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Na sua obra “Reading images” – the grammar of visual design” (Routlegde, 1996),
Gunther KRESS e Theo VAN LEEUWEN referem os diferentes enquadramentos
possíveis de uma imagem, da inevitável decisão que há que tomar relativamente a
esse elemento do design visual e da ligação desse aspecto sintático-semântico da
imagem às distâncias sociais que ela impõe.
- CLOSE-UP
- MÉDIA DISTÂNCIA
- LONGA DISTÂNCIA
Assim,
- a distância curta (ou close-up): mostra a cabeça e os ombros do indivíduo e a
distância muito próxima (big close-up’) nada mais do que isso;
- a distância média próxima (‘medium close shot’) corta o sujeito
aproximadamente pelo peito;
- a distância média (‘medium shot’) aproximadamente pelos joelhos;
- a distância média longa (‘medium long shot’) mostra toda a figura;
- na longa distância, a figura humana ocupa cerca de metade da altura da
moldura;
- a muito longa distância (‘very long shot’) é algo ainda mais acentuado que
isso.
“São possíveis variações estilísticas, mas são sempre vistas e referidas nos termos
deste sistema, como quando os produtores de cinema e televisão falam em ‘tight
close shots’ ou em ‘tight framing’ (enquadramentos apertados), ou sobre a
quantidade de ‘headroom’ numa imagem (i.e. o espaço entre o cimo da cabeça e a
linha superior da moldura).” (ob.cit., p.130)
“Estes estudos aplicam-se, obviamente, adentro de uma cultura particular e Hall cita
muitos exemplos de desentendimentos que podem emergir de diferenças
interculturais nesta interpretação da distância.” (ob.cit., p.131)
A estas distâncias correspondem diferentes campos de visão:
- Distância íntima: só vemos a face e a cabeça;
- Distância pessoal longínqua: vemos do tronco para cima
- Distância social próxima: vemos toda a pessoa
- Distância social longínqua: vemos toda a pessoa com o espaço em volta
- Distância pública: vemos o tronco de pelo menos 4 ou 5 pessoas
“As pessoas que vemos nas imagens são na sua maioria estranhos. É verdade que
vemos alguns deles (políticos, estrelas de televisão e cinema, heróis desportivos,
etc.) bastante mais que outros, mas este tipo de familiaridade não determina por si
se eles devem ser mostrados em enquadramento aproximado, ou médio ou longo.
A relação entre os participantes humanos representados nas imagens e o
observador é …. uma relação imaginária. As pessoas são retratadas como se fossem
amigos, ou como se fossem estranhos. As imagens permitem-nos aproximarmo-nos
imaginariamente das figuras públicas como se fossem vizinhos ou amigos ou que
olhemos para pessoas semelhantes a nós como estranhos, como outros.” (ob.cit.,
p.131-132)
1
HALL; E. – The Hidden Dimension. New York: Doubleday, 1964.
fazem-no a uma distância que dificilmente nos afeta. De facto, são tão pequenos que
dificilmente distinguimos as suas feições. A sua alma ainda não começa a aparecer,
para citar as palavras de Grosser. A legenda, significativamente, não lhes dá nome2;
na verdade, onde rapazes mais “amigáveis” podiam ter sido representados, foram
preferidas personagens mais “formais”.
“Por outras palavras, a distância é usada para significar respeito pelas autoridades de
vários modos, na televisão como nas interações diretas e pessoais.” (p.132-133)
2
Note-se como, neste caso, a legenda reforça, não propriamente o conteúdo da representação, mas a
sua forma (no caso, o enquadramento assumido... distante). Isto é curioso: quando por vezes
consideramos que as legendas não traduzem a figura, podemos estar a cometer um erro, ao tomar
apenas as figuras do ponto de vista do conteúdo... De facto, a legenda pode estar a comentar (no
sentido do reforço ou noutro) a forma e o que ela também diz.
- Distância média: o objeto é mostrado na sua totalidade, mas sem espaço à
sua volta. É representado ao alcance do leitor, mas não apto a ser usado. Este
tipo de imagem é comum em publicidade: o produto anunciado é mostrado
na sua totalidade, mas de um ponto bastante próximo e de um ângulo alto,
como se o leitor estivesse de pé mesmo em frente da mesa na qual ele está
colocado.
- Distância longa: há uma barreira invisível entre o leitor e o objeto. O objeto
está lá para contemplação apenas, fora de alcance, como se apresentado
numa loja ou numa exibição de museu. Isto pode encontrar-se em textos de
ciência e também, por vezes, em anúncios de itens luxuosos, como perfumes
e carros caros.” (p.134)
Edifícios e Paisagens:
Exemplo: um edifício à distância de alguém estar entrando nele, caso em que não
vemos a totalidade do edifício: frequente em sequências fílmicas em que o filme se
relaciona com qualquer ação.
A perspetiva é um dos mais curiosos elementos da grafia visual e um dos que mais
contribuem para o estabelecimento de uma determinada relação entre a
representação e os leitores.
3
ARNHEIM, Rudolf – Art and Visual Perception. Berkeley and Los Angeles: University of California
Press, 1974.
A partir do Renascimento, a composição visual tornou-se dominada pelo sistema da
perspetiva, com o seu ponto de vista único, centralizado. O trabalho tornou-se um
objeto autónomo, destacado dos seus arredores, movível, produzido para um
mercado impessoal, mais do que para localizações específicas. Uma moldura
começou a separar o mundo representado do espaço físico no qual a imagem era
vista: no tempo em que a perspetiva foi desenvolvida, as imagens começaram a ser
emolduradas precisamente para criar esta divisão, a separação da imagem do seu
ambiente, e torná-la uma espécie de ‘janela para o mundo’. Ao mesmo tempo, as
imagens tornaram-se mais dependentes do leitor para o seu completamento, o seu
fechamento, e os leitores tornaram-se mais distanciados da ordem social concreta
em que o mundo tinha sido precedentemente organizado: tinham agora de
aprender a internalizar a ordem social. Isto conferia maior liberdade em relação ao
contexto social imediato, concreto, mas diminuía a liberdade relativamente ao
trabalho, à obra.” (p.136)
“Há assim, desde o Renascimento, dois tipos de imagens nas culturas ocidentais: as
imagens subjetivas e as imagens objetivas, as imagens com perspetiva central (e
portanto com um ponto de vista construído internamente) e as imagens sem
perspetiva central (e portanto sem um ponto de vista construído internamente).
Nas imagens subjetivas o leitor pode ver aquilo que há para ver apenas de um ponto
de vista particular.
Nas imagens objetivas, a imagem revela algo que há para conhecer (ou que a
imagem produz supondo que é isso que há para conhecer) acerca dos participantes
representados, mesmo se, para fazer isso, é necessário violar as leis da
representação naturalista, ou mesmo, as leis da natureza.
A história da arte tem muitos exemplos notórios disto, por exemplo nas esculturas
de touros e leões alados que flanqueiam as portas dos templos assírios: de lado,
estes têm quatro pernas moventes, e de frente duas pernas estáticas, cinco ao todo,
de modo a promover, de qualquer das vistas, uma imagem em que nenhuma parte
essencial falte.” (pp. 136-137).
Os desenhos técnicos modernos podem ainda mostrar aquilo que sabemos acerca
dos participantes que representam, aquilo que objetivamente está lá, mais do que
aquilo que veríamos se estivéssemos a olhar para eles na realidade, mais do que
aquilo que subjetivamente está lá. Se estivéssemos, na realidade, a ver a frente de
um cubo do modo como sabemos ‘objetivamente’ que ele é (um quadrado), não
seríamos capazes de, ao mesmo tempo, ver o topo e o lado.4 É uma imagem
em dimensões ‘objectivas’ dos objectos, naquilo que sabemos serem estas dimensões, mais do que no
como elas de facto se nos apresentam. Por esta razão, a perspectiva frontal-isométrica é usada em
desenhos técnicos, onde é importante medir as dimensões dos objectos representados a partir dos
desenhos. Na perspectiva frontal-isométrica, portanto, não há ainda uma escolha entre envolvimento e
afastamento. É a analogia visual da ‘impessoalidade’ característica da linguagem científica.” (p. 152-
153)
- “angular-isométrica”: a frente aparece distorcida, o quadrado deixando de ser representado como
um quadrado. Mas as paralelas verticais e horizontais não convergem. Não há fim para o espaço neste
tipo de perspectiva – ela acentua a própria perspectiva indefinidamente. A perspectiva angular-
isométrica foi usada, por exemplo, no século XVIII nos trabalhos em madeira japoneses – os artistas
japoneses deste período escolhiam sempre um ponto de vista oblíquo, bem como um ângulo
relativamente alto. Eles olhavam para o mundo sem um sentido de envolvimento, de um ponto de vista
destacado, de uma distância meditativa.” (p.153)
No século XIX tardio, depois de séculos de hegemonia, ambos os sistemas entraram
em crise, nas artes maiores (cubismo, música de 12 tons), bem como nas artes
populares.
O cinema, por exemplo, ainda usa imagens perspetivistas, mas, de um modo
aproximado do cubismo, providencia múltiplos pontos de vista, constantemente
mutantes, na sua edição.
A televisão moderna, especialmente em programas que não são baseados no
modelo do filme, como os informativos, avançou ainda mais, e desafia a perspetiva
mesmo dentro da imagem. Um locutor de noticiários pode ter, por detrás da sua
figura, na esquerda ou na direita, um texto verbal, na direita e na parede uma
imagem móvel chromakeyed (uma parede que é, na verdade, uma espécie de ecrã
bidimensional no qual se projeta um ‘layout’ e na frente do qual se posiciona o
apresentador).
Os layouts das revistas modernas formam outra categoria de trabalhos visuais que
não são mais baseados somente nos princípios compositivos da perspetiva. É claro
que ainda contêm muitas imagens em perspetiva mas isto foi subordinado a uma
estrutura que já não pode ser apelidada de perspetivista.
anúncio aos cigarros Commodore: “Isto não pode dizer-se do anúncio aos
Commodore. Neste anúncio, o leitor, não está posicionado no mundo natural; pelo
contrário, é confrontado com um mundo que abertamente se apresenta como um
constructo semiótico, misturando elementos perspetivistas e não-perspetivistas de
um modo tal que dá a impressão de um continuum de formas do representacional
para o significacional, enquanto que o anúncio, no seu todo, permanece não-
naturalista: não pode dizer-se que os cigarros estão ‘acima’ do barco, do mesmo
modo que se diz, no outro anúncio, que eles estão ‘frente’ ao barco.” (p.139)
Os dois anúncios, assim sendo, exemplificam uma mudança da dominância da
natureza para a dominância da significação, e da dominância do percetivo para a
dominância do conceptual.
“E como leitores não temos outra escolha senão ver estes participantes
representados tal como eles foram apresentados. Somos endereçados como
observadores para quem o ‘envolvimento’ toma estes valores concretos.
Na realidade, podemos não os ter – podemos [por exemplo] ser observadores
aborígenes. Uma coisa é o leitor estar limitado pelo modo como a fotografia mostra
(e entender o que isso significa, por exemplo exclusão, no caso do leitor aborígene);
outra é efetivamente identificar-se com o ponto de vista codificado na fotografia.
Podemos aceitar ou rejeitar, mas em qualquer dos casos precisamos primeiro de
entender o que significa.” (p. 143)
“Em muitos casos, não há motivação aparente imediata para o ponto de vista (ou
para o enquadramento). O ângulo pode ser alto ou frontal, e assim implicar poder
sobre e envolvimento com os participantes representados, mas a natureza precisa
da relação de poder e envolvimento não é dada. Assim uma imagem captada de um
ângulo alto de trabalhadores numa fábrica pode ser tomada como refletindo o
ponto de vista do supervisor num gabinete elevado relativamente ao nível da cena,
com uma janela de supervisão sobre a fábrica, mas isto permanece uma metáfora.
Não vemos o gabinete na imagem. Noutros casos o leitor (imaginário) intromete-se
na imagem incluindo as mãos na própria imagem. Estas mãos podem dizer-nos
muito acerca do leitor. Podem ser de mulher ou de homem, ‘enfeitadas’ de vários
modos; podem usar luvas de condução, anéis caros, etc. (cf imagem)
“Nos filmes, a sequência das imagens pode preencher esta função. O plano da
fábrica, mostrando os trabalhadores de um ângulo alto, pode ser precedido de um
plano em que se mostra, de um ângulo baixo, o gabinete do supervisor, com o
supervisor atrás da janela olhando para baixo. Nestes casos, o texto narrativiza o
ponto de vista e impõe um leitor ficcional entre os participantes representados e
interativos. Mas mesmo quando as suas origens não são mostradas, os pontos de
vista dos leitores podem sempre ser relacionados com situações concretas.
Pode sempre perguntar-se (e talvez se deva) ‘Quem poderia ver esta cena deste
modo?’ ‘Onde teríamos de estar para ver esta imagem deste modo, e que tipo de
pessoa teríamos de ser para ocupar este lugar?” (p.149)
“O ângulo de cima para baixo, por outro lado, é o ângulo do máximo poder. É
orientado para o conhecimento objetivo, ‘teorético’. Contempla o mundo de um
ponto de vista favorável, coloca-o aos nossos pés, mais do que ao alcance das nossas
mãos. Os diagramas abstratos podem por vezes ser lidos de ambos os modos [...]”
(p.149)
“Um terceiro ponto de vista objetivo, o corte transversal e a vista “raio X” devem
também ser considerados: a sua objetividade decorre do facto de que não se detém
nas aparências, mas penetra além da superfície para níveis mais profundos, mais
escondidos. Na nossa cultura é usado quase exclusivamente em diagramas, embora
por vezes possamos observar experiências com ele nos desenhos das crianças.” (p.
150)
“Nem todos os diagramas, mapas e gráficos são, porém, completamente objetivos. O
ângulo vertical no mapa da Guerra do Golfo (cf figura) é alto, mas não
completamente ‘picado’, e o seu ângulo horizontal é oblíquo, provocando que
olhamos para o teatro da guerra do ponto de vista das margens, de um modo
relativamente desligado.
Em livros de ciência para crianças pequenas encontramos ângulos semelhantes,
sugerindo a sua figuração oblíqua, talvez, que as imagens ainda não são oferecidas
como imagens do ‘como se faz’.” (p.150)
5
A questão da narrativização tem sobretudo a ver com a resposta a perguntas como. “Que história está
a ser contada?”, “Que cena é esta?”...
O ângulo horizontal, por outro lado, pode variar: no gráfico sobre o incremento do
turismo, somos diretamente envolvidos; os acontecimentos da Guerra do Golfo, por
outro lado, vemo-los das margens, como espectadores passivos.
Este processo de atitudinalização acontece, nem tanto nos contextos em que este
novo conhecimento visual é produzido e em que este novo poder informativo é
exercido, mas nos contextos em que eles se disseminam de uma forma
popularizada: aqui as imagens conceptuais e esquemáticas são vestidas com
roupagens de realidade visual, e literalmente e figurativamente ‘animadas’.”
(p.151)
Textos traduzidos e adaptados de KRESS e VAN LEEUWEN (1996) – Reading images – the grammar of
visual design. London: Routledge, p. 130-154.