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RESUMO
O trabalho faz uma análise do cenário brasileiro de produção de Podcast quanto ao perfil atual
dos realizadores do gênero. Ao constatar-se que a maioria expressiva de produtores de podcast
brasileiros são brancos, o que contrasta com o retrato étnico-racial do país, faz-se necessária a
investigação das condições que acarretam a falta de uma existência expressiva de criadores
negros. Busca-se fomentar a reflexão sobre as adversidades que envolvem a inserção do negro na
mídia brasileira e promover a visibilidade deste marginalizado grupo. A metodologia utilizada é
a interpretação de dados estatísticos, entrevista em profundidade com o bem-sucedido podcaster
Tiago Rogero, análise sistemática de alguns dos podcasts em destaque e referencial teórico
embasado em Silvio Almeida, Ivonete da Silva Lopes e Maria Laura Barbosa Chaves.
INTRODUÇÃO
É inegável a crescente difusão do gênero Podcast no Brasil. O formato permite que arquivos
sonoros sejam disponibilizados na Internet, à disposição de uma demanda do internauta,
diferentemente do rádio (MEDEIROS, 2007). Outra característica do Podcasting é “a liberação
do pólo de emissão” (LEMOS, 2005), isto é, seu caráter descentralizado, independente de
vínculo com uma instituição. Dadas estas condições e com o advento da internet e das
tecnologias digitais, a produção deste conteúdo adquire uma viabilidade notável, visto seu
crescimento em todo o mundo: já são pelo menos 3 milhões de podcasts diferentes e mais de 154
milhões de episódios no total. De acordo com o relatório do Listen Notes, mecanismo de busca e
de banco de dados de Podcast, os Estados Unidos detém a maioria deles com mais de 2 milhões
de episódios, enquanto o Brasil produz 196.277 deles e fica com o segundo lugar,
Nesse sentido, o presente trabalho pretende analisar criticamente o perfil do produtor de podcast
brasileiro, baseado no levantamento estatístico da PodPesquisa Produtores 2020-2021 realizada
pela Associação Brasileira de Podcasters. O projeto dirigido por Julian Catino englobou 24 das
1
Trabalho orientado pela docente Priscila Ribeiro Chequer Luz para obtenção de crédito para a disciplina Produção
e Programação em Rádio do curso de Comunicação Social – Rádio, TV e Internet da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC).
² Discente do curso de Comunicação Social, Rádio, TV e Internet.
³ Discente do curso de Comunicação Social, Rádio, TV e Internet.
27 unidades federativas do Brasil para investigar o cenário da cadeia produtiva de podcast. Os
dados indicam que a quantidade esmagadora de 58,8% dos realizadores de Podcasting no país
são brancos, 75,7% são homens, 81,3%, heterossexuais, a maioria de 26,10% tem renda entre
R$5000 a R$10.000, 54,21% é da região Sudeste e 65,70% produzem única e exclusivamente
por hobby. Assim, percebe-se que o perfil do podcaster brasileiro segue o retrato do padrão
social normativo, aquele que é dotado de privilégios e prestígio social e econômico na sociedade.
Compreende-se o Brasil como um país que possui um caráter racista e classista, marcado por um
passado escravocrata que suscita sequelas até hoje nas bases estruturais da sociedade. Silvio
Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, explica:
O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com
que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo
uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.
Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade
cujo racismo é regra e não exceção. (ALMEIDA, 2019, p. 48)
Desta forma, num país em que 56,1% dos cidadãos são negros, conforme dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), faz-se necessária a investigação sobre a dominação
branca no espaço midiático, como é o caso do podcasting. Ademais, se mostra importante
compreender os fatores por trás da pouca representatividade negra no podcast, gênero que
ganhou tanta força no país nos últimos anos e revelou-se uma considerável fonte de renda para
indivíduos, em sua maioria, brancos. Famosos Podcasts como Poddelas, Quem Pode, Pod,
Achismos Podcast e A Mulher da Casa Abandonada, protagonizados por pessoas brancas, geram
rendas significativas por meio de publicidade e doações de ouvintes. Vale salientar que existem
Podcasts populares feitos por negros no Brasil, como o Podpah e o Mano a Mano, mas a classe
negra não se insere com protagonismo neste contexto – logo, objetiva-se entender quais são as
adversidades enfrentadas por estes produtores e fomentar a reflexão sobre a falta de visibilidade
e oportunidades enfrentada pela classe. A discussão será construída através da análise sistemática
dos podcasts mais populares no país, além de entrevista em aprofundamento com Tiago Rogero,
criador do Podcast Projeto Querino e pesquisa bibliográfica através dos autores Silvio Luis de
Almeida, Maria Laura Barbosa Chaves e Ivonete da Silva Lopes.
DESENVOLVIMENTO
Por meio da análise de alguns dos programas de Podcast mais populares no Brasil, como
Poddelas, Quem Pode, Pod, Achismos Podcast e A Mulher da Casa Abandonada,
compreende-se que são produtos protagonizados por pessoas brancas. O Poddelas é comandado
por Boo Unzueta e Tata Estaniecki, mulheres brancas de classe alta, que detêm mais de 2.58
milhões de inscritos e 255,154,337 views no Youtube, desde o seu início em 2021. Quem Pode,
Pod, das atrizes Giovanna Ewbank e Fernanda Paes Leme, é um sucesso entre os internautas. O
podcast estreou em 2022 – o primeiro vídeo alcançou 100 mil visualizações em poucas horas. Só
na primeira temporada, o programa teve mais de 1 bilhão de views. Achismos Podcast, do
comediante Maurício Meirelles – homem branco de classe alta – é um sucesso do youtube,
assistido por milhares de pessoas. O fenômeno do jornal Folha de São Paulo, “A Mulher da Casa
Abandonada” foi um dos podcasts mais ouvidos em 2022, segundo ranking do Spotify, e é
também conduzido por um profissional branco: Chico Feltti, mestre em Escrita Criativa pela
Columbia University.
É importante ressaltar que há podcasts de pessoas negras que fugiram das estatísticas e se
tornaram populares no Brasil, entre eles, destaca-se o Podpah e o Mano a Mano. O Mano a
Mano conta com uma figura ilustre já conhecida por todo o Brasil: Mano Brown, vocalista do
grupo de rap Racionais MC’s. Boa parte (ou o total) do público do programa é composto por
pessoas que já conheciam o Brown e foram atraídas para seu podcast. Já o Podpah segue outra
linha: Tem como apresentadores Thiago Marques (Mítico) e Igor Cavalari (Igão), dois jovens
negros da periferia do Rio de Janeiro que explodiram na internet durante o isolamento social, em
função da Pandemia de Covid 19. A dupla, com um jeito espontâneo e linguagem descontraída,
se tornou um fenômeno nacional, conquistando um público imenso e contratos publicitários
milionários.
Em situações como esta de ascensão de pessoas negras e pobres, comumente é ouvido o discurso
de “qualquer um consegue”: que ao se esforçar e lutar arduamente por um objetivo, sua origem,
raça e classe social não importam. O famigerado discurso meritocrático é desassociado da
realidade brasileira, em que a existência ou ausência de oportunidades e visibilidade são
determinantes quanto ao êxito que um indivíduo pode obter.
O caso de Mítico e Igão pode se encaixar no que explica Tiago Rogero, em entrevista para o
presente artigo: “O diferencial [para ter sucesso], enfim, não vou falar que é trabalho porque
todo mundo trabalha tanto… Tem um pouco de sorte, de tá’ no lugar certo na hora certa e tal.
Acho que é isso.”
Tiago Rogero é o criador do podcast Projeto Querino produzido pela Rádio Novelo em parceria
com a Revista Piauí. É também o idealizador do podcast Vidas Negras (original Spotify) e do
podcast Negra Voz (produzido pelo Jornal O Globo), que venceu o Prêmio Vladimir Herzog em
2020. Em seu currículo, o jornalista acumula passagens pela Rádio Novelo como gerente de
criação e pelos veículos O Globo, O Estado de S. Paulo e BandNews FM como repórter.
Carregando a experiência de ser um homem negro produtor de podcast no Brasil, Tiago
reconhece as desigualdades existentes no meio:
Pensando no mercado de jornalismo brasileiro, ainda é um
mercado muito pouco diverso, ainda é um mercado
majoritariamente branco, especialmente se a gente pensar nas
grandes redações: é majoritariamente branco e de pessoas que
moram nas regiões ricas, né? Das cidades. Aqui no Rio de
Janeiro, por exemplo, são redações compostas majoritariamente
por pessoas que moram na Zona Sul. Os chefes são todos
brancos, na maioria dos casos são homens brancos também.
Pensando no mercado de podcast brasileiro, não muda muito
assim, ainda é um mercado muito concentrado no Sudeste,
majoritariamente masculino e majoritariamente branco. (Tiago
Rogero)
Ademais, Tiago Rogero comenta como é difícil o processo de criação de um podcast até
conseguir ascender financeiramente, sem possuir recursos iniciais significativos:
Sim, é muito difícil, é muito difícil. Não existe fórmula né, para o
podcast? Eu dou aula sobre como fazer podcast e tal e nessa
aula eu tento passar por um monte de tópicos assim, desde
qualidade técnica, dicas para ter uma qualidade técnicas
planejamento, a forma de divulgação, a forma de financiamento,
e tudo isso é para tentar ajudar que no fim das contas o
resultado saia com o máximo possível de elementos que talvez
ajude esse podcast a ser bem sucedido. Mas nada é garantia,
então uma grande empresa com muito dinheiro para fazer
propaganda do podcast e tal, pode fazer um podcast e ele não
ser um sucesso. Assim como um podcast feito com poucos
recursos pode se tornar um sucesso absoluto. Como é o caso do
podcast “Não Inviabilize” que é um podcast que começa de
forma muito contida, praticamente Déia Freitas e o editor e hoje
em dia é um dos podcasts mais bem sucedidos do Brasil. Então é
difícil mesmo. (Tiago Rogero)
Este aspecto financeiro atrelado ao alcance de bons resultados implica diretamente no trabalho
de pessoas negras no Brasil, que são as mais afetadas socioeconomicamente na sociedade – de
acordo com uma pesquisa do IBGE em 2021, considerando-se a linha de pobreza monetária
proposta pelo Banco Mundial, a proporção de pessoas pobres no país era de 18,6% entre os
brancos e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e entre os pardos (38,4%). Os dados são
do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Além disso, as dificuldades enfrentadas pela classe são notórias quando se fala em
impulsionamento nas mídias. Como já citado anteriormente (LAHNI, 2007 p. 83) a mídia
reelabora e transmite um imaginário no qual as representações socias, que fazem com que o
negro não fique muito longe de sua realidade social original. Ele também articula que a realidade
tem se modificado, mas que esta mudança segue lenta quando se olha para o passado, e que a
falta de representatividade na mídia hegemônica e em cargos de poder complexifica ainda mais
essas questões. O podcast é um dos meios de impulsionar as narrativas negras dos indivíduos que
por muito tempo se mantiveram calados ou excluídos dos meios de comunicação. Contudo, o
racismo se faz presente em práticas cotidianas e hábitos enraizados na sociedade, inclusive no
meio midiático em que o Podcast está inserido. Compreende-se que têm acontecido mudanças
relevantes nesses últimos anos, mas que ainda não é o suficiente diante da exclusão enfrentada.
Por fim, é essencial que as discussões sobre essa temática sejam abordadas e que a partir disso,
haja uma ampliação de pensamentos, podendo gerar debates nos meios de comunicação e na
sociedade como um todo, mesmo ao entender que a mudança não será imediata. Dentre inúmeras
razões, ressaltamos que os espaços que trazem visibilidade precisam ser ocupados por pessoas
negras para que cada vez mais, não só o podcast, mas as mídias hegemônicas transmitam
representatividade e um pluralismo quanto a diversidade existente.
REFERÊNCIAS
LEMOS, André. Cultura das Redes: Ciberensaios para o Século XXI. Salvador: Edufba,
2002.