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Grande Dedicação ao Quase Ignorado

Resenha Crítica

Roger B Moura

Mattos, Hebe Maria. Os Combates da Memória: escravidão e liberdade nos


arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros. Rio de Janeiro: Revista
Tempo Número 6, 1998, 12 p.

Hebe Maria Mattos é professora titular de História do Brasil do Departamento


de História da UFF, mesma Universidade em que cursou o Doutorado (1993). Atua
na liderança do Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI) nas linhas de
pesquisas: África e Mundo Atlântico e Memória, Escravidão e Cidadania. Autora de
obras como: Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico (2000), que fala dos
direitos e deveres da população afro no Brasil Monárquico e Memórias do Cativeiro
(2005), que fala das duras condições de vida de descendentes de escravos no
interior do Rio de Janeiro.

O artigo Os Combates da Memória: escravidão e liberdade nos arquivos orais


de descendentes de escravos brasileiros trata da utilização de gravações sonoras de
depoimentos de descendentes de escravos realizadas por pesquisadores em
regiões rurais do centro-sul do Brasil e utilizadas como fontes históricas. A autora
pretende apresentar sua cuidadosa análise, guiando-se pelo objetivo de cada
entrevistador e por seu comportamento diante de seus entrevistados. Ela observa
pontos semelhantes nas palavras dos depoentes e os termos utilizados por eles.
Contribui de forma especial como um alerta ao trabalho de historiadores, pois, a
partir de sua análise, traça o perfil social entre escravos, senhores e libertos,
observando elementos importantes negligenciados por pesquisadores. Mattos
demonstra séria preocupação com a forma superficial como a escravidão foi
investigada no Brasil.

Em relação ao método de trabalho, louvado no artigo, observo que, embora a


autora afirme que os depoentes rememorem com nitidez seus antepassados, não
vejo isso em seus depoimentos relativos ao fato social, o que acho ser de maior
relevância história. Nos depoimentos dos Srs. Adair e Ezequiel, por exemplo,
verifica-se aparente discrepância quanto à situação social de seus avós em relação
à época em que os depoentes os colocam. Observo também dificuldade em se
relatar detalhes de interesse de pesquisadores, fato reconhecido por Mattos (último
parágrafo da página 10). Mesmo diante destes contra-tempos e outros possíveis,
como falsos testemunhos, vejo o uso de gravações sonoras de entrevistas (e suas
filmagens, em alguns casos) como fontes que encantam pela beleza em sua
elaboração. Refiro-me não apenas à qualidade da edição, que por si só é digna de
elogio, mas também à presença de testemunhas que honram aos pesquisadores
com a sua presença. É uma forma bela de trabalho. Creio ainda ser muito mais
prático e rápido preencher lacunas históricas colhendo depoimento de pessoas
ligadas direta ou indiretamente aos fatos do que analisar documentos inanimados.
Importante lembrar que deficiências também podem ser encontradas em fontes
tradicionais de pesquisa histórica.
Acho lamentável o LABHOI, apesar da própria equipe comentar a dificuldade
no uso de imagens dentro da legalidade, preferir reduzir seu uso ao invés de se
dedicar à busca de uma solução para se ampliar a disposição dessa fonte. Não creio
que seja um grande desafio para advogados e técnicos em informática, por exemplo,
a busca de uma solução para este impasse. Vejo a presença da imagem na
entrevista, como garantia maior de veridicidade da fonte, tornando-a menos passiva
suspeição.

Durante a leitura não pude deixar de observar também detalhes pequenos,


porém constrangedores. Particularmente a presença de erros de concordância,
como o do quarto parágrafo da página 9 e o do último parágrafo do artigo não
afetam significativamente minha impressão diante de um trabalho que traz um tema
interessante e apresentado com seriedade, mas, se regras gramaticais são
cobradas em qualquer ciência, há motivos óbvios.

Como um todo, o texto é apresentado de forma clara por não apresentar


colocações poéticas quase oraculares, como em alguns textos em que tive a
infelicidade labutar. A autora consegue a proeza de desenvolvê-lo com detalhes e ao
mesmo tempo torná-lo agradável. Mattos fascina pela sua extrema dedicação diante
de um trabalho tão exaustivo, mas que encara com uma meticulosidade capaz de
incendiar no coração do profissional da área um desejo de maior seriedade,
dedicação, cuidado e carinho na produção histórica, sobretudo em um fato pouco
trabalhado. Sendo este o objetivo da autora, ela foi muito bem-sucedida.

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