Você está na página 1de 15

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50

http://submission-pepsic.scielo.br/index.php/rpot/index Uma publicação da Associação Brasileira de


ISSN 1984-6657 Psicologia Organizacional e do Trabalho

Artigo - Relato de Pesquisa Empírica

Validação Fatorial da Escala de Resiliência de


Connor-Davidson (Cd-Risc-10) para Brasileiros
Vanessa Rodrigues Lopes*
Maria do Carmo Fernandes Martins**

*Universidade Federal de Uberlândia


** Universidade Metodista de São Paulo.
Endereço para correspondência: Rua Barão de Melgaço, 369, apto 31, Real Parque, São Paulo, SP. CEP: 05684-030.
Emails: mcf.martins@uol.com.br; vanessarol@hotmail.com

Resumo
Resiliência é definida como a habilidade de um indivíduo para se recuperar das adversidades e se adaptar po-
sitivamente em situações de tensão e estresse. Estudiosos das relações entre indivíduo, organização e trabalho
têm voltado a atenção para o fenômeno na tentativa de elucidar seus antecedentes e consequentes no contexto
organizacional. Estudos sobre o assunto são incipientes e, dada a diversidade e os desacordos sobre o conceito,
observa-se confusão e divergências na forma de avaliá-lo. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar as caracterís-
ticas psicométricas de uma versão brasileira da CD-RISC-10, medida bastante utilizada em estudos internacionais.
Participaram 463 pessoas com idade média de 28 anos (DP = 9,7) e, em sua maioria, com ensino médio completo.
A análise fatorial exploratória confirmou estrutura unifatorial com os dez itens da escala e alfa de Cronbach de
0,82. Isso indica que a CD-RISC-10 é medida promissora para avaliar níveis de resiliência e ferramenta disponível
para incrementar a investigação desse fenômeno. Destaca-se, entretanto, a necessidade de outros estudos de
validade, fidedignidade e normatização em amostras diversas.

Palavras-chave: resiliência; validação; escalas de medida; CD-RISC-10.

Abstract
Factorial Validation and Adaptation of the Connor-Davidson Resilience
Scale (Cd-Risc-10) for Brazilians

Resilience is defined as an individual’s ability to recover from adversities and to adapt positively in tense and
stressful situations. Researchers of the relationship between individual, organization, and work have turned their
attention to this phenomenon in order to attempt to clarify its antecedents and effects in the organizational
context. Studies regarding this subject are beginning to appear, and, in view of the diversity and disagreement
over the concept, there is confusion and divergence on the way to evaluate it. Thus, the purpose of this study
was to evaluate the psychometric characteristics of a Brazilian version of the CD-RISC-10 - a widely used measure
in international studies. 463 people, on average 28 years of age (SD = 9,7) and mostly high school graduates,
took part in this study. Exploratory factor analysis confirmed a one-factor structure with the ten scale items and
a Cronbach’s alpha of 0.82. This indicates that the CD-RISC-10 is a promising measure for evaluating levels of
resilience, and an available tool for improving the investigation of this phenomenon. However, it is important
to emphasize the need for further studies regarding validity, reliability, and standardization in diverse samples.

Keywords: resilience; validation; measurement scales; CD-RISC-10

Lopes & Martins. Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10)

Recebido em: 28.10.2010


Aprovado em: 25.11.2011
Publicado em: 30.12.2011
Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 37

D
esde o final da década de 1970, o tação positiva ou superação da adversidade;
conceito de resiliência começou a c) o processo que considera a dinâmica entre
ser estudado com maior interesse mecanismos emocionais, cognitivos e socio-
pela psiquiatria e pela psicologia do desen- culturais que influem no desenvolvimento
volvimento, que se interessavam pela com- humano (Infante, 2005).
preensão dos processos que permitem que A resiliência é um conceito muito usado
determinadas pessoas passem por situações para explicar diferenças nos efeitos que um
totalmente adversas de vida e consigam su- mesmo nível de estresse tem sobre diferentes
perá-las com relativa competência (Libório, indivíduos (Grotberg, 2005; Rutter, 1993). É
Castro & Coelho, 2006). frequentemente citada como um dos proces-
Infante (2005) apresentou um roteiro sos que explicam a superação de crises e ad-
do desenvolvimento histórico do conceito versidades em indivíduos, grupos e organiza-
de resiliência e identificou duas gerações de ções1 (Campanella, 2006; Castleden, McKee,
pesquisadores. A primeira, nos anos de 1970, Murray & Leonardi, 2011). Ou ainda como a
se preocupou em identificar os fatores de ris- capacidade humana para enfrentar, vencer e
co e de resiliência que exercem influência no ser fortalecido ou transformado por experiên-
desenvolvimento de crianças que se adaptam cias de adversidade (Grotberg, 2005; Melillo,
positivamente, apesar de viverem em condi- 2005; Rutter, 1993; Yunes, 2003).
ções de adversidade. Essa geração utilizou o Ao abordar a questão do desenvolvi-
modelo triádico de resiliência, que organiza mento da resiliência, Rutter (1985) identifi-
os fatores resilientes e de risco em três gru- ca como fatores importantes as experiências
pos: os atributos individuais, os aspectos da positivas que levam a sentimentos de autoe-
família e as características dos ambientes so- ficácia, autonomia e autoestima, capacidade
ciais a que as pessoas pertencem. para lidar com mudanças e adaptações, e um
A segunda geração de pesquisadores, repertório amplo de abordagens para a reso-
que começou a publicar nos anos de 1990, lução de problemas. De acordo com Peres,
agrega o estudo da dinâmica entre os fatores Mercante e Nasello (2005), o aspecto crucial
(individuais, familiares e sociais) que estão para o desenvolvimento da resiliência resi-
na base da adaptação resiliente. Portanto, o de nas crenças de autoeficácia. Os autores
construto resiliência passa a ser entendido afirmam a que a percepção de autoeficácia,
enquanto processo. De acordo com Infante baseada no conhecimento da própria capaci-
(2005), autores como Rutter (1993) e Grot- dade de enfrentar e superar dificuldades, re-
berg (2005) são pioneiros na noção de dinâmi- presenta um preditor da resiliência. Bandura
ca de resiliência, enquanto Luthar e Cushing (2008) salientou que é possível promover a
(1999), Masten (2001) e Kaplan (1999) são resiliência por meio da modificação de cren-
considerados autores mais recentes dessa ças de autoeficácia.
segunda geração. Para essa geração mais atu- Segundo Grotberg (2005), a resiliência
al de estudiosos, resiliência é tida como um tem sido reconhecida como aspecto impor-
processo dinâmico em que as influências do tante na promoção e manutenção da saúde
ambiente e do indivíduo interatuam em uma mental, podendo reduzir a intensidade do es-
relação recíproca e que, apesar da adversi- tresse e diminuir sinais emocionais negativos,
dade, permitem à pessoa se adaptar (Luthar, como ansiedade, depressão ou raiva. Portan-
Cicchetti & Becker, 2000). Assim, distinguem- to, “a resiliência é efetiva não apenas para
-se três componentes essenciais que devem enfrentar adversidades, mas também para
estar presentes no conceito de resiliência: a)
1 Resiliência organizacional é a capacidade das
a noção de diversidade, trauma, risco ou ame- organizações resistirem e se recuperarem de situações
aça ao desenvolvimento humano; b) a adap- adversas (Castleden, McKee, Murray & Leonardi, 2011)

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


38 Lopes & Martins

a promoção da saúde mental e emocional” resiliência, uma vez que a área ainda possui
(Grotberg, 2005, p. 19). muita confusão conceitual que se reflete nas
No Brasil, os estudos sobre a resiliência medidas existentes.
são recentes, uma vez que os primeiros estu- Por outro lado, para estudiosos como
dos publicados nessa área podem ser encon- Pesce e cols., (2005), o aumento do interesse
trados somente a partir do final da década pelo conceito de resiliência evidencia a ne-
de 1990, destacando-se os desenvolvidos por cessidade do desenvolvimento de medidas
pesquisadores do sul do país (Libório & cols., apropriadas desse construto. Nesse sentido,
2006). Um levantamento das publicações so- para que se estenda a amplitude dos estudos
bre o tema elaborado por Souza e Cerveny sobre resiliência e se consolidem os achados
(2006) mostra que a temática mais focada na sobre o tema, torna-se importante para a
época eram crianças expostas a situações de utilização de instrumentos de medida váli-
risco, fatores de proteção e vulnerabilidade dos e fidedignos, de rápida aplicação e in-
psicossocial e perfil do executivo. terpretação. No contexto das organizações,
Em suma, apesar da diversidade concei- esse problema ainda é maior, uma vez que
tual que ainda é encontrada nos estudos da foi localizado apenas um instrumento vali-
área, é adequado afirmar que resiliência se dado no Brasil para uso com trabalhadores
refere a um processo dinâmico que tem como (Oliveira & Batista, 2008).
resultado a adaptação positiva em contextos A literatura revela a preocupação com a
de grande adversidade (Luthar & cols., 2000). construção de medidas de boas propriedades
A capacidade de manter o bom funcionamen- psicométricas. Muñoz (2007) realizou uma re-
to após a exposição ao estresse não constitui visão bibliográfica de estudos que relatavam
uma exceção (Bonanno, 2004); ao contrário construção e/ou validação de medidas de re-
do que se possa pensar, é mais comum as siliência. Encontrou 30 artigos, categorizan-
pessoas se manterem saudáveis depois de do-os em três áreas. A primeira área englo-
passarem por situações difíceis, do que se bava as provas projetivas, que consistiam em
desestruturarem. Considera-se que estudar mostrar histórias excessivamente problemáti-
a resiliência é importante para alcançar uma cas a um grupo de adultos e pedir para que
compreensão global das respostas humanas completassem o final da história. A segunda
ao estresse e às adversidades. área se referia às provas psicométricas, em
sua maioria de autorrelato, respondidas em
Medidas de Resiliência: o que revelam escalas do tipo Likert e submetidas à análi-
estudos empíricos se fatorial. Por fim, a última área englobava
De uma forma geral, os estudos em- as avaliações neurológicas, que se basearam
píricos brasileiros sobre resiliência têm de- em medições de potenciais eletroencefalo-
monstrado ligeira preferência pelo méto- gráficos, provas neuroendocrinológicas, de
do qualitativo de investigação. No entanto, sistema imune e exames genéticos, as quais
conforme esclarecem Paludo e Koller (2006), enfocavam seus estudos no temperamento
os diversos métodos que foram utilizados do indivíduo resiliente.
para compreender a resiliência psicológica Ahern, Kiehl, Sole e Byers (2006) rea-
se mostraram úteis para compreender as es- lizaram extensa revisão de publicações que
truturas psicológicas que estão conectadas relatavam construção e/ou validação de ins-
aos seus resultados cognitivos e fisiológicos. trumentos para se mensurar resiliência, ten-
Ressaltam que, apesar de estudos quantitati- do identificado os seguintes instrumentos:
vos terem mostrado resultados importantes, Baruth Protective Factors Inventory – BPFI
não há consenso sobre a melhor maneira de (Baruth e Carroll, 2002), Brief-Resilient Co-
mensurar ou avaliar aspectos relacionados à ping Scale - BRCS (Sinclair e Wallston, 2004),

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 39

Adolescent Resilience Scale - ARS (Oshio, Ka- Escala de Resiliência previamente adaptada
neko, Nagamine e Nakaya, 2003), Connor– e validada para adolescentes brasileiros por
Davidson Resilience Scale – CD-RISC (Connor Pesce e cols., (2005). Os resultados da aná-
e Davidson, 2003), Resilience Scale for Adults lise dos componentes principais e do scree
(Friborg, Hjemdal, Rosenvinge, e Martinus- plot indicaram a existência de dois fatores,
sen, 2003) e Resilience Scale - RS (Wagnild no máximo, em contraposição aos três fato-
e Young, 1993). As características desses ins- res do estudo com adolescentes. Após rota-
trumentos, bem como as da Resilience Fac- ção oblíqua, somente um fator com 15 itens
tors Scale– FSR de Takviriyanun (2008), po- apresentou confiabilidade satisfatória (alfa de
dem ser visualizadas na Tabela 1. Cronbach = 0,90) e explicou 28% da variância
Entre esses sete instrumentos identifi- total do construto. Os itens dos fatores deno-
cados, somente a Resilience Scale desenvolvi- minados “independência e determinação” e
da por Wagnild e Young (1993) foi adaptada e “autoconfiança e capacidade de adaptação
validada para a população brasileira por Pesce a situações” da escala adaptada por Pesce e
e cols (2005), com uma amostra de adolescen- cols., (2005) foram eliminados, com exceção
tes de 7ª e 8ª séries do ensino fundamental de dois itens do último fator citado.
e de 1ª e 2ª séries do ensino médio. A escala Os estudos sobre resiliência no contexto
original é um inventário com 25 itens em esca- de trabalho são ainda mais recentes (Edward,
la Likert de sete pontos (variando entre discor- 2005; Harland, Harrison, Jones & Reiter-Pal-
do totalmente e concordo totalmente), que mon, 2005; Jackson, Firtko & Edenborough,
mede os níveis de adaptação psicossocial po- 2007; Judkins, Arris & Keener, 2005; Luthans,
sitiva em face de eventos de vida importantes. 2002; Luthans & Youssef, 2007; Menezes de
Nessa medida, a estrutura fatorial da resiliên- Lucena, Fernández, Hernández, Ramos &
cia é composta por dois fatores: competência Contador, 2006; Todd & Worell, 2000). Uma
e aceitação de si mesmo e da vida. O estudo breve revisão dos estudos sobre resiliência e
de Pesce e cols (2005) identificou três fatores trabalho revela que o problema da medida é
pouco diferenciados entre si, pois encontra- um aspecto preocupante, conforme declaram
ram itens que pertenciam a mais de um fator Harland e cols., (2005), pois a medida nem
e houve dificuldade para discriminá-los se- sempre se relaciona com o conceito de resili-
manticamente, diferentemente da escala ori- ência. O estudo de Todd e Worell (2000) é um
ginal. Os três fatores obtidos não distinguiram exemplo de confusão conceitual e de medida
nitidamente competência pessoal e aceitação que permeia algumas publicações, uma vez
de si e da vida, o que fez com que os autores que os autores avaliam resiliência com a Es-
decidissem por distingui-los segundo outras cala de bem-estar psicológico de Ryff (1989).
categorias teóricas. Assim, designaram os se- Outro exemplo que ilustra a confusão na es-
guintes fatores: resolução de ações e valores; colha de instrumento para avaliar resiliência
independência e determinação; autoconfian- é o estudo de McCalister, Dolbier, Webster,
ça e capacidade de adaptação a situações. No Mallon e Steinhardt (2006), no qual resiliên-
entanto, esse procedimento de distinção dos cia é avaliada com uma escala para aferir re-
fatores, sustentado em outras categorias teó- sistência psicológica (hardiness).
ricas, prejudicou a identificação da estrutura Dessa forma, percebe-se a necessidade
fatorial do construto, pois incorporou fatores de se ampliar os estudos sobre resiliência, e
semanticamente pouco distintos. de se disponibilizar medidas com boas carac-
Mais recentemente, Oliveira e Batista terísticas psicométricas, não só com popula-
(2008) se propuseram a validar essa mesma ções de adolescentes, como é comumente
escala para ser utilizada no contexto organi- encontrado nos estudos brasileiros, mas tam-
zacional. As autoras partiram da versão da bém com populações adultas e de trabalha-

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


40 Lopes & Martins

Tabela 1. Características psicométricas de alguns instrumentos de medida de resiliência


Nº de
Escala Autor(es) Fatores Alfa fator Alfa geral
itens

1-competência pessoal s/i

2-confiança nos próprios


instintos e tolerância à
adversidade
CD-RISC Connor e Davidson (2003) 3-aceitação positiva de 25 0,89
mudanças

4-controle

5- espiritualidade

Entre
1-competência pessoal
0,67 e 0,90

2- competência social 37
Friborg, Hjemdal,
RSA Rosenvinge, e Martinussen s/i
3- coerência familiar
(2003)
4- suporte social

5-estrutura pessoal

1- personalidade adaptativa 0,76


16 0,83
Inventário de Fatores 2- meio suportivo 0,98
Baruth e Carroll (2002)
Protetores de Baruth
3- experiências 0,83
compensatórias

1- competência
s/i
RS Wagnild e Young (1993) 25 0,91
2- aceitação de si mesmo e s/i
da vida

Variou em três
BRCS Sinclair e Wallston (2004) unifatorial 4 aplicações:
0,76, 0,69 e 0,71

Harland, Harrison, Jones e


RS unifatorial 4 0,85 0,85
Reiter-Palmon (2005)

Campbell-Sills e Stein
CD-RISC 10 unifatorial 10 0,85 0,85
(2007)

1- determinação e
habilidade na solução de s/i
problemas Autores
informam índices
2- suporte pessoal s/i psicométricos
27 aceitáveis
Takviriyanun (2008) 3- outros suportes s/i
EFR
4- pensamento positivo s/i

5- assertividade s/i

6- equilíbrio do self e
s/i
habilidades sociais

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 41

dores. Por isso, e considerando a instabilidade Stein não informaram que a escala reduzida
fatorial apresentada pela Escala de Resiliência apresentou uma correlação alta e significa-
de Wagnild e Young (1993), optou-se neste tiva com o instrumento original (r = 0,92). A
estudo por avaliar outro instrumento com escala é unidimensional e os autores verifi-
ampla utilização em pesquisas internacionais caram alta consistência interna (alfa de Cron-
e que apresentasse boas características psico- bach = 0,85) e boa validade de construto, va-
métricas no estudo original. A partir desse cri- lidade convergente e discriminante.
tério, o instrumento que se mostrou bastante Observa-se o crescimento da litera-
adequado foi a Connor-Davidson Resilience tura sobre o uso da CD-RISC, com o seu uso
Scale (CD-RISC), desenvolvida por Connor e em diferentes países, incluindo China (Yu &
Davidson (2003), revalidada por análise fato- Zhang, 2007), África do Sul (Jorgensen & Se-
rial confirmatória por Campbell-Sills e Stein edat, 2008), Coreia (Baek & cols., 2010), Irã
(2007) que consolidaram uma versão abrevia- (Khoshouei, 2009). Uma ampla variedade
da (CD-RISC-10). de populações tem sido estudada, incluindo
A Connor-Davidson Resilience Scale amostras da população geral, sobreviventes
(CD-RISC), originalmente, foi administrada a de traumas diversos, adolescentes, idosos,
seis grupos populacionais distintos: popula- pacientes em tratamento para transtorno de
ção geral americana, pacientes de cuidados estresse pós-traumático, membros de dife-
primários, pacientes psiquiátricos ambulato- rentes etnias e culturas (Campbell-Sills, Cohan
riais, sujeitos de um estudo de ansiedade ge- & Stein, 2006; Gillespie, Chaboyer & Wallis,
neralizada e duas amostras de transtorno de 2007; Lamond & cols., 2009; Roy, Sarchiapone
estresse pós-traumático (TEPT). A versão final & Carli, 2007). As propriedades psicométricas
da escala, com 25 itens, reuniu cinco fatores da CD-RISC foram plausíveis em todos os estu-
(competência pessoal, confiança nos próprios dos, mas a estrutura fatorial encontrada tem
instintos e tolerância à adversidade, aceitação sido variada.
positiva da mudança, controle e espiritualida- Não foram localizados estudos que
de) e apresentou provas de boa confiabilida- tenham testado a estrutura fatorial da CD-
de, tanto pelo alfa de Cronbach (0,89), como -RISC em contexto de trabalho. No entanto,
pelas análises de teste-reteste (coeficiente de McCalister e cols., (2006) a utilizaram como
correlação = 0,87). medida de resistência psicológica para testar
Enquanto o instrumento original de a capacidade preditiva desse fenômeno so-
Connor e Davidson (2003) possui 25 itens, bre o estresse e a satisfação no trabalho, o
reunidos nos cinco fatores citados acima, que confirma a confusão conceitual anterior-
Campbell-Sills e Stein (2007) identificaram mente referida.
em análise fatorial confirmatória uma es- Foi realizada uma revisão sobre o uso e/
trutura unifatorial, composta por 10 itens; ou adaptação da escala nas bases de dados
a esse fator único chamaram resiliência e a MEDLINE e LILACS, nenhum trabalho foi en-
CD-RISC recebeu nova denominação – CD- contrado sobre a adaptação para o português
-RISC-10 - para diferenciá-la de sua forma de da Connor-Davidson Resilience Scale (CD-
25 itens. No presente estudo, a adaptação -RISC), tampouco foi observada sua utilização
e validação para amostra brasileira foi fei- em estudos no Brasil.
ta a partir da CD-RISC-10, pois se entendeu A partir dessa explanação teórica e da
que essa forma mais condensada facilitaria descrição dos estudos de construção de ins-
o preenchimento por parte dos indivíduos trumentos designados para avaliar resiliência,
e reduziria o tempo demandado, proporcio- constata-se a relevância de traduzir e adaptar
nando essencialmente, as mesmas informa- semanticamente a CD-RISC-10 para amostras
ções que a escala completa. Campbell-Sills e brasileiras; bem como de avaliar sua estrutura

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


42 Lopes & Martins

fatorial, de modo a obter indícios de sua vali- Instrumento


dade e fidedignidade. Para isso, foram empre- O instrumento a ser validado para o
gados procedimentos metodológicos, éticos e Brasil neste estudo é a Connor-Davidson Resi-
estatísticos que serão apresentados a seguir. lience Scale (CD-RISC), de Connor e Davidson
(2003), na versão apresentada pelo estudo
MÉTODO confirmatório de Campbell-Sills e Stein (2007)
com 10 itens (CD-RISC-10), que concentra “as
Participantes características fundamentais da resiliência”
Participaram do estudo 463 pessoas (Campbell-Sills & Stein, 2007, p.1027). Os
oriundas de diferentes camadas da popula- itens que compõem a CD-RISC-10 avaliam a
ção. A Tabela 2 sintetiza os dados da amostra, percepção dos indivíduos da sua capacidade
demonstrando que a maioria dos participan- de adaptação à mudança, de superar obstácu-
tes (66,1%) foi do sexo masculino. A idade dos los, de se recuperarem após doenças, lesões
respondentes foi ampla, variando de 18 a 68 ou outras dificuldades, entre outros (Camp-
anos, com média de 28 anos (DP= 9,7), sendo bell-Sills & Stein, 2007). O instrumento é au-
em sua maioria (56,8%) pessoas solteiras. A toaplicável e os participantes registram suas
escolaridade oscilou entre ensino fundamen- respostas em uma escala de 0 (nunca é verda-
tal incompleto a pós-graduação completa, de) a 4 (sempre é verdade). Os resultados são
sendo a maior frequência (55,5%) encontrada apurados somando-se a pontuação apontada
entre os que estão cursando ou completaram pelos participantes em cada item e podem va-
o ensino médio. As profissões dos participan- riar entre zero e quarenta pontos; pontuações
tes foram as mais diversas, desde profissio- elevadas indicam alta resiliência.
nais liberais a serviços gerais, sendo que as
mais encontradas foram: estudantes (15,8%), Procedimento
militares (7,8%) e professores (6%). Inicialmente, realizou-se contato com
os autores da CD-RISC, com vistas a obter
Tabela 2 . Dados demográficos da amostra (N= 463)
permissão para a adaptação da escala. Após
acordar com os termos de uso da escala e en-
Variável Categoria N %
caminhar os devidos formulários, a Connor-
até 19 anos 45 9,8 -Davidson Resilience Scale foi disponibilizada
20-29 anos 313 68 pelos autores.
Em relação à adequação do tamanho
Idade 30-39 anos 41 8,9 da amostra para a análise fatorial, Pasquali
40 ou mais 61 13,3 (2006) recomenda, no mínimo, 100 sujeitos
média (DP) 28 (9,7) no total ou cinco sujeitos por item, e aponta
que dez indivíduos por item é o ideal. Após
masculino 302 66,1
Sexo eliminação dos questionários incompletos
feminino 155 33,5 (31), permaneceram 432 respondentes, em
solteiro 260 56,8 uma relação de 43,2 sujeitos por item, por-
Estado Civil casado/união estável 174 38
tanto, atendendo o recomendado na literatu-
ra especializada.
divorciado/viúvo 24 5,3

ensino fundamental 24 5,3 Tradução do instrumento de medida


ensino médio 255 55,5 A escala foi traduzida para o português
Escolaridade por três peritas, além das autoras. Duas pe-
ensino superior 162 35,3
ritas eram psicólogas bilíngues, sendo uma
pós-graduação 18 3,9
delas americana naturalizada brasileira. A ter-

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 43

ceira perita possui graduação em Letras com Aplicação da CD-RISC-10


especialização na língua inglesa. Para asse- Os participantes foram abordados em
gurar uma correta tradução da CD-RISC para diversas instituições de ensino, tais como
o português, a melhor combinação entre as escolas de idiomas, informática, artes e de
quatro formas foi selecionada. educação para adultos, cursos profissionali-
A partir desses resultados, os itens fo- zantes e em pontos estratégicos de fluxo de
ram retraduzidos para o inglês, de modo a pedestres, de forma a se garantir a maior
permitir a comparação entre a forma original variabilidade da amostra. Portanto, a amos-
da escala e a resultante do trabalho de tradu- tra foi voluntária, não havia restrição de gê-
ção. As duas formas foram então comparadas nero, maiores de 18 anos, independente de
por dois especialistas na língua inglesa, com raça ou credo religioso, de qualquer nível de
vistas a assegurar a fiel correspondência entre escolaridade, desde que fossem alfabetiza-
as formas. A etapa seguinte foi enviar o for- dos, considerando que deveriam responder
mulário de retradução para um dos autores a questionários escritos, pressupondo-se ca-
da escala para verificar a concordância com os pacidade de leitura e compreensão de frases
itens originais, o que possibilitou a formata- e instruções simples. Os participantes leram
ção da primeira versão da escala. previamente e assinaram um termo de con-
sentimento livre e esclarecido, onde foram
Análise teórica dos itens oferecidas informações, entre outros aspec-
Com vistas a garantir que a seleção dos tos, sobre a natureza da pesquisa, sobre o si-
itens da escala abordasse não apenas ques- gilo e confidencialidade das respostas e sobre
tões empíricas, mas também recebesse con- o caráter voluntário da participação, garan-
siderações práticas e teóricas (Hair, Anderson, tindo-se o cumprimento das normas vigentes
Tatham & Black, 2005), a primeira versão da em pesquisa envolvendo seres humanos (Re-
escala foi apresentada a cinco juízes (docen- solução CNS - 196/96). A realização do estudo
tes e alunos de pós-graduação em psicologia) foi previamente aprovada pelo Comitê de Éti-
que analisaram a estrutura das frases e as ca em Pesquisa da instituição à qual pertencia
terminologias a serem utilizadas, atestando, uma das pesquisadoras.
à luz da definição de resiliência, a adequação
dos seus conteúdos ao conceito. Procedimento de análise
As respostas obtidas foram inicialmen-
Adaptação semântica te analisadas descritivamente. Posteriormen-
A adaptação semântica, que também te, a fim de explorar a validade da escala, os
serviu como estudo piloto, contou com a dados foram submetidos a análises dos com-
colaboração de 11 voluntários, os quais pre- ponentes principais e à fatoração dos eixos
encheram a escala na presença de uma das principais. Finalmente, correlações interitens
autoras, individual e/ou coletivamente. Fo- e consistência interna foram analisados.
ram avaliados critérios como clareza da for-
mulação das perguntas, dificuldades encon- RESULTADOS
tradas em perguntas e respostas específicas
e o grau de compreensão das frases, entre Análises descritivas
outros aspectos. As alterações sugeridas fo- Média, desvio padrão e valores míni-
ram incorporadas. Todos os voluntários eram mos e máximos foram calculados para o to-
pessoas com características semelhantes à tal da amostra. A distribuição de escores na
população de estudo. Feitas as devidas ade- CD-RISC-10 é mostrada na Figura 1, indicando
quações, procedeu-se a aplicação da versão que a pontuação média foi 29,07 (DP = 5,47;
final da escala. intervalo = 10 - 40). Houve uma assimetria

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


44 Lopes & Martins

Figura 1. Distribuição de escores na CD-RISC-10 (N = 463)

negativa, com mais indivíduos pontuando no dos é adequada à análise fatorial.


extremo superior da escala. Apesar desse pa- Foi dado prosseguimento às análises de
drão geral, assimetria (-0,67) e curtose (0,41), exploração, como será descrito a seguir.
a distribuição pode ser considerada pratica-
mente normal, pois seus valores flutuavam Validação psicométrica
entre ±1 (Bryman & Cramer, 2003). A análise dos componentes principais
(PC) apontou para a existência de um único
Verificação da fatorabilidade da matriz componente. O exame do gráfico scree plot
A fim de verificar se as suposições para corroborou essa indicação. Depois disso, os
a realização de análise fatorial foram atendi- dados foram submetidos à análise fatorial dos
das (Hair & cols., 2005), verificou-se a matriz eixos principais com rotação Varimax, uma
de correlações, as medidas de adequação da vez que uma extração com rotação oblíqua
amostra e a significância geral da matriz de (Oblimin) revelou baixa correlação entre os
correlações. Inicialmente, realizou-se uma fatores.
análise fatorial exploratória pelo método Para definir o número de fatores, foi
dos componentes principais (PC). Conforme examinada a importância de cada fator por
apresentado na Tabela 3, as correlações en- meio da observação dos autovalores e do per-
tre as variáveis são altamente significantes. A centual de variância explicada de cada fator e
medida de adequação da amostra verificada considerada a teoria de base do construto. Os
pelo teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi de critérios de retenção dos fatores foram auto-
0,89, considerado bastante satisfatório (Hair valores maiores do que um e variância expli-
& cols., 2005). O teste Bartlett de esfericidade cada maior do que 3%. Para a retenção dos
foi significativo (940,981; p<0,001) e o deter- itens foram exigidos valores de cargas fato-
minante da matriz de correlações foi de 0,11. riais maiores do que 0,40. Atendendo a esses
Esses resultados mostram que a matriz de da- critérios, havia um único fator confirmando

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 45

Tabela 3. Avaliação da adequação da análise fatorial: correlações, medidas de adequação da amostra e corre-
lações parciais
Item 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

1. Adaptar a mudanças

2. Lidar com qualquer situação 0,42**

3. Ver o lado engraçado dos problemas 0,30** 0,32**

4. Lidar com estresse 0,28** 0,39** 0,21**

5. Dar a volta por cima 0,36** 0,41** 0,32** 0,31**

6. Atingir objetivos 0,21** 0,31** 0,15** 0,26** 0,29**

7. Concentração e pensamento claro 0,31* 0,36** 0,27** 0,36** 0,26** 0,27**

8. Não ser desencorajado pelo fracasso 0,24** 0,31** 0,22** 0,22** 0,32** 0,27** 0,34**

9. Ser pessoa forte 0,28** 0,35** 0,29** 0,26** 0,35** 0,37** 0,29** 0,27**

10. Lidar com sentimentos desagradáveis 0,32** 0,37** 0,29** 0,34** 0,30** 0,22** 0,38** 0,22** 0,28**

Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,89

Teste Bartlett de esfericidade = 940,981; p < 0,001)


determinante da matriz=0,11

** Correlação significante a 0,01; * Correlação significante a 0,05

análise visual do scree plot (ver Figura 2). Esse DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
fator reuniu os dez itens da escala e explicou
38% da variância total. Posteriormente, a con- O objetivo do estudo foi traduzir os
fiabilidade da escala foi calculada pelo alfa de itens para a língua portuguesa, adaptar se-
Cronbach, revelando um índice de 0,82. manticamente e validar a estrutura fatorial
Na Tabela 4 são apresentadas as cargas da versão abreviada da Escala de Resiliência
fatoriais, as comunalidades, a variância ex- de Connor-Davidson (CD-RISC-10) com uma
plicada pelo fator encontrado e o coeficiente amostra brasileira. A escala pode ser conside-
de confiabilidade (alfa de Cronbach). Como rada psicometricamente adequada, apresen-
se pode observar, os resultados confirmam a tando índice de confiabilidade acima de 0,80
mesma estrutura unifatorial apresentada no (Pasquali, 2006). O percentual de variância
instrumento original (CD-RISC-10) relatada explicada pelo instrumento foi de aproxima-
no estudo confirmatório de Campbell-Sills e damente 38%, índice este considerado sa-
Stein (2007), reunindo os 10 itens no fator no- tisfatório no campo das ciências sociais e do
meado resiliência. O coeficiente de precisão comportamento.
encontrado (0,82) é satisfatório, pois segundo Campbell-Sills e Stein (2007) realizaram
Hair e cols., (2005) e Pasquali (2006), o limite um estudo fatorial confirmatório das proprie-
inferior geralmente aceito é de 0,70. dades psicométricas da Escala de Resiliência
Análises fatoriais conduzidas para am- de Connor-Davidson (2003) e encontraram
bos os sexos separadamente revelaram estru- uma escala unifatorial com 10 itens, que de-
turas idênticas. Análise de variância revelou monstrou bons indicadores de consistência
não haver diferenças entre os gêneros, [F (1, interna e de validade, consolidando-se a ver-
461) = 3,699; p >0,05]. Por outro lado, houve são abreviada da escala (CD-RISC-10). No pre-
correlação positiva (Pearson), embora fraca, sente estudo, a estrutura fatorial da escala,
entre idade e resiliência (r=0,10; p <0,05). obtida através da análise fatorial exploratória,

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


46 Lopes & Martins

Figura 2. Scree plot

revelou um único fator com cargas fatoriais por cinco juízes independentes. Portanto, a
variando de 0,53 a 0,72. O resultado confirma CD-RISC-10 teve sua estrutura confirmada e
empiricamente a escala unifatorial de resiliên- apresenta boas características psicométricas.
cia proposta por Campbell-Sills e Stein (2007), A resiliência, avaliada com a CD-RISC-10,
fornecendo indícios de validade de construto parece ter distribuição aproximadamente
da escala. Esse fator revelou índice de con- normal na população em geral, embora mais
sistência interna bastante satisfatório (0,82). indivíduos se avaliem como mais resilientes
Ademais, a adaptação semântica também de- do que menos resilientes. O escore médio
monstrou ser adequada, tendo sido julgada de 29,07 na CD-RISC-10 na amostra estudada

Tabela 4. Cargas fatoriais, comunalidades, porcentagem de variância e alfa de Cronbach


Itens Cargas fatoriais Comunalidades
2. Lidar com qualquer situação 0,72 0,47
5. Dar a volta por cima 0,67 0,37
7. Concentração e pensamento claro 0,65 0,35
10. Lidar com sentimentos desagradáveis 0,64 0,34
9. Ser pessoa forte 0,62 0,31
1. Adaptar a mudanças 0,61 0,30
4. Lidar com estresse 0,60 0,30
8. Não ser desencorajado pelo fracasso 0,56 0,25
6. Atingir objetivos 0,54 0,22
3. Ver o lado engraçado dos problemas 0,53 0,22
Alfa de Cronbach 0,82
Variância (%) 38,0

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 47

sugere que o indivíduo médio oriundo dessa de estresse e adversidades. Masten (2001)
população se percebe frequentemente com argumentou que a resiliência seria uma aqui-
características mais resilientes. Esses dados sição normativa decorrente das demandas
são congruentes com a literatura e mostram de adaptação inerentes ao desenvolvimen-
que a resistência ao estresse e a capacidade to humano. Portanto, o avanço da idade e a
de lidar com adversidades é a norma e não consequente exposição a eventos adversos e
a exceção na população em geral (Bonanno, a aprendizagem de estratégias de enfrenta-
2004; Campbell-Sills & cols., 2006). A média mento favoreceriam o desenvolvimento da
de resiliência aqui aferida (29,07, DP = 5,47) resiliência.
ficou um pouco acima do estudo original que O conjunto dos participantes era bastan-
descreve a construção da escala, no qual a te heterogêneo em termos de escolaridade e
média obtida foi 27,21, com desvio padrão profissão, mas não contemplou amostras clí-
de 5,84. Por este se tratar do primeiro estudo nicas ou de indivíduos com alta exposição ao
brasileiro em que se utilizou a CD-RISC-10, se- trauma. Assim, não é possível concluir sobre
ria precoce atribuir tal resultado a alguma ca- as propriedades psicométricas da CD-RISC-10
racterística da amostra ou do próprio instru- para essas populações, sugerindo que estu-
mento, pois a área carece de outros estudos dos futuros possam avaliar as propriedades
que autorizem conclusões mais substanciais da escala em amostras selecionadas com base
nesse sentido. Um dos aspectos a ser inves- na exposição ao trauma e, ainda, ampliar sua
tigado em estudos futuros, além das caracte- aplicação em doentes em cuidados primários,
rísticas demográficas, refere-se ao impacto de pacientes psiquiátricos ambulatoriais, pacien-
diferenças étnico-culturais sobre os escores tes com TEPT e com outros transtornos psi-
de resiliência. quiátricos.
Neste estudo, estruturas fatoriais idên- Outra limitação se refere à validade
ticas foram encontradas para ambos os gê- convergente e discriminante, que apesar de
neros e nenhuma diferença nos níveis de ter sido avaliada nos dois estudos que deram
resiliência foi detectada entre eles, o que origem à escala (Campbell-Sills & Stein, 2007;
confirma resultados de outros estudos (Con- Connor & Davidson, 2003), não foi avaliada
nor & Davidson, 2003; Campbell-Sills & Stein, neste estudo. Desse modo, sugere-se que ou-
2007; Lundman, Strandberg, Eisemann, Gus- tros estudos sejam realizados, especialmente
tafson & Brulin, 2007) e diferem dos resulta- por já se ter outro instrumento validado para o
dos de Bonanno, Galea, Bucciarelli e Vlahov Brasil (Escala de Resiliência, Wagnild & Young,
(2007), onde as mulheres apresentaram es- 1993, adaptada por Pesce e cols., 2005), pos-
cores inferiores. Portanto, os resultados ain- sibilitando importantes contribuições para os
da são inconclusivos, necessitando de maio- estudos sobre resiliência. Além dessas suges-
res investigações. tões, propõe-se que estudos futuros se de-
Os resultados também revelaram que diquem também a validar a CD-RISC-10 por
a resiliência aumenta com a idade, embora meio de análise fatorial confirmatória e tes-
a correlação encontrada seja de baixa mag- tem sua estrutura fatorial em contexto de tra-
nitude. Esse resultado pode ser decorrente balho. Em suma, considerando os resultados
da composição predominantemente jovem obtidos, conclui-se que a versão brasileira da
da amostra estudada, pois 77,8% dos partici- CD-RISC-10 possui uma adequada correspon-
pantes têm menos de 30 anos. Ainda assim, dência com a escala original e características
os achados corroboram os de outros estudos psicométricas que autorizam seu uso como
como o de Bonanno e cols., (2007) e Lundman uma ferramenta confiável e com indícios de
e cols., (2007), os quais apontam que indivídu- validade para avaliar a resiliência em pesqui-
os mais maduros lidam melhor com situações sas brasileiras.

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


48 Lopes & Martins

REFERÊNCIAS Edward, K. (2005). The phenomenon of resilien-


ce in crisis care mental health clinicians.
Ahern, N. R., Kiehl, E. M., Sole, M. L., & Byers, J. International Journal of Mental Health Nur-
(2006). A review of instruments measuring sing,14, 142–148.
resilience. Issues in Comprehensive Pedia- Gillespie, B.M., Chaboyer, W., & Wallis, M. (2007).
tric Nursing, 29, 103–125. The influence of personal characteristics on
Baek, H.S., Lee, K. U., Joo, E. J., Lee, M. Y., & Choi, the resilience of operating room nurses: a
K. S. (2010). Psychometric analysis of the predictor study. International Journal of
Korean version of the CD-RISC. Psychiatry Nursing Studies, 46, 968–976.
Investigation, 7, 109-115. Grotberg, E. H. (2005). Introdução: novas tendên-
Bandura, A. (2008). O exercício da agência huma- cias em resiliência. Em: A. Melillo & E. N.
na pela eficácia coletiva. Em: A. Bandura, S. Ojeda (Orgs.), Resiliência: descobrindo as
R. G. Azzi & S. Polydoro e cols. Teoria social próprias fortalezas (pp.15-22). Porto Ale-
cognitiva (pp. 115-122). Porto Alegre: Art- gre: Artmed.
med. Hair, J. F., Anderson, R. E., Tatham, R. L., & Black,
Bonanno, G. A. (2004). Loss, trauma, and human W. C. (2005). Análise Multivariada de Dados
resilience. American Psychologist, 59, 20– (5ª ed.). Porto Alegre: Bookman.
28. Harland, L., Harrison, W., Jones, J. R., & Reiter-
Bonanno, G. A., Galea, S., Bucciarelli, A., & Vlahov, -Palmon, R. (2005). Leadership behaviors
D. (2007). What predicts psychological resi- and subordinate resilience. Journal of Lea-
lience after disaster? The role of demogra- dership & Organizational Studies, 11, 2-14.
phics, resources, and life stress. Journal of Infante, F. (2005). A resiliência como processo:
Consulting and Clinical Psychology, 75, 671 uma revisão da literatura recente. Em: A.
–682. Melillo & E. N. S. Ojeda (Orgs.), Resiliência:
Bryman, A., & Cramer, D. (2003). Análise de dados descobrindo as próprias fortalezas (pp. 23-
em ciências sociais. Introdução às técnicas 38). Porto Alegre: Artmed.
utilizando o SPSS para Windows (3ª ed.). Jackson, D., Firtko, A., & Edenborough, M. (2007).
Oeiras: Celta. Personal resilience as a strategy for survi-
Campanella T. (2006).Urban resilience and the re- ving and thriving in the face of workplace
covery of New Orleans. Journal of the Ame- adversity: a literature review. Journal of Ad-
rican Planning Association, 72, 141–146. vanced Nursing, 60, 1–9.
Campbell-Sills, L., Cohan, S. L., & Stein, M. B. Jorgensen, I. E., & Seedat, S. (2008). Factor struc-
(2006). Relationship of resilience to perso- ture of the Connor-Davidson Resilience
nality, coping and psychiatric symptoms in Scale in South African adolescents. Interna-
young adults. Behaviour Research and The- tional Journal of Adolescent Medicine and
rapy, 44, 585–599. Health, 20, 23-32.
Campbell-Sills, L., & Stein, M. B. (2007). Psycho- Judkins, S., Arris, L., & Keener, E. (2005). Program
metric Analysis and Refinement of the evaluation in graduate nursing education:
Connor–Davidson Resilience Scale (CD- hardiness as a predictor of success among
-RISC): Validation of a 10-Item Measure of nursing administration students. Journal of
Resilience. Journal of Traumatic Stress, 20, Professional Nursing, 21, 314–321.
1019–1028. Kaplan, H. (1999). Toward an understanding of re-
Castleden, M., McKee, M., Murray, V., & Leonardi, silience: a critical review of definitions and
G. (2011). Resilience thinking health protec- models. Em: M. Glantz, J. Johnson, J. (Eds.).
tion. Journal of Public Health, 33, 369-377. Resilience and development: positive life
Connor, K. M., & Davidson, J. R. T. (2003). Develo- adaptations (pp. 17-84). New York: Plenum
pment of a new resilience scale: The Con- Publishers.
nor–Davidson Resilience Scale (CD-RISC). Khoshouei, S. M. (2009). Psychometric evaluation
Depression and Anxiety, 18, 76–82. of the Connor–Davidson Resilience Scale
(CD-RISC) using Iranian students. Interna-
tional Journal of Testing, 9, 60–66.

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


Escala de Resiliência de Connor-Davidson (Cd-Risc-10) 49

Lamond, A. J., Depp, C. A., Allison, M., Langer, Menezes de Lucena, V., Fernández, B., Hernández,
R., Reichstadt, J., Moore, D. J., Golshan, S., L., Ramos, F., & Contador, I. (2006). Resilien-
Ganiats, T.G., & Jeste, D. V. (2009). Measu- cia y el modelo de Burnout-Engagement en
rement and predictors of resilience among cuidadores formales de ancianos. Psicothe-
community-dwelling older women. Journal ma, 18, 791-796.
of Psychiatric Research, 43, 148–154. Muñoz, D. E. O. (2007). La medición de la resilien-
Libório, R. M. C., Castro, B. M., & Coelho, A. E. L. cia. Investigación y Educación en Enferme-
(2006). Desafios metodológicos para a pes- ría, 25, 58-65.
quisa em resiliência: conceitos e reflexões Oliveira, A. F., & Batista, R. L. (2008). Validação da
críticas. Em D. Dell’Aglio, S. H. Koller, & M. escala de resiliência para o contexto orga-
A. Yunes (Orgs), Resiliência e psicologia po- nizacional. Em Associação Brasileira de Psi-
sitiva: Interfaces do risco à proteção (pp. cologia Organizacional e do Trabalho. Anais
89-115). São Paulo: Casa do Psicólogo. do III Congresso Brasileiro de Psicologia Or-
Lundman, B., Strandberg, G., Eisemann, M., Gus- ganizacional e do Trabalho [CDROM]. Flo-
tafson, Y. & Brulin, C. (2007). Psychometric rianópolis, SC: UFSC.
properties of the Swedish version of the Paludo, S. S., & Koller, S. H. (2006). Psicologia posi-
Resilience Scale. Scandinavian Journal of tiva, emoções e resiliência. Em D. Dell’Aglio,
Caring Sciences, 21, 229-237. S. H. Koller, & M. A. Yunes (Orgs), Resiliên-
Luthans, F. (2002). Positive organizational beha- cia e psicologia positiva: Interfaces do risco
vior: developing and managing psycholo- à proteção (pp. 69-86). São Paulo: Casa do
gical strengths. Academy of Management Psicólogo.
Executive, 16, 57–72. Pasquali, L. (2006). Análise fatorial para psicólo-
Luthans, F., & Youssef, C. M. (2007). Emerging po- gos. Brasília: LABPAM.
sitive organizational behavior. Journal of Peres, J. F. P., Mercante, J. P. P., & Nasello, A. G.
Management, 33, 321-349. (2005). Promovendo resiliência em vítimas
Luthar, S. S., Cicchetti, D., & Becker, B. (2000). The de trauma psicológico. Revista de Psiquia-
Construct of Resilience: a critical evaluation tria do Rio Grande do Sul, 27, 131-138.
and guidelines for future work. Child Deve- Pesce, R. P., Assis, S. G., Avanci, J. Q., Santos, N.
lopment, 71, 543–562. C., Malaquias, J. V., & Carvalhaes, R. (2005).
Luthar, S. S., & Cushing, G. (1999). Measurement Adaptação transcultural, confiabilidade e
issues in the empirical study of resilience: validade da escala de resiliência. Cadernos
an overview. Em: M. D. Glantz, & J. L. John- de Saúde Pública, 21, 436-448.
son, (Eds). Resilience and development: po- Roy, A., Sarchiapone, M., & Carli, V. (2007). Low re-
sitive life adaptations (pp. 129–160). New silience in suicide attempters: relationship
York: Plenum. to depressive symptoms. Depression and
Masten, A. S. (2001). Ordinary magic: resilien- Anxiety, 24, 273–274.
ce processes in development. American Rutter, M. (1985). Resilience in the face of ad-
Psychologist, 56, 227-238. versity: protective factors and resistance
McCalister, K. T., Dolbier, C. L., Webster, J. A., to psychiatric disorder. British Journal of
Mallon, M. W., & Steinhardt, M. A. (2006). Psychiatry, 147, 598-611.
Hardiness and support at work as predic- Rutter, M. (1993). Resilience: some conceptual
tors of work stress and job satisfaction. considerations. Journal of adolescent heal-
American Journal of Health Promotion, 20, th, 14, 626-631.
183-191. Ryff, C. D. (1989). Happiness is everything, or is it?
Melillo, A. (2005). Resiliência e educação. Em: A. Explorations on the meaning of psycholo-
Melillo & E. N. S. Ojeda (Orgs.), Resiliência: gical well-being. Journal of Personality and
descobrindo as próprias fortalezas (pp. 87- Social Psychology, 57, 1069–1081.
101). Porto Alegre: Artmed. Souza, M. T. S., & Cerveny, C. M. O. (2006). Re-
siliência psicológica: Revisão de literatura e
análise de produção científica. Revista Inte-
ramericana de Psicologia, 40, 119-126.

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50


50 Lopes & Martins

Takviriyanun, N. (2008). Development and testing Yu, X., & Zhang, J. (2007). Factor analysis and
of the Resilience Factors Scale for Thai ado- psychometric evaluation of the Connor-
lescents. Nursing and Health Sciences, 10, -Davidson Resilience Scale (CD RISC) with
203–208. Chinese people. Social Behavior and Perso-
Todd, J. L., & Worell, J. (2000). Resilience in low- nality, 35, 19-30.
-income employed, African American wo- Yunes, M. (2003). Psicologia positiva e resiliência:
men. Psychology of Women Quarterly, 24, O foco no indivíduo e na família. Psicologia
119–128. em Estudo, 8(número especial), 75-84.
Wagnild, G. M., & Young, H. M. (1993). Develop-
ment and psychometric evaluation of the
Resilience Scale. Journal of Nursing Measu-
rement, 1, 165–178.

Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, 11, 2, jul-dez 2011, 36-50

Você também pode gostar