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CLASSIFICAÇÃO DOS TRIBUTOS

(uma visão analítica)

Tárek Moysés Moussallem1

1 – Os juristas e as classificações

Do ponto de vista cultural, o homem é dotado de logos. Constrói o sentido


da realidade social mediante linguagem. Falar, escutar, ler, escrever, comprar,
sorrir, desculpar-se, prometer, ir ao teatro são tão presentes no universo humano
a ponto de encobrir a extraordinária função exercida pela linguagem na
sociedade.
Talvez a mais importante função exercida pela linguagem, seja a outorga
ao homem a capacidade de classificar. Todo homem tem necessidades que
requerem a realização de classificações. De acordo com a cultura por ele
compartilhada faz a distinção entre plantas venenosas e não-venenosas; animais
racionais e não-racionais; presidencialismo e não-presidencialismo; materiais
inflamáveis e não-inflamáveis e etc.
Essa nos parece a razão pela qual classificar é ato de fala inerente ao
conhecer. Todo conhecimento pressupõe classificação. Para falarmos com A. A.
LUCE, tão logo se pretenda conhecer determinado objeto, a classificação se faz
2
necessária. Aliás, a simples escolha do objeto de estudo enseja classificação:
objeto estudado e objeto não-estudado.

1
Mestre e Doutor pela PUC/SP e professor da Universidade Federal do Espírito Santo.
2
Logic. London : The English University Press. 1958, p. 135.
Por isso, afirmam GUIBOURG, GHIGLIANI & GUARINONI: “La
clasificación es un hecho cultural y, en ocasiones, meramente individual”.3 Daí
exsurge a idéia de que a classificação não se encontra nas coisas mesmas, mas
sim no sujeito cognoscente enquanto inserido em determinada cultura.
Justamente por ser um “fenômeno cultural”, freqüentemente nos
prostramos diante de classificações conflitantes.
No plano da Ciência do Direito, os juristas também não se encontram
alheio às classificações. Classificam as ações em declaratórias, constitutivas e
condenatórias; dividem os atos administrativos em vinculados e discricionários;
ordenam os contratos em unilaterais e bilaterais; distinguem entre vínculo
empregatício e não-empregatício; arranjam os fatos jurídicos em lícitos e
ilícitos; demarcam os crimes formais e crimes materiais; separam os tributos em
vinculados e não-vinculados.
Eis o ponto nodal: classificam as ações, classificam os atos
administrativos; classificam os contratos; classificam os fatos jurídicos;
classificam os crimes; classificam as ações; classificam os tributos, porém se
olvidam, antes, de definir o conceito de “classificar”.
Não raramente, os cientistas do direito lançam-se em disputas verbais
intermináveis: o casamento é contrato? O ato ilícito é ato jurídico? Os embargos
de declaração são recursos? A autorização é ato administrativo? A reclamação
ao Supremo Tribunal Federal tem “natureza” de recurso? O empréstimo
compulsório é imposto? A contribuição é taxa?
Se assim colocadas, todas essas perguntas criam repugnante jogo de
palavras em contra-sentido semântico.
Novamente nos servirmos das inolvidáveis lições de GUIBOURG,
GHIGLIANI & GUARINONI:

3
Introducción al conocimiento científico. 10ª ed. Buenos Aires : EUDEBA, 1993, p. 39.
“Y en este juego de inventar debates estériles hay verdaderos
campeones: los hombres de leyes, dedicados desde hace muchos
siglos a inventar clasificaciones y a trazar sutiles (y siempre
convenientes) distinciones, escriben extensos argumentos sobre la
naturaleza jurídica del matrimonio, del préstamo a la gruesa o de las
asignaciones familiares. Todos estos problemas son insolubles si se
los plantea de esa manera, porque su solución no depende de la
realidad ni de la naturaleza sino de ciertas decisiones clasificatorias y
lingüísticas”.4

Não raramente, os “homens de leis” se deparam com a arguta observação


de G. RENARD:

“Nuestros estudiantes creen aprender imperfectamente la ciencia


jurídica cuando su profesor, después de haber probado vanamente una
norma nueva con todas las normas y todos los gálibos heredados de
los antepasados, comprueba con un suspiro que no encuentra en
ninguna parte calzado a la medida del pie diste pequeño monstruo, y
lo califica en esta forma despreciativa: situación sui generis.”5

A “situação sui generis” é o indivíduo amorfo que, tal qual o ornitorrinco


(veja-se UMBERTO ECO6), não se enquadra em classe alguma. Isso demonstra
o quanto necessita de desenvolvimento o ato de classificar realizado pela
Ciência do Direito.
A classificação dos tributos não escapa a esses problemas. Quantas são as
espécies tributárias? Três? Quatro? Cinco? Dez?
Se é certo que as classificações levam em conta o propósito do agente
classificador, não é menos correto que as regras para estruturação das
subclasses independe da vontade do cientista. A pergunta “Que é classe?” é
respondida pela Lógica, porém a questão “Quais são as classes?” é extralógica.
Depende ato-de-valoração pela Ciência do Direito.

4
Idem, p. 40.
5
Introducción filosófica al estudio del derecho. Vol. II, Buenos Aires : Desclée, de Brouwer, 1947, p. 171
6
Kant e o ornitorrinco. Rio de Janeiro : Recordo, 1997, p. 81.
Não bastassem os inúmeros textos científicos e jurisprudenciais sobre o
assunto, interessa-nos agora reorganiza-los à luz dos princípios lógicos do ato de
classificar.

2 – Sobre a teoria das classes

O conceito de “classe” sempre foi confuso na Lógica. Afirma IRVING


COPI que “a noção de uma classe é básica demais para ser definida em termos
de conceitos mais fundamentais”.7
Contudo, dada a ambigüidade da palavra “classe”8, faz-se necessária a
indicação do significado da palavra para os lindes do presente trabalho.
Na esteira do ensinamento de S. K. LANGER, pode-se satisfatoriamente
definir “classe” como “coleção de todos aqueles e somente aqueles termos aos
quais um certo conceito seja aplicável”.9 Por outros torneios, classe é o campo
de aplicabilidade (field of applicability), é a extensão de determinado conceito.
A classe não se encontra na realidade física, é construção intelectiva. Não
vemos a classe. Criam-se, lingüisticamente, classes.10
O conceito de classe (coleção) se diferença do conceito de coletividade
(denotação). A denotação não é a classe, mas sim a coletividade dos membros.
A classe pode ser vazia, mas não a coletividade (denotação).
Em termos mais precisos, podemos falar do conjunto de todos os
brasileiros (que não se confunde com o brasileiro João, o brasileiro José, etc. -
denotação), ou do conjunto de todos os números inteiros (que é distinto dos
números 1, 2, 3, etc. – denotação), ou do conjunto de todas as normas jurídicas

7
Symbolic logic. 5ª ed. New York : Macmillan, 1979, p. 170
8
Cf. ABAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo : Martins Fontes; AULETE, Caldas. Dicionário
contemporâneo da língua portuguesa. 5. ed., v. I. Rio de Janeiro : Delta, 1964.
9
An introduction to symbolic logic, 3th ed, New York : Dover, 1967, p. 116.
10
Esse era o espanto de Goethe ao se perguntar: “Que é a humanidade? Que coisa mais abstrata! Não vemos a
humanidade mas sim os homens” (La decadencia de occidente. Vol. I, Madrid : Espasa-Calpe. 1947, p. 37)
(que se diferença da norma do homicídio, da norma do ICMS, etc. - denotação),
ou conjunto dos centauros (classe vazia, com extensão e sem denotação).
O problema surge muitas vezes pelo fato de se utilizar a mesma palavra,
v.g. “homem”, tanto para denominar a classe, como para se referir ao indivíduo.
Aqui, mais uma vez, mergulha o sujeito cognoscente no que MAX BLACK
ironicamente chamou “labirinto da linguagem”.
Não se deve confundir a classe com seus elementos (ou, indivíduos como
prefere TARSKI). De acordo com ALBERT MENNE, elementos da classe “são
os indivíduos que caem sob o predicado correspondente à classe”.11 Utilizando-
se dos exemplos acima fornecidos, “João” é elemento da classe “brasileiro”; o
número “1” é elemento da classe “número inteiro”; “homicídio (art. 121 do CP)”
é elemento da classe “norma jurídica”; a classe dos centauros carece de
elementos (classe vazia).
Nesse ponto, fulgura a precisa lição de L.S. STEBBING quando distingue
a “denotação” da “extensão” do signo.12 Afirma a autora: “La extensión de un
término que significa una propiedad de clase de una clase dada consiste en todas
las subclases colectivamente”. Assim a extensão de “homem” (superclasse),
denota cada homem individual. Isso não se confunde com as subclasses
“homens brancos”, “homens negros”, “homens amarelos” e “homens
vermelhos”.
E conclui:

“La extensión, por lo tanto, son clases, no individuos; la denotación es


los miembros de las clases, no las clases. De aquí que cuando un
hombre muere, la extensión de ‘hombre’ no se vea afectada de modo
alguno”.13

11
Introducción a la lógica. 3ª ed., Madrid : Gredos, 1979. p. 142
12
Introducción a la lógica moderna, 2ª reimp. Cidade do México : Fondo de Cultura Económica, 1975, p. 143
13
Idem, ibidem.
Em verdade, são a conotação e a extensão que variam dessa maneira. O
aumento da conotação implica diminuição da extensão. A conotação da palavra
“tributo” tem por extensão as classes “imposto” e “taxa”. O acréscimo à palavra
“tributo” do termo “vinculado” faz diminuir a extensão – só cabe, em princípio,
a palavra “taxa” sob a expressão “tributo vinculado”. Uma hipotética revogação
das “custas judiciais” por parte da União Federal, por exemplo (denotação), em
nada altera a conotação e a extensão de “taxa”, da mesma maneira que a morte
de um homem qualquer, em nada reduz a classe dos homens.

2.1 – Alguns conceitos importantes da teoria das classes

A teoria das classes fornece elementos indispensáveis para a compreensão


do processo classificatório.
Os mais relevantes conceitos são os seguintes: (a) classe universal; (b)
classe vazia; (c) inclusão de classes; (d) interseção de classes; (e) disjunção de
classes; (f) união de classes; (g) classe-complemento
A expressão simbólica “x ∈ K” (lê-se: “x” pertence à classe “K”) exerce
função primordial em teoria das classes, de maneira que, todo indivíduo “x” que
satisfizer as características definitórias da classe “K”, a esta pertencerá. Assim a
função proposicional “‘x’ é mortal”, define a forma da classe “mortais”. A
palavra “mortal” se estende (extensão) sobre Sócrates, Platão, etc. fazendo-os
elementos da classe, porém não se aplica a Apollo (na mitologia grega Apollo
era imortal).
Classe universal é aquela que contém todos indivíduos como elementos. A
classe universal é representada pelo símbolo “V” (em notação simbólica: “x ∈
V”). A classe universal forma o denominado “universo do discurso”, isto é, na
acepção de ALBERT MENNE, “la esfera de cosas que han de ser puestas en
consideración”.14 A título exemplificativo, na Ciência do Direito em sentido
estrito, a classe universal ou universo do discurso, é formada pelas normas
jurídicas. No interior do direito positivo, o cientista pode tomar os “tributos”, os
“contratos”, os “crimes”, como universo do discurso de acordo com o corte
metodológico pressuposto.
Por outro lado, a classe vazia (ou nula) não é preenchida por elemento
algum. É dotada de extensão, mas carece de denotação (indivíduo). É
simbolizada pela expressão “x ∈ Λ”, que será falsa para todos os casos. Por
exemplo: a classe dos “tributos que decorrem de ato ilícito” ou dos “condenados
judicialmente à morte no Brasil” serão sempre vazias.
Unitária é a classe que possui um único membro (indivíduo). Como
exemplo, tem-se a classe dos países americanos de língua portuguesa, ou a
classe dos países cuja capital é Brasília, ou ainda a classe dos impostos
incidentes sobre a propriedade imóvel na área urbana do Município.
A inclusão é relação entre classes assim definida por PATRICK SUPPES:
“Si A y B son conjuntos tales que todo miembro de A es también miembro de B,
entonces llamamos a A un subconjunto de B, o decimos que está incluido en
B”.15 Assim ao dizer que “A” é a classe dos “homens brasileiros” e “B” a classe
dos “homens”, pode-se concluir que a classe “A” encontra-se inteiramente
incluída na classe “B”, isto é, todo homem brasileiro é um homem.
Com sutileza peculiar, LOURIVAL VILANOVA chama atenção para a
diferença entre “inclusão de classes” e “relação de pertinência”. Afirma o
saudoso mestre:

“A relação-de-membridade (Gliederschaftsbeziehung) ou de
pertinencialidade é do indivíduo para sua classe, não das classes entre
si; a extinção factual do indivíduo não afeta a existência lógica da
classe do indivíduo. De uma classe ou conjunto lógico diz-se que é o

14
Introducción a la lógica, 3ª ed., Madrid : Gredos, 1979, p. 143.
15
Introducción a la lógica simbólica. Cidade do México : Continental. 1966. p. 229.
sub-conjunto de si mesmo, que há conjunto sem indivíduos ou
membros, — os conjuntos nulos ou vazios —, que todo conjunto nulo
é parte de qualquer conjunto: proposições estas que carecem de
sentido se tomássemos como sujeito os indivíduos.”16

Em Lógica, distingue-se subclasse de subclasse própria.


Na relação de subclasse “A ⊆ B”, não se exclui a possibilidade de “A =
B”, a suceder a fórmula “B ⊆ A” (que por sua vez é o fundamento do princípio
da identidade de classes). Porém, se, por outra parte, todo elemento da classe A
for um elemento da classe B, mas nem todo elemento da classe B for um
elemento da classe A, então se afirma que a classe A é uma subclasse própria ou
uma parte da classe B.17
Na terminologia proposta por SUPPES empregar-se-á o signo “⊆” para a
relação de inclusão quando se tratar de subclasse e utilizar-se-á o categorema
“⊂” para subclasse própria. Ao se afirmar que a classe dos brasileiros é
subclasse (própria) dos homens, simbolizar-se-á por “A ⊂ B”. Da mesma
maneira, a classe dos centauros compreende como subclasses próprias centauros
negros e centauros brancos.
A relação entre classes explica porque a classe vazia é subclasse de todas
as demais classes. Basta recordar a expressão simbólica referente à subclasse:
(x) (x ∈ A → x ∈ B) que se lê, para todo “x” se “x” pertence a “A”, então “x”
pertence a “B”. Se se colocar a expressão referente à classe vazia (x ∈ Λ) no
antecedente da fórmula condicional acima ( (x) (x ∈ Λ → x ∈ B) ) ter-se-á
sempre um condicional verdadeiro, uma vez que o antecedente sempre será
falso, independentemente do valor atribuído ao conseqüente (paradoxo do
condicional). Em particular, o conjunto vazio Λ é subconjunto do conjunto B se
e somente se, para todo x, se x ∈ Λ, então x ∈ B.

16
Teoria das formas sintáticas, p. 51.
17
ALFRED TARSKI, Introducción a la lógica y la metodología de las ciencias deductivas, Madrid : Espasa-
Calpe, 1968, p. 102
Cabe lembrar que o conceito de subsunção, largamente empregado na
Ciência do Direito, advém do conceito de inclusão entre classes e das
correspondentes subclasses. Eis a razão pela qual PAULO DE BARROS
CARVALHO precisamente afirma ser a subsunção operação lógica entre
conceitos, isto é, entre classes.18
De ALFRED TARSKI extraí-se os conceitos de classes cruzadas e classes
disjuntas.19 Duas classes se interseccionam, interceptam, cruzam, sobrepõem
(overlap) se possuírem ao menos um elemento em comum e se, ao mesmo
tempo, cada uma contiver elementos não contidos na outra. Pelo ponto de vista
semântico, são classes cruzadas as normas morais e as normas jurídicas (veja-se
a norma que prescreve: “não matarás” é tanto jurídica quanto moral). Se cada
uma das duas classes possuírem pelo menos um elemento (é dizer, se não são
vazias), mas não possuírem elementos em comum, dizemos que são mutuamente
excludentes ou disjuntas. Sintaticamente, as normas jurídicas e as normas morais
formam classes disjuntas. Embora a união de duas classes disjuntas não resulte
na classe universal, ambas compõem a classe universal das normas (V). A
existência de duas classes disjuntas unidas nem sempre constitui em sua
totalidade a classe universal. No exemplo acima, as classes disjuntas “normas
jurídicas” e “normas morais” não conformam, em sua união. a classe universal
das normas (V). Há normas não jurídicas e não morais como são os casos das
normas sociais, normas religiosas, normas esportivas etc.
Importante não confundir classe disjunta e classe complementar. De
acordo com LEÔNIDAS HEGENBERG classe complementar de A é o
“conjunto formado por elementos (do universo) não pertencentes à classe A”.20
Simboliza-se a classe e sua complementar pelas letras K e K’, respectivamente.
Então, se a K é a classe dos homens, K’ é a classe dos não-homens. Dentro do

18
Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 88.
19
Introducción a la lógica y la metodología de las ciencias deductivas, Madrid : Espasa-Calpe, 1968, p. 102.
20
Lógica simbólica. São Paulo : Herder, 1966, p. 274
universo do discurso dos fatos jurídicos (classe universal – “V”) temos a classe
K cujos membros são os fatos jurídicos lícitos e a classe K’ cujos indivíduos são
fatos jurídicos ilícitos.
Das operações entre classes, importa a união entre classes. Assim
SUPPES define a união de classes: “Si A y B son conjuntos, entonces por la
unión de A y B (en símbolos, A ∪ B) significamos el conjunto de todas las cosas
que pertenecen cuando menos a uno de los conjuntos A y B”.21 Em linguagem
simbólica, pode-se assim expressar: (x) (x ∈ A ∪ B ↔ x ∈ A v x ∈ B). A classe
dos “fatos jurídicos ilícitos” unida à dos “fatos jurídicos lícitos” tem por
resultado a classe dos fatos jurídicos (código binário empregado por
LUHMANN).

3 – Regras lógicas para divisão/classificação

Em virtude de o ato de fala responsável pelo classificar ser relativo a um


propósito e depender da eleição de certos critérios do agente classificador,
classificações diversas e controvertidas podem surgir.
A organização de livros em uma estante, se realizada pelo
biblioteconomista, em tudo se distingue daquela realizada pelo funcionário
encarregado da limpeza. Este pode levar em conta a cor ou tamanho do livro, ao
passo que aquele toma por critério a disciplina tratada em cada livro ou o
sobrenome do autor.
Embora sujeitos diferentes possam alocar os mesmos indivíduos
(denotação) em classes distintas (extensão) de acordo com o discrimen eleito
(conotação), alguns princípios de classificação, como anotara MÁRIO BUNGE,
são de natureza lógica, isto é, independem do objetivo e do tema.22

21
Introducción a la lógica simbólica. México : Compnhia Editorial Continental, 1966, p. 234.
22
La investigación científica. 2ª ed. Barcelona : Ariel, 1972, p. 95
Entretanto, antes de se arrolar as regras para a feitura do procedimento de
classificação, faz-se necessário abrir parênteses para se distinguir entre divisão
lógica e classificação.
L.S. STEBBING estabelece diferença entre divisão lógica e classificação
da seguinte maneira:

“El proceso de distinguir las subclases de una clase se llama división


lógica; el proceso inverso es clasificación. El proceso de clasificar
presupone el agrupamiento de individuos en clases; es útil solo cuando
las clases que han de ser dispuestas de una manera ordenada tienen
características importantes. La importancia es relativa a un
propósito”.23

ROQUE CARRAZA, em exposição abreviada, faz coro às lições de


STEBBING: “[...] classificar é o procedimento lógico de dividir um conjunto de
seres (de objetos, de coisas) em categorias, segundo critérios
preestabelecidos”.24
Com efeito, a distinção entre divisão lógica e classificação é relativa.
Enquanto a divisão lógica parte das sobre-classes (gênero) para as subclasses
(espécies), a classificação, em sentido contrário, toma por índice os indivíduos e
as subclasses agrupando-os em classes (gênero).
A forma mais elementar de classificar é a divisão. A divisão consiste em
distribuir os elementos do universo do discurso (classe universal) entre certo
número de classes complementares de maneira sistemática. Eis a razão pela qual
a divisão, em sua etapa mais simples, ganha foros dicotômicos. Basta um
conceito para sugeri-la. Por exemplo, definir o conceito de “tributo” cria
automaticamente duas classes “tributo” e “não-tributo”.

23
Introducción a la lógica moderna. México : Fondo de Cultura Económica, 1975, pp. 145. Tal relatividade
vislumbrada por STEBBING levou J. TRICOT a afirmar: “La classification est la division. Les Logiciens
modernes préfèrent toutefois l’expression de «classification» en raison surtout de la grande place que tient la
classification dans le Sciences naturelles.” (Traité de logique formelle, p. 97).
24
Curso de direito constitucional tributário. 16ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 437.
As regras fundamentais para a divisão são cinco: (a) deve haver somente
um fundamentum divisionis em cada operação; (b) as classes coordenadas
devem se excluir mutuamente; (c) as classes coordenadas devem esgotar
coletivamente a superclasse; (d) as operações sucessivas da divisão devem ser
efetuadas por etapas graduais; (e) as diferenças devem resultar da definição do
dividido.
A regra (a) estipula a necessidade de existir somente um fundamentum
divisionis em cada divisão da classe em suas correlativas subclasses
(denominadas classes coordenadas)25. Entende-se por fundamentum divisionis a
característica eleita arbitrariamente para proceder à divisão. Se o critério
escolhido pelo cientista só pode ser único em cada etapa da divisão, então
haverá sempre a criação de duas subclasses (classes complementares K e K’),
que unidas resultam na classe dividida (classe universal – classe V). Basta
lembrar, em linguagem simbólica, a operação de união entre classes: K ∪ K’ =
V, onde K e K’ figuram como classes coordenadas. As regras (b) e (c) surgem
como corolário direto da regra (a).
Na mesma senda, a regra (d) decorre diretamente da regra (a). Nas
palavras de STEBBING, a regra (d) prescreve que “cada etapa da divisão
concorde com o fundamentum divisionis original”.26 O respeito à gradação das
etapas, observam CREIGHTON & SMART, traz o benefício de “alertar contra a
mudança de princípio da divisão enquanto o processo estiver sendo levado a
cabo”.27
A observância das regras (a), (b), (c) e (d) evita que as subclasses se
cruzem (classes cruzadas), e com isso impedem o cientista de incorrer na
freqüente falácia da divisão cruzada. Por isso, alerta JUAN RIVANO sobre o

25
Denomina-se “classes coordenadas” duas subclasses do mesmo nível. A superclasse “animal” tem como
subclasses coordenadas “vertebrados” e “não-vertebrados”. Estas duas são chamadas de classes coordenadas.
26
Introducción a la lógica moderna. México : Fondo de Cultura Económica. 1975, p. 148.
desrespeito às regras: “Si divido sobre la base de dos o más principios internos,
estoy confundiendo niveles e induciendo confusión”.28
A título ilustrativo, o embaraço criado pela vituperação das regras acima
no exemplo oferecido por STEBBING é elucidativo:

“Si dividimos los idiomas de la humanidad en arios, semíticos,


eslavos, camíticos y egipcio antiguo incurrimos en esta falacia [da
divisão cruzada], puesto que egipcio antiguo cae dentro do grupo
camítico y eslavos dentro de arios. Esta relación además no es
exhaustiva”.29

Finalmente, a regra (e) preceitua que as diferenças para criação das


subclasses devem decorrer da definição do dividido, ou seja, as subclasses
decorrem das características definitórias (sejam elas intrínsecas ou extrínsecas –
como quer HOSPERS) do termo a ser dividido. Do contrário, alerta JUAN
RIVANO, “algo ‘caeria desde fuera’ al universal, y no habría argumento que
pudiera hacernos comprender la síntesis”.30 Para esclarecer a regra, o autor
chileno oferece este exemplo: se se define “triângulo” como figura geométrica
de três lados e divido-o em «comensurável» e «incomensurável», não logro
dividir nada. E explica o insucesso da divisão: “La razón es que la noción de
medida no pertenece a la definición de triangulo”.
De porte das regras lógicas para a divisão, passa-se ao problema da
classificação jurídica dos tributos.

27
An introductory logic. 5th ed. New York : The Macmillian Company, 1946, p. 98. Exemplo de violação à
regra seria a divisão da espécie humana em brancos, negros, mongóis, europeus e australianos. O princípio
inicial era a cor da pele e foi modificado abruptamente para a localização geográfica.
28
Logica elemental. Santiago : Editorial Universitária, 1970, p. 30.
29
Introducción a la logica moderna. Mexico : Fondo de Cultura Economica, 1975, p. 149.
30
Lógica elemental. Santiago : Editorial Universitária, 1970, p. 31.
5 - A definição do conceito de tributo – universo do discurso

Se a Ciência do Direito estuda tanto o plano da expressão quanto as


normas e suas reconstruções de sentidos,31 a classificação de qualquer dado
jurídico há de perpassar o texto em sua totalidade.
Tanto as definições quanto as classificações normativamente estipuladas
pelo direito positivo, passam por reorganização da Ciência do Direito. Com isso
não se está a afirmar que as definições postas pelo direito positivo de nada
valem. Antes pelo contrário, na trilha dos ensinamentos de MARCOS DINIZ
DE SANTI as definições e classificações criadas pelas normas jurídicas são
suscetíveis à validade ou invalidade32, porém passíveis de reconstrução pela
Ciência do Direito. Da mesma forma que se constroem normas a partir de
enunciados prescritivos, constroem-se classificações e definições a partir de
enunciados prescritivos classificatórios e definitórios.
Exemplo disso encontra-se plasmado na analítica tarefa empreendida por
PAULO DE BARROS CARVALHO, quando do deslinde das acepções da
palavra “tributo”.33 Embora a Lei n.º 5.172/66 (Código Tributário Nacional)
tenha definido estipulativamente o conceito de tributo em seu artigo 3º, o
Professor Titular da PUC/SP e da USP, encontra mais cinco sentidos para o
vocábulo.
O artigo 3º do Código Tributário Nacional estabelece o universo do
discurso ao definir o conceito de tributo:

“Art. 3º - Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda


ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato

31
Ver MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo : Noeses, 2005.
32
As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max Limonad, 1998, p.
133.
33
Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 15 et seq.
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada”.

No dispositivo supracitado estão lançadas as notas essenciais (ou


definitórias) da palavra “tributo” (conotação). Essa definição cria, como bem
notou EURICO DE SANTI, duas classes complementares: a classe dos tributos
e a classe dos não-tributos.34
Todo indivíduo que possuir as notas definitórias estipuladas na conotação
(sejam elas intrínsecas ou extrínsecas, mas sempre definitórias) pertencerá à
classe “tributos”.
Agora, não há empecilho para que determinado elemento, além de possuir
todas as notas definitórias (ou essenciais) da palavra-de-classe, tenha as
denominadas características concomitantes (ou acidentais).
Esclarece JOHN HOSPERS em sucinto parágrafo:

“Por lo general, una definición comprende varias características


definitórias. Toda cosa del mundo tiene un número de características
indefinidamente grande (algunos hasta dirían infinitamente grande);
pero esas características, sin las cuales no se aplicaría a la cosa una
palabra determinada, son las que definen a esa palabra, son sus
características definitórias. Un enunciado que registra la lista completa
de las características definitórias de una palabra es la definición de
esta palabra. Aquejas características de una cosa sin las cuales la
palabra lo mismo se le aplicaría, son sus características
concomitantes.”35

Dessarte, não há obstáculo algum para que os indivíduos detentores de


mais características que aquelas tidas como essenciais pertençam à classe
universal. O indivíduo pode ter inúmeras características concomitantes (ser
restituível ou não, ter a finalidade destinada ou não, ser da competência da
União Federal ou não, etc) e pertencer à classe “tributos”, contudo é necessário

34
As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max Limonad, 1998, p.
135.
35
Introducción al análisis filosófico. Buenos Aires : Macchi, 1962, p. 35.
possuir todas as notas essenciais estipuladas na conotação «(a) prestação
pecuniária compulsória, (b) instituída em lei, (c) não decorrente de sanção por
ato ilícito e (d) cobrada mediante atividade administrativa plenamente
vinculada».
Para os lindes deste trabalho, os critérios (a), (b), (c) e (d) serão
considerados como definitórios, todos os demais porventura agregados figurarão
como concomitantes.
Eis a razão pela qual as subclasses serão estruturadas com base em
características essenciais e acidentais da conotação da superclasse.

6 – A estruturação da classe “tributos”

Antes de ingressar na estruturação da classe “tributos”, deve-se chamar


atenção para o descuido lingüístico que assola a Ciência do Direito Tributário,
mormente quanto às palavras “vinculado”, “não-vinculado”, “imposto”, “taxa”,
“contribuições”.
Talvez a confusão continue a ocorrer em virtude do caráter ambíguo da
partícula “é”. O problema não escapou a um W. V. O. QUINE quando alertava
que a palavra “é” algumas vezes é usada no sentido de “=” outras no sentido de
“∈”, ou seja, pertinência.36 E vale a pena acrescentar também o sentido de
subclasse própria, isto é, “⊂”.
O enunciado “imposto é tributo não-vinculado” possibilita a construção de
três proposições diferentes: (i) “imposto” = “tributo não-vinculado” ou (ii)
“imposto” ∈ “tributos não-vinculados” ou (iii) “imposto” ⊂ “tributo não-
vinculado”.
Não é difícil antever as complicações resultantes do mau uso da cópula
“é”. Se utilizada na acepção (i), a oração “Imposto é tributo não-vinculado”

36
Lógica matemática. Madrid : Revista de Occidente. 1972, p. 129.
indica a mesma significação quando da utilização da palavra “imposto” e da
rubrica “tributo não-vinculado”, ou seja, “imposto” e “tributo não-vinculados”
formam classes iguais. Acaso empregada na acepção (ii), a expressão “Imposto
é tributo não-vinculado” demonstra que o elemento “imposto” pertence à classe
dos “tributos não-vinculados”. Usada no sentido (iii), o enunciado “Imposto é
tributo não-vinculado” significa que a subclasse “imposto” está contida na
classe “tributo não-vinculado”.
Não bastasse o enigma do functor apofântico “é”, a palavra “imposto” é
empregada também ambiguamente: ora com o significado de “classe” (acepções
i e iii), ora com o significado de “indivíduo” (acepção ii).
À semelhança desse problema, outras perplexidades afloram na Ciência
do Direito Tributário como as confusas perguntas: O empréstimo compulsório é
taxa ou imposto? A contribuição previdenciária é taxa ou é imposto?
A solução do problema parece estar na elucidação das palavras “é”,
“imposto”, “taxa”, “contribuição”, “empréstimo compulsório”, “tributo
vinculado”, “tributo não-vinculado” quando de seus usos.
Resolvidas as pendências, parte-se agora para a construção do esquema da
classificação dos tributos com o auxílio da teoria das classes.
A primeira questão a saltar aos olhos é a confirmação da seguinte asserção
de GERALDO ATALIBA: “O conceito de tributo é constitucional”.37 Além de
todas as razões já expostas pelo saudoso mestre em sua obra, o conceito de
tributo é constitucionalmente pressuposto por questão extra-lógica. Não é a
Lógica quem decide quais critérios são superiores e quais são inferiores na
tabela classificatória. Mas sim, o direito positivo (e de certa forma a Ciência) em
sua hierarquia estrutural. Seria desrespeito aos cânones do direito positivo
admitir o conceito de tributo como infraconstitucional e colocá-lo no topo da
tabela classificatória como classe universal, isto é, universo do discurso.

37
Hipótese de incidência tributária. 5ª ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 31 e p. 112.
Também seria disparate colocar no tópico de subclasses as classes “imposto”,
“taxa’, etc. (que se encontram em nível constitucional), tendo como gênero a
classe “tributo” (que se encontra em nível infraconstitucional).
Isso não impede de afirmar com COHEN & NAGEL que

“Algunos caracteres [eleitos para classificação] tienen, pues, un valor


lógico superior a otros, dado que nos permiten alcanzar un saber
sistemático o ciencia. [...] Lo más importante es elegir en los objetos
estudiados la característica que brinde el indicio más significativo
acerca de su naturaleza”.38

ALFREDO AUGUSTO BECKER, GERALDO ATALIBA, PAULO DE


BARROS CARVALHO, ROQUE CARRAZA e SACHA CALMON vêem
como indício mais significativo da classe “tributos”, o aspecto de os elementos
possuírem suas hipóteses de incidência e correspondentes bases de cálculo
ligados às ações vinculadas ou não-vinculadas a uma atividade estatal referida
ao contribuinte.39
Todos os membros da classe tributos, sejam quais forem, são dotados de
hipótese de incidência e base de cálculo, isso confere sistematicidade ao
esquema classificatório.
Vale a pena registrar que, ao dividirem a classe “tributos” em vinculados e
não-vinculados, os autores referidos utilizam somente um fundamentum
divisionis (terem a h.i. e a base de cálculo vinculados ou não a uma atividade
estatal) e criam duas subclasses próprias e complementares (tributos vinculados
e tributos não vinculados) que unidas resultam na classe universal tributos (K ∪
K’ = V).
Esquematicamente poderíamos assim representar:

38
Introducción a la lógica y al método científico II. 9ª reimp. Buenos Aires : Amorrortu, 2000, p. 43.
39
Teoria geral do direito tributário. 2ª ed. São Paulo : Lejus, 1998, p. 378; Hipótese de incidência tributária. 5ª
ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 115/116; Curso de direito tributário. 13ª ed. São Paulo : Saraiva, 2000, p. 22;
Curso de direito constitucional tributário, 16ª ed. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 439 e seq., Curso de direito
tributário brasileiro, , 6ª ed. São Paulo : Forense. 2001, p. 402.
(classe universal - V)
TRIBUTO

VINCULADO NÃO VINCULADO


(classe complementar K) (classe complementar K’)

Embora genérica, a divisão lógica levada a cabo pelos autores acima


respeita todas as cinco regras lógicas acima aventadas.
ALFREDO AUGUSTO BECKER pára por aqui e entende que todo e
qualquer elemento da classe tributo cai sob a subclasse “vinculado” ou pertence
à subclasse “não-vinculado”.40 Emprega a palavra “é” no sentido de “=” e
denomina tributos vinculados de taxa e os não-vinculados de imposto. Completa
o saudoso mestre gaúcho que a contribuição de melhoria, dependendo do que o
ordenamento jurídico de cada país imputar como sua base de cálculo (mais valia
ou serviço estatal), será ou imposto ou taxa.41
Por outro lado GERALDO ATALIBA, PAULO DE BARROS
CARVALHO, ROQUE CARRAZZA e SACHA CALMON dividem a subclasse
“vinculados” em duas outras subclasses complementares: “diretos” (leia-se:
diretamente referido à uma atividade estatal) e “indiretos” (leia-se:
indiretamente referido à uma atividade estatal).
Chamam os (i) tributos vinculados diretamente à uma atuação estatal
(prestação de serviço público específico e divisível ou o exercício regular do
poder de polícia) de taxas, (ii) os tributos vinculados indiretamente à uma
atuação estatal (obra pública que decorra valorização do imóvel) de contribuição

40
Teoria geral do direito tributário. 2ª ed. São Paulo : Lejus, 1998, p. 381.
41
Idem, p. 387/389.
de melhoria e, igualmente a BECKER, designam (iii) os tributos não-vinculados
de imposto.
De ver está que empregam a palavra “é” ora no sentido de subclasse “⊂”,
ora no sentido de igualdade “=”. Ao afirmarem que a “taxa é tributo vinculado”,
querem dizer, “taxa ⊂ tributo vinculado”. Quando enunciam “taxa é tributo
diretamente vinculado”, pretendem “taxa = tributo diretamente vinculado”. Da
mesma forma, o enunciado “imposto é tributo não vinculado” significa “imposto
= tributo não vinculado”.
Não há que confundir a classe “taxa” com o indivíduo “custas judiciais”
ou “taxa de fiscalização”. Aqui vigora o uso do conectivo “∈”. Assim, o
elemento “custas judiciais” pertence à classe dos “tributos diretamente
vinculados”, que é subclasse da classe “tributo vinculado”. Esta por sua vez é
subclasse da classe “tributo”.
Em linguagem formalizada:
f (x), [(x ∈ K) . (K ⊂ L) . (L ⊂ V) → (x ∈ V)]
onde, “x” = “custas judiciais”; “K” = “tributos diretamente vinculados”; “L” =
“tributos vinculados”; “V” = “tributos” – classe universal.
A divisão lógica levada a cabo pelos autores acima citados, poderia ser
assim representada:
(classe universal - V)
TRIBUTO

(classe complementar K) (classe complementar K’)


VINCULADO NÃO VINCULADO
(classe universal – V) (impostos)
(K) (K’)
DIRETOS INDIRETOS
(taxa) (contribuição de melhoria)
Vale a pena registrar o rigor lógico dessa divisão pois os autores citados
observam cabalmente todas as regras estipuladas para a divisão. A classe
“vinculado”, num ponto da série, figura como subclasse própria e complementar
(K) da classe universal “tributo”, noutro, aparece como classe universal (V)
dividida em outras duas subclasses próprias e complementares: diretos e
indiretos (K e K’).
Outrossim, cumpre exaltar a coerência interna da teoria em afirmar os
empréstimos compulsórios e contribuições ora como impostos ora como taxas.
Em rigor, para essa corrente doutrinária tida como tricotômica, não se há que
falar em empréstimo compulsório ou contribuições. A análise de suposto
elemento pertencente à classe tributo, por exemplo a CPMF (contribuição
provisória sobre a movimentação financeira), por questões óbvias, somente pode
ser enquadrada ou na subclasse taxa, ou na subclasse contribuição de melhoria,
ou na subclasse imposto.
Nessa senda, os últimos elementos da divisão (espécies ínfimas) são três e
somente três: imposto, taxa e contribuição de melhoria. Não há uma quarta
possibilidade.
Tal argumento era reforçado pelo artigo 4º do Código Tributário Nacional
que prescreve:

“Art.4º - A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo


fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-
la:
I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei;
II – a destinação legal do produto da sua arrecadação.

Por fim, SACHA CALMON, dentro da corrente tricotômica ventilada,


aduz ser fundamental a “validação finalística” do tributo, não para expor a
“natureza jurídica” (classe) do tributo (elemento), mas apenas para controlar o
poder de tributar.42

7 – Alguns problemas da classificação tricotômica

Apesar da austera observância dos princípios lógicos do ato de classificar,


dois pontos negativos hão de ser ressaltados nessa teoria: o emprego de palavras
como “imposto” e “taxa” de maneira ambígua e a “generalidade e amplitude da
divisão” em nada diz a respeito das contribuições
Conforme já alertado, a teoria tida tricotômica usa indistintamente as
palavras “imposto” e “taxa” para se referir ora à classes, ora à subclasses e ora a
elementos.
Ademais, a afirmação de que as contribuições em geral e os empréstimos
compulsórios poderiam ser impostos ou taxas causa certa perplexidade
porquanto há conseqüências jurídicas distintas entre as figuras.
Aliás, se for aceita a divisão lógica levada a termo pelos refulgentes
juristas, não se pode vislumbrar a possibilidade de afirmar que a contribuição
ora poder ser imposto (= não-vinculado) ora pode ser taxa (= vinculado).
Se de acordo com a teoria propugnada as classes “vinculados” e “não-
vinculados” exsurgem da análise da hipótese de incidência e da base de cálculo
dos tributos se referirem à determinada atuação estatal, então as contribuições
somente poderão figurar como tributos não-vinculados.
Basta analisar as hipóteses de incidência previstas na Constituição Federal
no artigo 195 caput, bem como a expressa referência que o artigo 195, § 4 faz ao
artigo 154, I que trata dos impostos residuais. As possíveis hipóteses de
incidência das contribuições é “ser empregador”, “ser empregado”, etc. e não
“prestar serviço de seguridade social”. O mesmo se pode dizer com o artigo 149

42
Curso de direito tributário brasileiro, 6ª ed. São Paulo : Forense. 2001, p. 401.
da CF. Afirmar a possibilidade de a contribuição ser taxa (tributo vinculado)
quer parecer contra-sentido deôntico.
Todos esses problemas decorrem da amplitude/generalidade da divisão
lógica em tela, ou seja, muitos elementos distintos entre si caem sob a mesma
classe. Imagine se a biologia até hoje trabalhasse com as classes “vertebrados” e
“invertebrados”. Ajustar-se-ia as classes “mamíferos”, “répteis”, “anfíbios”,
“aves” e “peixes” sob a mesma classe. Certo que nada há de errado com essa
divisão lógica, porém, em virtude de sua generalidade poderia se tornar de pouca
utilidade prática.
Embora a divisão lógica analisada respeite cabalmente as regras lógicas
estipuladas para tanto, não se há negar que contenha problemas práticos de
difíceis contornos.

8 – O problema da “destinação” e da “restituição”

O advento da Constituição Federal de 1988, segundo alguns autores,


trouxe mais dois critérios relevantes para a classificação dos tributos: a
restituição do valor pago e a previsão do destino do produto da arrecadação.
Dentre os cientistas que adotam esses critérios para a classificação dos
tributos, embora com alguns desacordos entre si, temos como mais importantes:
MÁRCIO SEVERO MARQUES, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI e
LUCIANO AMARO e, de certa forma, MARCO AURÉLIO GRECO.43
De acordo com LUCIANO AMARO, “o grande divisor de águas das
classificações doutrinárias está em que alguns autores escolhem uma única

43
Respectivamente nas seguintes obras: Classificação constitucional dos tributos. São Paulo : Max Limonad,
2000, p. 217 e seq.; As classificações no sistema tributário brasileiro.. In: Justiça Tributária. São Paulo : Max
Limonad, 1998. Direito tributário brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 66 et seq.; Contribuições: uma
figura “sui generis”. São Paulo : Dialética, 2000, p. 131 et seq.
variável como elemento distintivo, enquanto outros optam por utilizar mais de
uma variável”.44
Afirmam, em apertada síntese, que o critério vinculado/não-vinculado (i),
por si só, não seria suficiente para esgotar as “espécies” tributárias existentes
nos sistema constitucional tributário brasileiro.
Eis a razão pela qual tomam mais “duas variáveis” para dividirem a classe
“tributo”: (ii) a restituição do valor pago e (iii) a previsão do destino do produto
da arrecadação.
Ressalte-se que, MÁRCIO SEVERO MARQUES toma os dois critérios
citados como integrantes das respectivas regras de competência, que parecem
ser noções externas ao conceito de “tributo” usado no artigo 3º do CTN. Isso
significaria classificar não os tributos, mas suas respectivas regras de
competência.
No entanto, deixar-se-á entre parênteses a observação, para assentar que a
restituição e a destinação não configuram elementos extrínsecos ao conceito de
tributo como anota EURICO DE SANTI. São intrínsecos, porém acidentais. Do
contrário não se poderia os encaixilhar em subclasses da classe tributo. Violar-
se-ia a regra classificatória (e) que prescreve que as diferenças devem resultar da
definição do dividido.
Contudo, não há maiores problemas em eleger tais critérios para
classificação dos tributos, até mesmo porque as questões da restituição e da
destinação (para simplificarmos) formam mero accidens ao conceito de tributo
(e não elemento extrínseco ou componente da regra de competência).
EURICO DE SANTI e MÁRCIO SEVERO MARQUES apresentam-nos
sugestiva tabela classificatória45:

44
Direito tributário brasileiro. 9ª ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 66.
45
Respectivamente, As classificações no sistema tributário brasileiro, p.141 e Classificação constitucional dos
tributos, p. 225.
CASO VINCULAÇÃO DESTINAÇÃO RESTITUIÇÃO TIPO
1 Sim Sim Sim Incompatível
2 Sim Sim Não Taxas
3 Sim Não Sim Incompatível
4 Sim Não Não Contribuições de
melhoria
5 Não Sim Sim Empréstimos
compulsórios
6 Não Sim Não Contribuições
em geral
7 Não Não Sim Vedado pela
CF/88
8 Não Não Não Impostos

Mas, se por um lado tal empreitada pretendeu alcançar foros de maior


sistematicidade, por outro, parece incorrer em violações às regras de divisão
lógica.
Os autores que adotam a divisão acima esboçada utilizam três
fundamentum divisionis de uma só vez (vinculação, destinação e restituição)
enquadrando-se naquilo que L.S. STEBBING denominou “falácia da divisão
cruzada”, ou seja, classes que se atravessam.46
A desobediência à regra básica do procedimento de divisão lógica
(obrigação de utilização de somente um fundamentum divisionis) acarreta
desrespeito a todas as demais regras dela decorrentes (ver acima).
Elevar as classes “restituíveis” e “destinados” ao mesmo nível de
“vinculados” importa inutilizar a divisão lógica.
Não se pode olvidar a maior importância que revela o critério
vinculado/não-vinculado sobre os demais.
Da mesma forma, não é difícil notar que as classes “restituíveis” e
“destinados” não deveriam formar classes coordenadas (de mesmo nível) com a
classe “vinculado”, mas sim subclasses, uma vez que todos os elementos da
classe tributo possuem hipótese de incidência.

46
Introducción a la lógica moderna. 2ª reimp. Tradução de José Luiz Gonzáles. México : Fondo de Cultura
Económica, 1975, pp. 148.
Com efeito: ocorre a classificação cruzada porquanto os tributos
destinados ou restituíveis caem sempre sob as classes vinculados ou não-
vinculados. Em verdade, destinado/não-destinado e restituível/não-restituível
não formam classes coordenadas (classe de mesmo nível) com vinculado/não-
vinculado, mas sim subordinadas. Da mesma forma que restituível/não
restituível é subordinada à destinado/não-destinado.
As classes “vinculado” e “não vinculado” são superiores as demais
porquanto todo tributo goza de hipótese de incidência.

9 – A posição do Supremo Tribunal Federal

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em dois julgamentos


paradigmáticos sobre o tema, ingressou obter dictum no problema da
classificação dos tributos.
A primeira posição exsurge no bojo do voto proferido pelo então
MINISTRO CARLOS MÁRIO VELLOSO no Recurso Extraodinário n.º
138.284-8/CE onde se questionava a constitucionalidade da contribuição social
sobre o lucro líquido.47
Sem ingressar no mérito do acórdão do Tribunal Excelso, importa apenas
a divisão lógica dos tributos levada a cabo no corpo do voto condutor.
Com base no julgado, o Supremo Tribunal Federal admite o conceito de
tributo como aquele estipulado no artigo 3.º do Código Tributário Nacional, para
encontrar “as diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de
incidência ou pelo fato gerador (CTN, art. 4º)”.
Ao tomar como fundamentum divisionis a hipótese de incidência o
Supremo Tribunal Federal entende que as espécies tributárias são as seguintes:

47
Vale lembrar que naquela época, a redação do artigo 155, § 3º da CF era: “À exceção dos impostos de que
tratam o inciso II do caput deste artigo e o artigo 152, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações
“a) os impostos (C.F., arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) taxas (C.F., art. 145,
II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria
(C.F., art. 145, III); c.2. parafiscais (C.F., art. 149), que são: c.2.1 sociais;
c.2.1.1. de seguridade social (C.F., art. 195, I, II, III), c.2.1.2 outras de
seguridade social (C.F., art. 195, parág. 4º), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o
salário-educação, C.F. art. 212, parág. 5º, contribuições para o SESI, SENAI,
SENAC, C.F., art. 240); c.3. especiais: c.3.1 de intervenção no domínio
econômico (C.F., art. 149) e c.3.2. corporativas (C.F. art. 149). Constituem,
ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (C.F., art. 148)”.
Pois bem. Apesar de exaustiva, a divisão capitaneada pelo então Ministro
CARLOS MÁRIO VELLOSO utiliza-se de somente um fundamentum
divisionis (a hipótese de incidência, como afirmado no próprio voto) e vislumbra
quatro espécies tributárias: a) imposto; b) taxa; c) empréstimo compulsório e d)
contribuições, sendo que estas se subdividem em outras várias subespécies.
Pode-se representar o esquema divisório no seguinte quadro:

Tributos

Imposto taxas empréstimo compulsórios contribuições

Ao deitar olhos apenas sobre subclasse “contribuições” tem-se:

Contribuições

de melhoria parafiscais especiais

relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do


país.”
Agora, ao analisar somente as subclasses “contribuições parafiscais” e
“contribuições especiais” conclui-se:

Parafiscais

Sociais Especiais

p/ seguridade social outras p/ seguridade sociais gerais de intervenção no corporativas


social domínio econômico

Esse procedimento de divisão lógica chama atenção por três pontos: (i)
utiliza um fudamentum divisionis e vislumbra inúmeras espécies tributárias; (ii)
as operações sucessivas da divisão não foram efetuadas por etapas graduais o
que (iii) dá a entender que as “contribuições especiais” não são dotadas do
caráter de parafiscalidade e (iv) cria duas subclasses idênticas (“para a
seguridade social” “e “outras para a seguridade social”).
Diverso do julgado acima, o mesmo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
quando da concessão da medida liminar na ADIN n.º 2.556-DF que suspendeu
“ex tunc e até final julgamento, a expressão ‘produzindo efeitos’ do caput do
artigo 14, bem como seus incisos I e II, todos da Lei Complementar Federal n.º
110 de 29 de junho de 2001”, prescreveu nova divisão lógica capitaneada pelo
voto do MINISTRO MOREIRA ALVES.
Com o objetivo de elucidar a “natureza jurídica” das exações criadas pelos
artigos 1.º e 2.º da Lei Complementar n.º 110 de 29/06/01, o MINISTRO
MOREIRA ALVES entendeu perfilharem-se à classe “tributos” por se
subsumirem a conotação da palavra “tributo”.
Ao perquirir a qual espécie tributária se enquadram as exações veiculadas
pela Lei Complementar n.º 110/01, o eminente decisor excluiu de pronto a
figura “impostos”, sob a alegação de que elas “não geram receita pública”, uma
vez que são “recolhidas pela Caixa Econômica Federal diretamente ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço, para depois, com os recursos desse Fundo, que
são vários, creditar nas contas vinculadas dos empregados”.
Acresce ainda o MINISTRO MOREIRA ALVES, que ambas as exações,
por possuírem “inequívoca finalidade social (atender ao direito social referido
no inciso III do artigo 7º da Constituição de 1988), são contribuições sociais”.
No decorrer da decisão monocrática, afastou-se a figura da “contribuição
para a seguridade social” (art. 195 da CF) sob o pálio de que “não integram a
proposta de orçamento da seguridade social”. Com isso, concluiu-se que os
tributos instituídos pela Lei Complementar em questão são “contribuições
sociais gerais”, as quais se submetem à regência do artigo 149 da Constituição
Federal.
Embora essa divisão lógica seja realizada pelo direito positivo, questão
incontornável salta aos olhos: a divisão não resulta das diferenças do dividido, a
ferir a regra lógica outrora explicitada na letra (e). 48
Por isso, a respeitável decisão do MINISTRO MOREIRA ALVES
afigura-se-nos insustentável porque traz característica alheia ao conceito de
tributo para classificá-lo. Isto é, algo fora da característica definitória de tributo
(gerar ou não receita pública) cai dentro da classe universal. Ora, se se entende
que as exações são tributos (classe universal) e, no momento da divisão, traz-se
característica externa à classe para dentro da divisão, não se logra dividir nada.
Vale relembrar o exemplo antes fornecido por RIVANO: se defino “triângulo”
como figura geométrica de três lados e divido-o em «comensurável» e
«incomensurável», não logro dividir nada. A razão é que
comensurável/incomensurável não pertencem a noção de triângulo. De igual
maneira, os conceitos “gerar receita pública”/“não gerar receita pública” não
pertencem a conotação de “tributo”.

48
Somente para relembrar, a regra em questão prescreve: as diferenças devem resultar da definição do dividido
Olvidar tal regra, leva o agente classificador a engendrar “espécies
tributárias” em desacerto com o texto constitucional ou manter no sistema do
direito positivo figuras amorfas. Esse é o caso da denominadas “contribuições
sociais gerais”, pois, sob o seu nome, todo e qualquer tributo poderia ser criado.

10 – Nossa proposta

O objetivo da divisão lógica que doravante será esquematizada buscará


pautar-se nas regras lógicas de modo que torne mais fácil a compreensão do
problema das “espécies tributárias”.
A divisão pretendida busca “graus de importância” dos critérios
constitucionalmente atribuídos. Se todo tributo possui hipótese de incidência,
então as primeiras classes coordenadas são: vinculado e não-vinculado. As
segundas classes coordenadas são “destinados” e “não-destinados”. As terceiras,
menos importantes, vem a ser “restituível” e “não restituível”.
Claro que, ao falar em “graus de importância”, atribui-se, por ato-de-
valoração, superioridade classificatória do critério “x” em relação ao outro “y”
(NAGEL & COHEN).
Por isso, a divisão lógica foi ordenada de maneira que desde o gênero
máximo até as espécies ínfimas mantivesse respeito às regras outrora
explanadas.
Do primeiro nível de classes coordenadas (vinculado/não-vinculado) para
o segundo (destinado/não-destinado) utiliza-se somente um fundamentum
divisionis, e se cria, por conseqüência, classes mutuamente excludentes.
A união de classes de nível inferior (v.g. subclasses vinculado ∪ não-
vinculado) resulta sempre na classe imediatamente superior (no exemplo dado,
vinculado ∪ não-vinculado = tributo) o que permite exaurir a divisão lógica.
Outra questão interessante é que, na esteira da lição de MARIO BUNGE
“La relación que media entre los varios rangos o niveles es la inclusión entre
clases, “⊆”, que connota inclusión propiamente dicha “⊂” o identidad “=”. Entre
la mayoría de los niveles hay una relación de inclusión propiamente dicha. Pero,
en algunos casos, un género o algún otro taxón se considera constituido por una
sola especie (o la correspondiente categoría inferior); en estos casos vale la
relación de identidad: Especie = Género.”49
A identidade entre gênero e espécie ocorre quando se depara com a classe
unitária.
Percorrer a divisão lógica das classes ínfimas para as classes superiores
implica operações sucessivas de inclusão de classes, de maneira que as classes
restituíveis/não restituíveis estão incluídas nas classes destinados/não-
destinados, as quais se encontram incluídas nas classes vinculados/não-
vinculados.
Graficamente, podemos representar a divisão lógica com base no esquema
abaixo, ou em forma de diagramas de VENN adiante:

49
La investigación científica. 2ª ed. Barcelona : Ariel, 1972, p. 97.
TRIBUTO (V)

1ª VINCULADO NÃO-VINCULADO

2ª DESTINADO NÃO-DESTINADO DESTINADO NÃO-DESTINADO

3ª REST. NÃO-REST. REST. NÃO-REST. REST. NÃO-REST. REST. N-REST.


Empréstimo Taxa em senti- vedado incompatível Empréstimo Contribuições vedado Imposto
Compulsório do estrito pela CF Compulsório pela CF

OBS: (1) O termo “vinculado” é utilizado no sentido de a h.i. do tributo descrever notas factuais referidas à prestação de
serviço público ou ao exercício do poder polícia;
(2) O vocábulo “destinado” é empregado no sentido de previsão de o produto da arrecadação ter finalidade constitucional
específica;
(3) O termo “restituível” tem como significação a previsão de devolução do valor pago;
(4) O numero ordinário “1ª” equivale às primeiras classes coordenadas (níveis) e assim por diante.
TRIBUTOS

VINCULADOS NÃO-VINC.

DEST. NÃO-
DEST. NÃO- DESINADO
DESTINADO

REST. NÃO-REST. REST. NÃO-REST. REST. NÃO REST. NÃO


REST. REST.
Algumas proposições podem ser extraídas da divisão lógica acima
exposta.
A primeira observação diz respeito aos tributos vinculados. Ser
tributo vinculado é condição suficiente para ser destinado. Isso significa
afirmar que todo tributo vinculado deverá-ser sempre destinado. Por outro
lado, todo tributo não-destinado será não-vinculado, ou seja, ser não-
destinado é condição necessária para ser não-vinculado.
Vale a pena observar que, no sistema constitucional tributário em
vigor, a classe dos tributos vinculados e não-destinados existe, porém é
vazia. A fórmula proposicional “x ∈ classe dos tributos vinculados e não
destinados” será sempre falsa para todo valor atribuído à “x”.
Outro ponto problemático concerne às contribuições de melhoria: são
tributos vinculados ou não-vinculados: e as contribuições de melhoria?
Pela divisão lógica exposta, as contribuições de melhoria equivalem
aos impostos, com a diferença apenas nas regras de competência (elemento
alheio à definição do conceito de tributo). Por isso não existe diferença
entre imposto e contribuição de melhoria em face dos critérios acima
eleitos para a divisão lógica. Para tanto, basta-se analisar as hipóteses de
incidência de ambos tributos. No caso do direito brasileiro o critério
material da regra-matriz de incidência da contribuição de melhoria (ter o
imóvel valorizado em decorrência de obra pública) é similar a dos
impostos. Note-se que a hipótese de incidência da contribuição de melhoria
não traz ínsita qualquer prestação de serviço público específico e divisível
nem o exercício regular do poder de polícia.
Há se tomar precaução ao utilizar as palavras “taxa”, “imposto” e
“contribuição”, pois são ambíguas. Podem estar localizadas ora nas
primeiras classes coordenadas, ora nas segundas, ora nas terceiras.
Costuma-se dizer que imposto é tributo (gênero) não vinculado (espécie) –
primeira classe coordenada. Também costuma-se dizer que o imposto é
tributo (gênero), não vinculado (espécie) – primeira classe coordenada -,
não-destinado (sub-espécie) – segunda classe coordenada. Ou ainda:
imposto é tributo (gênero), não vinculado (espécie) - primeira classe
coordenada -, não-destinado (sub-espécie) – segunda classe coordenada -,
não restituível (sub-sub-espécie) – terceira classe coordenada.
Aqui vale a arguta observação de PAULO DE BARROS
CARVALHO: “Nessa linha, os princípios que devem dirigir a
classificação, como procedimento lógico, informam que não há nomes que
sejam exclusivamente gêneros ou apenas espécies. Tais palavras são termos
relativos, aplicados a certos predicados para explicar sua relação com dado
sujeito. Desse modo, a classe que aparece como gênero relativamente à
subclasse ou espécie que contém, pode ser, ela mesma, uma espécie em
relação a uma classe mais compreensiva (gênero superior)”.50
Os empréstimos compulsórios ora podem ser tributos vinculados ora
não-vinculados. Têm como condições suficientes e necessárias serem
destinados e restituíveis.
A Constituição Federal nada prescreve a respeito das hipóteses de
incidência dos empréstimos compulsórios. Parece ser isso que PAULO DE
BARROS CARVALHO, muito coerentemente com as premissas tomadas,
está a afirmar: “Tais exações poderão revestir quaisquer das formas que
correspondem ao gênero tributo. Para reconhecê-las como imposto, taxa ou
contribuição de melhoria, basta aplicar o operativo constitucional
representado pelo binômio hipótese de incidência/base de cálculo”.51
Não há obstáculo para a União Federal criar empréstimo
compulsório tendo por hipótese de incidência, por exemplo, a prestação do

50
Comentários sobre a interpretação do sistema harmonizado de designação e codificação de
mercadorias. Revista Latinoamericana de Derecho Tributário, n.º 0, deciembre, 1996. Marcial Pons :
Madrid, p. 50. Daqui se pode observar que, à maneira da divisão e classificação, os conceitos de “gênero”
e “espécie” gozam de relatividade num ponto aleatório do processo (v.g. num ponto da série, os
“vertebrados” são espécies do gênero supremo “animais”, noutro os “vertebrados” figuram como gênero
da espécie “mamíferos”).
serviço público de jurisdição federal. Embora pudesse apenas aumentar a
alíquota da taxa para, na prática, obter maior arrecadação, não se entrevê
empecilho jurídico na instituição do empréstimo compulsório.
A discussão sobre se a taxa é tributo destinado ou vinculado carece
de sentido pois a classe dos “destinados” será sempre sub-classe própria
dos tributos “vinculados”. Seria a mesma coisa que discutir se o homem é
animal ou (excludente) mamífero. Pois ambos são predicados distintos do
mesmo objeto individual. Predicados, claro, que diferem quanto sua
generalidade.
LOURIVAL VILANOVA, à justa, já anotava: “Há diversas
proposições que têm como sujeito um objeto individual, diferindo nos
predicados, como ‘Sócrates é um grego’, ‘Sócrates é um homem’, ‘Sócrates
é um ser vivo’, ‘Sócrates é um ser’. Apesar de os predicados diferirem em
ordem de generalidade, cada um é predicável do indivíduo ‘Sócrates’. Em
outros termos, trata-se de classes-de-classes-de-classes, classes-de-classes-
de-classes, etc. Mas, são predicáveis imediatamente do objeto porque
representam propriedades-do-objeto”.52
Por fim, à pergunta: “Quantas são as espécies tributárias?” é
equivocada porquanto a própria palavra “espécie” goza de relatividade num
ponto da série, ora se dirigindo às primeiras classes coordenadas, ora às
segundas, ora às terceiras.
Daí mais uma vez se confirmar a proposição segundo a qual o jurista
é especialista em inventar debater estéreis.

51
Curso de direito tributário, p. 26.
52
Teoria das formas sintática. p. 41.
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