ia-
certamente, isso nos dá cem teatros precisa de publicidade para mandar lência. Não se trata de distribuir fili- ·
cada um com mil lugares ocupados: as crianças para a escola? petas, cartazes e' convites. Não. Ê
500 marcos por teatro, 50.000 mar- Não haverá mais problemas com preciso impor o teatro obrigatório.
20 cos os cem teatros na cidade. o preço dos ingressos. Ele não de- E quem pode impor senão o Estado?
1I-- AIDA AO 'TEATRO I na hora nunca. Mas, geralmente os você quer ficar tão bonito? Você me
teatros só começam mais tarde, às agrada e não precisa agradar mais
Marido, na mesa, lê o jornal; mu- oito horas. ninguém.
lher entra precipitadamente. MARIDO - Começam entre sete e MARIDO - Pode ser que no teatro
meia e oito horas. sente uma garota interessante do meu
MULHER -Adivinha só meu ve- MULHER - Antes das oito horas, lado.
lho, quando eu tava subindo as es- certamente não. Os teatros começam MULHER - E você acha que ela
cadas, eis que a nossa senhoria deu sempre mais tarde. vai te olhar? Ê pro Fausto que ela vai
de cara comigo e me ofereceu uma olhar.
MARIDO - Bom, então que que a
coisa. Adivinha o que ela me ofe- gente faz?
receu? MARIDO - Eu quis dizer no in-
MARIDO - Deixe de bancar a MULHER - Não fica pensando tervalo.
criança. Diz logo. muito, vamos. A mulher sai e volta com um jan.
MULHER - Toma, olha. Dois in- MARIDO - Edepois nós ainda não tar: um prato de chucrute e peque.
gressos de teatro para o Fausto. Que jantamos. nas salsichas.
que você me diz? MULHER - O jantar está pronto. MARIDO - Prato feito novamente.
MARIDO - Muito obrigado, mas MARIDO - Eu me apronto rápido. MULHER - Mas aqui nunca tem
por que não vai ela mesma, essa É só o tempo de me pentear. outra coisa.
velha coruja? MULHER - Você pode fazer isso Tem uma salsicha pra cada um.
MULHER - Ah, sem dúvida ela depois, primeiro vamos comer. Ele pega ambas, tira um metro do
não tem tempo. bolso da calça, ' mede as salsichas,
Ela sai, o marido pega um espe- dá a menor pra mulher e fica com
MARIDO - Ah, ah. Ela não tem lho e o põe à mesa; o espelho cai
tempo e) nós temos de ter tempo. a maior. Depois os dois enfiam pre-
sempre. A mulher chega com pratos , cipitadamente os garfos nos chucru-
MULHER - Não seja tão mal- , e talheres. tes, e eles se prendem. Eles puxam
agradecido. i
MULHER - Bom, agora não vamos dos dois lados. Por fim, com um gol-
MARIDO - Você sabe muito bem mais perder tempo. Ah, mais essa! pe de faca, ele separa os garfos. Du-
que essa mulher tem uma pinimba Põe ele direito. rante esse vai e vem, ele olha o re-
com a gente, senão ela não teria ofe- lógio na parede.
recido 'os ingressos justamente para O espelho fica em pé, mas ao con- MULHER - Pronto, agora ele en-
nós. trário. tortou. Mas ao menos eu sei quem
MULHER - Mas ela só queria nos I
entortou os nossos garfos. Agora va-
fazer uma gentileza. MARIDO - Mas eu não posso olhar
nele assim. mos comer depressa.
MARIDO - Ela? Para nós? E por MARIDO - Comer depressa faz
acaso nós já lhe fizemos alguma gen- MULHER - Pois bem, vire ele.
mal à saúde.
tileza? Nunca. I O marido vira o espelho mas ele ! MULHER _ Toma: chucrute.
MULHER - Então, você vai'comi- ! continua caindo. A mulher conserta,
go? Sim ou não?
<-
o marido se penteia barba e cabelo. Ela se levanta e põe chucrute no
MARIDO - E quando é que isso , prato dele- O marido, furioso a im-
começa?
MULHER - Eu gostaria de saber I pede com a mão.
! o que você tem pra pentear? Você I ME' b
MULHER - Eu não sei. Vou des- ' não pode nem sequer repartir essa ARI~O - U posso muito em
cer e perguntar pra ela. vegetaçao que voce tem.
- - A me servIr.
MARIDO - Tá bom, começa às MARIDO - É um hábito que eu te- Ele se olha no espelho.
sete e meia. I nho e mantenho. I MULHER - Chega de fazer care-
MULHER - Já são quinze pras i MULHER - Como esse homem I tas, você não precisa ficar se olhan-
sete. A gente não vai estar pronto I pode ser tão vaidoso? Pra quem que I do no espelho enquanto come. 21
MARIDO - Justamente. Assim eu que você nos deixe em paz. "Nosso MARIDO - Eele vai pisar em cima
como duplamente. caro Jose' ... " com as botas sujas e não vai poder
mais ler.
MARIDO - "Muito honrado se-
.. Os dois comem ruidosamente. nhor nosso caro José ... " Ele põe o bilhete na mesa e co-
MULHER '- "Teu jantar está na loca o vaso por cima.
MARIDO - E o menino? O que
que a gente faz com o menino quan· cozinha, no forno. Aqueça novamen- MULHER - Aí, não pode. Com
do ele voltar do trabalho? te porque pode esfriar." o jarro de flores ele vai pensar que
MULHER - Já pensei nisso. A MARIDO - Já estamos no inverno. é o aniversário dele. .
gente já deixa o jantar quente e ano MULHER - Mas eu estou falando MARIDO - Mas não é aniversá-
tes de sair escrevemos um bilhete. do jantar, que pode esfriar e nós te- rio dele.
Você continua só a comer; eu vou mos que ir ao teatro. MULHER - Mas isso vai confun-
escrever. (Pega papel e lápis) Então MARIDO - Mas se a gente não di-lo. Não, aí não pode.
vou escrever que nós não estamos tem vontade, nós não temos de ir. O marido põe a carta no espelho.
em casa. MULHER - Então eu vou escre-
MARIDO - É sensacional, olha:
MARIDO - Não precisa escrever ver: que nós podemos... temos a
ele entra, vai até ali, se olha no es-
isso: ele vai ver. É preciso que você oportunidade... queremos... deve-
mos ... pelho e diz: o que será esse bilhete?
escreva que nós saímos. e então ele o vê.
MULHER - Mas, éo que eu que- MARIDO - Que nós vamos.
MULHER - Mas quando ele ler MULHER - Nós, é claro, vemos
ria dizer. Eu vou escrever que nós porque nós sabemos que ali tem
não estamos aqui, porque saímos. esse bilhete nós já teremos saído.
um bilhete, mas ele não tem a me-
MARIDO - Escreva: "Munique, 19 MARIDO - Então, escreve: "...nós
. h " nor idéia. E se ele não olhar no
de Jun o. . . fomos... " espelho?
MULHER - Não, eu vou escrever: MULHER - "No caso do teatro MARIDO - Mas é absolutamente
"Querido.. ." estar fechado, nós voltaremos, talvez necessário que ele olhe.
certamente, pra casa. Receba as sau-
OS DOIS - Mas como é que ele - ... " MULHER - Mas se ele não olhar,
daçoes você terá posto o bilhete à toa.
se chama mesmo?
MARIDO - "As mais respeitosas..." MARIDO - Bem, espera. Eu con-
MULHER - Você opai dele, devia
saber como é que se chama o garoto. MULHER - "... dos teus pais que tinuo. Agora você escreve um outro
saíram, assim como da tua mãe." bilhete: "Quando você chegar, olha
MARIDO - Você é a mãe dele.
Você é que devia saber. MARIDO - Mas a mãe já está logo no espelho."
MULHER - É que a gente sempre incluída nos pais. MULHER - Eu vou escrever:
chama ele de "garoto". Mas, como MULHER - E agora eu vou botar "Quando você chegar, olhe logo no
um ponto final, senão aquele imbe- espelho que você vai ver uma coisa."
•é que ele se chama?
Bem, agora que nós perdemos tanto
MARIDO - Espera, eu vou per- cil vai continuar lendo. tempo com esses bilhetes, já vão dar
guntar à vizinha. MARIDO - Acrescente: "No caso sete horas. Felizmente o teatro só
MULHER - Não. Nós vamos con- de você preferir seu jantar frio, você começa às oito horas.
seguir nós mesmo; Jesus... Maria... não precisa esquentá-lo." MARIDO - Começa às sete e meia.
José... Ah. É José o nome dele. MULHER - "Porque senão ele fi- MULHER - Eu acho que eu vou
Bom... "Meu caro Jose...
' " cará muito quente." Agora vamos lavar a louça só amanhã de manhã,
MARIDO - Você não pode escre- deixar o bilhete na mesa. Mas, pode senão vai ficar muito tarde. (E!e
ver isso porque ele é meu também. ser que na mesa ele não veja logo, tira a mesa. O marido procura por
MULHER - Nesse caso eu vou es- normalmente ele entra pela porta ... todos os lugares, abre as gavetas e
22 crever: "Nosso caro José..." para Bem, vamos deixar o bilhete no chão. levanta a cabeça.)
MULHER - Pronto, vai recome- MULHER - Será que dava para eu vou te dizer uma coisa. Eu por
çar a caçada ao botão do colarinho. você fechar meu vestido que eu não mim prefiro ficar em casa e você vai
Mas, eu te dei cem mil botões. posso fazer isso sozinha. sozinho ao teatro.
MARIDO - É muito. Eu só preciso MARIDO - Ah, ô-la-lá, de novo MARIDO - Como é que eu posso
de um. os quinhentos colchetes. Quando a ir sozinho ao teatro com .dois in-
A mulher dá uma caixa de bo- gente consegue botar um maldito gressos?
tões, ele encontra um que esfrega colchete, o outro já soltou. Mulher se senta e chora.
triunfalmente no nariz da mulher. MULHER - Para de resmungar MULHER - Mas meu Deus, que
MULHER - Bem, então eu vou e acaba logo com isso. culpa tenho eu se me deram dois
me preparar. Ah, é preciso ir de MARIDO - Mas isso não é roupa ingressos?
novo à cozinha, (Ela sai) que se faça. MARIDO - Eu já esperava por
MARIDO (Gritando) - Onde você Mulher com dois chapéus na mão, essa. Ao teatro!
botou meu maldito colarinho? experimentou um. MULHER - Eu estou tão irritada,

MULHER - No mesmo lugar que MULHER - Acho que esse cha- você sabe que eu não suporto essas
você deixou ontem. péu não combina com meu vestido discussões. Eu não quero mais sair,
Marido se tortura para fechar o marrom. eu não posso mais sair. Você pode
colarinho mas não consegue fechar ir ao teatro com quem você quiser.
MARIDO - Põe um outro, anda Agora eu vou tirar minha roupa e vou
o botão.
logo. para a cama. Ai que enxaqueca in-
MARIDO - Fanny, fecha meu co- MULHER (Faz que vai mas não fernal.
larinho, pelo amor de Deus. antes
vai.) MARIDO - Ora, toma um com-
que eu fique louco.
MULHER - Ai, antes de sair ainda primido para dor de cabeça.
Mulher volta para apertar o cola-
tenho 9~e dar um jeito na casa. Ele dá o remédio para ela.
rinho.
MULHER - Depois eu vou me MARIDO - No teu lugar eu ainda MULHER - Para isso eu não pre-
vestir. Assim pelo menos um vai fi- lavaria a escada e limparia o chão ciso de você. Vai embora, já que
car pronto na hora. Ponho meu ves- da cozinha, empregadinha capn- você quer ir. .-
tido preto? chosa! Ela toma o comprimido e sai.
MARIDO - Sim. MULHER - Não seja tão estúpido. O marido vê que comprimido deu.
Da outra vez que vá ela mesma ao MARIDO - Alto! Você já tomou?
MULHER - Ou será que eu boto
o marrom? - teatro e não venha encher o saco Cospe ele de volta.
dos outros. É, toda vez que apa- MULHER _ Você não deu o com-
MARIDO - É. rece alguma coisa que pode me dar primido certo?
MULHER - Eu não posso botar um pouco de distração, é sempre
os dois ao mesmo tempo. É perda assim. Para trabalhar o ano inteiro, MARIDO - Mas também você en-
de tempo te perguntar alguma coisa. para isso eu sirvo. gole qualquer coisa que a gente dá
Bem, eu vou botar o marrom mesmo. para você.
MARIDO - E eu para ganhar di-
Numa outra oportunidade eu uso o nheiro. MULHER - Mas fala, o que você
preto. me deu?
Ela sai. O marido, nesse tempo MULHER - Pronto, vai começar MARIDO _ Pílulas laxativas.
põe o colarinho e a gravata. Depois ~~d~ .de ;ovo. E~ já c?nhe~o essa MULHER _ Você me deu um pur-
. I
ele procura os sapatos, encontra e istona, gora na. a ~als vai te pa- I gante? Deixa eu ver essa porcaria.
enquanto ele tenta amarrar um, co- rar. Ag~ra,. daqui .ate ~ teatro a Está escrito: efeito imediato. Ação
loca o outro em cima da mesa. Os ~ente V~I d I ~ C uti:. N.o teatro a em uma hora. Agora são sete e meia
laços do sapato começam a dar nós gente vai contmuar discuiindo. E da- e às oito e meia a gente vai star
e ele fica louco. A mulher volta com qui até o fim da noite nós não vamos exatamente no teatro. Aí entã. vai
o vestido marrom. fazer outra coisa senão discutir. Mas I começar. 23
, ,

MARIDO - Não começa às sete MULHER - Você aparece sempre MARIDO - Anda logo, senão' va-
e meia. Vamos logo. no pior momento. Além do mais está mos perder a hora. (A millher aju-
MULHER - Mas ainda por cima sempre pedindo alguma coisa em- da-o a vestir o peitilho)
você está vestido dessa maneira. prestada. (Pega ~ lata de azeite) .\ MULHER - Desse jeito a gente
Quando é' que você vai perder essa Bom, quanto voce quer? vai chegar atrasado. Vamos ter de
mania de andar imundo? Que ca- A VIZINHA - Só uma gotinha (A I pegar um táxi se quisermos pegar
misa é essa? mulher bota o azeite numa xícara: o início do espetáculo. Ih, a gente
MARIDO - É uma camisa de ho- nesse instante o marido volta. Ele ia esquecer os binóculos. (Ela pára
mem. está ainda com as calças na mão. B de ajudá-lo e vai pegar o binóculo.
Ao entrar ele dá um encontrão no ota na mão do marido e volta a
MULHER - Você não vai ao tea-
tro com essa camisa de jeito ne- cotovelo da mulher no momento que ajudá-lo. O binóculo escapole das
- . )' mãos dele)
nhum. É a mais velha que você tem. I poe o azelle.
ea .
Tem mais de quinze dias que você MARIDO - Mas onde é que você MARIDO - Quebrou ...
não tira ela. botou a minha camisa? (O azeite MULHER - Pra mim é o suficien-
MARIDO _ Mas isso ninguém vai derrama no vestido da mulher) te. (Abre o estojo, está vazio) Ainda
! MULHER - Meu Deus do céu. Só bem.que eles não estão aqui, senão
notar. f lt estanam em pedaços. Vamos assim
. me a ava essa. •
MULHER - Mas eu não saio com .. mesmo. Voce pegou as chaves da
você com essa camisa de forma .A VIZINHA - Eu sinto muiío, nem casa? Ah, não se esqueça de fechar
alguma. As pessoas vão pensar que I ser como me desculpar. . . as janelas; nunca se sabe quando vai
eu sou uma miserável. MULHER - Estragou todo o ves- cair um temporal.
MARIDO - Ah, não tem impor- tido. Pelo menos é azeite, não vai MARIDO - Anda, anda.
tância. I fica~ manc~ado. Ag~r~ chega. Toma. MULHER - Apague as luzes.
MULHER - Não senhor, você vai (Da o azeIte pra vI~mha) . MARIDO (No escuro) - Os in-
tirar essa camisa já e botar uma A VIZINHA - MUlto obngada.... gressos estão com você?
outra. Eu vou lá pegar. (Sai) I (Sai) . MULHER - Não, estão com você.
MARIDO - Não vou conseguir I MARIDO - ,Mas, . h aíinal'?das con- M ARIDO -e onugo:
' ? D'eixa eu
nunca na vida esquecer esta noite. d
tas, on e esta mn a. camisa. . acender as luzes. (Começa a pro-
Nunca mais, nunca mais eu vou ao MULHER - Em cI~a da cadeira, curar o botão)
I'

teatro. I MARI,?O (Pega a,camIsa. Ao .levan- MULHER - Eu dei pra você logo
Ele tira a roupa inteira e fica só ta~la ve que ela e uma camisa de I que eu vim da rua.
com a camisa. Nesse momento entra ctiança.} - Meu Deus, . I MARIDO - VaI. ver que calram
, meu Deus... , no
a vizinha. Ao vê-lo, nu, de camisa, MULHER - Mas e uma camisa I chão.
ela dá um grito de pavor. • , den- I MULHER - EU vou diIzer uma
de criança. É a única que havia
MULHER - Por que é que você - I cOisa:
trodc.dodeiguarda-roupa. Voce .e engra- ' a pronma, . vez que aguem 1 .
não bate na porta antes de entrar? ça o, deixa suas camisas s~Jas e nao tiver ~ idéia de ir ao teatro, eu vou
E você vai ficar parado aí, nu dessa b?ta pr~ .lavar. Faz o seguinte: bo~a ter um xilique. Se ao menos a gente
maneira? Vá se trocar lá no quarto. so o peltI~ho e fech~ bem o paleta. achasse os ingressos, senão não va-
(Pra vizinha) Agora a gente está . Olhe, aqUi tem um hmpo. mos nem poder entrar.
muito ocupado; estamos indo ao MARIDO - Mas esse é muito MARIDO - Estão aqui.
teatTjl. . grande. _ MULHER _ Até que enfim. Vou
ANIZINHA - Ah. .. desculpe m- MULHER - Bem, entao rasga o botá-los na minha bolsa senão é ca-
comear; eu só queria um pouquinho que sobrar. (Ele rasga a parte de paz de você perdê-los de novo. Eu
24 de az ite para botar na salada. baixo do peitilho) só queria saber se as outras pessoas
quando saem, é exatamente assim 1.,' A. - Claro que ele está aí. A. - Unia cozinha e uma praça
como nós. B. - Mas, a gente não pode vê-lo. pública são duas coisas diferentes.
MARlDO - Exatamente igual. I A. - Quando ele não esguicha B. - SÍIil; mas não se pode dizer
MULHER ': Eu não acredito que I não. " que um jato d'água como esse seja
possa ser assim em nenhum lugar do I B. - A gente também não pode I uma coisa útil. .
mundo. i escutá-lo. A. - Ele não tem nenhuma uti-
MARIDO - 'É que ninguém diz. só I A. _ Quando ele esguicha, a lidade. ,
isso. I água murmura. i B. - E~tão, por que se constróem
MULHER - Deixa eu conferir a I B. _ Ele murmura e ao mesmo esses esguichos?
hora.que começa. Está aqui.: come- i tempo ele esguicha. A. - Pra enfreitar, pra olhar!
ç~ OitO. em ponto. Quem tinha ra- A. _ Não é o jato que murmu- B. -:-' Quem?
zao, mais uma _vez? ~u. A. mulhe~ I ra é a água! A. - Os habitantes da cidade.
sempre tem razao. Esta escrito aqUi I " . ? ' ,
no ingresso: o espetáculo tem início I B. - Se~ o Jato. . B. ~ H~ q?uanto tempo que esse
às oito em ponto. I A. - Nao, com o Jato. chafanz exste;
MARIDO - Ê, você tem razão. InÍ- I B. - A gente pode comprar um .A. -, Desde 1860, eu acho. Quer
cio às oito em ponto, sexta-feira, 17 jato desses? I dizer, ha quase cem anos.
de julho. I A. - Não. B. - Bem, então todos os habi-
MULHER - Como? Sexta-feira? I B. _ Então como a Prefeitura tantes de Munique já devem tê-lo,
Mas hoioje am. da e' qumta...
. "I (Os d' OIS I '
fez pra consesuír um jato desses? .
ViStO.
se entreolham petrificados: cai o A É d f A. - É uma questão de gosto.
P
ano) II

.- 1)
um ona IVO.
As coisas belas podem ser vistas
B. - Entregaram esguichando? 'duas, três vezes.
i A. - Não. Primeiro é preciso es-
i buracar o chão, depois instalar o en- B. - Tá certo... duas, três ve-
zes. Mas os velhos ou mesmo os que
In - CONVERSA NO canamento; fazer o lago, botar as
I. flores, moram perto da praça já devem ter
CHAFARIZ e então se coloca uma grade enchido 'o saco de tanto olhar.
: protetora em volta.
A. - Mas ele não foi feito so-
(A. numa praça de Munique: B. - E depois?
olhando o jato d'água; B. está a seu I mente para os habitantes da cidade
I A. - Depois terminou. ele foi construído, principalmente
lado.)
B. - Mas a gente ainda não pode para os turistas.
I
A. - Afinal de contas esse jato i vê-lo. B. - Não, isso não é verdade.
d'água é maravilhoso. A. - Quem? Os turistas não vêm à Munique por
B. - Ê muito bonito quando ele B. - O jato em si. causa de água, eles vêm por causa
esguicha. A. - Não, só quando se abre a de cerveja.
A. - Esguichar, esguichar. Oque i água éque o jato começa a esguichar i A. - Tá certo.
quer dizer isso? Se ele não esgui- , pro alto. : B. - Eu nunca vi um turista per-
chasse não seria um jato d'água. B. - De alegria? I guntar: "Por favcr, meu senhor, onde
B. - Que tipo de jato seria'! A. - Bem, é uma lei da natureza será que eu poderia ver um chafariz
A. - Não seria jato nenhum. da física, sei lá. Quando se abre uma I que esguicha água, por aqui? Mas já
I

B. - Ah, não? torneira, a água esguicha pro alto. : vi muitos me perguntarem: onde fica
A. - Não seria jato nenhum. Se- B. - Nem sempre. Na cozinha lá I a cervejaria mais próxima?
ria apenas um jato que não esguicha. de casa, quando se abre a torneira, A. - rá certo, ninguém vem à
B. - Sim, mas ele está aí. a água sai pra baixo. I Munique por causa da água, nem 25
ninguém pode encher a cara com a B. - Aúnica coisa certa pra mim ELA - Ainda bem que eu não
água da fonte. é que a água espirra pro alto, desce, botei meu vestido de lã. Ia suar
E. - Então, por que botaram cai no laguinho e escapa pelo ralo. ainda mais.
essa grade protetora em volta? A. - Mas, é certíssimo. Porque ELE - Agente sempre acaba bo-
.\
A. - Pra quando alguém chegar se a gente observar bem o ralo é a tando uma roupa mais quente prá
muito perto do chafariz, não se mo- coisa mais importante que tem; mais dançar.
olhar. importante mesmo que o próprio jato ELA - Minha mãe, também, ela
d'água, porque se não houvesse o sua à toa. Ela vive falando.
E. - E no inverno? ralo para escorrer e se a água não ELE - A sua mãe ainda danca
A. - No inverno? Mas ele não pudesse ter escapado por ele desde também? '
funciona no inverno. 1860, Munique inteira, a Baviera in-
teira, toda a Europa estariam, tal- ELA - De jeito nenhum.
E. - Mas se um turista quiser ver
{) chafariz no inverno? vez, completamente inundadas. E o ELE - Por quê?
que você está dizendo é que haveria ELA - Ah, eu acho que é por-
A. - Ele não vai poder. Terá de
uma catástrofe descomunal se, por que ela já tem idade. E além do
esperar pelo verão.
acaso alguém resolvesse, pra se di- mais, ela sua à beça, como eu disse.
E. - Ele vai ter que ficar esse vertir, entupir o ralo do chafariz. ELE - Sua mãe também? Vai ver
tempo todo em Munique? B. - Ah, agora eu sei por que é que foi dela que você herdou esse
A. - Não, ele vai embora e volta que eles botaram uma grade prote- calor todo.
no verão. tora em volta do chafariz. ELA - (Ri.)
E. - E se ele não voltar? ELE - Quer dizer então que sua
A. - Ele aí não vai ver. IV - ADANÇA mãe sua com freqüência?
E. - É mais fácil então pro pes- ELA - Não. Não à toa. Só quan-
(Extraída do sketch "A Loja de
soal aqui de Munique. Eles podem do ela dança, que ela falou.
Discos")
ver quando quiser. _ ELE - Ah, bem. Ela só sua
A. - Não no inverno. ELE - f: uma valsa magnífica, quando dança? Eela ainda dança com
não é mesmo? freqüência?
E. - Por que ele não funciona
ELA - Mas, faz um calor pavo- ELA - De jeito nenhum. Há mui-
no inverno?
roso nesse lugar. to tempo.
A. - O jato d'água ficaria con-
ELE - É, o calor é infernal. ELE - Quer dizer que ela não
.gelado. dança mais?
E. - Ah, isso não pode ser ver- ELA - Mas, é preferível um calor
desses que um frio insuportável. ELA - Ela é incapaz de mexer
dade. A água corrente não congela um passo.
nunca. ELE - Domingo passado eu vim
aqui, mas não estava fazendo um ELE - Pelo menos ela não tem
A. - Você tem razão. Uma vez mais a oportunidade de ficar suando.
calor como o de hoje.
um encanador me disse isso. Vai ver D

ELA - Nossa... É mesmo? ELA - É, pra mamãe esse negá-


que as autoridades públicas não es-
ELE - Não fazia tanto calor, mas cio de dançar não dá mais, agora
táo a par disso.
não atrapalhava. o papai é que adora uma dançadinha.
B. - É preciso então avisar à ELE - Olha só, quem diria ...
eles. Eles vão ficar contentes e vão ELA - É, é... varia muito.
ELE - E a dança dá mais calor Mas então o seu papai também sua
economizar o trabalho de ter que
fechar o jato d'água. ainda. com facilidade?
A. - Claro. É aí que a gente vê ELA - Eu odeio esses calores. I
que os leigos também podem ter boas ELE - Parece mais um banho à
26 idéias de vez em quando. vapor.
v- ACARTA DE AMOR que eu escrevo. Você, evidentemen- A VENDEDORA - Discreto, o se-
te. nã~ ter~ isso nunca, pois não es- ~hor quer dizer?Nós temos aqui todo
Munique, 33 de janeiro de 1925 creve Jamais. tipo de modelo, tudo muito elegante

e meio.
o

Minhas saudações e um beijo, em todas as cores.


Minha querida: Teu N.N. VALENTIN - Todas as cores? En-
tão: um amarelo claro.
É com a mão chorosa que eu se-
guro a caneta para te escrever. Há AVENDEDORA - Um chapéu ama-
tanto tempo que você não escreve. .. I relo claro, meu senhor, você só vai
~o Por quê? Ainda mais depois que, VI - NA LOJA DE conseguir encontrar no carnaval.
Além do mais eu não posso acredi-
não faz muito, você. dizia numa. car- I'-
CHAPÉUS tar que o senhor vá usar um chapéu
ta que me escrevena, se eu nao te o

amarelo claro.
escrevesse. Meu pai, também,. escre- I A VENDEDORA - Bom d'la se-
veu-me ontem. Ele me disse que te nhor. O que desei VALENTIN - Não é pra usar, é
A I • • eseJa.? '
escreveu. Voce, ao contrano, nao , pra botar na cabeça.
escreveu nem uma palavra pra me VALENTIN - Um chapeu. A VENDEDORA - Com um cha-
dizer que ele tinha te escrito. Se você ' A VENDEDORA - Que tipo de péu amarelo claro, o senhor vai ficar
tivesse me escrito para me dizer que chapéu? ridículo.
meu pai te escreveu, eu teria escrito VALENTlN - Um chapéu pra bo-
VALENTlN - Mas os chapéus de
à meu pai dizendo que você gostaria tar na cabeça. palha são bem amarelo claro.
de lhe escrever mas que, infelizmen- A VENDEDORA - Certamente meu
te, não tin~a tido te~po de I~e es- senhor, um chapéu não é pa~a se
A
A VENDEDORA - Ah, então o
crever, senao voce Ja lhe tena es- vestir a sente sempre usa ele na senhor está querendo um chapéu de
crito. Você não escreveu nenhuma cabeça. e palha?
carta respondendo
. d d aquelas que eu VALENTlN - S empre · nao. Na VALENTlN - Não, os chapéus de
te escrevi, on e eu penso que essas . . I' • I palha são facilmente inflamáveis.
-estórias todas de escrituras são bem Igreja, por e;emp o, eu nao posso
.t ' b o t a r o chapeu na cabeça. A VENDEDORA - É uma pena,
tns es.
A _ • A VENDEDORA - Na igreja, não mas, infelizmente, não estão fabri-
Se voce nao soubesse ler, sena mas o s h - ' ,. cando ainda chapéus de amianto.
uma outra coisa,. eu não iria te es- ja, não é? or nao vai sempre a igre- -Mas vamos receber uns chapéus de
crever de maneira nenhuma. Mas feltro bem macio.
você sabe escrever e você não es- VALENTlN - Não, somente pra
VALENTIN - O inconveniente dos
creve mesmo quando eu te escrevo. lá, pra aqui ...
chapéus de feltro éque a gente nunca
Eu termino minha carta te escre- .A VENDEDO.RA - ? senhor quer escuta quando eles caem no chão.
vendo na esperança de que você me ! dizer pra aqUi, p~a la apenas ...
escreva, afinal. Senão será a última ! VALENTlN - E, eu quero um A VENDEDORA - Basta então o
carta que eu te escrevo. Se, esta vez I chapéu que a gente use e possa ti- senhor comprir um capacete de fer-
ro, desta maneira vai poder escutar
ainda, você não me escrever, escre- I rar. ..
quando ele cair.
va-me ao menos para me dizer que A VENDEDORA - Todos os cha-
você não quer mesmo me escrever, péus são pra se usar e se tirar. O se- VALENTlN - Sendo um civil, mi-
de maneira alguma. Eu saberei, dessa nhor vai querer um chapéu mais fle- nha senhora, eu não tenho o direito
forma, porque você nunca me es- xível ou um tipo mais duro? de usar um capacete de ferro.
creveu. VALENTlN - Não, um cinza. A VENDEDORA - Bem, o senhor
Perdoe meu jeito ruim de escre- A VENDEDORA - Eu quero di- precisa se decidir logo sobre o tipo
ver, mas é que eu tenho uma espé- zer: de que espécie? de chapéu que quer usar.
cie de artrite típica dos que escre- VALENTlN - Do gênero de cor
lO VALENTlN- Eu quero um cha-
vem sempre. Isso acontece sempre pastel. péu novo. 27
ECA/USP BIBLIOTECA
· A VENDEDORA ~ É claro, meu VALENTIN ~ Sempre? É erata- pessoas, gente excêntrica, como se
senhor, aqui só trabalhamos· com mente isso o mais triste. Os comer- diz, que saem na rua sem usar ne-
chapéus novos. ciantes se recusam a mudar seus ve- nhum chapéu, tanto faz ser verão
VALENTIN - Exatamente: eu que· lhos hábitos; são incapazes de acom- como inverno, e dizem que isso é o
ro um novo. panhar os novos tempos. que há de mais moderno. .
A VENDEDORA - Sim, mas -que AVENDEDORA - Qual é a relação VALENTIN - Ah, é? Quer dizer
tipo? entre uma medida de chapéu e os que oquê há de mais moderno é não
usar nenhum chapéu? Então, é por
VALENTIN - Um chapéu de ho- tempos modernos?
mem. VALENTIN - Agora a senhora vai isso que eu não vou comprar ne-
nhum. Até logo, minha senhora.
A VENDEDORA - Nós não íabri- me desculpar, mas as cabeças dos ho-
camos chapéus para senhoras. mens não permanecem exatamente
iguais sempre. Elas estão sempre mu- FIM
VALENTIN - Mas eu não estou
dando.
querendo chapéus para senhora.
A VENDEDORA - Por dentro sim,
AVENDEDORA - Osenhor é real-
mas por fora. .. Depois isso tudo vai
mente uma pessoa difícil de ser aten-
acabar levando a gente para uma dis- VII - NA SERRARIA
dida. Eu vou lhe mostrar alguns
cussão de tamanho.
modelos.
VALENTIN - Justamente, o tama- MADAME LISENBERGER - Por fa-
VALENTIN - Como alguns mode- nho. Não era isso o que a senhora vor, a senhora poderia me informar
los? É apenas um que eu quero. Eu queria saber? como que eu faço para ir à fábrica
só tenho uma cabeça. de Móveis Holzinger?
A VENDEDORA - Mas não o da
AVENDEDORA - Não. .. Eu vou época, apenas o da cabeça. A SÍNDICA - No fundo do corre-
lhe mostrar vários modelos, para que dor à direita. A senhora vai escutar
o senhor possa escolher. VALENTIN - Eu estava apenas o barulho de uma serra elétrica.
querendo dizer que, nos velhos tem-
VALENTIN - Eu não estou pe- pos, como se diz, a cabeça das pes- MADAME LISENBERGER - Obriga-
dindo para escolher, eu quero ape- soas era completamente diferentes do. (Elaentra na carpintaria de mô-
nas um chapéu que me caia bem. das de agora. v ás, o bamlho de máquinas é tão
AVENDEDORA - Certamente, meu alto que mal se ouve o que ela fala.
A VENDEDORA - Mas, é comple- O texto a seguir é apenas marcado.
senhor. É preciso que o chapéu lhe tamente estúpido isso. É claro que,
caia bem. Agora, se tiver a fineza I desde que os homens são homens, Vai ser repetido no final, de maneira
de me dizer sua medida de cabeça, eles sempre tiveram cada um sua audível pela platéia, a mulher, entre-
eu vou encontrar um chapéu que própria cabeça; mas o que nos inte- tanto faz os gestos naturalmente,
lhe caia bem. como da primeira vez)
ressa saber não é de que maneira O MARCENEIRO - Ah, espera lá,
VALENTIN - Minha medida de é sua cabeça.mas qual é o tamanho
cabeça? Eu tenho 55 de cabeça, mas dela. Olha, escuta meu conselho: leve , madame, mas eu não entendi nada
quero um chapéu de 60. : do que asenhora quer. Deixa eu des-
este aqui, tamanho 55. Custa apenas ligar a serra. (Desliga) O que quê
A VENDEDORA - Vai ficar muito , 15 marcos, é bonito, de ótima quali- a senhora quer mesmo?
grande pra você. dade e, ainda por cima, muito mo- I
! MADAME LISENBERGER - Eu es-
VALENTIN - Mas, pelo menos fi- derno. tava justamente acabando de dizer...
cará firme. Se eu pegar um número VALENTIN- Eu vou seguir o seu é que meu filho está noivo e vai se
menor, ele vai acabar caindo. conselho, já que a senhora é uma casar dentro de 2 meses. Eu estou
. A VENDEDORA - Mas isso não especialista. Então a senhora me diz querendo saber o orçamento para o
I
faz o menor sentido: quando a gente que esse chapéu é muito moderno? dormitório completo em carvalho
tem 55 de medida, a gente .usa um . A VENDEDORA - É. .. enfim, o claro, quer dizer, duas camas, duas
28 chapéu 55. Sempre foi assim. que é ser moderno hoje em dia? Há mesinhas de cabeceira, duas cadei-

- ~ - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -
ras, uma poltrona um armário euma o FILHO - Então, por que conti- O' PAI ~. Não, "Umvoluntário não
cômoda. Mas o que houver de mais nuamos fazendo guerras, se é tão pe- tem que dar tiros, ele dá tiros porque
moderno. Meu filho, Lorenz, acha rigoso? na guerra a gente tem que dar tiros.
que um dormitório em madeira cla- O PAI - Ora, enquanto houver O FILHO - Então, eles têm que
ra é pouco acolhedor para um quar- homens, haverá guerras. dar tiros!
to. Ele acha que o mogno cairia me- O FILHO - E aí, papai? Quando OPAI -:. É. .. mas eles dão tiros
lhor mas, eu acho que o carvalho é um rei ou um imperador insulta um voluntariamente.
mais barato que o mogno. ".. Aí, eu rei ou um imperador de outro país, OFILHO - E aí, papai? os fuzis,
e meu marido, pensamos que o car- os canhões, as bombas e todo o arse-
isso dá uma guerra?
valho seria melhor, por ser mais cla- nal de guerra? Tudo isso quem man-
• O PAI - Bem, deixa eu ver ...
ro, mas minha nora acha o carvalho da fazer éo imperador? .
muito comum, afinal das contas, um Não é assim tão simples. É preciso
consultar primeiro os Ministros da OPAI - Claro!
mogno, é"muito mais original. Além
disso suja menos que o carvalho. Guerra e o Conselho de Guerra. O FILHO - Eles são caros.
Quando eu e meu marido nos casa- O FILHO - E quando o senhor O PAI - Claro que é caro. Isso
mos, há muito tempo atrás, fizemos Conselho de Guerra quer a guerra, custa muito dinheiro.
nosso quarto em nogueira e, ainda isso dá numa guerra? O FILHO - Ah . . . E o chefe da
hoje eles estão de pé, muito bem con- nação pode pagar por que ele é rico?
servador, mas a nogueira é tão cara O PAI - Não... é preciso que
primeiro o Congresso seja convocado O PAI - Claro que ele é rico.
afinal quanto ao mogno. O jacaran- O chefe da nação é o homem mais
dá, é élaro, seria ainda mais bonito, e depois que os partidos decidam
rico do país.
mas o jacarandá ésem dúvida, muito pela guerra ou pela paz.
O FILHO - Como é que o impe-
mais caro, e é por isso que eu vim OFILHO - E são um "bom par- rador ficou tão rico, papai'!
aqui saber os preços e se o senhor tido" como a vizinha aí do lado? OPAI ~ Ué .. . graças aopovo ...
fabrica os móveis só por encomenda O PAI - Que bobagem! São par- graças aos impostos.
ou se já tem dormitórios prontos na tidos políticos, que são eleitos pelo
sua foja; nesse caso eu poderia vir OFILHO - Mas o povo do impe-
povo. rador não é rico.
aqui com meu filho para escolher.
OFILHO - E o povo? Se pergun- OPAI :- Não, não é, mas é o vo-
OMARCENEIRO - Bem, minha se-
ta a ele se nós queremos a guerra lume de gente quem faz isso. Se, por
nhora, esse aqui não é o lugar apro-
priado. Asenhora deve procurar uma ou não? exemplo, de 60 milhões de habitan-
fábrica de móveis, aqui só trabalha- OPAI - Não ... Ao povo não se tes, cada um pagar apenas um marco
mos com madeira para construção. pergunta, visto que o povo são os de imposto por ano, isso já faz 60
partidos, não ia haver lugar no Con- milhões de marcos.
gresso para 60 milhões de pessoas. OFILHO - Esses 60 milhões per-
É por isso que o povo tem seus re- tencem ao imperador?
I presentantes. O PAI - Não, eles pertencem ao
OFILHO - E aí, papai? A gente Estado, e o Estado é quem paga
pergunta aos soldados, se eles tam- ao imperador alguns milhões. . . uma
VIII - PAI E FILHO À espécie de salário, vamos assim dizer,
bém querem a guerra?
RESPEITO DA osuficiente para que ele e sua íamí-
GUERRA OPAI - Não, meu filho. Aos sol- lia vivam bem.
dados não se pergunta isso, eles têm OFILHO - Alguns milhões? Mas,
o FILHO - Papai, é verdade que que ir a guerra logo que ela for de- papai, você como operário ganha
a guerra é uma coisa perigosa? clarada, menos os voluntários, éclaro. isso?
O PAI - Claro. É a coisa mais OFILHO - Os voluntários tam- O PÀI - Bem... o ano inteiro
perigosa que existe. bém têm que dar tiros na guerra? eu não chego a fazer 2 mil marcos. ' 29
o FILHO - Mas, quando você foi O PAI - E milhões de operários outros operários, teríamos morrido de
operário de uma fábrica de armas, vão trabalhar na indústria fazendo fome. .
você ganhava mais? peças avulsas para 5 milhões de má- . D FILHO- É, você trabalhou tan-
O PAI - Ganhava, mas isso fOI quinas de costuras. to e, apesar disso, se bobear, hoje
durante a guerra. O FILHO- Máquinas de costu- a gente ainda pode morrer de fome.
OFILHO - Quer dizer, papai, que ras? Mas pra quê que serve máquina OPAI - Ah, quê é isso? .. Tam-
pra essa estória de ganhar dinheiro, de costura numa guerra? bém não é assim.
a guerra não é um mau negócio? OPAI - Isso é só a ilusão que se OFILHO - Mas, se acontecer uma
OPAI - Pra dizer a verdade, sim, dá aos operários. Na verdade, são outra guerra, você irá trabalhar de
mas ... metralhadoras. novo lá fabricando armas?
O FILHO - Mas. .. o quê? O FILHO - E os operários acre- OPAI - E o que eu posso fazer?
O PAI - É melhor ganhar menos ditam nisso? E como é que eles Ia- se eles nos enganarem de novo, pra
e VIver em paz. zem com os enormes canos dos ca- nós vai ser igual à última guerra.
O FILHO - Quer dizer papai, que nhões? OFILHO - Mas, papai, se é assim
se você e seus colegas não tivessem O PAI - Nesse caso se dá aos como você fala, não vai haver nunca
nunca trabahado na indústria de ar- operários a ilusão de que são apenas uma paz eterna na terra.
mamento, não existiriam armas e, telescópios de observatórios. OPAI - Nunca. E é por isso que
então a gente viveria sempre em paz, O FILHO - Mas, papai, não se se diz: enquanto houver homens, ha-
porque sem armas não se pode ter pode contar aos operários uma es- verá guerras.
guerra? tória pra boi dormir tão grande. O FILHO - Homens? Não, papai.
O PAI - Você tem toda a razão. OPAI - É claro que n ã ó conven- Nesse caso seria melhor dizer: "en-
Mas seria preciso que os operários ce ninguém. Mas os canhões estão quanto houver operários, haverá
no mundo inteiro tomassem essa aí e quem fez foram os operários. guerras".
consciência. OPAI - Não, é melhor dizer "en-
O FILHO - Você também caiu
O FILHO - E por que eles não quanto houver vigaristas pra inven-
nessa?
tomam? tar estórias pros operários, haverá
OPAI - Ora, meu filho, você ain- O PAI - Ah ... ha ... ha ... eu guerras".
da é novo pra compreender certas logo de cara vi que eram armas de
guerra. O FILHO - Ah, então são essas
coisas. Mesmo se eu te explicasse, estórias pra boi dormir a causa das
é complicado. Os operários, como é O FILHO - Então por que você guerras?
que eu posso explicar? se deixam en- não fez greve?
O PAI - É, é isso. São essas es-
ganar pelos capitalistas. OPAI - Eu não posso fazer uma I tórias pra boi dormir que a gente
O FILHO - Como "se deixam en- greve sozinho. Se for preciso, então I chama de "capitalismo internacional".
ganar?" que os operários do mundo inteiro
O PAI - Bem, primeiro se pro- entrem em greve e não fabriquem I O FILHO - A gente não pode
i acabar com ele?
voca artificialmente um desemprego mais armas. B a única maneira de I

em massa. Quando essa crise chega a acabar com essas malditas guerras. OPAI - Só com uma bomba atô-
seu ponto máximo, a guerra já está O FILHO- Por que os operários mica que destruísse o mundo inteiro.
prestes a estourar. não fazem isso? O FILHO - Mas, é aí, papai. O
O FILHO - E depois? OPAI - Ah, meu filho . .. como
I ponto fraco é esse: quem é que faz
O PAI - Depois se convoca os as bombas atômicas?
é que você diz essas bobagens. .. Se
operários para o trabalho. naquela época, com toda aquela O PAI - Os operários, é lógico.
O FILHO - Então os operários gente desempregada, eu não tivesse OFILHO - Mas, se todos os ope-
ficam contentes porque vão ter tra- me empregado na indústria de guer- rários estivessem de acordo, ainda
30 balho novamente. ra, eu, tua mãe, você e todos os assim haveria uma guerra?
o PAI - Não, aí não haveria, se- VALENTIN - Quem disse que está essa foca velha. Além do mais, ele
ria a paz eterna. fazendo calor? não sabe nada de música. (O maestro
OFILHO - Mas eles não vão nun- 19 VIOLINISTA - O seu Müller chega sem ser notado e fica escutan-
ca entrar num acordo, porque se hou- acabou de chegar dizendo que está do, tranqüilamente)
ver a paz eterna não vai existir bom- . fazendo um calor dos diabos. ÚLTIMO MÚSICO - Quando eu .\

ba atômica pra acabar com esse ne- VALENTlN (à Müller) - Você encher meu saco, ele vai ver o que
gócio que você falou ... veio por onde? vai acontecer, esse camelo velho. Já
49 MÚSICO - Pela praia. faz mais de seis anos que ele está
(VÃO SAINDO DE CENA) esclerosado.
VALENTIN - Ah, é que eu vim
VALENTIN - Não, muito mais que
IX - CONCERTO DE pela praça!
isso. Fazem 60 anos que ele está es-
ORQUESTRA 19 VIOLINISTA - Chega de absur- clerosado. (O último músico vira e
dos, dispa-se! dá de cara com o maestro, cumpri-
Quando o pano se levanta, vê-se VALENTIN - Completamente? menumco-o]
o primeiro violinista e dois outros 19 VIOLINISTA - Não... tire o ÚLTIMO MÚSICO - Bom dia ...
músicos instalando suas estantes, pro- seu chapéu eo casaco. (Valentin põe (Para Valentin) Anda, arruma logo
curando as cadeiras e se sentando. suas coisas sobre o piano.) Opa, a tua partitura e não fica aí falando
O primeiro violinista olha a hora. opa. .. tire essas coisas daí: a neve tanto. Senão você não vai estar pron-
Nesse instante o quarto músico entra. vai molhar tudo. to quando o senhor maestro chegar e
VALENTIN - Isso não derrete. b ele vai ficar nervoso mais uma vez.
19 VIOLINISTA - Por que você neve de botar em árvore de natal. VALENTIN - E, desde quando,
está chegando tão tarde? você chama esse velho mamute de
19 VIOLINISTA - Ê melhor você
49 MÚSICO - Tá fazendo um ca- organizar logo suas partituras, pra senhor maestro?
lor desgraçado lá fora. (Ele enxuga que tudo esteja em ordem quando o ÚLTlMO MÚSICO - Eu nunca cha-
o suor, tira o casaco e o chapéu, co- senhor maestro chegar. (Valentin mei ele de outra coisa a não ser "se-
loca-os numa cadeira. Nesse instante senta-se, o último músico chega) nhor maestro".
entra o 59 músico)
ÚLTlMO MÚSICO - O senhor VALENTlN - Mas, olhem só esse
19 VIOLINISTA - Mas o que está maestro ainda não chegou? palhaço. .. De repente, começa a di-
acontecendo? Você está todo mo- zer: "senhor maestro" e, normalmen-
lhado. Está chovendo lá fora? VALENTIN - Não, até agora ainda
não. Ele deve vir mais tarde. te ele vive xingando o outro pelas
59 MÚSICO - As nuvens estão costas.
caindo em cataratas. (Por sua vez, ÚLTIMO MÚSICO - Quando so-
mos nós que chegamos atrasados, ele ÚLTIMO MÚSICO - Não é verda-
o 59 músico tira seu casaco e senta: de. Eu nunca o chamei de outra coi-
Valentin chega com um casaco de nos xinga de tudo que é jeito. Ago- sa senão: "senhor maestro". Foi você
peles, chapéu côco, completamente ra, ele pode, esse símio ... q~e disse que ele 'está esclerosado há
coberto de neve) VALENTIN- Ele está no botequim seIS anos.
• ..
19 VIOLINISTA - Pelo amor de em frente, bebendo uma cerveja atrás VALENTIN - Eu disse sessenta
Deus. O que está acontecendo? Está da outra, enchendo aquele barrigão anos. (O último músico tosse meio
nevando? gordo e bêbado.
sem jeito) Mas, o que é que deu em
VALENTIN - Terrivelmente. Uma ÚLTlMO MÚSICO - Se ao menos você? Por que ficou aí calado? (Para
neve como não se via há muito na ele fosse competente, esse babuíno. os outros) E você estão aí com esse
cidade. Mas ele não conhece sequer as no- ar imbecil, por quê? Puseram de
19 VIOLINISTA - Tem um que che- tas musicais. Não sei como conseguiu novo alguma coisa nas minhas cos-
ga suando, outro dizendo que está chegar à maestro nesse teatro. tas? (Ele se vira para ver o que tem
chovendo e você chega todo coberto VALENTIN - Pistolão. Também nas costas e dá de cara com o maes-
de neve. não tinha outro lugar para colocar tro) . 31
, MAESTRO - Fazem cinco minu- MAESTRO- Oque é que o senhor VALENTlN - Pára. Deixa eu dar
tos que eu estou te escutando. disse? uma tossida antes.
VALENTlN - Tanto tempo assim? VALENTlN - Quem? Eu? Nada. MAESTRO - Você teve bastante
MAESTRO - Quem é esse macaco MAESTRO- Vamos deixar delado tempo pra tossir, e é na hora de
velho de quem você estava falando? as gracinhas e vamos ao ataque. começar" que vccê resolve. Anda,
VALENTlN - Meu irmão. Bem. .. vamos tentar hoje, pelo me- tosse logo, estou esperando, anda,
MAESTRO - Ah . .. é seu irmão. nos por uma vez, tocar exatamente anda, o que é que há? (Todos ficam
Mas você me disse uma vez que não como eu dirijo. olhanào e esperando)
tinha irmãos. VALENTlN - Mas se nós tocar- VALENTlN - Ninguém pode me
VALENTlN - Não ... mos como o senhor dirige, vamos pe·,obrigar a fazer isso agora.
MAESTRO - Então, de quem você gar, no mínimo, uns 5 anos de ca- MAESTRO(Batendo na eStante) -
estava falando? deia por perturbar a ordem pública. Vamos tocar a marcha do Follies
MAESTRO- Silêncio. Hoje vocês Bergeres.
VALENTIN - Da minha irmã ...
vão tocar como eu dirijo. E se por VALENTlN (Erra a nota e acusa o
MAESTRO - Primeiro o irmão,
acaso alguém não gostar, a porta da outro trombetista e finalmente toca
depois a irmã?
rua está ali mesmo. (Todos saem) um compasso a mais.)
VALENTlN - Perfeitamente. Mas, onde é que vocês vão? MAESTRO - O que é que você
MAESTRO - E acha que eu sou está tocando aí? Agente já terminou.
VALENTlN - Nós não gostamos.
alguma besta para acreditar nisso?
MAESTRO - Você! Há muito tem- VALENTlN - É, mas eu comecei
VALENTIN - Perfeitamente. um pouguinho atrasado.
po que você me perturba. Sente-se.
MAESTRO - Absolutamente. Mas MAESTRO - De onde é que você
Bom, agora vamos começar com um
se eu chegar a descobrir de quem tirou esse pedaço aí que você tocou
ensaio e se sair ruim, nós paramos.
você estava falando, a coisa vai fi- a mais?
car preta ... VALENTlN - É melhor parar logo.
VALENTIN - Quem tocou alguma
VALENTlN - Você não vai desco- MAESTRO - É isso que você que- coisa mais?
brir. ria, heim? Atenção, dessa vez vamos
começar bem. MAESTRO - Você tocou um com-
MAESTRO - É, vai ser melhor as- passo a mais.
sim. . . Você ultrapassa os limites, VALENTlN - Uma pausa?
VALENTIN - Eu?
senhores: boa-noite. MAESTRO- Que "uma pausa?" MAESTRO - É, você.
TODOS - Boa-noite. De onde éque você tirou essa pausa?
VALENTlN - Que merda!
MAESTRO - É ótimo a gente sa- VALENTlN - O senhor não aca-
ber com quem está lidando. Na fren- bou de dizer: "Pausa?" MAESTRO - Não seja grosseiro.
Acabou de tocar um compasso amais.
te, sorrisos; por detrás, insultos. Tipi- MAESTRO- Eu? Eu não cheguei
nho hipócrita. a pensar nem um minuto em fazer VALENTIN - Eu não toquei com-
VALENTlN - Mas eu não posso uma pausa, foi você que acabou de passo a mais coisa nenhuma. Na cer-
dizer: "Pausa". ta foi o eco!
adivinhar quando o senhor vai estar
atrás de mim. ' VALENTlN - Eu? Eu disse isso? MAESTRO - Mas aqui não tem eco
nenhum!
MAESTRO - Você precisa que eu , MAESTRO- Acabou de dizer.
esteja atrás de você. Você é o pior VALENTlN - Claro que tem. Ouan-
~ALENTlN - Ah! Por isso que eu do a música pára a gente continua
de todos.
OUVI.
VALENTlN - Os outros também. aescutar ela lá do outro lado. É exa-
-MAESTRO- Bemque você queria tamente a mesma coisa -quando a
MAESTRO - Todos prontos? Ata- uma pausa logo no início, heim? Nem gente canta uma canção e pára de
quemos a primeira marcha. .. ' pensar, vamos começar. (Bate na repente. Há um eco. Atenção. (Can-
32 VALENTlN - Avante, marche. estante com a batuta) ta) "um pássaro acaba de pousar aos
meus pés. (Pausa. Fora da cena ou- músicos pegam instrumentos de cor- zê-lo retornar mas não consegue
ve-se pés") Ouviu? É o eco. da, Valentin pega o trompete eovio- agarrá-lo. O tapeGeiro experimenta a
MAESTRO - Bando de surdetas! lino) Eu disse piano, olhem isso! cortina e testa os concertos. A can-
Se a·gente canta uma canção numa (Valentin se ajeita e tenta tirar um tora canta. Valentin pesca a peruca
floresta, aí sim vai haver o eco, mas buraco de sua calça 'eSfregando a da cantora com o arco e continua
aqui não. Logo você tocou um com- mão) Mas por que é que você está tocando sem perceber e a cantora
passo a mais. E pronto. i se esfregando assim? Você não está continua cantando sem notar nada.
VALENTlN - Mas a gente não vai vendo que é um buraco? Valentin pisa 'na mão do ponto que
ficar discutindo isso a vida inteira, VALENTIN - É, com benzina isso urra de dor.
não é. Então eu toquei um compas- sai. (Pega o trompete e oarco esente MAESTRO - Mas quem é que está
so a mais ou foi o eco? que há algo errado, pega o violino e berrando desse jeito? (Vê o ponto)
MAESTRO _ Não foi o eco, você o arco mas o violino está ao contrá- Mas você está em cima da mão do
tocou um compasso a mais. rio) ponto. Desce daí.
VALENTIN - Tá bom, nesse caso MAESTRO - Mas larga esse violi- Valentin espantado, levanta seu pé
eu paro. no! O senhor está bêbado hoje? e olha o ponto.
MAESTRO - Então páreo VALENTIN - Hoje ainda não. MAESTRO - Volte para o seu lu-
VALENTlN - Pergunta ao Alphon- MAESTRO - Bem, pronto. Acan- gar. Eu não posso entender isso ...
so se eu toquei um compasso a mais. tora vai cantar. Ele sobe na mão do ponto. Mas você
não sentiu nada?
MAESTRO - Diga aí, Alphonso, ele VALENTlN - Não é para nós e
tocou ou não tocou um compassc nem para vocês que ela vai cantar, VALENTIN - Mas como? Foi ele
a mais? é para o público. que sentiu.
ALPHONSO - É melhor parai CANTORA - Uma canção: a Ieli- Ponto continua a urrar.
por aí. cidade perdida, VALENTlN - Por que é que ele
VALENTIN - Taí, é isso. Quando VALENTIN - Que que ela perdeu? tá gritando?
ele parar os outros vão parar tam- MAESTRO _ Ela perdeu a süa Ie- I MAESTRO - Mas é claro que ele
bém, aí você pode comprar teu gra- I licidade. tem de gritar. Você acabou de subir
mofone. nos dedos dele. Você acha isso gos-
VALENTIN - Basta botar um anún- toso? Deixe alguém andar em cima
MAESTRO - Mas, isto é o cúmulo.
(A um músico de cabelos brancos) CIO. dos seus dedos pra você ver... se
Voce que e o mais idoso, diz aí. Ele
A , A cantora canta. Valentin erra você tivesse educação você pediria
tocou um compasso a mais ou era tudo tentando acompanhá-la no via- desculpas.
o eco? lino. O maestro o xinga por causa VALENTIN - Eu não tenho.
59 MÚSICO _ Era o eco. disso. Enquanto isso ele afina o vio- Ponto grita.
lino, o maestro o xinga novamente
M~ESTRO - Rua. (Ao público) I enquanto a cantora continua a can- VALENTIN - Ele continua a gri-
Perdao, senhoras e senhores mas tra- tar. Entra um tapeceiro atravessa a tar e eu não tou pisando mais na
• ta-se aqui de um litígio m~sical. Ele I sala fazendo barulho e dhega na cena mão dele ...
tocou um compasso a mais ou era ! com uma escada e material. A can- MAESTRO - A propósito acabo
o eco? I tora continua cantando. O tapeceiro de me lembrar de uma coisa: se te
PÚBLICO - Era o eco. (Quinto começa o conserto martelando ruido- acontecer de passar por mim na rua
músico senta-se) samente. A cantora imperturbável, tenha a fineza de me cumprimentar.
MAESTRO (Resignado) - Estou canta, Valentin se esforça pra saber Isso se faz. Aeducação o exige.
em minoria. Bom, agora .tá na hora o que está acontecendo, sobe na ca- UM MÚSICO - Por quê? Osenhor
da cantora. Para a senhora é preciso deira, estica o pescoço, vai andando encontrou com ele em algum lugar?
um acompanhamento de piano, o por entre os músicos sempre tocan- VALENTlN - Ontem, no correio.
trompete é muito forte. (Todos os do. O maestro o persegue para fa- Ele estava na fila. ' 33
MAESTRO - Mas se,você me viu I terrível circuito da morte através de tenha acontecido nada corri ele. '(Para
por que é que você não me cumpri- neblina e da escuridão. o ciclista) Se machucou?
inentou? . A orquestra toca um clima. OCLISTA - Não. Meus ossos 'es-
, VALENTlN - Porque você estava , Então a primeira parte, uma volta tão bem.
tão longe, lá atrás, eu não ia perder no velociclo em roda livre esem freio VALENTIN - Quebrou os óculos
o meu 'lugar para ir lá .falar com o contrapedal. também?
senhor. É que tinha muita gente lá, A orquestra toca o Danúbio Azul. MAESTRO - Não, ele está bem.
homens públicos, passantes, povo, '
VALENTIN - Ele está machucado?
tudoo iISSO nusistura do, anas,
liás a mulher , VALENTlN
b 't- bBom ele, como ele
que estava adiante' de voce, rou bae-om' mUI o om.
A
. MAESTRO - Pelo contrário.
ram a bolsa dela. . MAESTRO - Na segunda parte, VALENTIN - Onde? Atrás'!
MAESTRO - O qu e e' que você apagandoimento uma chama incandescente
]oCIC'I'Ista passa a pTl~, MAESTRO - Eu disse pelo con-
di
quer Izer com I . isso? Fala como se em ,movimento , trário.
fosse eu ue tivesse roubado. meua ve~ mas o maestco esta com
q . N a vela tao alta que nco cOllSegue VALENTIN - Ah, na frente.
VALENTIN - Bom, eu ainda nao apagar; o ciclista faz nova volta e, MAESTRO - Você quer me fazer
tenho certeza absoluta... .,. dessa vez com avela bem perto, con- de idiota? Mas o que vocês estão fa-
MAE~TRO -. Chega de, hisíórias segue apagá-la. A orquestra faz o zendo de pé nessas cadeiras? Façam
por hoje. .. Afmem em do. I clima.) ofavor de descer daí já. (Todos con-
Ouve-se. som dos músicos afinan- MAESTRO _ Terceira parte: uma tinuam em pé sobre as cadeiras)
do seus l1lstrumentos. volta ao som de sinos. Quarta parte: VALENTIN - É lógico que ele tem
MAESTRO (Sobe ao proscénio) - uma volta de olhos tapados. que quebrar a cara, ele está de olhos
Prezado público. Vamos apresentar Tapa os olhos do ciclista com um I tapados. Ele não vê nada, por que
agora, o cicli,sta, acrobata de renome pano pequeno. você tarou os olhos dele.
mundial: MIster Hamptnquenpft. I' d MAESTRO - Mas o fantástico do
, , V.ALENTlN - Ee esta enxergan o. , .
O CIclIsta entra em cena. N d numero era exatamente ISSO.
MAESTRO - Nascido em 19. .. e MAESTRO ---: ~as ele nao , po e A I ?
, . ,. ver (Para o CIclIsta) Voce esta ven- VALENTIN - Tapar os ohos.
qualquer COIsa, fez a escola pnmana' . N

Chi f It
de icago, as a a or a OI d h' d is anos do alguma coisa? t MAESTRO
d - Nao, andar de olhos
na Prefeitura finalmente abraçou a CICLISTA - Não. apa os.
carreira de ;rtista. Depois de todos MAESTRO _ Ele mesmo está di- VALENTIN - Mas aí ele não pode
os espetáculos que ele fez no nor- zendo que não vê nada. (O ciclista ver nada.
deste 'da Índia, Gleicental, em Stut- dá apartida edá de cara num muro) MAESTRO - Mas ele não deve ver
gart, em Berlim, na ilh~ de ?ás~o.a VALENTIN (E os músicos, levan- nada mesmo.
e em Pentecostes, e~e nao tera, diíi- tando da cadeira e gritando) - Ele VALENTlN - Então ele vai que-
c~ld~des de conquistar .tambem o quebrou a cara. (Acabando de dizer brar a cara.
publico local. Ofamoso Mister Hamp- isso eles voltam tranqüilamente a ele não deve
tenquenpftn vai dividir seu número MAESTRO - Mas
em cinco partes. Primeira parte: uma tocar.) ,quebrar a cara.
volta em seu original velociclo em MA.ESTR~. - ~arem debgntar des~a VALENTIN - Ele é obrigado a
roda livre sem freio, contrapedal. Se- m~nerra. mguem perce eu que ee quebrar a cara.
· . caIU.
gun damente: va; apagar em movi- , MAESTRO_ Por quê?
mento uma chama incandescente. VALENTIN (Sentado tocando) -
Terceiramente: uma volta neste mes- Aconteceu alguma coisa com o velo- VALENTIN - Porque tem os olhos
mo velociclo ao som de sinos. Quar- ciclo? tapados.
tamente: uma volta completa de MAESTRO - O velociclo é o de MAESTRO - Mas o fantástico do
34 olhos vendados. E para terminar, o menos, o mais importante é que nâo número é isso.
VALENTIN - o quê? Tapar os ensaiou, não podemos tocar sem
olhos? ensaio. Iabatuta
I
no arco de Valentin que rea-
;e esaem os dois esgrimando; o maes-
MAESTRO - Pára com isso, não MAESTRO - Tocaremos sem en- tro vai recuando egrita) - De novo,
vamos acabar nunca. saio. Esses senhores todos são músi- Valentin? (Valentin dá nova estoca-
VALENtIN - Não, realmente é um cos profissionais. sabem tocar lendo da no maestro, cumprimenta com a
número perigoso. Um número mor- a partitura. espada e arco à testa e a enfia na
tal, porque ele não sabe nunca se ele VALENTIN - E se tiver um erro bainha.)
vai se suicidar ou não. , na partitura? MAESTRO - :É o fim do mundo.
MAESTRO (Aos músicos que estão MAESTRO - Não há .nenhum erro Você devia ter vergonha.
o tempo todo em pé nas cadeiras nelas. Eu mesmo escrevi cada nota.
VALENTIN - Eu disse que eu ia
tocando) - Vocês vão descer daí VALENTIN - Por isso mesmo. tocar o que estava escrito.
de uma vez por todas. MAESTRO - Você está passando
MAESTRO - Fazer semelhante es-
Os músicos descem das cadeiras e dos limites.
cândalo diante do público, imagina
terminam o trecho. VALENTIN - Bom, para nós tanto l o que eles não vão pensar.
VALENTlN (Descendo) - Mas e faz'.A g,ente vai tocar o que estiver
se ele quebrar a cara de novo? escnto aI; A
VALENTIN - Estou pouco me in-
comodando.
N

MAESTRO - Nesse caso vocês po- MAESTRO - Exatam~nte. Voce nao


• bi d (P
oem su Ir e novo. ara u o p'bll'co) tem que tocar nem mais nem menos. MAESTRO - Isso ' é que é triste,
Na quinta parte do número, para en- VALENTIN - Mais é que eu não não tem um mínimo de ambição.
cerrar, o terrível circuito da morte. vou tocar mesmo. VALENTIN - Os outros também
através da neblina e da escuridão. Maestro bate com a batuta na es- não têm.
(Ele sai e volta com um grande aro tante, os mlÍsicos começam a tocar, MAESTRO - :É, para você não tem
de papel branco colado com a ins- mas repetem sempre os quatro pri- nenhum problema. :É em cima de
crição: neblina e escuridão. Rufar de meiros compassos; maestro grita fu- mimque vai cair!
tambores. No momento culminante, rioso.
VALENTIN - Ninguém percebeu
o ciclistd' atraVessa o papelão, en- MAESTRO - Mas o que está acon- nada.
quanto os mlÍsicos repetem o tema. tecendo? Por que vocês não estão
O maestro traz uma coroa de louros seguindo? MAESTRO - Você acha que as pes-
e põe no pescoço do ciclista que TODOS OS MÚSICOS - :É impossí- soas estão sentadas em cima das ore-
lhas?
agradece e sai. A cortina cai enquan- , vel, tem um sinal de repetição no
to os músicos continuam tocando) quarto compasso. VALENTIN - Pelo contrário.
MAESTRO - Quantas vezes mais VALENTIN - Desse jeito nós va- MAESTRO - Ninguém me escuta.
vocês vão tocar? mos ficar tocando isso a vida inteira. ninguém segue minhas ordens. Po-
VALENTIN - Mas ele mereceu. MAESTRO (Arrancando as folhas dem me dizer o que eu estou fazen-
MAESTRO - O ciclista é muito das mãos de Valentin) - Onde você do aqui então?
o
• bom. Esse daí promete. Oseu futuro está vendo um sinal de repetição? VALENTIN - :É oque a gente sem-
está assegurado. VALENTlN (Apontando com o arco pre se pergunta.
VALENTlN - Ele realmente será do violino) - Aqui. MAESTRO - Mesmo se um tema
bom, se ele treinar uns 20 ou 30 MAESTRO - Tira esse arco estú- não é muito moderno, não quer di-
anos. pido daí. Posso encontrar sozinho. zer nada, sempre se pode tirar algu-
MAESTRO - Vamos falar de outra Onde está? ma coisa de uma velha partitura. É
coisa. Onovo arranjo que eu fiz on- VALENTIN (Novamente com o preciso introduzir algum efeito. Mas
tem. Abram suas partituras. arco) - Aqui. qual, mas qual? Ah, já sei. :É do pizi-
VALENTlN - Quais partituras? Os MAESTRO - Será que você só sabe cato que precisamos, é o essencial,
contos de Hoffman? A gente nunca mostrar com isso? (Maestro bate com é o que nos falta. . 35
.VALENTIN ...:.. Nós não conhecemos I . MAESTRO - Como é que você in- I VALENTIN - É, você.
este senhor, nunca fomos apresen- terrompe assim dessa maneira? Oque
I
MAESTRO - Eu estou dizendo que
tados. houve? . eu estou vendo que ela não está aí.
MAESTRO - Mas eu estou falandc VALENTlN - Psiu, psiu. Eu não posso realmente ver, se ela
do pizicato. I MAESTRO - O que há? não está.
. VALENTIN - Isso nós ouvimos: VALENTlN - Silêncio um minuto. VALENTlN - É isso que eu quero
mas eu não estou ligando o nome à (Ele escuta) Nada não, eu me en- dizer.
pessoa. Você conhece ele? Não, ele ganeI. MAESTRO - E você, está vendo? '
também não conhece. Mas eu conhe- MAESTRO - Inacreditável. '(Elere- VALENTIN - Ahhhhhh ...
ço o irmão dele. toma a marcha, Valentin assobia e MAESTRO - Anão, a trompa não
MAESTRO - .Mas que bonito, ele faz sinal para omaestro parar) O que vem. Hoje é sua folga. Ê você que
conhece o irmão do pizicato. Com foi agora? vai substituí-lo.
quem ele parece? Eu gostaria muito . VALENTlN - Ah, eu não estava VALENTIN - Eu não posso, estou
de conhecê-lo. enganado, meu suspensório quebrou. com o trompete.
YALENTlN - Um gorducho de MAESTRO - Ele interrompe duas MAESTRO - Basta encostá-lo. Ah,
barbinha. vezes o concerto por causa de seus agora ele não sabe onde encostar o
MAESTRO - O pizicato? suspensórios velhos. Ê o fim. trompete. Está querendo que eu se-
VALENTlN .,.-- Não, o nome dele é A mlÍsica recomeça, o percussio- gure?
Joseph, agora eu me lembro. nista sai do ritmo. VALENTIN - Toma.
MAESTRO - Ê incrível como você VALENTIN- Eu nunca vi uma ta- A orquestra ataca a abertura "Poe-
não conhece os termos musicais mais manha falta de seriedade. tas e Camponeses", começa um in-
elementares. E isso por quê? Porque MAESTRO - Você não tem nada a crível espetáculo musical: o maestro
você nunca foi a escola de música. ver com isso. Pode acontecer com rege apaixonadamente. É uma indis·
Está achando que ser músico é sopa? qualquer um. Preste atenção pra que critível série de "gags" musicais cô-
VALENTIN - Mas foi assim que não aconteça contigo. micas. Todos tocam enlouquecida-
eu aprendi a soprar. A música continuá. No primeiro mente.
MAESTRO - Chega. Não, eu não silêncio, Valentin sopra sons incom-
vou me enforcar por isso. preensíveis no trompete. FIM
VALENTlN - Por que não? MAESTRO - Mas, o que houve?
MAESTRO - Toma as tuas parti- Não estou te entendendo. (Valentin MATERIAL PESQUISADO PARA
turas. (Ele põe as partituras hotíum- continua soprando coisas) Pare com A ESCOLHA DO ROTEIRO DO
talmente na estante) isso. Agora, para encerrar vamos to- ESPETÁCULO (1)
car a abertura de "Poetas e campo-
VALENTlN - Bom, agora vamos neses".
tocar exatamente como ele dirige, vai - Cabaré Satirique (Karl Valentin)
ser divertido (Ele se deita na cadeira.) V ALENTIN - Não vai ser possível: Editions P. J. Oswald, Paris.
a trompa não veio hoje.
MAESTRO (Batendo com a batuta) MAESTRO - Eu estou vendo que - Das Grobe Karl Valentin Buch
- Vamos tocar a marcha "Viena será Von Michael Schulte
sempre Viena" (Ele interrompe) o ela não veio hoje. . ' R. P'iper & Co. VerIag
que 'significa essa posição? Quer fi- V ALENTIN - Não, ela não veio.
car direito como todo mundo? MAESTRO - Eu posso ver por mim I - Karl Va~enti~, Editions du Théâ-
. VALENTlN -Mas foi o senhor mesmo que ela não veio. tre de LAtelier .
que pôs as folhas assim. VALENTlN - Como é que você faz - Firmling & Co. Freies Theater
.MAESTRO -7- Retoma a marcha. para ver alguma coisa que não veio? München
~6 (Valentim assobia). MAESTRO - Eu? Programas do espetáculo
~ AlIes Von Karl Valentin und Liesl
Karlstadt
. Disco EMI - üdeon
- Karl Valentin Gesammelte Merke ,
R. Piper & Co. Verlag
- Karl Valentin in Selbstzeugnissen
und Bilddokumenten Rowohlt
Verlag
.; Filmes mudos e sonoros de Karl
Valentin.

Estes sketches fazem parte do espe-


táculo Cabaré Vclentin , dirigido por Buza
Ferraz e apresentado no Teatro Cândido
Mendes, de julho a dezembro de 1980, Rio
de Janeiro. 37

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