Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS (Uma Visão Analítica)
CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS (Uma Visão Analítica)
1 – Os juristas e as classificações
1
Mestre e Doutor pela PUC/SP e professor da Universidade Federal do Espírito Santo.
2
Logic. London : The English University Press. 1958, p. 135.
Por isso, afirmam GUIBOURG, GHIGLIANI & GUARINONI: “La
clasificación es un hecho cultural y, en ocasiones, meramente individual”.3 Daí
exsurge a idéia de que a classificação não se encontra nas coisas mesmas, mas
sim no sujeito cognoscente enquanto inserido em determinada cultura.
Justamente por ser um “fenômeno cultural”, freqüentemente nos
prostramos diante de classificações conflitantes.
No plano da Ciência do Direito, os juristas também não se encontram
alheio às classificações. Classificam as ações em declaratórias, constitutivas e
condenatórias; dividem os atos administrativos em vinculados e discricionários;
ordenam os contratos em unilaterais e bilaterais; distinguem entre vínculo
empregatício e não-empregatício; arranjam os fatos jurídicos em lícitos e
ilícitos; demarcam os crimes formais e crimes materiais; separam os tributos em
vinculados e não-vinculados.
Eis o ponto nodal: classificam as ações, classificam os atos
administrativos; classificam os contratos; classificam os fatos jurídicos;
classificam os crimes; classificam as ações; classificam os tributos, porém se
olvidam, antes, de definir o conceito de “classificar”.
Não raramente, os cientistas do direito lançam-se em disputas verbais
intermináveis: o casamento é contrato? O ato ilícito é ato jurídico? Os embargos
de declaração são recursos? A autorização é ato administrativo? A reclamação
ao Supremo Tribunal Federal tem “natureza” de recurso? O empréstimo
compulsório é imposto? A contribuição é taxa?
Se assim colocadas, todas essas perguntas criam repugnante jogo de
palavras em contra-sentido semântico.
Novamente nos servirmos das inolvidáveis lições de GUIBOURG,
GHIGLIANI & GUARINONI:
3
Introducción al conocimiento científico. 10ª ed. Buenos Aires : EUDEBA, 1993, p. 39.
“Y en este juego de inventar debates estériles hay verdaderos
campeones: los hombres de leyes, dedicados desde hace muchos
siglos a inventar clasificaciones y a trazar sutiles (y siempre
convenientes) distinciones, escriben extensos argumentos sobre la
naturaleza jurídica del matrimonio, del préstamo a la gruesa o de las
asignaciones familiares. Todos estos problemas son insolubles si se
los plantea de esa manera, porque su solución no depende de la
realidad ni de la naturaleza sino de ciertas decisiones clasificatorias y
lingüísticas”.4
4
Idem, p. 40.
5
Introducción filosófica al estudio del derecho. Vol. II, Buenos Aires : Desclée, de Brouwer, 1947, p. 171
6
Kant e o ornitorrinco. Rio de Janeiro : Recordo, 1997, p. 81.
Não bastassem os inúmeros textos científicos e jurisprudenciais sobre o
assunto, interessa-nos agora reorganiza-los à luz dos princípios lógicos do ato de
classificar.
7
Symbolic logic. 5ª ed. New York : Macmillan, 1979, p. 170
8
Cf. ABAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo : Martins Fontes; AULETE, Caldas. Dicionário
contemporâneo da língua portuguesa. 5. ed., v. I. Rio de Janeiro : Delta, 1964.
9
An introduction to symbolic logic, 3th ed, New York : Dover, 1967, p. 116.
10
Esse era o espanto de Goethe ao se perguntar: “Que é a humanidade? Que coisa mais abstrata! Não vemos a
humanidade mas sim os homens” (La decadencia de occidente. Vol. I, Madrid : Espasa-Calpe. 1947, p. 37)
(que se diferença da norma do homicídio, da norma do ICMS, etc. - denotação),
ou conjunto dos centauros (classe vazia, com extensão e sem denotação).
O problema surge muitas vezes pelo fato de se utilizar a mesma palavra,
v.g. “homem”, tanto para denominar a classe, como para se referir ao indivíduo.
Aqui, mais uma vez, mergulha o sujeito cognoscente no que MAX BLACK
ironicamente chamou “labirinto da linguagem”.
Não se deve confundir a classe com seus elementos (ou, indivíduos como
prefere TARSKI). De acordo com ALBERT MENNE, elementos da classe “são
os indivíduos que caem sob o predicado correspondente à classe”.11 Utilizando-
se dos exemplos acima fornecidos, “João” é elemento da classe “brasileiro”; o
número “1” é elemento da classe “número inteiro”; “homicídio (art. 121 do CP)”
é elemento da classe “norma jurídica”; a classe dos centauros carece de
elementos (classe vazia).
Nesse ponto, fulgura a precisa lição de L.S. STEBBING quando distingue
a “denotação” da “extensão” do signo.12 Afirma a autora: “La extensión de un
término que significa una propiedad de clase de una clase dada consiste en todas
las subclases colectivamente”. Assim a extensão de “homem” (superclasse),
denota cada homem individual. Isso não se confunde com as subclasses
“homens brancos”, “homens negros”, “homens amarelos” e “homens
vermelhos”.
E conclui:
11
Introducción a la lógica. 3ª ed., Madrid : Gredos, 1979. p. 142
12
Introducción a la lógica moderna, 2ª reimp. Cidade do México : Fondo de Cultura Económica, 1975, p. 143
13
Idem, ibidem.
Em verdade, são a conotação e a extensão que variam dessa maneira. O
aumento da conotação implica diminuição da extensão. A conotação da palavra
“tributo” tem por extensão as classes “imposto” e “taxa”. O acréscimo à palavra
“tributo” do termo “vinculado” faz diminuir a extensão – só cabe, em princípio,
a palavra “taxa” sob a expressão “tributo vinculado”. Uma hipotética revogação
das “custas judiciais” por parte da União Federal, por exemplo (denotação), em
nada altera a conotação e a extensão de “taxa”, da mesma maneira que a morte
de um homem qualquer, em nada reduz a classe dos homens.
“A relação-de-membridade (Gliederschaftsbeziehung) ou de
pertinencialidade é do indivíduo para sua classe, não das classes entre
si; a extinção factual do indivíduo não afeta a existência lógica da
classe do indivíduo. De uma classe ou conjunto lógico diz-se que é o
14
Introducción a la lógica, 3ª ed., Madrid : Gredos, 1979, p. 143.
15
Introducción a la lógica simbólica. Cidade do México : Continental. 1966. p. 229.
sub-conjunto de si mesmo, que há conjunto sem indivíduos ou
membros, — os conjuntos nulos ou vazios —, que todo conjunto nulo
é parte de qualquer conjunto: proposições estas que carecem de
sentido se tomássemos como sujeito os indivíduos.”16
16
Teoria das formas sintáticas, p. 51.
17
ALFRED TARSKI, Introducción a la lógica y la metodología de las ciencias deductivas, Madrid : Espasa-
Calpe, 1968, p. 102
Cabe lembrar que o conceito de subsunção, largamente empregado na
Ciência do Direito, advém do conceito de inclusão entre classes e das
correspondentes subclasses. Eis a razão pela qual PAULO DE BARROS
CARVALHO precisamente afirma ser a subsunção operação lógica entre
conceitos, isto é, entre classes.18
De ALFRED TARSKI extraí-se os conceitos de classes cruzadas e classes
disjuntas.19 Duas classes se interseccionam, interceptam, cruzam, sobrepõem
(overlap) se possuírem ao menos um elemento em comum e se, ao mesmo
tempo, cada uma contiver elementos não contidos na outra. Pelo ponto de vista
semântico, são classes cruzadas as normas morais e as normas jurídicas (veja-se
a norma que prescreve: “não matarás” é tanto jurídica quanto moral). Se cada
uma das duas classes possuírem pelo menos um elemento (é dizer, se não são
vazias), mas não possuírem elementos em comum, dizemos que são mutuamente
excludentes ou disjuntas. Sintaticamente, as normas jurídicas e as normas morais
formam classes disjuntas. Embora a união de duas classes disjuntas não resulte
na classe universal, ambas compõem a classe universal das normas (V). A
existência de duas classes disjuntas unidas nem sempre constitui em sua
totalidade a classe universal. No exemplo acima, as classes disjuntas “normas
jurídicas” e “normas morais” não conformam, em sua união. a classe universal
das normas (V). Há normas não jurídicas e não morais como são os casos das
normas sociais, normas religiosas, normas esportivas etc.
Importante não confundir classe disjunta e classe complementar. De
acordo com LEÔNIDAS HEGENBERG classe complementar de A é o
“conjunto formado por elementos (do universo) não pertencentes à classe A”.20
Simboliza-se a classe e sua complementar pelas letras K e K’, respectivamente.
Então, se a K é a classe dos homens, K’ é a classe dos não-homens. Dentro do
18
Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 88.
19
Introducción a la lógica y la metodología de las ciencias deductivas, Madrid : Espasa-Calpe, 1968, p. 102.
20
Lógica simbólica. São Paulo : Herder, 1966, p. 274
universo do discurso dos fatos jurídicos (classe universal – “V”) temos a classe
K cujos membros são os fatos jurídicos lícitos e a classe K’ cujos indivíduos são
fatos jurídicos ilícitos.
Das operações entre classes, importa a união entre classes. Assim
SUPPES define a união de classes: “Si A y B son conjuntos, entonces por la
unión de A y B (en símbolos, A ∪ B) significamos el conjunto de todas las cosas
que pertenecen cuando menos a uno de los conjuntos A y B”.21 Em linguagem
simbólica, pode-se assim expressar: (x) (x ∈ A ∪ B ↔ x ∈ A v x ∈ B). A classe
dos “fatos jurídicos ilícitos” unida à dos “fatos jurídicos lícitos” tem por
resultado a classe dos fatos jurídicos (código binário empregado por
LUHMANN).
21
Introducción a la lógica simbólica. México : Compnhia Editorial Continental, 1966, p. 234.
22
La investigación científica. 2ª ed. Barcelona : Ariel, 1972, p. 95
Entretanto, antes de se arrolar as regras para a feitura do procedimento de
classificação, faz-se necessário abrir parênteses para se distinguir entre divisão
lógica e classificação.
L.S. STEBBING estabelece diferença entre divisão lógica e classificação
da seguinte maneira:
23
Introducción a la lógica moderna. México : Fondo de Cultura Económica, 1975, pp. 145. Tal relatividade
vislumbrada por STEBBING levou J. TRICOT a afirmar: “La classification est la division. Les Logiciens
modernes préfèrent toutefois l’expression de «classification» en raison surtout de la grande place que tient la
classification dans le Sciences naturelles.” (Traité de logique formelle, p. 97).
24
Curso de direito constitucional tributário. 16ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 437.
As regras fundamentais para a divisão são cinco: (a) deve haver somente
um fundamentum divisionis em cada operação; (b) as classes coordenadas
devem se excluir mutuamente; (c) as classes coordenadas devem esgotar
coletivamente a superclasse; (d) as operações sucessivas da divisão devem ser
efetuadas por etapas graduais; (e) as diferenças devem resultar da definição do
dividido.
A regra (a) estipula a necessidade de existir somente um fundamentum
divisionis em cada divisão da classe em suas correlativas subclasses
(denominadas classes coordenadas)25. Entende-se por fundamentum divisionis a
característica eleita arbitrariamente para proceder à divisão. Se o critério
escolhido pelo cientista só pode ser único em cada etapa da divisão, então
haverá sempre a criação de duas subclasses (classes complementares K e K’),
que unidas resultam na classe dividida (classe universal – classe V). Basta
lembrar, em linguagem simbólica, a operação de união entre classes: K ∪ K’ =
V, onde K e K’ figuram como classes coordenadas. As regras (b) e (c) surgem
como corolário direto da regra (a).
Na mesma senda, a regra (d) decorre diretamente da regra (a). Nas
palavras de STEBBING, a regra (d) prescreve que “cada etapa da divisão
concorde com o fundamentum divisionis original”.26 O respeito à gradação das
etapas, observam CREIGHTON & SMART, traz o benefício de “alertar contra a
mudança de princípio da divisão enquanto o processo estiver sendo levado a
cabo”.27
A observância das regras (a), (b), (c) e (d) evita que as subclasses se
cruzem (classes cruzadas), e com isso impedem o cientista de incorrer na
freqüente falácia da divisão cruzada. Por isso, alerta JUAN RIVANO sobre o
25
Denomina-se “classes coordenadas” duas subclasses do mesmo nível. A superclasse “animal” tem como
subclasses coordenadas “vertebrados” e “não-vertebrados”. Estas duas são chamadas de classes coordenadas.
26
Introducción a la lógica moderna. México : Fondo de Cultura Económica. 1975, p. 148.
desrespeito às regras: “Si divido sobre la base de dos o más principios internos,
estoy confundiendo niveles e induciendo confusión”.28
A título ilustrativo, o embaraço criado pela vituperação das regras acima
no exemplo oferecido por STEBBING é elucidativo:
27
An introductory logic. 5th ed. New York : The Macmillian Company, 1946, p. 98. Exemplo de violação à
regra seria a divisão da espécie humana em brancos, negros, mongóis, europeus e australianos. O princípio
inicial era a cor da pele e foi modificado abruptamente para a localização geográfica.
28
Logica elemental. Santiago : Editorial Universitária, 1970, p. 30.
29
Introducción a la logica moderna. Mexico : Fondo de Cultura Economica, 1975, p. 149.
30
Lógica elemental. Santiago : Editorial Universitária, 1970, p. 31.
5 - A definição do conceito de tributo – universo do discurso
31
Ver MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo : Noeses, 2005.
32
As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max Limonad, 1998, p.
133.
33
Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 15 et seq.
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”.
34
As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max Limonad, 1998, p.
135.
35
Introducción al análisis filosófico. Buenos Aires : Macchi, 1962, p. 35.
possuir todas as notas essenciais estipuladas na conotação «(a) prestação
pecuniária compulsória, (b) instituída em lei, (c) não decorrente de sanção por
ato ilícito e (d) cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada».
Para os lindes deste trabalho, os critérios (a), (b), (c) e (d) serão
considerados como definitórios, todos os demais porventura agregados figurarão
como concomitantes.
Eis a razão pela qual as subclasses serão estruturadas com base em
características essenciais e acidentais da conotação da superclasse.
36
Lógica matemática. Madrid : Revista de Occidente. 1972, p. 129.
indica a mesma significação quando da utilização da palavra “imposto” e da
rubrica “tributo não-vinculado”, ou seja, “imposto” e “tributo não-vinculados”
formam classes iguais. Acaso empregada na acepção (ii), a expressão “Imposto
é tributo não-vinculado” demonstra que o elemento “imposto” pertence à classe
dos “tributos não-vinculados”. Usada no sentido (iii), o enunciado “Imposto é
tributo não-vinculado” significa que a subclasse “imposto” está contida na
classe “tributo não-vinculado”.
Não bastasse o enigma do functor apofântico “é”, a palavra “imposto” é
empregada também ambiguamente: ora com o significado de “classe” (acepções
i e iii), ora com o significado de “indivíduo” (acepção ii).
À semelhança desse problema, outras perplexidades afloram na Ciência
do Direito Tributário como as confusas perguntas: O empréstimo compulsório é
taxa ou imposto? A contribuição previdenciária é taxa ou é imposto?
A solução do problema parece estar na elucidação das palavras “é”,
“imposto”, “taxa”, “contribuição”, “empréstimo compulsório”, “tributo
vinculado”, “tributo não-vinculado” quando de seus usos.
Resolvidas as pendências, parte-se agora para a construção do esquema da
classificação dos tributos com o auxílio da teoria das classes.
A primeira questão a saltar aos olhos é a confirmação da seguinte asserção
de GERALDO ATALIBA: “O conceito de tributo é constitucional”.37 Além de
todas as razões já expostas pelo saudoso mestre em sua obra, o conceito de
tributo é constitucionalmente pressuposto por questão extra-lógica. Não é a
Lógica quem decide quais critérios são superiores e quais são inferiores na
tabela classificatória. Mas sim, o direito positivo (e de certa forma a Ciência) em
sua hierarquia estrutural. Seria desrespeito aos cânones do direito positivo
admitir o conceito de tributo como infraconstitucional e colocá-lo no topo da
tabela classificatória como classe universal, isto é, universo do discurso.
37
Hipótese de incidência tributária. 5ª ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 31 e p. 112.
Também seria disparate colocar no tópico de subclasses as classes “imposto”,
“taxa’, etc. (que se encontram em nível constitucional), tendo como gênero a
classe “tributo” (que se encontra em nível infraconstitucional).
Isso não impede de afirmar com COHEN & NAGEL que
38
Introducción a la lógica y al método científico II. 9ª reimp. Buenos Aires : Amorrortu, 2000, p. 43.
39
Teoria geral do direito tributário. 2ª ed. São Paulo : Lejus, 1998, p. 378; Hipótese de incidência tributária. 5ª
ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 115/116; Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 22;
Curso de direito constitucional tributário, 16ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 439 e seq., Curso de direito
tributário brasileiro, , 6ª ed. São Paulo : Forense. 2001, p. 402.
(classe universal - V)
TRIBUTO
40
Teoria geral do direito tributário. 2ª ed. São Paulo : Lejus, 1998, p. 381.
41
Idem, p. 387/389.
de melhoria e, igualmente a BECKER, designam (iii) os tributos não-vinculados
de imposto.
De ver está que empregam a palavra “é” ora no sentido de subclasse “⊂”,
ora no sentido de igualdade “=”. Ao afirmarem que a “taxa é tributo vinculado”,
querem dizer, “taxa ⊂ tributo vinculado”. Quando enunciam “taxa é tributo
diretamente vinculado”, pretendem “taxa = tributo diretamente vinculado”. Da
mesma forma, o enunciado “imposto é tributo não vinculado” significa “imposto
= tributo não vinculado”.
Não há que confundir a classe “taxa” com o indivíduo “custas judiciais”
ou “taxa de fiscalização”. Aqui vigora o uso do conectivo “∈”. Assim, o
elemento “custas judiciais” pertence à classe dos “tributos diretamente
vinculados”, que é subclasse da classe “tributo vinculado”. Esta por sua vez é
subclasse da classe “tributo”.
Em linguagem formalizada:
f (x), [(x ∈ K) . (K ⊂ L) . (L ⊂ V) → (x ∈ V)]
onde, “x” = “custas judiciais”; “K” = “tributos diretamente vinculados”; “L” =
“tributos vinculados”; “V” = “tributos” – classe universal.
A divisão lógica levada a cabo pelos autores acima citados, poderia ser
assim representada:
(classe universal - V)
TRIBUTO
42
Curso de direito tributário brasileiro, 6ª ed. São Paulo : Forense. 2001, p. 401.
da CF. Afirmar a possibilidade de a contribuição ser taxa (tributo vinculado)
quer parecer contra-sentido deôntico.
Todos esses problemas decorrem da amplitude/generalidade da divisão
lógica em tela, ou seja, muitos elementos distintos entre si caem sob a mesma
classe. Imagine se a biologia até hoje trabalhasse com as classes “vertebrados” e
“invertebrados”. Ajustar-se-ia as classes “mamíferos”, “répteis”, “anfíbios”,
“aves” e “peixes” sob a mesma classe. Certo que nada há de errado com essa
divisão lógica, porém, em virtude de sua generalidade poderia se tornar de pouca
utilidade prática.
Embora a divisão lógica analisada respeite cabalmente as regras lógicas
estipuladas para tanto, não se há negar que contenha problemas práticos de
difíceis contornos.
43
Respectivamente nas seguintes obras: Classificação constitucional dos tributos. São Paulo : Max Limonad,
2000, p. 217 e seq.; As classificações no sistema tributário brasileiro.. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max
Limonad, 1998. Direito tributário brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 66 et seq.; Contribuições: uma
figura “sui generis”. São Paulo : Dialética, 2000, p. 131 et seq.
variável como elemento distintivo, enquanto outros optam por utilizar mais de
uma variável”.44
Afirmam, em apertada síntese, que o critério vinculado/não-vinculado (i),
por si só, não seria suficiente para esgotar as “espécies” tributárias existentes
nos sistema constitucional tributário brasileiro.
Eis a razão pela qual tomam mais “duas variáveis” para dividirem a classe
“tributo”: (ii) a restituição do valor pago e (iii) a previsão do destino do produto
da arrecadação.
Ressalte-se que, MÁRCIO SEVERO MARQUES toma os dois critérios
citados como integrantes das respectivas regras de competência, que parecem
ser noções externas ao conceito de “tributo” usado no artigo 3º do CTN. Isso
significaria classificar não os tributos, mas suas respectivas regras de
competência.
No entanto, deixar-se-á entre parênteses a observação, para assentar que a
restituição e a destinação não configuram elementos extrínsecos ao conceito de
tributo como anota EURICO DE SANTI. São intrínsecos, porém acidentais. Do
contrário não se poderia os encaixilhar em subclasses da classe tributo. Violar-
se-ia a regra classificatória (e) que prescreve que as diferenças devem resultar da
definição do dividido.
Contudo, não há maiores problemas em eleger tais critérios para
classificação dos tributos, até mesmo porque as questões da restituição e da
destinação (para simplificarmos) formam mero accidens ao conceito de tributo
(e não elemento extrínseco ou componente da regra de competência).
EURICO DE SANTI e MÁRCIO SEVERO MARQUES apresentam-nos
sugestiva tabela classificatória45:
44
Direito tributário brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 66.
45
Respectivamente, As classificações no sistema tributário brasileiro, p.141 e Classificação constitucional dos
tributos, p. 225.
CASO VINCULAÇÃO DESTINAÇÃO RESTITUIÇÃO TIPO
1 Sim Sim Sim Incompatível
2 Sim Sim Não Taxas
3 Sim Não Sim Incompatível
4 Sim Não Não Contribuições de
melhoria
5 Não Sim Sim Empréstimos
compulsórios
6 Não Sim Não Contribuições
em geral
7 Não Não Sim Vedado pela
CF/88
8 Não Não Não Impostos
46
Introducción a la lógica moderna. 2ª reimp. Tradução de José Luiz Gonzáles. México : Fondo de Cultura
Económica, 1975, pp. 148.
Com efeito: ocorre a classificação cruzada porquanto os tributos
destinados ou restituíveis caem sempre sob as classes vinculados ou não-
vinculados. Em verdade, destinado/não-destinado e restituível/não-restituível
não formam classes coordenadas (classe de mesmo nível) com vinculado/não-
vinculado, mas sim subordinadas. Da mesma forma que restituível/não
restituível é subordinada à destinado/não-destinado.
As classes “vinculado” e “não vinculado” são superiores as demais
porquanto todo tributo goza de hipótese de incidência.
47
Vale lembrar que naquela época, a redação do artigo 155, § 3º da CF era: “À exceção dos impostos de que
tratam o inciso II do caput deste artigo e o artigo 152, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações
“a) os impostos (C.F., arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) taxas (C.F., art. 145,
II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria
(C.F., art. 145, III); c.2. parafiscais (C.F., art. 149), que são: c.2.1 sociais;
c.2.1.1. de seguridade social (C.F., art. 195, I, II, III), c.2.1.2 outras de
seguridade social (C.F., art. 195, parág. 4º), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o
salário-educação, C.F. art. 212, parág. 5º, contribuições para o SESI, SENAI,
SENAC, C.F., art. 240); c.3. especiais: c.3.1 de intervenção no domínio
econômico (C.F., art. 149) e c.3.2. corporativas (C.F. art. 149). Constituem,
ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (C.F., art. 148)”.
Pois bem. Apesar de exaustiva, a divisão capitaneada pelo então Ministro
CARLOS MÁRIO VELLOSO utiliza-se de somente um fundamentum
divisionis (a hipótese de incidência, como afirmado no próprio voto) e vislumbra
quatro espécies tributárias: a) imposto; b) taxa; c) empréstimo compulsório e d)
contribuições, sendo que estas se subdividem em outras várias subespécies.
Pode-se representar o esquema divisório no seguinte quadro:
Tributos
Contribuições
Parafiscais
Sociais Especiais
Esse procedimento de divisão lógica chama atenção por três pontos: (i)
utiliza um fudamentum divisionis e vislumbra inúmeras espécies tributárias; (ii)
as operações sucessivas da divisão não foram efetuadas por etapas graduais o
que (iii) dá a entender que as “contribuições especiais” não são dotadas do
caráter de parafiscalidade e (iv) cria duas subclasses idênticas (“para a
seguridade social” “e “outras para a seguridade social”).
Diverso do julgado acima, o mesmo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
quando da concessão da medida liminar na ADIN n.º 2.556-DF que suspendeu
“ex tunc e até final julgamento, a expressão ‘produzindo efeitos’ do caput do
artigo 14, bem como seus incisos I e II, todos da Lei Complementar Federal n.º
110 de 29 de junho de 2001”, prescreveu nova divisão lógica capitaneada pelo
voto do MINISTRO MOREIRA ALVES.
Com o objetivo de elucidar a “natureza jurídica” das exações criadas pelos
artigos 1.º e 2.º da Lei Complementar n.º 110 de 29/06/01, o MINISTRO
MOREIRA ALVES entendeu perfilharem-se à classe “tributos” por se
subsumirem a conotação da palavra “tributo”.
Ao perquirir a qual espécie tributária se enquadram as exações veiculadas
pela Lei Complementar n.º 110/01, o eminente decisor excluiu de pronto a
figura “impostos”, sob a alegação de que elas “não geram receita pública”, uma
vez que são “recolhidas pela Caixa Econômica Federal diretamente ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço, para depois, com os recursos desse Fundo, que
são vários, creditar nas contas vinculadas dos empregados”.
Acresce ainda o MINISTRO MOREIRA ALVES, que ambas as exações,
por possuírem “inequívoca finalidade social (atender ao direito social referido
no inciso III do artigo 7º da Constituição de 1988), são contribuições sociais”.
No decorrer da decisão monocrática, afastou-se a figura da “contribuição
para a seguridade social” (art. 195 da CF) sob o pálio de que “não integram a
proposta de orçamento da seguridade social”. Com isso, concluiu-se que os
tributos instituídos pela Lei Complementar em questão são “contribuições
sociais gerais”, as quais se submetem à regência do artigo 149 da Constituição
Federal.
Embora essa divisão lógica seja realizada pelo direito positivo, questão
incontornável salta aos olhos: a divisão não resulta das diferenças do dividido, a
ferir a regra lógica outrora explicitada na letra (e). 48
Por isso, a respeitável decisão do MINISTRO MOREIRA ALVES
afigura-se-nos insustentável porque traz característica alheia ao conceito de
tributo para classificá-lo. Isto é, algo fora da característica definitória de tributo
(gerar ou não receita pública) cai dentro da classe universal. Ora, se se entende
que as exações são tributos (classe universal) e, no momento da divisão, traz-se
característica externa à classe para dentro da divisão, não se logra dividir nada.
Vale relembrar o exemplo antes fornecido por RIVANO: se defino “triângulo”
como figura geométrica de três lados e divido-o em «comensurável» e
«incomensurável», não logro dividir nada. A razão é que
comensurável/incomensurável não pertencem a noção de triângulo. De igual
maneira, os conceitos “gerar receita pública”/“não gerar receita pública” não
pertencem a conotação de “tributo”.
48
Somente para relembrar, a regra em questão prescreve: as diferenças devem resultar da definição do dividido
Olvidar tal regra, leva o agente classificador a engendrar “espécies
tributárias” em desacerto com o texto constitucional ou manter no sistema do
direito positivo figuras amorfas. Esse é o caso da denominadas “contribuições
sociais gerais”, pois, sob o seu nome, todo e qualquer tributo poderia ser criado.
10 – Nossa proposta
49
La investigación científica. 2ª ed. Barcelona : Ariel, 1972, p. 97.
TRIBUTO (V)
1ª VINCULADO NÃO-VINCULADO
OBS: (1) O termo “vinculado” é utilizado no sentido de a h.i. do tributo descrever notas factuais referidas à prestação de
serviço público ou ao exercício do poder polícia;
(2) O vocábulo “destinado” é empregado no sentido de previsão de o produto da arrecadação ter finalidade constitucional
específica;
(3) O termo “restituível” tem como significação a previsão de devolução do valor pago;
(4) O numero ordinário “1ª” equivale às primeiras classes coordenadas (níveis) e assim por diante.
TRIBUTOS
VINCULADOS NÃO-VINC.
DEST. NÃO-
DEST. NÃO- DESINADO
DESTINADO
50
Comentários sobre a interpretação do sistema harmonizado de designação e codificação de
mercadorias. Revista Latinoamericana de Derecho Tributário, n.º 0, deciembre, 1996. Marcial Pons :
Madrid, p. 50. Daqui se pode observar que, à maneira da divisão e classificação, os conceitos de “gênero”
e “espécie” gozam de relatividade num ponto aleatório do processo (v.g. num ponto da série, os
“vertebrados” são espécies do gênero supremo “animais”, noutro os “vertebrados” figuram como gênero
da espécie “mamíferos”).
serviço público de jurisdição federal. Embora pudesse apenas aumentar a
alíquota da taxa para, na prática, obter maior arrecadação, não se entrevê
empecilho jurídico na instituição do empréstimo compulsório.
A discussão sobre se a taxa é tributo destinado ou vinculado carece
de sentido pois a classe dos “destinados” será sempre sub-classe própria
dos tributos “vinculados”. Seria a mesma coisa que discutir se o homem é
animal ou (excludente) mamífero. Pois ambos são predicados distintos do
mesmo objeto individual. Predicados, claro, que diferem quanto sua
generalidade.
LOURIVAL VILANOVA, à justa, já anotava: “Há diversas
proposições que têm como sujeito um objeto individual, diferindo nos
predicados, como ‘Sócrates é um grego’, ‘Sócrates é um homem’, ‘Sócrates
é um ser vivo’, ‘Sócrates é um ser’. Apesar de os predicados diferirem em
ordem de generalidade, cada um é predicável do indivíduo ‘Sócrates’. Em
outros termos, trata-se de classes-de-classes-de-classes, classes-de-classes-
de-classes, etc. Mas, são predicáveis imediatamente do objeto porque
representam propriedades-do-objeto”.52
Por fim, à pergunta: “Quantas são as espécies tributárias?” é
equivocada porquanto a própria palavra “espécie” goza de relatividade num
ponto da série, ora se dirigindo às primeiras classes coordenadas, ora às
segundas, ora às terceiras.
Daí mais uma vez se confirmar a proposição segundo a qual o jurista
é especialista em inventar debater estéreis.
51
Curso de direito tributário, p. 26.
52
Teoria das formas sintática. p. 41.
BIBLIOGRAFIA