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Publicamos aqui o trecho inicial. Naquela noite, em Milão, Girard, que na época
tinha 72 anos, tentou pela primeira vez fazer uma densa síntese do seu
pensamento, centrada —como se sabe —na teoria do "bode expiatório", a vítima
inocente sobre a qual, por um mecanismo de mimetismo social, se desencadeia a
violência coletiva.
Nos mitos, essa crise muitas vezes desemboca na mais brutal violência coletiva,
no assassinato em massa, no linchamento. Muitas vezes, a violência, mesmo sem
ser efetivamente coletiva, é de inspiração coletiva: é o caso, sabemo-lo, da
crucificação, decretada apenas por Pilatos, certamente, mas sob a pressão da
multidão. Tudo acaba com um retorno triunfal da vítima, muitas vezes
comparável a uma ressurreição.
Essa visão é falsa; e a sua falsidade pode ser demonstrada a partir dos
Evangelhos. Neles, há uma concepção do desejo, da violência e da organização
social que permite compreender aqueles que são os mitos e que permite recusar
a sua assimilação ao cristianismo.
Quando Jesus nos ordena a segui-Lo e a imitá-Lo, Ele não nos pede para adotar
os Seus modos de fazer ou os Seus hábitos pessoais, dos quais não sabemos nada;
ao contrário, é o seu desejo mais intenso que Ele nos pede para assumir. Esse
desejo, no entanto, não Lhe pertence propriamente, pois consiste em imitar o
desejo de Deus, o Pai.
Para orientar o nosso desejo, procuramos por toda a parte modelos capazes de
nos guiar. Muitas vezes, acontece que o modelo escolhido vem perturbar a nossa
existência, sobretudo se não é muito diferente de nós.
Imitando o nosso vizinho, o nosso próximo, desejamos o que ele deseja e, não
querendo ou não podendo possuir ambos o objeto desse desejo, lutamos por ele.
Em vez de desencorajar os desejos que se opõem, esse tipo de conflito os
alimenta, porque reforça a imitação e a torna recíproca.
Isso não significa tanto o obstáculo comum, com o qual nos chocamos uma vez
só, porque logo aprende a evitá-lo,mas sim o obstáculo contra o qual se retorna
continuamente. Quanto mais nos faz mal, mais nos parece desejável; quanto
mais nos rejeita, mais nos atrai.
Jesus, no entanto, não tem ilusões sobre o sucesso das suas advertências sobre o
escândalo. Prova disso é a famosa frase: "É inevitável que ocorram escândalos"
(Mt 18, 7). E, uma vez ocorridos, os escândalos se reproduzem e se intensificam
muito rapidamente.