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RESILIÊNCIA NA EDUCAÇÃO: desafios e possibilidades


de sobrevivência do educador no século XXI1

Gabriel Muñoz Palafox2 e Eliana Leão3

“O problema não é o problema. O problema é sua


atitude com relação ao problema” (Kelly Young).

Resumo

O objetivo do presente trabalho é analisar criticamente o sentido e significado atribuídos à


Resiliência enfatizando a sua relação com a Educação. Assumindo que a Resiliência representa
muito mais do que uma simples “capacidade” ou “competência” técnica, a sua importância reflete a
necessidade de situar a Educação como campo em constante tensionamento entre suas diferentes
dimensões institucionais, políticas e ideológicas e suas implicações na pessoa do educador.

Palavras Chave: Resiliência, Educação e formação continuada de professores.

Introdução

O objetivo do presente trabalho é descrever e refletir criticamente sobre o sentido/significado


da palavra resiliência no campo da educação, descrevendo, também, os procedimentos de pesquisa
utilizados para preparar a exposição sobre esse tema no V Seminário Estadual dos Centros de
Educação Especial de Minas Gerais, ocorrido na Universidade Federal de Uberlândia no ano de
2003.

A proposta de descrever a forma como pesquisamos o tema foi idéia dos educadores
presentes ao citado evento. Estes nos solicitaram que o conteúdo da conferência fosse transformado
num texto que respeitasse a estrutura da apresentação, a qual foi organizada, justamente, seguindo o
caminho que percorremos para descobrir o sentido e o significado da resiliência.

Sobre a Resiliência e seus diversos significados.

Nosso trabalho de pesquisa sobre a resiliência começou na procura do termo no tradicional


dicionário “Aurélio”, onde foi possível encontrar os primeiros indícios do seu significado:

Resiliência. Do ingl. Resilience. S.f. 1. Fís. Propriedade pela qual a energia armazenada em
um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica. 2.
Fig. Resistência ao choque. Resiliente. (Do ingl. Resilient) Que tem resilîência.2. Por ext. Elástico.

1
Artigo Publicado em: Revista Educação em Ação: Formação de Professores para o Século XXI. Ano I Num I –
Jul/dez/2004, p. 25-49.
2
Mestre e Doutor em Educação: Currículo. Pró-reitor de Extensão, Culturas e Assuntos Estudantis (2000-2004 e
2005-2008) e docente da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Uberlândia.
3
Pedagoga da Rede Pública Municipal de Uberlândia. Aluna do Programa de Mestrado em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia.
2
Ao analisar o sentido atribuído ao termo, não foi difícil perceber que além de referir-se a um
conceito científico associado à Física, o dicionário não estabelece nenhum vínculo com as ciências
humanas.

Em seguida, aproveitando as vantagens da tecnologia moderna, pesquisamos sobre a


Resiliência na Internet, utilizando o site Altavista (http:www.altavista.com.br).

Diante da quantidade considerável de sites e artigos que apareceram na tela do computador,


faz-se interessante destacarmos, que o reconhecimento do termo no dicionário foi de muita utilidade,
uma vez que nós permitiu “filtrar” e desconsiderar muita informação sobre o assunto, relacionada
com a Física.

Um rápido estudo sobre os títulos dos sites, permitiu-nos identificar a existência de três tipos
de assuntos relacionados à Resiliência: a) na Física; b) nas áreas da Saúde Mental, Antropologia,
Gerenciamento de Recursos Humanos e Gestão Empresarial e, c) num tipo de literatura de “auto-
ajuda” orientada para os executivos de empresas. Notamos, também, naquele momento da pesquisa,
não foi encontrado nenhum texto associado à Resiliência e a educação formal.

O passo seguinte foi selecionar uma parte do material pesquisado para elaborar um “marco”
geral de referência com a finalidade de ampliar o significado que vem sendo atribuído à resiliência
nas áreas de conhecimento acima identificadas:

Quadro 1. Significados atribuídos à resiliência em diferentes áreas de conhecimento.


Resiliência na Física4: Força de recuperação: Capacidade de um material que, submetido a forças de
“distensão” até seu limite elástico, volta ao estado original, quando tais forças
deixam de atuar sobre o mesmo.
Resiliência e administração Arte de gerenciar pressões e superar desafios.
de Recursos Humanos: Uma Nova Estratégia para Gerenciar pressões e Adversidades. Conceitos e
recursos de “coping” (enfrentamento) articulados em competências; Como se
manter competente e equilibrado no trabalho frente à enormidade de pressões,
incongruências e ambigüidades.
A Resiliência, que em termos empresariais pode significar "a capacidade de
resistir flexivelmente e crescer na adversidade", pode nos ajudar a alcançar
resultados positivos e fazer com que possamos manter nossas competências
frente a situações ameaçadoras e imprevisíveis.
Resiliência e Saúde Mental Capacidade que o indivíduo tem de se recuperar ou, inclusive, de ser imune
psicologicamente aos atos de violência advindos das relações humanas, das
condições de trabalho ou de catástrofes naturais.
Capacidade de resistir às adversidades humanas. Trata-se de uma qualidade de
resistência e de perseverança do ser humano face, às dificuldades da vida.
Enquanto muitos indivíduos se tornam vítimas e/ou adoecem, adquirindo
transtornos do desenvolvimento ou psicológicos na infância, de conduta na
adolescência e juventude, e psiquiátricos na vida adulta, outros são ou tornam-
se resilientes.
Resiliência e Antropologia: Capacidade Universal que permite ao indivíduo, grupo ou comunidade,
prevenir, minimizar ou ultrapassar as marcas ou efeitos das adversidades.

4
Resiliência (português), resilientia (latim), resilienza (italiano), resilience (inglês). Termo que deriva do verbo latino
resilio que significa “saltar para trás”, “voltar saltando”, “retirar-se sobre si mesmo, “encolher”, “reduzir-se”,
“recuar”, “desdizer-se” (TAVARES, 2001).
3

Resiliência: da Física às Ciências Humanas.

No momento que procedíamos à organização de nosso marco de referência conceitual, foi


surgindo a curiosidade de identificar porque um termo como a resiliência, cunhado na Física, passou
a ser utilizado nas Ciências Humanas, ainda que saibamos que este tipo de fato é comum na prática
da ciência?

A maioria dos textos que tratam da resiliência em processos de Gerenciamento de Recursos


Humanos e de Gestão de organizações empresariais afirmam que estamos vivendo um momento
histórico de grande turbulência, no qual a intensidade e a complexidade das mudanças no mundo do
trabalho vêm exigindo um grande esforço “adaptativo” e “inusitado” dos profissionais.

Excesso de preocupações, competitividade acirrada, inúmeras tarefas a cumprir, incerteza de


manutenção do emprego, ambientes institucionais sucateados, precárias condições de trabalho,
dentre outros, são marcas do novo cenário mundial, regional e local. Como resultado disso,
defrontamo-nos com trabalhadores estressados, desmotivados com seu desempenho profissional
afetado, motivo pelo qual vêm surgindo idéias e estratégias para responder a todas essas dificuldades
mantendo esses mesmos trabalhadores, “atualizados, confiantes e competitivos”.

Concordando com a idéia de que o mundo do trabalho encontra-se sob a lógica do


individualismo e da incerteza, uma vez que a competição está cada vez mais forte, tanto no mercado,
quanto na busca de emprego, para manter-se nele com certa tranqüilidade e segurança, novas e
complexas competências vêm sendo exigidas aos trabalhadores em ambientes de grande
competitividade entre os mesmos e as próprias empresas5.

Diante desse quadro, a ampliação de “tensões” e do estresse vêm prejudicando o


“rendimento” do trabalhador e, em conseqüência, a qualidade, a eficácia e a eficiência das empresas,
com conseqüentes perdas financeiras, obrigando a estas a responder a este problema por meio da
proposição de mudanças nos ambientes de interação humana.

Construindo um “novo” discurso do tipo: "A verdadeira medida de um homem não é como
ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de
controvérsia e desafio", os gestores de Recursos Humanos e de Organização empresarial,
descobriram de alguma forma, a sugestiva idéia de “força de recuperação” contida no conceito físico
da resiliência, para, a partir daí, buscarem “fórmulas”, saídas ou estratégias capazes de “dotar de
energia” ao trabalhador, para que este possa, suportar, sem adoecer, as adversidades decorrentes do
mundo do trabalho.

Assim, a noção de resiliência contida num objeto, transforma-se numa característica humana
a ser aprimorada com base científica para enfrentar eficazmente, em determinados ambientes,

5
Num artigo publicado na Revista “Você S/A” (São Paulo: Editora Abril, agosto de 2004), Estelle Morin, da
Universidade de Montreal, apresentou um estudo onde procura identificar como as pessoas estão lidando com a
carreira. Para esta pesquisadora, a geração das pessoas nascidas entre 1965 e 1980, testemunharam na família o
impacto de perder o emprego no qual se planejou ficar a vida inteira. Quem viveu esta situação hoje detesta, em
termos gerais, o estilo “viver para trabalhar”, além de valorizar mais a sua vida pessoal. Para aqueles que nasceram
entre 1981 e 1995 e cresceram na época da globalização, preferem trabalhar individualmente com foco nos
resultados e, além de processar informações rapidamente, vêm desenvolvendo um padrão de trabalho flexível,
acostumado a fazer escolhas.
4
privados e públicos, de trabalho e de convivência cotidiana, os desafios e tensionamentos do mundo
do trabalho contemporâneo.

Neste momento, paramos para refletir porque de um momento para outro, o setor empresarial
começou a ser motivado para “cuidar” dos seus profissionais? Seria somente pelo fato de que a
perda de rendimento no trabalho poderia provocar uma diminuição nos lucros? Não seria mais
“econômico” para uma empresa dispensar o trabalhador (como historicamente tem prevalecido) e
substituí-lo por outro?

Não sendo nossa intenção aprofundar nessas questões, deixamos registrado como hipótese
que, duvidando de uma possível pretensão de “humanização” do capitalismo por parte das classes
dominantes, talvez seja mais econômico e produtivo investir na formação continuada do trabalhador,
devido ao fato (previsto por Karl Marx no século XIX) de que as exigências tecnológicas e
administrativas estão se tornando cada vez maiores. Situação esta, que vêm exigindo dos
trabalhadores um maior tempo de aprofundamento técnico-científico em sua formação profissional,
associada a um importante “acúmulo” de experiência no trabalho.

Em outras palavras: estará saindo mais econômico para o capitalismo investir na formação e
manutenção dos seus, cada vez mais, especializados profissionais, do que descartá-los por outros,
que nem sempre se encontram disponíveis no mercado?

A resiliência como espaço de pesquisa e de intervenção.

Sites e trabalhos associados à resiliência nas áreas de Saúde Mental e Antropologia, afirmam
que, na procura de identificação e de entendimento sobre os “sujeitos resilientes”, os conteúdos
relacionados ao tema devem estar fundamentados em abordagens de pesquisa, inter ou
transdisciplinares, para alcançar uma compreensão mais ampla e aprofundada desse “objeto” de
pesquisa.

A maioria das informações, que tratam dos procedimentos metodológicos de pesquisa,


reconhecem que a identificação e o estudo de pessoas resilientes não podem ser explicadas
utilizando, simplesmente, métodos de observação a distância ou aplicando questionários cujos dados
serão “interpretados” com a utilização dos sistemas de referência científica e das crenças pessoais de
um único pesquisador.

Tais abordagens de pesquisa apontam, também, que devem ser utilizadas técnicas de colheita
de dados e de observação participante, que exigem, além de um envolvimento mais direto dos
pesquisadores na realidade, um confronto crítico entre diversos olhares, linguagens e instrumentais,
tais como: o uso de dados quantitativos e qualitativos advindos de entrevistas abertas, semi-
estruturadas, individuais e coletivas, registros iconográficos (fotografia, vídeo), diários de campo,
“softwares” estatísticos etc.

No que diz respeito às técnicas ou estratégias apresentadas para desenvolver ou aprimorar a


resiliência, encontramos orientações vinculadas, principalmente, ao mundo do trabalho, relacionadas
ao treinamento da criatividade, da capacidade de concentração, da Inteligência Emocional, da
Aptidão Física e do Pensamento Sistêmico para resolução de problemas e desafios.

A finalidade é criar as condições para que o trabalhador, tratado na condição não de “objeto”,
mas como “pessoa”, seja capaz de auto-reflexão, auto-organização, de atualização de suas crenças e
5
comportamentos e de orientação eficaz, em busca da superação das adversidades e dos resultados
desejados.

Procura-se, também, que o sujeito, “aprenda a aprender” como “gerenciar” sua ansiedade e
as ambigüidades próprias da organização empresarial e/ou social, por meio do aperfeiçoamento
contínuo do repertório de habilidades necessárias ao enfrentamento das adversidades, dentre as quais
se encontram os problemas de relacionamento interpessoal.

Ressaltamos que, frente a este discurso, técnicas corporais tais como a Ioga, o Tai chi chuan
e outras modalidades do gênero, vêm sendo propostas como alternativas para enfrentar as “tensões”
do mundo do trabalho. Identificamos, também, propostas que procuram incentivar às empresas para
que ampliem o círculo de interação social entre os funcionários, oferecendo a eles programas de
esporte, lazer e de convivência fora dos ambientes formais de trabalho.

No que diz respeito às organizações empresarias e institucionais, encontramos


recomendações relacionadas à necessidade de transformação das estruturas rígidas, autoritárias e
excessivamente hierarquizadas, por outras mais flexíveis nos processos de comando e de tomada de
decisões, no qual o trabalhador tenha mais autonomia e confiança dos níveis superiores para resolver
problemas de forma eficaz e eficiente.

Resiliência e Educação.

Como foi mencionado anteriormente, durante a pesquisa realizada na Internet, não


encontramos nenhum material sobre resiliência associada à área da Educação. Por esse motivo,
decidimos formular a partir do material analisado, um conjunto de perguntas problematizadoras
utilizando a técnica da “chuva de idéias” para, em seguida, organizá-las por dedução (do geral para
o particular). O “particular” seria, para nós, associado ao comportamento cotidiano do sujeito
considerado resiliente:

 A vida cotidiana na escola pública vem provocando “choques de tensão” que estão
“dobrando” e “vencendo” os estados de “equilíbrio” das pessoas? Existem indícios a
respeito de uma situação dessa natureza no campo da educação?

 Resiliência na vida escolar?: Que tensões seriam essas e quais as suas resultantes? Como
superá-las?

 Seria possível falar de uma Educação para a resiliência? Quais seriam os seus
fundamentos?

 Como agem as pessoas resilientes? Quais os traços comportamentais que caracterizam


uma pessoa resiliente?

Munidos desse novo “guia de estudo”, procuramos, então, encontrar uma associação entre as
informações coletadas e a produção científica e filosófica da educação, buscando estabelecer uma
relação dialética entre esta área e a resiliência.

Para tanto, iniciamos uma revisão bibliográfica começando pela nossa Tese de Doutorado
(MUÑOZ PALAFOX, 2001) que trata, dentre outros, dos aspectos conjunturais relacionados à vida
do educador no contexto escolar.
6

As tensões/choques do cotidiano escolar a que estão sendo submetidos os educadores,


merece uma reflexão mais aprofundada: contrariamente ao otimismo demonstrado no discurso
oficial relacionado com a democratização da gestão escolar, nossa experiência de assessoria
docente, junto às redes de ensino público de Uberlândia – MG e região, possibilitou-nos constatar
que, apesar do processo de abertura demonstrado em vários sistemas de ensino municipais e
estaduais, ainda existem muitas dificuldades e tensionamentos que impedem ou limitam a efetiva
democrátização das estruturas e dos mecanismos de gestão, de convivência, de currículo, de
avaliação e da própria prática pedagógica do educador:

O objetivo da gestão democrática é muito difícil alcançar, não somente devido às pressões
advindas da ideologia oficial, do controle social e dos atos autoritários de governos municipais em
exercício, mas também, por uma série de dificuldades subjetivas e intersubjetivas que parecem
refletir o fato de que, independentemente de vivermos em meio às ruínas de uma civilização
hegemonicamente autoritária e conservadora, a maior parte dessas ruínas já está em nossas mentes
(LUCKÁCS, 1982, Apud FEATHERSTONE, 1995: p.199) 6. “Ruínas” que se manifestam, dentre
outros aspectos, na prática do individualismo exacerbado, uma das principais marcas características
do mundo contemporâneo.

Numa pesquisa realizada, em nível nacional (CODO, 1999), foi constatado que grande parte
dos educadores lotados nos sistemas públicos de Ensino Fundamental e Médio encontra-se
ministrando aula em ambientes de profunda descrença e desilusão, não somente com as políticas e
reformas educacionais mas também com os movimentos de luta pela construção de gestões
democráticas nos estabelecimentos de trabalho.

Desiludidos, descrentes, (desencantados?) e desmotivados, muitos educadores estão


passando o tempo na escola, limitando-se a trabalhar em suas salas de aula, conformados com tanta
falta de perspectivas para mudar a Educação (CODO, 1999), enquanto que uma minoria, ainda
militante, continua lutando e incentivando a promoção de atividades coletivas na tentativa de ver
surgir a possibilidade objetiva de instauração de uma nova intersubjetividade e de uma nova escola,
tal como propõe a utopia revolucionária da teoria crítica da Educação.

Essa situação contemporânea é tão crítica que já pode ser observada nessa área,

a emergência de uma nova consideração sobre trabalho e emprego diante da


modernidade técnica e da sociedade globalizada: o bournout. À certa altura definido
como “o nome da dor de um profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que
efetivamente consegue fazer, entre o céu de possibilidades e o inferno dos limites
estruturais, entre a vitória e a frustração”. Ou ainda, “é a síndrome de um trabalho
que voltou a ser trabalho, mas que ainda não deixou de ser mercadoria. As dores do
bournout são as dores de um filho que sempre existiu, a força mágica de um

6
A questão da gestão escolar reflete uma movimentação intensa em torno de reformas administrativas no setor
educacional. A maioria das propostas em âmbito federal, estadual e municipal apresenta aspectos convergentes com
o conjunto de princípios acordados na Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em março de 1990,
em Jontiem, na Talilândia e na Declaração de Nova Delhi, de dezembro de 1993. Por esses motivos, o debate atual
em torno da gestão da Educação tem assumido centralidade. A necessidade de conhecer os problemas, reconhecer
as críticas em tempo hábil, dada a velocidade com que as mudanças se processam, coloca como primeiro desafio
abarcar os grandes temas e procurar desvendar seus aspectos mais nebulosos (OLIVEIRA, 1997, p.10).
7
trabalho que se afectiva, que se afeiçoa, que se parece com a vida, que espanta e
pasma como um parto, que dói, como um parto” (CODO,1999:13).

Uma grande parte dos educadores, que comparece no tecido social compondo o futuro de
milhares e milhares de jovens, está dando lugar a um conglomerado de pessoas cansadas, abatidas,
sem mais vontade de ensinar, ou seja, que entraram em Bournout (CODO,1999: 237)7

Diante dessa situação, observamos que a resiliência, tal como proposto nas Ciências
Humanas, encontra, de fato, um campo fértil na esfera da educação, como possibilidade de elevação
da capacidade do educador, por exemplo, para resistir às tensões, ao estresse e às adversidades do
cotidiano escolar.

Voltando nossos olhares para a produção científica no campo da Educação, procuramos


outros livros associados à vida dos educadores, em busca de mais subsídios para nossa apresentação,
sendo escolhidos os seguintes: ESTEVE, 1997; FONSECA, 1997; MUÑOZ PALAFOX, 2002 e
IMBERNÓN, 20028.

Sobre as “tensões” do cotidiano escolar e as “dores” do educador.

A sociedade contemporânea e sua lógica econômica globalizante vêm contribuindo com a


geração de um alto índice de desemprego e incertezas a respeito da possibilidade de se alcançar a
“realização pessoal” e uma adequada inserção social a partir do mundo do trabalho que está
contribuindo, dentre outros aspectos, com o surgimento da Síndrome de Bournout entre os
educadores.

O problema é que, para os filósofos contemporâneos estamos imersos numa crise mundial de
duas dimensões, uma delas relacionadas justamente ao mundo do trabalho:

atualmente, não estamos nos inserindo socialmente a partir do trabalho. Não só


perdemos a esperança de alcançarmos alguma “realização pessoal” no trabalho e
através dele, como também perdemos a esperança nas utopias do século XIX e do
início do século XX, todas elas criadas a partir das propostas de reorganização do
trabalho (comunismo, fascismo e social-democracia). No trabalho atual, não
encontramos felicidade e não nos encontramos. E não acreditamos mais que, se o
reorganizássemos, isto mudaria. E mesmo que acreditássemos, ainda, nas utopias de
reorganização social do trabalho, temos de pensar que o próprio trabalho está
deixando de poder marcar presença em boa parte do tempo de nossas vidas, pois ele

7
A teoria do burnout não surgiu por acaso. Ela se dispõe a compreender as contradições da área de prestação de
serviços, exatamente, quando a produção do setor privado descamba e o setor terciário toma seu lugar. A teoria do
ser humano solitário, época em que parece se esvanecer a solidariedade; a ênfase na despersonalização, quando a
ruptura dos contratos sociais parecem ter eliminado a pessoa (CODO, 1999: 239).
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Poucos dias antes do Seminário, aconteceu um fato interessante. Numa rápida viagem para a cidade de São Paulo
encontrei, finalmente, um livro que trata exclusivamente sobre o assunto, intitulado “Resiliência e Educação”. O
livro é organizado pelo professor português José Tavares (TAVARES, 2001). Como não dispomos de tempo hábil
para introduzir parte do seu riquíssimo conteúdo na exposição, decidimos mostrar o livro durante a conferência,
recomendando sua leitura aos educadores interessados. Acredito que, na época da realização do trabalho, não
paramos para pensar em buscar livros associados ao tema resiliência e educação na Internet, pois não encontramos
nada a respeito nas livrarias de nossa cidade, nem entre alguns colegas de trabalho que foram consultados. Por isso,
durante o seminário, recomendamos aos educadores que dispõem de acesso a Internet, que gravem os endereços
eletrônicos das principais editoras brasileiras e utilizem este recurso de busca na realização de suas pesquisas.
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se tornou escasso e transitório numa sociedade que abriga, mundialmente, nos anos
noventa, oitocentos milhões de desempregados – “o desemprego estrutural”,
provocado principalmente pelas novas tecnologias. Se nossa subjetividade-
identidade não está mais centrada na “consciência”, muito menos podemos vê-la
centrada na “consciência de sermos trabalhadores” (GUIRALDELLI JR, 1997: 254-
55).

Em segunda instância, uma outra crise alimentada em parte pela crise acima descrita, surgiu
associada ao fato de que, depois da II Guerra Mundial,

começamos a deslocar a subjetividade-identidade da “consciência” para o “corpo”.


Hoje, nos qualificamos como sujeitos na medida em que satisfazemos alguma
carência mais diretamente ligada ao corpo. Nossa identidade pouco se refere a
ideários racionalmente organizados, como até bem pouco tempo fazíamos, quando,
por exemplo, nos achávamos ou católicos ou comunistas. Atualmente, pelo menos
no ocidente, sinonimizamos o eu ao corpo e, assim, consideramos como condição
de “realização pessoal” e de felicidade, as situações em que o corpo se encontra no
prazer do consumo – o consumo de objetos, apetrechos e programas para o próprio
corpo, algo ligado à beleza, à saúde ou qualquer coisa do gênero, os únicos bem que
nós importam (GUIRALDELLI JR, 1997: 253).

Por que a busca da identidade focalizada numa nova representação subjetiva do “Eu”,
encontra no “corpo” uma figura tão proeminente na atualidade? Para além do culto ao corpo
amplamente difundido pela cultura de consumo, pesquisadores fortemente vinculados à esfera da
linguagem, como EGAN (2002), estão associando a formação da consciência/subjetividade ao
“corpo” baseados em fundamentos fenomenológicos. A sua leitura parte do pressuposto de que,

tivemos, como espécie, e temos, como indivíduos, corpos, mesmo antes do


aparecimento da linguagem. A linguagem emerge do corpo no processo de
desenvolvimento evolucionário e individual, e traz a inelutável marca do corpo. [...]
usamos a linguagem para representar o mundo como é revelado por nossa escala e
tipos de órgãos de percepção em particular. Em outras palavras, nosso corpo. É o
instrumento mediador mais fundamental que molda nossa compreensão. Isso é
óbvio, é claro, e compreensão somática refere-se à compreensão do mundo que é
possível a seres humanos, dado o tipo de corpo que possuímos (EGAN, 2002: 17).

Deve-se ressaltar que, a essência da proposição, que vincula a formação da consciência e da


compreensão que fazemos do mundo a nossa estrutura somática, é fundamentada na premissa
fenomenológica da não aceitação, radical, da existência de uma realidade objetiva:

O postulado primeiro da fenomenologia é que o único mundo que nós é acessível –


o único mundo que existe, na realidade – é aquele que nasce da consciência dos
indivíduos. Por conseguinte, o único mundo que existe é o das representações
(grifo nosso) e, pela pesquisa, podemos ter acesso às representações do mundo. O
que significa dizer que o mundo acessível só existe enquanto conteúdo das
representações pessoais (GAUTHIER, 1998: 161).

Desse modo, é a experiência corporal vivida que forma a compreensão que nós temos do
mundo e, como o mundo não é um dado fixo, nós o construímos sem cessar por meio de
interpretações que se renovam. Na fenomenologia, os objetos não tem significados em si mesmos;
seu significado deriva do ato de apropriação da experiência vivida (GAUTHIER, 199: 162).
9

Com esse “pano de fundo” sobre a noção de “corpo” assumida na condição de sinônimo dos
conceitos do “Eu”, “identidade”, “subjetividade”, “consciência”, “sujeito” e “pessoa”, estamos
assistindo à difusão de estudos advindos de uma corrente de pesquisa denominada “interacionista-
subjetivista” que, sintonizada com o deslocamento da “subjetividade-identidade” para a noção de
corpo (ainda que isso não seja bem explicitado), vêm propondo “resgatar” o professor como
“pessoa” a partir do estudo de suas dimensões pessoais e profissionais e da ação e do saber advindos
da sua experiência (TARDIF,1991; NÓVOA, 1992; DELORS, 1997).

Procurando-se incentivar os professores a assumir uma nova identidade pessoal/profissional


na condição de “pesquisadores” (STENHOUSE,1984) e “prático-reflexivos” (SCHÖN, 1992;
ZEICHNER, 1992) 9, a questão é que grande parte dessa produção acadêmica vem sendo apropriada
pelo discurso oficial para dar uma nova visão tecnicista à educação e à formação profissional 10
enquanto somos alvo direto, em todos os níveis de ensino, de políticas públicas que, além de
continuar responsabilizando os educadores pelo fracasso escolar, continuam deslocando para
segundo plano, o problema da necessária formação política do professor e da busca de superação das
contradições e interesses de classe social características do mundo capitalista, grandes responsáveis
pelas “tensões” e “dores” do professor, da Síndrome de Bournout, bem como da manutenção
estrutural das causas dessa doença (FERNANDES, 1986; GIROUX, 1997; MUÑOZ PALAFOX,
2001; SILVA, 2002)11.

Sobre os motivos psicosociológicos das “dores” e das “tensões” do educador.

Para além dos enormes problemas políticos, econômicos que enfrentamos no campo da
Educação, nossa caminhada para compreensão da resiliência na educação, nos conduz para a
identificação dos motivos sócio-psicológicos e das conseqüências que podem estar contribuindo, no
cotidiano escolar, para aumentar as “tensões” e as “dores” do professor.

Sem pretensão de aprofundamento, nos quadros 2 e 3, apresentamos um resumo dos


indicadores das dificuldades/tensões a que são submetidos os educadores no cotidiano escolar:

9
Nos anos noventa, a educação brasileira assistiu, no campo da formação de professores em serviço, o retorno de um
renovado enfoque psicológico, se levarmos em conta as publicações e apresentações de trabalhos em congressos
mais recentes (GATTI, 1992:71). A questão central era, e continua sendo, saber como em razão de quais
características e em quais contextos, o professor pode contribuir para aprimorar o rendimento dos alunos,
sobretudo na escola básica, a partir do deslocamento dos aspectos individuais do professor até enfocá-lo como
sujeito e agente central da socialização de determinados conhecimentos (NEUBAUER e DAVIS, 1993: 31).
10
Um exemplo deste tipo de análise pode ser verificado no material expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais
nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores no Brasil (RODRIGUES, 2002).
11
Dentre os problemas a que nos referimos, podemos citar três: a manutenção de: a) uma sociedade profundamente
injusta, desigual e excludente, tanto econômica quanto culturalmente; b) uma formação profissional inicial e
continuada fragmentada, despolitizada e elitista e, c) um crônico estado de desvalorização profissional em todos os
níveis de ensino deste país.
10
Quadro 2. Indicadores das “tensões” da profissão docente.
Indicador Observações
No Brasil Contemporâneo, entramos em crise de Falas de Educador:
identidade: O educador perdeu seu “status social”. “Professor ? o pessoal acha que somente
A profissão docente passou a ser marginalizada vira professor quem não tem competência
(proletarizada) pouco compreendida, muito menos para fazer coisas melhores na vida...”
reconhecida em que a dureza penetrou até a
entranha mesma da tarefa docente e das relações “Com esses salários de hoje qualquer uma
pessoais do professor (ESTEVE, 1999, p. 41). vira professora....”
A Formação inicial é idealista-missionária e A ácida e rude realidade da vida cotidiana
inadequada para enfrentar a realidade do cotidiano em sala de aula (ESTEVE, 1999, p. 124),
escolar e político-educacional mais amplo. vêm produzindo um “colapso” nos ideais
missionários produzidos durante a formação
inicial do educador.
A era da Informação, seus meios de comunicação e Fala de Educador:
de acesso à mesma, associados à cultura de
consumo, alimentam à base de conhecimento do “O professor deixou de ser dono da
aluno. Resultado: o saber do educador pode ser informação. Qualquer um pode refutar as
contestado. suas verdades”.
A reputação do educador é polarizada de forma Se aluno e escola estão bem, o professor é
restrita. Não existe mais o amparo do consenso ótimo, se estão mal, o professor é
social. Qualquer atitude do professor pode ser considerado incompetente e irresponsável
contestada, e haverá grupos e forças sociais (problemas sociais, econômicos camuflados
dispostos a apoiar a contestação do professor na comunidade).
(ESTEVE, 1999, p.31)

A racionalidade e a estrutura burocrática da Falta de autonomias pedagógica e financeira


organização escolar incentiva uma convivência no estabelecimento escolar; excesso de
superficial e individualista de grande desconfiança e
normas a serem cumpridas pelos educadores;
descrença nas relações interpessoais. Rigidez das grades curriculares; contratações
temporárias etc.
Educadores/as iniciantes: Processos de iniciação e de adaptação ao
trabalho docente, são atravessados com
A realidade escolar não condiz com os pouca ajuda e colaboração dos colegas
conhecimentos adquiridos na sua formação inicial. veteranos.

Sofrem com tratamento dado pelos/as veteranos/as,


que procuram ocupar os espaços menos
“conflitivos” da escola.
Muitos professores/as tem horror da teoria. O seu Fala de educador:
“negócio” é a prática - A teoria é sinônimo de “Odeio filosofia, antropologia,
conhecimento técnico (instrumental) (MUÑOZ sociologia.....Ciências inúteis que não
PALAFOX, 2001). servem para nada! Pura memorização e
perda de tempo......”.
O obvio: As condições de trabalho são precárias na Salários estão defasados e condições de
maioria das escolas e faltam materiais e tecnologia trabalho são, além de desmotivantes,
para melhorar a qualidade do ensino. inadequadas.
11

Quadro 3. As “dores” do Educador: conseqüências das “tensões” advindas do cotidiano escolar.


Indicadores
 Sensação de incompetência e impotência para lidar com a realidade.
 Auto-estima baixa seguida de perda/falta de compromisso político e profissional
 Desejo anormal de férias.
 Incapacidade de levar a escola a sério e distanciamento dos alunos, acirrando-se o mau
comportamento destes.
 Perda de vontade para participar, planejar, estudar, compartilhar experiências de trabalho.
 Dificuldade para interagir com colegas, argumentando, falta de tempo, interesse e/ou
considerando-se “a-políticos – circulo vicioso do individualismo.
 Bournout => Falência/Desistência do educador: doenças orgânicas e emocionais: Excesso de
afastamentos com atestados de saúde.
 Bournout => Educador abandona “espiritual” e/ou “concretamente a profissão docente.

Educador resiliente? - Ou sobre as possibilidades de luta pela superação das tensões e das
dores do professor.

Pensar como sair do quadro de contínuo tensionamento e crise em que se encontra a


profissão docente e o sistema educacional público como um todo, nos fez pensar em outras
perguntas problematizadoras.

 Qual seria a educação dos nossos sonhos, capaz de tornar-nos ou de aprimorar a nossa
capacidade de resiliência?
 que significaria “ser/tornar-se” educador resiliente diante das adversidades da vida
cotidiana?
 Quais as diretrizes para promover uma educação resiliente?

Mais uma vez, partimos para uma nova revisão dos livros selecionados anteriormente.
Porém, antes de responder as perguntas levantadas, encontramos em FONSECA (1997) uma série de
interessantes questões que, no nosso entendimento, precedem a uma discussão sobre as
possibilidades de promover uma formação capaz de ampliar/melhorar a resiliência do educador.

A partir da análise historiográfica da “vida de professores”, a autora nos alerta sobre três
aspectos importantes:

 a identidade pessoal do educador representa, também, a sua identidade profissional;


 os processos de formação do educador não são construídos apenas nos cursos
freqüentados em escolas e universidades, durante determinados períodos de vida e,
 a formação do educador se constrói no trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas
e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal.

E, fundamentada nessas considerações, a mesma autora conclui que para determinados


educadores, a vida familiar, a vida na escola, a prática da pesquisa e a militância política, são ou
foram espaços significativos para o desenvolvimento de sua formação crítica. Entretanto, esse
desenvolvimento exige interesse, persistência, investimento pessoal e compromisso com o projeto
de vida pessoal e profissional/político assumido (FONSECA,1997).
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Diante dessas questões perguntamos, então, qual seria a educação capaz de aprimorar a
resiliência, orientando-a explicitamente para enfrentar os desafios da vida cotidiana escolar numa
perspectiva crítica e transformadora da realidade social?

Assumindo que a resiliência representa muito mais do que uma simples “capacidade” ou
“competência” técnica que se aperfeiçoa com estratégias de desenvolvimento cognitivo, emocional e
físico, tornar o educador apto para enfrentar as tensões e as “dores” da profissão, implica, no nosso
entendimento, lutar pela promoção de uma formação profissional orientada, sem dúvida nenhuma,
para a Omnilateralidade humana, tal como defendida por Karl Marx.

Para Marx, a omnilateralidade significa a chegada histórica do Homem a uma totalidade de


capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e de
prazeres, em que se deve considerar, sobretudo, o gozo daqueles bens espirituais, além dos
materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excluído em conseqüência da divisão do trabalho
(GADOTTI, 1975: 106).

A omnilateralidade, enquanto dimensão ética universal de uma existência humana totalmente


desenvolvida, sem qualquer distinção de classe social, de gênero e de raça/etnia, somente será
possível numa sociedade fundada no princípio da não exploração e na vontade concreta de
humanizar todos os indivíduos, que seja capaz de superar o Homem unilateral, especializado e
alienado, pelo homem omnilateral, não especializado e, sobretudo, livre da exploração e da
alienação do seu trabalho (GADOTTI, 1984: 59).

Em resumo, o educador resiliente, representa, para nós, aquele que, empunhando o desafio
histórico da omnilateralidade (como objetivo de sua práxis), mantém estabilidade orgânica, mental e
emocional e seu compromisso político com a construção coletiva de um mundo efetivamente
democrático, justo, e igualitário. Isto, apesar das tensões e distensões vividas no mundo cotidiano,
pessoal e/ou profissional.

Mas, quais poderiam ser as diretrizes necessárias à promoção de uma formação resiliente
orientada para a omnilateralidade?

Sem pretensão de aprofundamento, consideramos que a formação/educação para a


omnilateralidade deve:

1. orientar/efetivar o processo educativo em todos os níveis de ensino para oferecer uma


formação digna, competente e crítica de cidadãos promotores da construção de uma
sociedade de direitos orientada para a omnilateralidade;

2. compreender a Resiliência como luta permanente pela vida e para a omnilateralidade,


enfrentando e superando preconceitos de classe social, etnia, gênero, orientação sexual,
estado geracional e condições físicas e mentais: Aprender a viver e conviver
democraticamente com o diferente.

Por outro lado, ao perguntarmos o que poderia ser feito para tornar o educador resiliente,
concluímos, ainda que provisoriamente, que não existem receitas prontas a respeito dessa questão,
principalmente se utilizamos como referência a vida de grandes personagens da história humana os
quais podemos considerar, sujeitos dotados de uma enorme capacidade de “resiliência”, tais como
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Karl Marx, Antônio Gramsci ou os educadores brasileiros Florestan Fernandes e Paulo Freire, que
lutaram a vida toda contra a injustiça e a desigualdade social, superando fortes tensionamentos e
adversidades políticas, econômicas, emocionais e sociais.

Não sendo nossa intenção estabelecer uma profunda comparação entre tais personagens,
podemos destacar, entretanto, a presença de um forte traço de resiliência que, no nosso
entendimento, é comum a todos eles. Trata-se de um forte sentimento de indignação ético-política
freqüentemente manifestado, tanto nas suas trajetórias de vida, quanto nas suas obras, pelo
reconhecimento da injustiça, da desigualdade e da opressão sócio-político-econômica e cultural,
produzida historicamente pelas classes dominantes.

Valendo-nos desse exemplo, entendemos que uma educação orientada para desenvolver e
aprimorar permanentemente a resiliência, bem que poderia ser orientada para estimular e manter,
dentre outros aspectos, esse sentimento de indignação ético-política para motivar o educador a agir
na direção da luta permanente pela superação da injustiça, da desigualdade e da opressão social, das
suas “tensões” e suas “dores cotidianas. Cientes, porém, de que estas encontram suas origens numa
sociedade dividida, intencionalmente, em classes sociais, cujos interesses são, literalmente,
antagônicos.

Somente para ilustrar, podemos lembrar o educador Florestan Fernandes, para quem o
compromisso mais importante do professor no exercício de sua profissão é:

estabelecer um combate sem tréguas contra a exclusão política, econômica, social,


econômica, cultural, educacional das massas e contra a concentração do poder nas
mãos de minorias mais ou menos ralas, o que torna tão fácil a implantação (e
manutenção) do Estado autocrático-burguês em tantos países (MATUI, 2001,
p.101).

Traços comportamentais de um sujeito Resiliente.

Além do traço comportamental acima citado, buscamos caracterizar como se manifesta no


cotidiano uma pessoa resiliente, deixando entretanto para o leitor não só a tarefa de pensar sobre a
validade e importância dos traços identificados, mas, também, de imaginar quais seriam as melhores
estratégias para aprimorá-los e desenvolvê-los. Isso, sem perder de vista que de nada valerá o
esforço se não continuarmos lutando para superar, objetivamente, as verdadeiras causas político-
econômico-sociais, culturais e psicológicas que provocam o constante acirramento das “tensões” e
das “dores” presentes no cotidiano escolar.

Assim, de acordo com parte do material encontrado na Internet, um sujeito resiliente:

 não “internaliza” uma visão fatalista de mundo nem dos problemas vividos. Nem assume
papel de vítima: Rejeita idéias e práticas do tipo “tudo é difícil”, “Não consigo mudar nada”;
“Ninguém faz nada por mim” etc.;

 pelo contrário: avalia a situação e luta cotidianamente para reverter situações indesejáveis
estabelecendo parcerias e elaborando metas e planos bem definidos;

 apresenta/desenvolve habilidades para se “distanciar” criticamente da realidade com a


finalidade de observá-la, analisá-la e avaliá-la, buscando responder às adversidades e
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desafios do cotidiano, evitando a prática de julgamentos de mérito baseados em
interpretações meramente “psicologicistas” (egocentrismo, vaidade, arrogância etc.) e
“moralistas” (sujeito mal educado, não respeita, é desleal, injusto etc.). Importante salientar
que, esse tipo de comportamentos, somente estimulam a desistência, por criar, no limite, uma
visão do outro como adversário poderoso e incapaz de ser vencido;

 além de evitar emitir pré-julgamentos negativos sobre outra(s) pessoa(s) quando se sente
prejudicado, procura compreender por que essa(s) pessoa(s) age(m) dessa forma sobre ele;

 procura encontrar apoio nos outros, ainda que este apoio seja pequeno. Sentir que alguém
acredita em nós é fundamental em caso de dificuldades pessoais ou profissionais;

 procura seu crescimento pessoal em todos os casos apesar das dificuldades, pois este
contribui para não deixar de projetar no presente e no futuro seus desejos individuais e
sociais por uma vida melhor;

YUNES (2001, p. 40), afirma que existem três tipos de fatores de “proteção” que, no nosso
entendimento, podem contribuir para o desenvolvimento dos traços acima citados:

a) atributos disposicionais do indivíduo, tais como o nível de atividade e sociabilidade, possuir


inteligência de nível média, competência em comunicação (linguagem e leitura) e locus
interno de controle;

b) laços afetivos dentro da família que oferecem suporte emocional em momentos de estresse,
seja por um dos pais, irmãos, esposo(a) ou companheiro;

c) sistemas de suporte social, seja na escola, no trabalho, na igreja, que propiciam competência
e determinação individual e um sistema de crenças para a vida (Werner & Smith,1989: 80).

Terminamos este trabalho convictos de que a resiliência não deve ser tratada como mera
competência pessoal a ser “treinada” pelo educador, pois além de correr o risco de tornar-se mais
um “modismo” tecnicista, o seu estudo numa perspectiva individual, não possibilitará, também,

o desenvolvimento de políticas e intervenções que tenham condições


transformadoras do sistema social no sentido de buscar diminuir as desigualdades
sociais que consistem em desigualdades de oportunidades de desenvolvimento
humano. Portanto, nosso cuidado e alerta aos demais pesquisadores interessados no
fascinante tema da resiliência referem-se ao uso do conceito como mais um rótulo
de sucesso ou fracasso. Em um país como o nosso, essa visão pode contribuir
apenas para manter o desequilíbrio social vigente e "culpar a vítima" (YUNES,
2001, p.42).

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