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Sexta-feira, 22 de março de 2024 | Valor | 13

Fuga do estereótipo
ANA PAULA PAIVA/VALOR

Literatura Michel
Laub parte da
comunidade
judaica em meio
ao extremismo
para refletir o
Brasil. Por Dirceu
Alves Jr., para o
Valor, de São Paulo

Entre fevereiro e dezembro de 2021,


o escritor Michel Laub, de 50 anos, pas-
sou uma temporada em Berlim, na Ale-
manha, terra de seu pai, o engenheiro
Werner Heinz Felix Laub (1930-2010).
Fez aulas diárias do idioma local, do
qual tinha conhecimento praticamen-
te zero, e voltou ao Brasil conseguin-
do, no máximo, ler alguma coisa. “É
uma língua difícil, sigo tentando e, lá
pelos meus 70, espero conseguir falar
direito”, conforma-se, brincando.
Foi por lá que Laub, também colu-
nista do Valor, engrenou na escrita de
um romance que esboçava desde o fim
de 2020, “Passeio com o gigante”, que
será lançado no dia 26 e terá sessão de
autógrafos em 3 de abril na Livraria
Megafauna, em São Paulo. Trata-se da
décima obra de um dos autores mais
representativos de sua geração e co-
loca em questão a divisão da comuni-
dade judaica em meio ao extremis-
mo político no Brasil e no mundo.
O protagonista é o advogado e ati-
vista Davi Rieseman, judeu de ori-
gem humilde que, ambicioso e ma- dade judaica aderiu com veemência “O fato de botar

Purgatório dos
nipulador, chegou a uma posição ao extremismo de direita o deixou essas vozes em
privilegiada na empresa de seguros bastante perturbado. “Embora não conflito tem a ver
do sogro. Em fevereiro de 2018, com chegue a ser uma surpresa sob alguns comigo”, diz Michel
lábia digna de um pastor, ele reuniu aspectos, isso me incomodou a ponto Laub sobre

privilegiados
personagens de
centenas de amigos, empresários e de eu ter feito um romance a esse res-
novo livro
colaboradores da comunidade is- peito”, diz. “Meu ponto de vista está
raelita para arrecadar fundos para a no livro, claro, mas não quis que ele
campanha política de um candida- se sobressaísse ao conteúdo literário,
to — uma ação que, em um futuro que é sempre mais difícil de definir.”
próximo, passaria a assombrá-lo. A melancolia do primeiro ano da Para o Valor, de São Paulo breve, lhe renderia cobranças e custa-
O livro se descortina através de re- pandemia do coronavírus atravessa- ria muito caro à sua consciência.
constituições e fluxos de pensamentos da no Brasil e o fato de, na sua opi- O garoto Davi Rieseman, de 12 Laub, com extrema fluência literá-
que remetem a essa palestra. O perso- nião, o governo de Jair Bolsonaro pre- anos, era bolsista da escola particu- ria, constrói um painel sobre a eleição
nagem rememora as relações com a gar a desordem e lutar contra o com- lar em que sua mãe, Dona Rute, tra- do ex-presidente Jair Bolsonaro e as
mãe, o sogro, a mulher e a filha sob a bate à crise sanitária levaram Laub a balhava como professora. Ao con- consequências da pandemia do coro-
luz de temas como a eleição presiden- sentir a necessidade de um respiro trário dos colegas, não usava tênis navírus para uma elite que compac-
cial que levou Jair Bolsonaro ao poder, em terras nem tão estrangeiras assim. de marca, relógio caro ou era leva- tuou e poderia, mas não neste caso,
a ascensão evangélica, o antissemitis- “De minha parte, acho que nunca do e buscado por motoristas. Enca- ter atravessado quase ilesa a tragédia
mo e os conflitos no Oriente Médio. estive tão perto de um estado depres- bulado, ele comia o lanche de quei- coletiva dos últimos anos. Escrito em
“Mas não acho que Davi seja um perso- sivo como naquela época e tenho jo, tomate e maionese trazido de capítulos curtos divididos em blocos
nagem típico da direita sionista, por- flashes a respeito até hoje, no mau casa na biblioteca vazia, longe do de textos, o romance chega ao leitor
que mesmo nela se encontra um dis- sentido”, declara. A ideia entediante olhar de quem comprava pastel e como uma sucessão de situações
curso moral de justificação da violên- de um tempo que não passa está re- refrigerante na hora do recreio. descritas em um fluxo de pensamen-
cia, e isso foi algo que me interessou presentada em “Passeio com o gigan- Um dia, flagrado no seu esconderijo tos que atordoam o protagonista.
nele porque escrever ficção é tentar te”, como o próprio autor define, na por Dona Rute, ouviu uma verdade ja- Quando o seu percurso individual
fugir do estereótipo”, justifica. forma de um sonho repetido. “É mais apagada da memória: “Você tem pode ter interferido no do mundo?
Laub, que se formou em direito e aquela sensação de que estávamos vergonha da nossa casa e da nossa vi- Vozes de um coro fantasmagórico
advogou por pouco tempo nos anos condenados a um presente contí- da, então é bom saber que teve um começam a atormentá-lo diante dos
90, garante que não tem nada a ver nuo, feito de um tédio contraditório, momento que a sua mãe também sen- traumas vividos — por ele ou por seus
com o protagonista. O seu pai em- coalhado de estímulos vindos dos tiu vergonha (...). Eu só me livrei dis- semelhantes. Aos poucos, o livro se
barcou com a mãe dele e uma irmã noticiários e das redes sociais.” so quando abracei a vergonha. Quan- revela uma história surpreendente
para o Brasil em 1939, em um dos A chegada a Berlim aliviou um pou- do olhei para a vergonha sem desviar que traz à tona a agonia dos pacien-
últimos navios com refugiados do co a tristeza, e o distanciamento geo- os olhos, e aí parei de ter medo”. tes morrendo sufocados nos hospitais
nazismo. Criado em uma família li- gráfico acelerou o processo criativo do Esta cena, quase na metade do ro- na pandemia e o remorso de quem
beral e não religiosa, o garoto cres- romance antes travado. Sendo a cidade mance “Passeio com o gigante” (Com- não consegue se distanciar da culpa
ceu indo, no máximo, duas vezes por paterna, inevitáveis reflexos vieram à panhia das Letras, 160 págs., R$ vinculada, inclusive, às memórias do
ano a uma sinagoga de Porto Alegre, tona na sua ligação com a memória fa- 69,90), de Michel Laub, pode não justi- Holocausto e de estereótipos cons-
onde nasceu e viveu até se mudar miliar e até possíveis conexões entre o ficar as atitudes do protagonista, mas truídos em torno do povo judeu.
para a capital paulista, em 1997. Holocausto e o morticínio da covid-19 ajuda a compreendê-las um pouco Entre as tantas imagens formadas
“Não fazíamos shabat [o sétimo dia que podem ser interpretados na obra. melhor sem a precipitação de julga- por Laub com suas palavras está a de
da semana dedicado ao descanso] “Em Berlim, você tropeça na heran- mentos. Ainda no colégio, Davi come- Davi, poucos dias depois de enterrar a
ou comíamos comida kosher, esse ça do nazismo, do comunismo, por- çou a namorar Lia e, aos 17 anos, não mulher, vendo na internet o líder que
tipo de coisa, mas a questão judaica que a memória histórica é muito pre- virou as costas para as oportunidades. ajudou a colocar no poder rindo e fa-
não é só religiosa, é também histó- servada e discutida, e veio também es- Ganhou a simpatia do sogro podero- zendo o som de alguém sem ar dian-
rica e cultural”, explica. “Quando sa questão da morte, do Estado, que, so, casou-se e construiu uma brilhante te do comentário de que pessoas
adolescente, frequentei por um num certo momento, não cuida da carreira na empresa de seguros da fa- morriam nos hospitais. “Passeio com
tempo breve um desses movimen- saúde e da vida das pessoas”, comenta. mília que o recebeu de braços abertos. o gigante” se diferencia da maior
tos juvenis, mas não fez parte da “Anos de discurso da extrema direita, É, em outro momento, desta vez parte das publicações brasileiras da
minha vida de modo importante.” porém, nos ensinaram que compara- muito mais emblemático para a defi- atualidade por isso, por abordar as
O escritor estudou em uma escola is- ções só servem à própria extrema di- nição da obra que para o caráter do perdas e, quem sabe, uma reflexão
raelita — experiência relatada em seu reita, embora, nos debates práticos, a personagem, que o autor transcende o de um possível de arrependimento
livro “Diário da queda”, publicado em ação do governo brasileiro na pande- enredo de ascensão de um pobre garo- para os muito ricos confrontados
2011 — e, somente com os anos, um mia seja criminosa, assim como a do to judeu para ampliá-lo de significa- com a calamidade pandêmica.
pouco mais velho, despertou o interes- atual governo de Israel em Gaza.” dos e estabelecer conexões com a his- Em uma época de saudável polifo-
se por parte da cultura dos seus ante- O autor reafirma que vê “Passeio tória recente do Brasil — e do mundo. A nia, Laub tem a coragem de trazer à to-
passados. Entre essas questões, ele de- com o gigante” mais como uma obra adesão aos avanços da extrema direita na a voz dos privilegiados — aquela
dicou uma atenção à diáspora, tema sobre a divisão da comunidade judai- de parte da comunidade israelita é re- que sempre foi ouvida e, por repara-
que aparece muito ligado ao conceito ca, uma história individual, no caso a presentada por uma palestra mediada ção, ficou um pouco de escanteio no
de dúvida e angústia atacado pelo per- de Davi Rieseman, que pode ilustrar e por Davi com o objetivo de arrecadar mercado editorial. Pode ser questio-
sonagem Davi, principalmente quan- comentar essa cisão. “O livro é muito fundos para a campanha política de nado por isso? Pode, mas é inegável
do se refere a uma certa vitimização do mais sobre o Brasil, e Israel é o gancho um candidato em fevereiro de 2018. que o autor os coloca a penar no pró-
povo judeu. “Não sei se há algo de mim que o personagem usa para justificar O protagonista, que sempre criti- prio purgatório que eles investiram.
diretamente em nenhuma das vozes as próprias ações por aqui”, explica. cou a imagem de vítima associada ao Talvez Davi Rieseman até aquela ida-
do livro, mas o fato de botar essas vozes “Na ficção, as coisas mudam um seu povo, ressalta a raiz humilde e de, homem maduro, nunca tenha tido
em conflito tem a ver comigo.” pouco, ali as analogias e tantas ou- apela para a emotividade da plateia. coragem de encarar a vergonha de
Os últimos anos da história recente tras ideias e expressões sensíveis po- Na tentativa de comover a todos com seus atos, mas, em algum momento,
brasileira pesaram para o escritor — o dem ser testadas, remodeladas, iro- um herói capaz da admirável supera- não se escapa. Talvez ele — e outros —
que não deixou de representar uma nizadas, enfim, porque é dessa ambi- ção, espera e consegue que a maioria aproveite essa hora e faça parte do
diáspora interna para ele também. A guidade, a da exceção artística, que abra a sua carteira. O que ele não po- processo de dar ouvidos também a es-
constatação de que parte da comuni- nascerão outros debates possíveis.” deria imaginar é que essa ação, em sa versão. (DAJr) ■
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REPRODUÇÃO

A consciência Van Gogh voltou à Holanda, onde per-


maneceu por cinco anos. Começou a
produzir esboços e aprender técnicas
do Parque Nacional da Chapada Dia-
mantina, na Bahia, entre 2002 e 2022.
Vem dessa experiência entre homens
de Van Gogh como desenhar com modelo, perspec-
tiva, sombreamento e pintura. Tentou
de sentimento duro, mas passionais na
defesa da natureza, a inspiração desse
a vida em Paris, mas, em 1888, visitou livro, que alerta sobre as crises climáti-
Arles, encantou-se pela luz e ali se es- cas e as queimadas muitas vezes crimi-
Coletânea de cartas joga tabeleceu, pintando durante um ano. nosas que destroem o meio ambiente.
luz sobre o pintor Vincent van Gogh e Theo morreram Deja é o frente, o líder de uma brigada
voluntária que combate incêndios no
afetados por distúrbios nervosos e pela
holandês. Por Luís desilusão em relação ao valor das obras, sertão baiano sem esperar pelas ações
situação que lhes parecia difícil de rever- burocráticas e pouco interessadas das
Antônio Giron, para o ter. Van Gogh, com bloqueio criativo, se autoridades. Com ele estão Cunga, Zia,
internou em um asilo e se mudou para Trote, Jotão, Adobim, Abner e Firóso.
Valor, de São Paulo Auvers-sur-Oise, vilarejo vizinho a Paris, Eles moram na cidade de Palmeiras,
onde se tratou com o doutor Gachet. Este cidade-sede do Parque Nacional da
Cartas a Theo o incentivou a voltar a pintar, até por- Chapada Diamantina, onde cabe aos
Org.: Jorge Coli e que era colecionador e comprou traba- homens trabalhar para prover às fa-
Felipe Martinez. lhos de Van Gogh a preços módicos. mílias e às mulheres o casamento a
Trad.: Felipe O artista experimentou uma fase de qualquer custo, o marido pelos fi-
Martinez. autocrítica e alta produtividade, mas lhos. Deja não fica bem se a Chapada
Editora 34 terminou suicidando-se com um tiro no não está bem, mas, quanto ao resto —
peito (há teses questionando a causa da mulher, filhos etc. —, ele acha que
512 págs.,
morte). Decepcionado com a carreira, sempre pode resolver amanhã. Ur-
R$ 119,00
Theo terminou seus dias em um hos- gente e destrutivo mesmo, só o fogo.
pício. Os médicos registraram a causa É curioso ver uma história de claras
da morte como “dementia paralytica”. conotações políticas e sociais encon-
Quando Vincent van Gogh Os fatos trágicos alimentaram o estig- trar seu lugar nos conflitos individuais
(1853-1890) tomou a decisão de se tor- ma de amaldiçoado de Van Gogh. dos personagens. Trata-se do retrato de
nar pintor em 1880, no distrito carvoeiro “É preciso sempre lembrar que Vin- homens moldados na forma de gera-
de Boringe, norte da Bélgica, tinha 27 cent van Gogh foi, sim, um artista mal- ções passadas, criados sem carinho ou
anos e uma rica vivência humana e pro- dito, ou seja, ele se insere nesse campo presença paterna, que não conseguem
fissional, pois havia trabalhado desde a de comportamento marginal aberto enxergar a família ou se livrar do jeito
adolescência como marchand, pregador no século XIX, em que alguns criado- bruto dos antepassados. Deja se casou
e livreiro. Nos dez anos seguintes, produ- res se situam”, afirma Jorge Coli. “Esse com Bel, conterrânea com aspirações
ziu sua obra. Tinha consciência da ur- campo exclui concessões para com as diferentes das mulheres da região. Os
gência e se devotou totalmente à arte. Cartas mostram um Van Gogh bem diferente do perfil póstumo de artista lunático e intuitivo correntes mercadológicas mais for- dois tiveram o menino Anori, mas ela
Apesar de sofrer de crises nervosas, tes do tempo e pressupõe uma crença não suportou as ausências do marido.
evitou se render à doença mental e man- reação direta dos irmãos com o negócio Outro dado foi mostrar o papel de poderosa no próprio gesto criador. Em uma nova chance ao amor, o
teve consciência de arte e linguagem. das artes no período pós-impressionista. Johanna Borgen, viúva de Theo, para a Pressupõe ainda uma fé na própria protagonista se juntou a Léa, turista
Mais de 600 peças, entre esboços e qua- Até o fim, Theo atuou como interme- divulgação e consagração da obra de arte acima de todo o resto: basta lem- que um dia se seduziu pelos encantos
dros, hoje reconhecidos e valorizados diário na comercialização das obras do Van Gogh junto à posteridade. Os ir- brar Paul Gauguin abandonando da Chapada e do seu guia de excursão,
nas principais casas de leilão, resultaram irmão. Ambos eram quase gêmeos na mãos morreram cedo, em menos de um uma vida muito confortável de corre- mudando de vez para lá. Nasceu Inara
de planejamento, reflexão e uma com- aparência. Um queria ser pintor, mas se ano. Legaram a ela o ônus de organizar tor da bolsa para tornar-se pintor.” e, como apagar o fogo é prioridade, o
preensão profunda do mercado. Algo conformou em comercializar obras de a documentação e o acervo artístico. Isso não significa, diz Coli, que os ar- romance vira cinzas. Entre os colegas,
bem diferente do perfil póstumo que o arte. Outro, marchand demitido, pin- Van Gogh começou a trabalhar aos 16 tistas “malditos” não considerassem o Jotão se entregou ao alcoolismo, colo-
tachou de artista lunático e intuitivo. tou uma obra imortal com um olho anos ao lado do irmão no posto de mar- sucesso de mercado como objetivo. “Ten- cando em risco até o nome da brigada.
Essas peculiaridades se apresentam na clínico para o mercado das artes. chand da filial de Haia da galeria Goupil tavam expor no Salon oficial, buscavam Trote, por sua vez, se isolou em uma
vasta correspondência que Vincent van A edição de “Cartas a Theo” deriva de & Cie., com matriz em Bruxelas. Um tio galerias e marchands que os promoves- homossexualidade reprimida, e Cun-
Gogh manteve com o irmão mais velho, uma pesquisa acadêmica. Ficou a cargo era sócio da empresa e facilitou o empre- sem. Demoravam para se impor, mas ga pensa em fugir com o circo. Zia,
Theo (1857-1891). Muitas coletâneas das do pesquisador Felipe Martinez e do crí- go dos irmãos. Van Gogh atuou como re- atingiam o sucesso, mesmo que fosse Adobim, Abner e Firóso, que nunca
cartas foram publicadas, mas só agora tico, ensaísta e professor Jorge Coli, que presentante na filial da galeria em Lon- com a carreira bem avançada — vide Cé- tiveram o mesmo empenho, servem
vem à luz “Cartas a Theo”, um volume de orientou sua tese de doutorado na Uni- dres e iniciou o trabalho na agência pa- zanne. Van Gogh morreu antes disso.” no máximo como apoio a Deja na
mais de 500 páginas que presta dois ser- camp, “Os irmãos Van Gogh e o mercado risiense até ser demitido, em 1876. Ten- A análise negativa do mundo das artes missão de combater os incêndios.
viços. Primeiro, detalha a correspondên- de arte do século XIX” (2020). “Vincent tou as carreiras de professor e livreiro, evidenciada na correspondência era de Sendo o próprio Deja narrador do
cia de Vincent tanto com Theo quanto foi marchand e entendia muito bem co- enquanto ingressava na universidade um futuro miserável para os artistas ino- livro, Casella constrói uma história
com familiares, galeristas e pintores. mo o mercado de arte do seu tempo fun- de teologia, para se tornar pastor. vadores. Os irmãos se assombrariam ca- pautada pela oralidade, reproduzindo
Segundo, aprofunda o conteúdo das cionava”, diz Martinez. “Depois de sua Depois, se mudou para Boringe, onde so vissem o que aconteceu com o merca- o jeito de falar e expressões comuns
cartas com notas de rodapé que expli- morte, sua biografia foi fundamental pa- pregou aos mineiros. Mais tarde, sua li- do da arte do século XXI. Neste cenário aos nordestinos, especialmente aos
cam decisões e dúvidas do artista. Por ra o mito do artista solitário, que apesar cença foi cassada e só lhe restou se dedi- cada vez mais lucrativo, as obras de Van do interior. O autor desafia o leitor a
fim, o livro colabora com a definição da de nada ganhar com suas obras segue car à pintura. Enquanto Theo assumia a Gogh alcançam valores extraordinários correr ao dicionário em busca do sig-
personalidade e da obra de Van Gogh e a seu caminho convencido de sua missão.” gerência da Goupil na filial, em Paris, de centenas de milhões de dólares. nificado de algumas palavras, a
exemplo do que acontece quando se

Contradições lê Guimarães Rosa (1908-1967), e,


nesta afirmação da oralidade, repro-
duz errado termos coloquiais, como

Lançamentos do homem se pode ver nas obras de Carolina Ma-


ria de Jesus (1914-1977) ou, recente-

Minha análise com Freud Novas cartas portuguesas


sertanejo mente, do escritor Geovani Martins.
Se não se aprofundar no perfil dos
personagens coadjuvantes pode ser
Abram Kardiner. Trad.: Nina Schipper Maria Teresa Horta e mais uma falha, Casella surpreende por
construir um livro que parte de um
Quina Todavia
Fragilidades masculinas tema amplo para focar um universo
128 págs., R$ 56,00 352 págs., R$ 99,90
por trás da crise íntimo — quando o mais comum, na
literatura brasileira atual, é o contrá-
“Tenho o prazer de aceitá-lo para Lançada em 1972, esta obra contesta-
análise…” A frase, de abril de 1921, de dora foi escrita um ano antes, durante o climática. Por Dirceu rio. Mesmo que não se caracterize co-
Freud para Kardiner (1891-1981) dá governo de Marcello Caetano, o último mo um romance psicologizado,
início a esta narrativa a respeito do pe- líder do regime autoritário salazarista Alves Jr., para o Valor, de “Contra fogo” fala de um machismo
ríodo em que o autor esteve sob análi- em Portugal, e expôs a ousadia de três estrutural que desafia os homens ao
se de Freud e na qual rememora, de Marias — Maria Isabel Barreno, Maria Te- São Paulo terem suas posturas questionadas
forma afetiva mas também crítica, a resa Horta e Maria Velho da Costa. Boa pelas mulheres, como Bel e Léa.
experiência que mudaria seu destino e parte dos exemplares foram recolhidos e Contra fogo A sensibilidade do narrador e pro-
existência. Tanto foi assim que Kardi- destruídos pela censura — e as autoras, Pablo L. C. Casella tagonista diante da natureza, capaz
ner — que pouco tempo após as ses- processadas. O episódio mobilizou o Todavia de fazê-lo arriscar a vida constante-
sões com o “pai da psicanálise” se tor- apoio internacional de intelectuais co- 320 págs., R$ 79,90 mente, se mostra como forma de ga-
naria um dos fundadores da New York mo Simone de Beauvoir e Doris Lessing. rantir o futuro dos filhos, segundo
Psychoanalytic Institute — produziu Os 120 textos que compõem o livro (car- ele mesmo reconhece, mas resulta
este documento histórico e clínico. Ne- tas, poemas, ensaios e ficções) não são em um equívoco comum para aque-
le o leitor irá conhecer pensamentos identificados em sua autoria e formam les que abraçam grandes causas.
de Kardiner sobre a sua infância e tam- um todo que expõe o inconformismo Na defesa de um coletivo, esses heróis
bém intervenções de Freud. das Marias com a situação de Portugal. fazem sofrer aqueles que formam o seu
mundo. E, nessa hora, “Contra fogo” po-
Dejanir Oliveira Dourado, o Deja, de ser lido como um retrato do sertane-
A casa de barcos A primavera da pontuação forçou a memória para saber se alguma jo que enfrenta conflitos de identida-
Jon Fosse. Trad.: Leonardo Pinto Silva Vitor Ramil vez, depois de adulto, derramara uma de comuns aos dos homens urbanos
Fósforo Faria e Silva lágrima sequer. Em uma expedição co- nas primeiras décadas deste século.
144 págs., R$ 64,90 176 págs., R$ 65,90 mo guia turístico, ouviu uma pergunta DIVULGAÇÃO
inusitada de um viajante: “Qual foi a úl-
Nobel de Literatura de 2023, o no- Ramil é compositor, letrista, cantor, tima vez que você chorou, Deja?”.
rueguês Fosse, autor de uma obra instrumentista e escritor. Lançou os li- Essa pessoa confessou chorar quase
marcada pelo modo único com que vros “bdelio” (2010) e “Foi no mês que toda semana de tristeza, alegria ou
explora a condição humana, lançou vem” (2013), musicou poemas de Borges por qualquer motivo. Deja estra-
este livro originalmente em 1989. e de Leminski e compôs com Chico Cé- nhou, até pensou que poderia ter
Conta a história de um homem sem sar. Esta obra começa com um ponto fi- problemas, mas logo se convenceu
nome, solitário, angustiado, que vive nal. Atropelado por uma desgovernada de que era como a sua terra, desacos-
com a mãe e ganha algum dinheiro palavra-caminhão, o sinalzinho gráfico tumada à umidade e cheia de sauda-
tocando guitarra em bailes — o local é detona uma revolução garrafal que en- de da chuva em tempo de estiagem.
uma pequena cidade costeira da No- volve vogais intrusivas, rimas pobres e ri- Emoções comedidas em relação à in-
ruega. Casualmente ele encontra um cas, tremas desempregados, vírgulas in- dividualidade permeiam os persona-
amigo de infância que vivia fora dali e congruentes, asteriscos assanhados e to- gens de “Contra fogo”, romance de es-
está de volta, com a esposa e duas fi- da sorte de tipos em revolta. Há ainda treia de Pablo L. C. Casella, paulista de
lhas. Ocorre de o convívio com essa uma rainha megera, um rei deprimido, Guaratinguetá. Nascido em 1978, ele é
mulher despertar no homem memó- uma peruca vomitada, uma rã e um mis- analista ambiental do Instituto Chico
rias antigas dos dois, feridas mal cica- terioso pó amarelo que ameaça a coesão Mendes de Conservação da Biodiver-
trizadas que acabam reabrindo. do universo linguístico. ■ sidade e fez parte da equipe gestora O analista ambiental Pablo L. C. Casella
Sexta-feira, 22 de março de 2024 | Valor | 15

ANA PAULA PAIVA/VALOR

Em busca de um publicitário cearense bem-sucedi-


do e apaixonado por literatura, cujo
sonho é tornar-se escritor de ficção
tempos tão respeitado quanto em sua carreira
publicitária. Até aí, nada demais.

perdidos O livro ganha força a partir do mo-


mento em que Telles, com sua sólida
formação na psicanálise, mergulha a
fundo na mente e no coração de Jonas,
explorando suas dúvidas, desejos, an-
Psicanalista Sérgio Telles gústias, complexos e rejeições na in- Em “Peregrinação”,
Sérgio Telles explora
usa experiência para fância e na juventude, fatos e caracte-
também suas
rísticas que moldaram o seu jeito de
próprias dúvidas e
compor romance. Por ser e a forma de lidar com outras pes-
inseguranças
soas e a sua própria personalidade.
enquanto escritor,
Marcus Lopes, para o Tudo começa na infância. A come-
em uma narrativa
çar pelo relacionamento complicado paralela
Valor, de São Paulo com a mãe, com quem Jonas vivia
uma relação edipiana, ao mesmo tem-
Peregrinação ao po que ela dava pouca ou nenhuma que seu pai não estava à altura de tória do seu protagonista, Telles ex- quistada pelos pacientes em um bom
Père-Lachaise atenção aos filhos. A mãe é uma fun- sua mãe. Parecia-lhe uma criatura plora suas próprias dúvidas e insegu- trabalho de psicanálise. A estrutura foi
Sérgio Telles cionária pública cujas atenções eram inferior e muitas vezes duvidava que ranças enquanto escritor, em uma montada de tal maneira que consegue
Tao/Blucher totalmente voltadas ao trabalho, às fosse, de fato, seu pai”, diz trecho do narrativa paralela que mostra o quan- explicar como e por que Jonas chegou
110 págs., R$ 42 amigas e aos livros que ela consumia livro, em clara alusão à teoria freu- to ambos — Telles e Jonas — buscam até ali e os caminhos que se abriram pa-
de forma voraz, em um claro desejo de diana. Na busca obsessiva pelo compreender e lidar com as próprias ra tentar se desvencilhar desse novelo
fuga da rotina do lar, marido e filhos. amor da mãe, procurava imitá-la no fragilidades. A diferença é que, ao psicológico, que causou tanto desgaste
O pai, por sua vez, era um opaco e amor à literatura lendo muitos li- contrário do seu personagem princi- e perda de tempo ao longo da sua vida.
medíocre balconista de loja por quem vros, numa tentativa de reconheci- pal, o autor sempre se deu muito Seria a tal busca pelas novas paisagens,
Jonas sentia desprezo. Ainda mais mento materno que nunca chegou. bem com a mãe e o pai, a ponto de como registrou Proust, cujo túmulo no
pela disputa imaginária que vivia “Quando finalmente chegou a essa recorrer à experiência paterna, pro- famoso cemitério parisiense Père-La-
O escritor francês Marcel Proust com o progenitor pelo amor da mãe conclusão, Jonas se encheu de ódio por fessor de teoria literária e crítico res- chaise Jonas fez questão de visitar e ser-
(1871-1922) definiu como verdadeira e a submissão dele à família mater- ela e pelos livros, pois reconheceu que peitado, para avaliação dos originais viu de gatilho às próprias reflexões.
viagem não aquela em que saímos à na, dona da loja em que trabalhava. eram eles seus maiores rivais e não o de “Peregrinação ao Père-Lachaise”. “Peregrinação ao Père-Lachaise” é
procura de novas paisagens, mas em Pai e mãe, conforme registra o au- pai ou o irmão, como sempre pensara.” “Eu mesmo é que tenho de acreditar uma novela curta, mas que mostra o
possuir novos olhos em nossa jornada tor, formavam o típico casal de quase O livro fica ainda mais instigante no livro, apostar nele e ver no que vai quanto relações complicadas e mal
no universo. Não à toa, o autor do clás- adolescentes que, por terem se unido quando, em uma viagem a Paris, já com dar. Ainda assim, acho que vou pedir resolvidas que carregamos desde o
sico universal “Em busca do tempo per- jovens demais no matrimônio, jamais a segunda esposa, Matilde, Jonas desco- a opinião de meu pai. O que ele dis- momento em que nascemos podem
dido”, obra marcada pela profunda conseguiram se desvencilhar das casas bre uma série de fatos relacionados ao se, sei que será de boa fé”, registra atrapalhar a nossa vida. Trabalhar a
análise psicológica, fluxo de consciên- paternas e construir o próprio lar. E avô paterno, que havia abandonado o Telles, nos depoimentos pessoais e mente para se livrar desse enrosco
cia e crítica social, serviu como referên- isso, claro, influenciou na criação e Brasil e a família e partiu para a Europa, paralelos que permeiam a obra. psicológico ou pelo menos tentar en-
cia ao psicanalista e escritor Sérgio Tel- resultou em um relacionamento tor- muitos anos antes e em circunstâncias Apoiado na ampla bagagem do au- tender o que nos provoca tantas an-
les em “Peregrinação ao Père-Lachaise”. to com os filhos ao longo da vida. misteriosas. E nunca mais voltou. tor em sua área profissional, o enredo gústias existenciais é um grande pas-
A história gira em torno de Jonas, “Naquele tempo, Jonas considerava Ao mesmo tempo que narra a traje- pode ser comparado à evolução con- so no sentido da libertação pessoal.

Outros Escritos

O absurdo
CRIS BIERRENBACH
Continuo aqui nas minhas leituras mas poderia estar livre. “Vivera de uma
de Albert Camus e hoje queria escrever certa maneira e poderia ter vivido de
sobre dois livros dele que adoro: o ro- outra”, constata. Nada tem um senti-

da mance “O estrangeiro” (trad. Valerie


Rumjanek, Record) e o ensaio filosófico
“O mito de Sísifo” (trad. Urbano Tavares
do em si. Nada tem finalidade. So-
mos, todos, estrangeiros no mundo.
E Meursault é muitas vezes estran-

existência Rodrigues, Livros do Brasil). O primei-


ro, publicado em 1942. O segundo, em
1943. Ambos ainda muito atuais para
geiro. “Pied-noir”, é um francês nasci-
do na Argélia, quando esta era uma
colônia francesa. Está numa terra que
se pensar o nosso lugar no mundo e, so- não é a sua. Mas se sente também es-
bretudo, em relação ao mundo. trangeiro em relação aos amigos, ao
Era plena Segunda Guerra Mundial mundo, a si próprio e ainda um es-
quando Camus quis pensar o absur- trangeiro no tribunal, onde é proces-
do — da existência, da morte, da vida. sado até a pior das condenações. E
Lembremos que não fazia assim tan- quem diz estrangeiro diz estranho.
to tempo que o Zaratustra de Nietzs- Ele está fora das regras sociais, reve-
che havia descido do alto das mon- la-se esquisito para todos — é por is-
tanhas anunciando que Deus estava so, inclusive, que Marie o ama.
morto. Com ele, havia morrido tam- Como interpretar um personagem
bém a explicação divina para a nos- que um dia após a morte da mãe vai
sa existência, assim como uma fina- tomar banho de sol, ver um filme cô-
lidade para a vida e a continuação mico e que, pouco tempo depois, ma-
Tatiana Salem Levy do lado de lá. Ficamos num absoluto ta um homem por causa do sol? Nós
‘O estrangeiro’ e vazio de sentido. Desamparados. procuramos em Meursault um senti-
Com as guerras que se seguiram na do que ele nos nega. Então o tribunal
‘O mito de Sísifo’, de primeira metade do século XX, ficou começa a lhe desenhar uma alma,
ainda mais difícil de compreender o com a qual ele não se reconhece — a
Albert Camus, são ainda sentido da vida. De forma ficcional em alma de um criminoso, de um mons-
“O estrangeiro” e de forma ensaística tro moral. Meursault se assusta a ca-
muito atuais para se em “O mito de Sísifo”, Camus nos mos- da vez que se dá conta de ser um cri-
tra como o mundo não nos dá nenhu- minoso: “Ia responder que isso acon-
pensar o nosso lugar no ma resposta. Quando acaba a narrati- tecia justamente porque se tratava de
va teológica, ficamos sozinhos diante mus a escrever esses dois livros e nece, indiferente à dor e ao sofri- criminosos. Mas pensei que, afinal,
mundo e, sobretudo, do vazio, nos damos conta da nossa fi- ainda a peça “Calígula”, que faz par- mento humanos. Diante do absur- eu também era como eles. Não con-
nitude e do absurdo da existência, que te do mesmo “ciclo do absurdo”. do, a grande questão é a escolha so- seguia habituar-me a esta ideia” —
em relação ao mundo deixa de ter qualquer explicação. Na mitologia grega, Sísifo recebe bre se a vida vale ou não a pena. O ao mesmo tempo, ele não nega o as-
Diante desse vazio, a grande questão um terrível castigo dos deuses por absurdo não é uma conclusão, mas sassinato — e se responsabiliza.
filosófica para Camus é o suicídio. Diz trair a confiança deles e por acorren- um ponto de partida, que nos coloca O modo de pensar que leva à con-
ele, no “Mito”: “Só há um problema fi- tar a morte — ele gosta tanto da vida a questão: E agora como viveremos? denação de Meursault pressupõe um
losoficamente sério: é o suicídio. Julgar que dá um jeito de burlar o seu fim. “O estrangeiro” é, todo ele, um ro- modelo teleológico de explicação
se a vida merece ou não ser vivida é res- Seu castigo é rolar uma pedra pesada mance sobre o absurdo. Meursault, o das ações humanas e, em geral, do
ponder a uma questão fundamental da até o alto de uma montanha, mas to- protagonista e narrador, tem uma vi- que acontece no mundo — um mode-
filosofia”. Escolher viver ou não viver, da vez que chega ao topo a pedra cai e da absolutamente banal e repetitiva lo assente na ideia de relações entre
eis a grande questão quando a vida ele é obrigado a rolar tudo de novo, — tal como a de Sísifo. A narrativa co- meios e fins, de intenções dirigidas a
deixa de ter um sentido em si, anterior tornando a sua vida uma repetição meça com a morte de sua mãe, à qual certos fins e deliberações acerca dos
à nossa chegada na Terra. Desde o sem fim. O trabalho ao qual foi con- Meursault reage com aparente indi- meios para os alcançar. Mas nós sabe-
grande grito de Zaratustra e da doen- denado pelos deuses é um trabalho ferença. Não chora no enterro, recla- mos, e Meursault sabe, que o assassi-
ça mortal de Kierkegaard, “esse mal inútil e sem esperança. Mas o trágico ma do calor, quer voltar para casa. E nato do árabe não pode ser explicado
que termina na morte, sem mais nada da sua história não é tanto o rolar a com o mesmo tom reage a tudo o que nesses termos. Foi uma ação absurda
depois dela”, os temas significativos e pedra, e sim o fato de ele ser conscien- lhe acontece. No dia seguinte ao en- — e o universo é todo ele absurdo.
torturantes do absurdo sucederam- te da eterna repetição. Afinal, onde terro, ele encontra uma antiga secre- “O estrangeiro” não é um livro que
se. Daqui surge a angústia do homem estaria a sua tortura se a cada passo a tária do escritório. Começa a namo- explique; apenas demonstra. O ab-
lúcido diante da impossibilidade de esperança de conseguir o ajudasse? rar com ela, vai ao cinema ver um fil- surdo surge também como efeito de
conhecer. Jamais teremos uma res- Para Camus, a consciência é o que me de comédia. Quando Marie per- leitura: o sentido que o homem
posta sobre o porquê de estarmos no nos afasta do mundo sobretudo gunta se ele quer se casar com ela, busca no mundo é o mesmo que o
mundo, de vivermos, de morrermos. quando nos deparamos com a impo- Meursault responde que tanto faz. leitor busca no texto. Mas agora
O absurdo instaura uma crise da tência de pensar com os nossos con- “Tanto faz” é a resposta que o narra- nem deus nem a literatura dão um
própria razão. Afinal ela tampouco ceitos e as nossas palavras os aconte- dor dá a tudo. Ele apenas leva a sua vi- sentido, uma resposta racional.
consegue nos dar uma explicação cimentos. Entre a consciência e o da, sem ambição. Trabalha num escri-
plausível. E aquilo que não compre- mundo, diz ele, há o absurdo, o mo- tório, mas poderia trabalhar em outro. Tatiana Salem Levy, escritora e pesquisa-
endemos se torna um imenso irra- mento em que o homem percebe que Namora Marie, mas poderia namorar dora da Universidade Nova de Lisboa,
cionalismo. Crise da teologia, mas está separado do mundo, na medida outra mulher. Tem alguns amigos, mas escreve neste espaço quinzenalmente
também crise do racionalismo. Da- em que sua existência finita é con- poderia ter outros. Mata um árabe, mas
qui vem o sentimento que levou Ca- frontada com a natureza que perma- poderia não ter matado. Está preso, E-mail: tatianalevy@gmail.com ■

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