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Numa lanchonete foi implantada Gestão de Qualidade. As balconistas passaram a ter desempenho avaliado pelo indicador de
“volume de vendas" e "taxa de reclamações dos fregueses". Pagamento delas depende desses indicadores. Mais de duas
reclamações por mês pode levar a demissão. Há "livro de reclamações" no balcão. Análise ergonômica da atividade (AET) delas
mostrou:
A ordem da dona da lanchonete é para não mudar tamanho ou composição dos alimentos ("agora é tudo no padrão de
qualidade”), mas fazem adaptações para "atender bem o cliente" (ex.: "o meu misto é só com queijo e bem tomado"; "o meu
café com leite é com leite frio e bem escuro"; "minha vitamina sem açúcar e sem mamão"; "pode pôr mais granola no açaí?".
"Menos manteiga no meu pão"...).
Quando a laranja está muito seca ou muito ácida, elas gastam tempo escolhendo para fazer suco: "tem fregueses que devolvem
e pedem para fazer outro. Tem dia que a laranja não tá boa. Demora muito fazer um suco, atrasa atender outros pedidos".
Quando os refrigerantes não estão gelados, oferecem gelo nos copos para os fregueses e ficam atentas para encher de novo as
formas.
Precisam memorizar quem pediu primeiro (chegam várias pessoas ao mesmo tempo) e detalhes dos pedidos feitos por cada
freguês. No começo do dia a chapa demora a esquentar. Elas calculam quantos pães esperam vender e os colocam para
esquentar mesmo não tendo sido ainda pedidos.
Embalam quando o freguês pede "para levar", mesmo sem ter vasilhames adequados (improvisam com copo descartável
coberto com guardanapo para um freguês poder levar fatia de bolo; ou tampam com filme de plástico copo de suco).
Elas devem emitir notinhas com códigos dos produtos para serem cobrados no caixa, e não há códigos para todos os produtos
vendidos. "O sistema dos pedidos não bate com o do caixa". Elas então usam códigos de produtos com valor equivalente, por
exemplo, o código da coxinha para misto sem presunto. Nem sempre há troco, então oferecem pequenos descontos ("faltou
uns dez, vinte centavos, a gente prefere pagar do nosso bolso que parar tudo para tentar arranjar"), ou oferecem outros
produtos — "leva um chicletes também?". Memorizam as diferenças entre o que foi registrado e o dinheiro do caixa, pois
diferenças no caixa são descontadas no salário delas, ou atraem suspeitas.
“Se ficar por conta só de vender, não funciona”. São contratadas como "balconistas", e também cozinham, limpam os balcões,
atendem telefone, lavam louças, copos (“tem poucos copos grandes de suco, tem de lavar toda hora"), liquidificadores e
talheres usados, limpam o chão e fazem faxina no final do dia. Conferem estoque de mercadorias, recebem e conferem entregas
de fornecedores, ajudam a dona a decidir quais produtos vendem mais para otimizar os estoques e pedidos. Conferem validade
dos produtos nos balcões de autosserviço ("se algum fiscal encontrar produtos vencidos dá problemas. E se for freguês que
achar, também complica”). Fazem fechamento de caixa e emissão de relatórios das vendas para controle do caixa: "Tem de
"bater o sistema com o que emite os pedidos, é muito difícil. E querem que a gente anote quantas notas de cada valor entra."
Contornam precariedades: "não tem papel higiénico no banheiro que a gente usa, nós é que compramos. Às vezes falta um
detergente pra lavar a louça, uma de nós corre ali e compra, como que vai ficar sem lavar as coisas?". Planejam quando colocar
pão de queijo para assar. Tentam comer alguma coisa por volta das 11:00 para conseguirem aguentar os horários de pico: "entre
umas 11:30 e 14:00, não dá nem para ira banheiro. Muito corrido"
De manhã e à tarde, antes da aula, estudantes entram em grupos e elas precisam ficar de olho: “Tem uns aí que catam bombons,
bala, chiclete, até pacote de batata frita, e depois a dona quer que a gente é que pague”. “Não tem jeito de fazer tudo ao mesmo
tempo, mas a gente tenta. Se fosse só vender igual tá no cardápio, tudo funcionando no padrão, era fácil. Pior não é perder as
metas, é escutar que a gente não tá trabalhando direito por que não bate a meta". “Com essa crise, caiu muito a venda, as
pessoas tão trazendo comida de casa. E a obra aqui do prédio acabou, antes servia refeição pros peão, cem quentinhas por dia.
Calcularam nossa meta baseando no ano passado, mas agora não tem mais essa venda, e ainda falaram que tem de melhorar
15% as vendas esse ano, não querem nem saber. Já desisti de explicar, tudo fala que é a gente que não trabalha direito."