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O Negro e o Podcast: A Falta de Representatividade nos Podcasts Brasileiros1

Brenda Evaristo Reis Santos²

David Alves de Souza Neto³

Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, Bahia.

RESUMO

O trabalho faz uma análise do cenário brasileiro de produção de Podcast quanto ao perfil atual
dos realizadores do gênero. Ao constatar-se que a maioria expressiva de produtores de podcast
brasileiros são brancos, o que contrasta com o retrato étnico-racial do país, faz-se necessária a
investigação das condições que acarretam a falta de uma existência expressiva de criadores
negros. Busca-se fomentar a reflexão sobre as adversidades que envolvem a inserção do negro na
mídia brasileira e promover a visibilidade deste marginalizado grupo. A metodologia utilizada é
a interpretação de dados estatísticos, entrevista em profundidade com o bem-sucedido podcaster
Tiago Rogero, análise sistemática de alguns dos podcasts em destaque e referencial teórico
embasado em Silvio Almeida, Ivonete da Silva Lopes e Maria Laura Barbosa Chaves.

Palavras-chave: Podcast; representatividade negra; racismo.

INTRODUÇÃO

É inegável a crescente difusão do gênero Podcast no Brasil. O formato permite que arquivos
sonoros sejam disponibilizados na Internet, à disposição de uma demanda do internauta,
diferentemente do rádio (MEDEIROS, 2007). Outra característica do Podcasting é “a liberação
do pólo de emissão” (LEMOS, 2005), isto é, seu caráter descentralizado, independente de
vínculo com uma instituição. Dadas estas condições e com o advento da internet e das
tecnologias digitais, a produção deste conteúdo adquire uma viabilidade notável, visto seu
crescimento em todo o mundo: já são pelo menos 3 milhões de podcasts diferentes e mais de 154
milhões de episódios no total. De acordo com o relatório do Listen Notes, mecanismo de busca e
de banco de dados de Podcast, os Estados Unidos detém a maioria deles com mais de 2 milhões
de episódios, enquanto o Brasil produz 196.277 deles e fica com o segundo lugar,
Nesse sentido, o presente trabalho pretende analisar criticamente o perfil do produtor de podcast
brasileiro, baseado no levantamento estatístico da PodPesquisa Produtores 2020-2021 realizada
pela Associação Brasileira de Podcasters. O projeto dirigido por Julian Catino englobou 24 das
1
Trabalho orientado pela docente Priscila Ribeiro Chequer Luz para obtenção de crédito para a disciplina Produção
e Programação em Rádio do curso de Comunicação Social – Rádio, TV e Internet da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC).
² Discente do curso de Comunicação Social, Rádio, TV e Internet.
³ Discente do curso de Comunicação Social, Rádio, TV e Internet.
27 unidades federativas do Brasil para investigar o cenário da cadeia produtiva de podcast. Os
dados indicam que a quantidade esmagadora de 58,8% dos realizadores de Podcasting no país
são brancos, 75,7% são homens, 81,3%, heterossexuais, a maioria de 26,10% tem renda entre
R$5000 a R$10.000, 54,21% é da região Sudeste e 65,70% produzem única e exclusivamente
por hobby. Assim, percebe-se que o perfil do podcaster brasileiro segue o retrato do padrão
social normativo, aquele que é dotado de privilégios e prestígio social e econômico na sociedade.
Compreende-se o Brasil como um país que possui um caráter racista e classista, marcado por um
passado escravocrata que suscita sequelas até hoje nas bases estruturais da sociedade. Silvio
Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, explica:

O racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com
que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo
uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.
Comportamentos individuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade
cujo racismo é regra e não exceção. (ALMEIDA, 2019, p. 48)

Desta forma, num país em que 56,1% dos cidadãos são negros, conforme dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), faz-se necessária a investigação sobre a dominação
branca no espaço midiático, como é o caso do podcasting. Ademais, se mostra importante
compreender os fatores por trás da pouca representatividade negra no podcast, gênero que
ganhou tanta força no país nos últimos anos e revelou-se uma considerável fonte de renda para
indivíduos, em sua maioria, brancos. Famosos Podcasts como Poddelas, Quem Pode, Pod,
Achismos Podcast e A Mulher da Casa Abandonada, protagonizados por pessoas brancas, geram
rendas significativas por meio de publicidade e doações de ouvintes. Vale salientar que existem
Podcasts populares feitos por negros no Brasil, como o Podpah e o Mano a Mano, mas a classe
negra não se insere com protagonismo neste contexto – logo, objetiva-se entender quais são as
adversidades enfrentadas por estes produtores e fomentar a reflexão sobre a falta de visibilidade
e oportunidades enfrentada pela classe. A discussão será construída através da análise sistemática
dos podcasts mais populares no país, além de entrevista em aprofundamento com Tiago Rogero,
criador do Podcast Projeto Querino e pesquisa bibliográfica através dos autores Silvio Luis de
Almeida, Maria Laura Barbosa Chaves e Ivonete da Silva Lopes.

DESENVOLVIMENTO

O estudo acerca da inserção do negro na mídia é um assunto atual e de extrema importância.


Considerando a estrutura social racista inerente ao Brasil, percebe-se a disseminação de ações e
ideais discriminatórios por todos os aspectos que regem a sociedade. O racismo opera no âmbito
jurídico-legal e é percebido em mecanismos estatais, práticas cotidianas e vieses ideológicos que
naturalizam uma sociedade racializada, em que o preconceito racial é entendido como processo
histórico estrutural e estruturante das relações de poder contemporâneas (ALMEIDA, 2019, p.
21). Desta forma, o racismo se constitui em práticas sociais concretas e que por meio de sua
condição institucional necessita do aval dos sistemas jurídicos, políticos e econômicos que
perpetuem a condição de práticas discriminatórias objetivas. Assim, entende-se que a mídia,
como uma instituição mercadológica (salvo os veículos comunitários) segue uma lógica racista
internalizada e operacionalizada.
Um dos meios em que pode-se perceber este movimento é o Podcast. Enquanto o formato é cada
vez mais consumido, a presença de produtores negros ainda é escassa – somente 41,2% dos
realizadores são negros, num país em que o grupo representa mais da metade da população
nacional, segundo o IBGE. Maria Laura Barbosa Chaves (2008, p. 17) relata que a mídia é
privilegiadamente considerada um “estado de opinião”, e ao observar que é mínima a presença
dos negros nos meios de comunicação no Brasil, a autora destaca que ainda vivemos o Mito da
Democracia Racial. Este é um fato que vai além do Podcast, mas é notado nas publicidades,
telenovelas, telejornais, editoriais de moda e revistas. O projeto do Estado brasileiro edificou um
sistema midiático sem se atentar a qualquer dimensão da diversidade (racial ou de gênero), tendo
o acesso aos recursos sido mediado pelas relações interpessoais e pelo capital social em um
mercado restrito a determinados segmentos econômicos, políticos e religiosos (LOPES, 2021, p.
229). Nesse sentido, os negros têm sido excluídos por possuírem menos recursos financeiros e
capital político, situação agravada pela ausência de políticas para equilibrar o setor.
A mídia absorve, reelabora e transmite o imaginário
coletivo nas representações sociais. Como fica o negro na
mídia? Não muito diferente da sua realidade social. É verdade
que a realidade está se modificando, o problema é que essa
mudança é muito lenta. Enquanto isso os afro-brasileiros que
estão à margem da sociedade desde a abolição da escravatura
(e durante a escravidão), agora continuam marginalizados
nas favelas, com acesso precário ao estudo e emprego e
também sem ser representados na sociedade (cargos político)
e na mídia (jornalistas, atores e personagens que realmente
identifiquem os afro-brasileiros), (LAHNI, 2007 p. 83).

Por meio da análise de alguns dos programas de Podcast mais populares no Brasil, como
Poddelas, Quem Pode, Pod, Achismos Podcast e A Mulher da Casa Abandonada,
compreende-se que são produtos protagonizados por pessoas brancas. O Poddelas é comandado
por Boo Unzueta e Tata Estaniecki, mulheres brancas de classe alta, que detêm mais de 2.58
milhões de inscritos e 255,154,337 views no Youtube, desde o seu início em 2021. Quem Pode,
Pod, das atrizes Giovanna Ewbank e Fernanda Paes Leme, é um sucesso entre os internautas. O
podcast estreou em 2022 – o primeiro vídeo alcançou 100 mil visualizações em poucas horas. Só
na primeira temporada, o programa teve mais de 1 bilhão de views. Achismos Podcast, do
comediante Maurício Meirelles – homem branco de classe alta – é um sucesso do youtube,
assistido por milhares de pessoas. O fenômeno do jornal Folha de São Paulo, “A Mulher da Casa
Abandonada” foi um dos podcasts mais ouvidos em 2022, segundo ranking do Spotify, e é
também conduzido por um profissional branco: Chico Feltti, mestre em Escrita Criativa pela
Columbia University.
É importante ressaltar que há podcasts de pessoas negras que fugiram das estatísticas e se
tornaram populares no Brasil, entre eles, destaca-se o Podpah e o Mano a Mano. O Mano a
Mano conta com uma figura ilustre já conhecida por todo o Brasil: Mano Brown, vocalista do
grupo de rap Racionais MC’s. Boa parte (ou o total) do público do programa é composto por
pessoas que já conheciam o Brown e foram atraídas para seu podcast. Já o Podpah segue outra
linha: Tem como apresentadores Thiago Marques (Mítico) e Igor Cavalari (Igão), dois jovens
negros da periferia do Rio de Janeiro que explodiram na internet durante o isolamento social, em
função da Pandemia de Covid 19. A dupla, com um jeito espontâneo e linguagem descontraída,
se tornou um fenômeno nacional, conquistando um público imenso e contratos publicitários
milionários.
Em situações como esta de ascensão de pessoas negras e pobres, comumente é ouvido o discurso
de “qualquer um consegue”: que ao se esforçar e lutar arduamente por um objetivo, sua origem,
raça e classe social não importam. O famigerado discurso meritocrático é desassociado da
realidade brasileira, em que a existência ou ausência de oportunidades e visibilidade são
determinantes quanto ao êxito que um indivíduo pode obter.

Meritocracia significa que todo indivíduo é capaz de prosperar


somente com suas capacidades sem precisar da ajuda da
sociedade, Estado ou família. É um sistema que
privilegia as qualidades do indivíduo como a inteligência e a
capacidade de trabalho, e não sua origem familiar ou suas
relações pessoas. O conceito de meritocracia, porém, só pode ser
válido quando todos os indivíduos de uma sociedade possuem
exatamente as mesmas condições sociais, econômicas e
psicológicas. (BEZERRA, 2020).

O caso de Mítico e Igão pode se encaixar no que explica Tiago Rogero, em entrevista para o
presente artigo: “O diferencial [para ter sucesso], enfim, não vou falar que é trabalho porque
todo mundo trabalha tanto… Tem um pouco de sorte, de tá’ no lugar certo na hora certa e tal.
Acho que é isso.”
Tiago Rogero é o criador do podcast Projeto Querino produzido pela Rádio Novelo em parceria
com a Revista Piauí. É também o idealizador do podcast Vidas Negras (original Spotify) e do
podcast Negra Voz (produzido pelo Jornal O Globo), que venceu o Prêmio Vladimir Herzog em
2020. Em seu currículo, o jornalista acumula passagens pela Rádio Novelo como gerente de
criação e pelos veículos O Globo, O Estado de S. Paulo e BandNews FM como repórter.
Carregando a experiência de ser um homem negro produtor de podcast no Brasil, Tiago
reconhece as desigualdades existentes no meio:
Pensando no mercado de jornalismo brasileiro, ainda é um
mercado muito pouco diverso, ainda é um mercado
majoritariamente branco, especialmente se a gente pensar nas
grandes redações: é majoritariamente branco e de pessoas que
moram nas regiões ricas, né? Das cidades. Aqui no Rio de
Janeiro, por exemplo, são redações compostas majoritariamente
por pessoas que moram na Zona Sul. Os chefes são todos
brancos, na maioria dos casos são homens brancos também.
Pensando no mercado de podcast brasileiro, não muda muito
assim, ainda é um mercado muito concentrado no Sudeste,
majoritariamente masculino e majoritariamente branco. (Tiago
Rogero)

A fala endossa a questão do apagamento negro no Podcast, o qual é parte de um sistema


midiático marcado pela ausência de negros como proprietários (LOPES, 2021, p. 227). Sobre o
domínio branco, Tiago opina:
Eu acho que é um domínio burro que ajuda a explicar as
constantes crises econômicas e mesmo de confiabilidade pelas
quais passa o jornalismo brasileiro, e já passou da hora. A gente
já vê muitas empresas, muitos setores da iniciativa privada já
perceberam a importância da diversidade e que isso se dá como
um ativo mesmo, financeiro, que, enfim, eu não confio muito nas
pessoas tendo consciência porque o que rege a consciência das
empresas é o dinheiro. E muitas empresas já perceberam que ter
mais diversidade vai dar mais dinheiro pra’ elas. Mas,
infelizmente, no jornalismo brasileiro, por mais que haja muitas
pessoas que já tenham essa consciência e muitas iniciativas
importantes nesse sentido, a gente ainda tá’ longe do ideal, a
gente ainda tá’ longe de ter iniciativas ativas de busca por
profissionais negros não só para cargos de estágio e treinis que
são muito importantes também, mas para cargos de chefia. É
que a gente precisa ter pessoas negras tomando essas decisões
também nas redações, tomando as decisões de quem vai ser
contratado e tomando as decisões editoriais do que vai ser
publicado e como. (Tiago Rogero)

Perguntado sobre dificuldades encontradas enquanto homem negro no ecossistema midiático, o


entrevistado revela:
Eu vim de Belo Horizonte pra’ trabalhar no Rio de Janeiro.
Então, já sou uma pessoa de outra cidade… Por exemplo, na
primeira redação que eu trabalhei que era a do Estadão, toda
reunião eu lembro que as pessoas falavam sobre o Rio de
Janeiro que elas viviam, que era um Rio de Janeiro muito rico,
da Zona Sul, e todas já tinham viajado pra’ não sei quantos
países, já tinham uma bagagem cultural incrível e eu era um
cara que vinha da periferia de Belo Horizonte, que primeira vez
que eu saí do Brasil foi fazendo o curso do Estadão, numa
viagem que o curso promoveu e tal. Então as dificuldades que eu
passei foram mais decorrentes desse não apadrinhamento assim,
né, que são dificuldades que pessoas negras encontram quando
elas acessam esses lugares que são majoritariamente brancos,
então, nesse sentido, eu reconheço que essa é uma dificuldade
também decorrente de raça (...) (Tiago Rogero)

Paralelamente, o bem-sucedido podcaster citado anteriormente, Chico Fetti, já possuía Mestrado


numa universidade do exterior quando iniciou o programa A Mulher da Casa Abandonada,
evidenciando a desproporção de oferta de oportunidades para pessoas negras e brancas no Brasil.
Ainda assim, Tiago reconhece que possui algum privilégio:

Eu vivo uma condição que eu acho sempre muito importante


destacar, porque o racismo no Brasil ele tem muitas nuances né,
e enfim, ele é propositalmente dessas nuances, que é viver a
experiência de ser um jornalista negro mas de ser um jornalismo
negro de pele clara, homem hétero, cis… Então acho que isso
tudo conta, eu tenho certeza que conta sim. Eu tenho certeza que
se eu fosse uma mulher preta, por exemplo, ou um homem preto
LGBT eu teria passado por mais dificuldades do que eu passei
relacionadas especificamente à questão de raça. (Tiago Rogero)

Sobre a importância de uma equipe etnicamente diversa, ele dispara:

Tanto por perceber que isso é algo [que falta] no mercado de


jornalismo brasileiro, quanto no mercado de podcasts, é que foi
muito importante para mim, foi a base de tudo, sem isso eu não
faria: ter equipes majoritariamente negras e majoritariamente
femininas nesses dois principais projetos que eu fiz, que são
“Vidas Negras” e o “´Projeto Querino”. E o resultado é o
resultado que a gente teria como um todo se as redações fossem
mais diversas mesmo, né? Que é qualidade, qualidade,
qualidade. Resultado direto dessa composição majoritariamente
negra e majoritariamente feminina das equipes do “Vidas
Negras” e “Projeto Querino” é a qualidade que esses projetos
têm. Imagina se todas as redações fossem assim, né, se elas
tivessem pelo menos a composição da nossa sociedade, teria
mais qualidade; uma visão muito mais completa e complexa
sobre os assuntos refletindo de fato como é a nossa sociedade.”
(...) “E enfim, fora isso, aquelas questões das dores que a gente
passa enquanto pessoas negras vendo a forma como esses
assuntos são tratados ou maltratados diariamente no jornalismo,
ao ver jornais, jornalões, e eu me atenho muito a eles porque
vim de dois deles. Eles ainda cometem equívocos diários, né, que
machuca a gente quando a gente lê, que um simples letramento
racial teria resolvido ou uma composição mais diversa da
redação teria resolvido. (Tiago Rogero)

Ademais, Tiago Rogero comenta como é difícil o processo de criação de um podcast até
conseguir ascender financeiramente, sem possuir recursos iniciais significativos:

Sim, é muito difícil, é muito difícil. Não existe fórmula né, para o
podcast? Eu dou aula sobre como fazer podcast e tal e nessa
aula eu tento passar por um monte de tópicos assim, desde
qualidade técnica, dicas para ter uma qualidade técnicas
planejamento, a forma de divulgação, a forma de financiamento,
e tudo isso é para tentar ajudar que no fim das contas o
resultado saia com o máximo possível de elementos que talvez
ajude esse podcast a ser bem sucedido. Mas nada é garantia,
então uma grande empresa com muito dinheiro para fazer
propaganda do podcast e tal, pode fazer um podcast e ele não
ser um sucesso. Assim como um podcast feito com poucos
recursos pode se tornar um sucesso absoluto. Como é o caso do
podcast “Não Inviabilize” que é um podcast que começa de
forma muito contida, praticamente Déia Freitas e o editor e hoje
em dia é um dos podcasts mais bem sucedidos do Brasil. Então é
difícil mesmo. (Tiago Rogero)

Este aspecto financeiro atrelado ao alcance de bons resultados implica diretamente no trabalho
de pessoas negras no Brasil, que são as mais afetadas socioeconomicamente na sociedade – de
acordo com uma pesquisa do IBGE em 2021, considerando-se a linha de pobreza monetária
proposta pelo Banco Mundial, a proporção de pessoas pobres no país era de 18,6% entre os
brancos e praticamente o dobro entre os pretos (34,5%) e entre os pardos (38,4%). Os dados são
do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil.

A entrevista finaliza com algumas dicas de Tiago para podcasters negros:

É difícil, mas não deve ser um aspecto de desânimo, acho que


deve ser mais um aspecto de modular a expectativa, saber que é
difícil, saber que demora para construir audiência, mas que o
ouvinte do podcast ao mesmo tempo ele tem características –
que eu acredito mesmo que são especiais, uma pessoa que ouve
um episódio de podcast do início ao fim tem um nível de
envolvimento com a história, um nível de assimilação das
informações que estão sendo contadas que é diferente, por
exemplo, de uma pessoa que lê uma matéria, que a gente nem
sabe se a pessoa passou do título, se ela passou do primeiro
parágrafo, se ela chegou ao fim do texto e ainda que ela tenha
chegado ao fim do texto, será que essa informação ficou com ela
mesmo? Mas o podcast por ser essa mídia muito íntima que você
literalmente fica falando no ouvido da pessoa, ele possibilita que
a pessoa se engaje mais, que ela esteja mais envolvida com
aquele conteúdo e assimile mais mesmo essa informação. Então,
a dica é não desanimar, saber que é difícil mesmo, saber que
demora, mas que pode ser muito prazeroso. Porque as pessoas
têm mesmo essa tendência de se relacionar mais com o conteúdo
e eu gosto sempre de pensar também nas métricas de sucesso
que não as da sociedade de consumo, né. As métricas de sucesso
da sociedade de consumo é “ah tá tendo audiência, tá bem
rankeado, ta sendo muito compartilhado, ganhou prêmio…”
Enfim, eu gosto de pensar no nível de sucesso que é do pessoal,
assim, uma pessoa que eu vi um episódio e que aquele episódio
fez alguma diferença pro’ dia daquela pessoa, sabe? Que seja
aprender algo que ela não sabia, que seja refletir algo de uma
forma que ela ainda não tenha refletido, que seja abrir um
sorriso, sabe?. (Tiago Rogero)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, percebe-se que as adversidades enfrentadas por produtores negros de


podcasts vão muito além da falta de visibilidade. Entendemos que a mídia hegemônica é
majoritariamente dominada por brancos, e quando se tem diversidade, ela é de natureza
estratégica, visando somente os lucros da iniciativa privada, como exemplifica o entrevistado
Tiago Rogero. É conveniente recordar-se que a mínima presença de pessoas negras nos veículos
radiofônicos e televisivos, que são a grande massa da comunicação, reafirma o domínio da
branquitude no nosso país; em relação ao podcast, os dados apresentados neste artigo deixam
claro o cenário. É importante trazer para a discussão a falta de equidade que existe em
comparação às pessoas negras e brancas e salientar que isso também estende-se na ausência da
representatividade que influenciam nos comportamentos das pessoas negras, o que pode acarretar
numa polarização e um não reconhecimento de si próprio nos meios.

Além disso, as dificuldades enfrentadas pela classe são notórias quando se fala em
impulsionamento nas mídias. Como já citado anteriormente (LAHNI, 2007 p. 83) a mídia
reelabora e transmite um imaginário no qual as representações socias, que fazem com que o
negro não fique muito longe de sua realidade social original. Ele também articula que a realidade
tem se modificado, mas que esta mudança segue lenta quando se olha para o passado, e que a
falta de representatividade na mídia hegemônica e em cargos de poder complexifica ainda mais
essas questões. O podcast é um dos meios de impulsionar as narrativas negras dos indivíduos que
por muito tempo se mantiveram calados ou excluídos dos meios de comunicação. Contudo, o
racismo se faz presente em práticas cotidianas e hábitos enraizados na sociedade, inclusive no
meio midiático em que o Podcast está inserido. Compreende-se que têm acontecido mudanças
relevantes nesses últimos anos, mas que ainda não é o suficiente diante da exclusão enfrentada.

Por fim, é essencial que as discussões sobre essa temática sejam abordadas e que a partir disso,
haja uma ampliação de pensamentos, podendo gerar debates nos meios de comunicação e na
sociedade como um todo, mesmo ao entender que a mudança não será imediata. Dentre inúmeras
razões, ressaltamos que os espaços que trazem visibilidade precisam ser ocupados por pessoas
negras para que cada vez mais, não só o podcast, mas as mídias hegemônicas transmitam
representatividade e um pluralismo quanto a diversidade existente.

REFERÊNCIAS

CAVALLINI, M. Proporção de pretos e pardos entre os pobres chega ao dobro em relação


aos brancos, mostra o IBGE. Disponível em:
<https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/11/11/proporcao-de-pobres-pretos-e-pardos-chega-
ao-dobro-em-relacao-aos-brancos-mostra-o-ibge.ghtml>. Acesso em: 14 nov. 2023.

BEZERRA, J. Meritocracia: o que é, significado, no Brasil. Disponível em:


<https://www.todamateria.com.br/meritocracia/>. Acesso em: 14 nov. 2023.

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SILVIO ALMEIDA. O que é racismo estrutural? Belo Horizonte: Letramento, Justificando,


2018.

CHAVES, Maria. O negro na mídia Brasileira. Monografia (Curso de Comunicação Social -


Publicidade e Propaganda – Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, Centro Universitário de
Brasília. Brasília, p. 40. 2008.

LOPES, Ivonete. Mídia Negra e Desigualdade na Estrutura Midiática: Apontamentos sobre


Brasil e Estados Unidos. Anagramas - Rumbos y sentidos de la comunicación, Minas Gerais,
v. 20, n. 1, p. 85-98, jan./abr. 2021. Disponível em:
<https://www.researchgate.net/publication/357700282_Midia_Negra_e_Desigualdade_na_Estrut
ura_Midiatica_Apontamentos_sobre_Brasil_e_Estados_Unidos>.

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