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DOCTOR WHO: QUICK READS

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BBC/GARETH ROBERTS
EU SOU UM DALEK

Equipados com trajes espaciais, tacos de golfe e uma bandeira, o


Doutor e a Rose estão planejando ir para a Lua, no estilo da mis-
são Apollo. Mas a TARDIS tem outros planos, e decidiu pousá-los
– bem longe da Lua – numa pequena vila na costa sul da Ingla-
terra; um lugar que parecia um cartão-postal onde nada demais
acontecia... até agora.

BBC.
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À BBC.
GARETH ROBERTS – 2006.
TRADUÇÃO E DIAGRAMAÇÃO: JOHN DC
@SagaOsLegadosdeLorien
DOCTOR WHO: QUICK READS

– CAPÍTULO UM –

ROSE VERIFICOU SE O CAPACETE DO TRAJE ESPACIAL ESTAVA SE-


lado, e então olhou para o Doutor através dos controles da TAR-
DIS.
— Cortando o oxigênio – ele disse, enquanto uma de suas
mãos com uma luva branca chamativa mexia nos vários interrup-
tores localizados no painel central. A voz dele alcançou Rose atra-
vés de um sistema de comunicação instalado nos capacetes do
traje espacial de cada um. — Cortando a gravidade.
Ele apertou outro interruptor e sorriu para ela. Então ele se
lembrou de alguma coisa. — Ah, e também o equilíbrio da pres-
surização – ele completou, apertando outro botão. — Porque não
queremos ser explodidos. Subindo e subindo, Mary Poppins.
Rose sentiu o peso sumir de seu corpo e se esticou para
conseguir alcançar a borda do painel de controle. — Não consigo
acreditar – ela disse.
Ela lançou um olhar para as portas da cabine policial, ima-
ginando o que poderia encontrar do lado de fora.
— Vou andar na Lua.
— Na verdade, vai dar uns saltinhos – o Doutor disse sorri-
dente. Para demonstrar, ele colocou um dos pés na frente e se
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deixou ser carregado pelo vácuo, aterrissando o outro pé com a


graciosidade de um bailarino a mais ou menos cinco metros de
distância. — Vamos lá, pratique – ele disse para Rose. — Você não
quer cair de costas lá fora. Salte!
Rose soltou o painel de controle e imitou o Doutor, se lem-
brando de dar o salto gentilmente. Pousou com um pouco menos
de maestria ao lado dele.
— Que salto gigante! E salte mais! – o Doutor a encorajou.
E então eles fizeram mais uma vez, e saltitaram no interior da TAR-
DIS juntos.
Rose se agarrou numa das estruturas da parede, deu um
impulso e realizou uma pirueta perfeita, observando o cômodo gi-
gante circular ao redor dela.
O Doutor sorriu para ela. — Viu como é fácil? Ótimo – ele
pegou um mastro branco comprido e uma bolsa velha que ele ti-
nha amarrado a um dos pisos do chão antes de cortar a gravidade.
De dentro da bolsa, ele tirou uma longa linha de barbante com
bandeiras de todas as nações amarradas a ela.
— A parte em que pousamos não será explorada por alguns
milhares de anos, então vamos deixar uma surpresinha para
quando eles chegarem aqui – ele olhou ao longo da linha e parou
em uma bandeira verde e azul com uma faixa preta grossa e ama-
rela ao longo do meio. — Tanzânia? – ele perguntou maliciosa-
mente.
Então os olhos dele brilharam na bandeira seguinte, que ti-
nha uma brasão e as iniciais WI. — Não, tem que ser essa! Instituto
das Mulheres – a expressão de felicidade dele durou só por um
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segundo. — Não podemos – e então ele sorriu novamente e colo-


cou a bandeira no mastro. — Podemos sim! E esses pés, nos tem-
pos antigos, andaram nas montanhas da Lua? Isso manterá alguns
historiadores empregados no século quarenta e nove.
A linha com as demais bandeiras que não foram escolhidas
estavam flutuando na frente do rosto de Rose.
De repente, a importância do que estava prestes a aconte-
cer a atingiu em cheio.
— Espera um segundo – ela disse para o Doutor, detendo-
o com a mão no ombro enquanto ele saltitava na direção das por-
tas. — Eu serei a primeira mulher na Lua. Eu sei que já fui muito
mais longe, mas isso é incrível. A Lua, a gente nunca pensa nela,
ela somente está... lá em cima. E agora estou pisando nela – ela
estudou o rosto dele. — Aposto que você acha que é a mesma
coisa que ir para Calais ou algo assim.
O Doutor se virou para ficar de frente para ela. Os traços da
expressão no rosto dele estavam vivos com admiração e emoção.
Não pela primeira vez, Rose sentiu que era como se ele estivesse
vendo através dos olhos dela, e ela se perguntou se essa era uma
das razões pelas quais ele precisava de alguém para viajar. — Rose,
a Lua é incrível. Tudo na Terra depende dela. Os ratos pulam para
ela. As marés crescem por conta dela. Os humanos se beijam à luz
dela. Sem ela, não haveria nada lá embaixo que valesse a pena ser
iluminado. E ela apareceu por acaso – mesmo havendo trilhões de
chances contra seu surgimento – um pouco de poeira estelar en-
controu outro pouco de poeira estelar.
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Rose saltitou até as portas e colocou uma das mãos na fe-


chadura, mas parou de repente. — Eu deveria pensar em algo para
dizer.
— Apenas saia lá para fora – o Doutor disse, colocando uma
mochila cheia de tacos de golfe em seu ombro. — Saltando!
Rose fechou os olhos, abriu a porta e saltitou.
Ela aterrissou com um baque alto, pisando numa mesa de
madeira. Foi um salto normal, não um salto sem gravidade.
Enquanto se levantava – o estofamento do traje a protegeu
de um tombo pior – ela olhou ao redor. Havia mais mesas, cadeiras
e banquetas, algumas máquinas de frutas e uma lousa com os di-
zeres “QUIZ ÀS TERÇAS-FEIRAS, ÀS 20H. – PRATO ESPECIAL DE
HOJE: CURRY DE FRANGO” escritos com giz, e um longo bar com
toalhas sobre as torres de bebida. Tudo isso estava sendo ilumi-
nado pela luz do sol da manhã de um verão britânico indiferente.
A construção era antiga, sustentada por vigas de madeira.
Ela se virou para encarar a TARDIS, que estava ainda mais
deslocada do que o normal em um canto do bar. O Doutor dentro
de um traje espacial estava parado na porta, olhando para qual-
quer lugar, menos para ela. — Minha nossa! – ele disse. — Alguém
construiu uma réplica exata de um bar britânico na Lua!
Rose riu, tirou seu capacete e fingiu dar um soco nele. —
Desista! Você é um péssimo mentiroso.
— Você está enganada – disse o Doutor um pouco infeliz,
tirando o próprio capacete. — Se a Lua é Calais, Dover é a Terra –
ele franziu o cenho. — É estranho, no entanto. Eu verifiquei todos
os controles antes de sairmos e estávamos definitivamente indo
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para a Lua. Eu até olhei o visor do relógio antes de pousarmos, e


tudo o que vi foi a superfície cinzenta e empoeirada da velha e
úmida Lua.
Rose percebeu que ele estava realmente preocupado, e que
aquilo não era uma das desculpas esfarrapadas que ele inventava
de vez em quando. — Acho melhor ir verificar os dados na TARDIS,
então.
O Doutor assentiu. — Eu vou ir verificar os dados na TARDIS,
então – mas ele parou na porta, olhando para fora da janela mais
próxima na direção de uma pequena vila e sua igreja típica demais
para passar despercebida. — Parece maio. Parece a Inglaterra – ele
fungou o ar. — Não estamos longe do mar. Hmm. Consegue sentir
o cheiro da água salgada?
Rose sorriu e apontou para a TARDIS. — Vai lá, verifique os
dados.
O Doutor pegou o mastro de bandeira e a mochila com os
tacos de golfe e desapareceu dentro da TARDIS.
Rose estava prestes a segui-lo quando viu um jornal em
cima da bancada do bar. Ela não conseguiu evitar pegá-lo com sua
luva do traje espacial para dar uma olhada, procurando por al-
guma data. O Doutor estava certo: era maio.
Sempre que voltava para a Terra, Rose gostava de se atua-
lizar nas notícias. Esse era apenas um jornal local, a primeira página
noticiando nada mais animador do que uma disputa por uma vaga
de estacionamento e um projeto para um supermercado, mas algo

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fez Rose retirar as luvas do traje e folhear o jornal enquanto ela


andava desajeitadamente na direção da TARDIS.
Depois de folhear as primeiras páginas, ela travou. Sentiu
seu coração parar de bater.
A manchete dizia “OS ROMANOS CONTINUAM EM CREDI-
TON VALE”. Logo abaixo havia uma foto colorida de um homem
de meia-idade, de chapéu e paletó amarelo, ao lado de um grande
espaço que continha um pedaço de um mosaico romano que-
brado, com cerca de um metro e meio de largura. No mosaico,
havia um retrato de corpo inteiro de um homem e uma mulher,
ambos bonitos, de cabelos escuros e encaracolados, em roupões
roxos. Mais adiante, havia um jarro e um cacho de uvas verdes. E
bem do lado oposto, reproduzido em tons de ouro com pequenos
pedaços de azulejo, havia uma forma familiar de pote de pimenta.
Três hastes destacavam-se: uma vista ocular do topo da cabeça,
um desentupidor e uma arma mais ao meio. A metade inferior es-
tava cravejada com brilhantes formas circulares.
Um Dalek.
Rose correu para a TARDIS – e a porta da cabine se fechou
com rispidez na frente dela. Ela ouviu um baque alto. A luz no topo
da cabine começou a piscar e as engrenagens antigas dentro dela
ganharam vida.
— Doutor! – Rose chamou. — Doutor, o que você está fa-
zendo?
Cinco segundos depois, a TARDIS havia desaparecido. Uma
impressão quadrada no carpete do bar era o único sinal que indi-
cava que ela havia pousado ali.
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– CAPÍTULO DOIS –

KATE YATES SIMPLESMENTE SABIA QUE TERIA UM DIA ruim.


Ela sonhou que as aulas haviam começado novamente.
Todo mundo na turma tinha 16 anos, enquanto ela tinha 28, e to-
dos zombavam e sussurravam coisas como “por que ela ainda está
aqui?” e então ela ouviu o pai gritando do primeiro andar: — Já
são oito horas!
Ao mesmo tempo, o rádio em seu criado-mudo ganhou
vida. Alguns segundos depois, ela ouviu a porta da frente bater
enquanto seus pais saíam para o trabalho.
Então as notícias terminaram e Wogan começou a falar, a
tagarelice irlandesa que Kate conhecia desde pequena se infil-
trando até os ossos dela. Ele falou sobre pasta de dente, sobre o
programa de TV da noite passada... coisas pequenas e engraçadas.
Mas para Kate ele estava apenas dizendo: só mais cinco minuti-
nhos. Mais cinco minutinhos em sua cama, Kate Yates, na cama
mais macia e confortável do mundo todo. De repente, ele parou
de falar e uma música começou a tocar. — Essa é Snowbird, de
Anne Murray.

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Kate sabia que aquela música era um veneno, projetada es-


pecificamente para impedir que as pessoas saíssem da cama e fos-
sem trabalhar. Era uma música sonolenta e bocejante.
Mas ela não resistiu e enfiou o rosto em uma profunda do-
bra de travesseiro, fechou os olhos e sentiu que, como o pássaro
de Snowbird, ela também deveria abrir as asas minúsculas e voar.
Um segundo depois ela ouviu outra voz. Com sotaque es-
cocês. Ken Bruce.
Wogan estava passando a fala para Ken Bruce – o que sig-
nificava que não havia se passado um segundo, e sim quarenta e
cinco minutos.
Kate se sentou na cama e verificou o relógio. — O que? –
ela gritou. — Como pode ser? O que aconteceu com aqueles no-
venta minutos?
Ela se livrou das cobertas e correu para o banheiro, tirou seu
pijama na velocidade da luz, passou um desodorante embaixo dos
baços, pegou uma blusa amarrotada da secadora de roupas, colo-
cou rapidamente seu uniforme de trabalho e correu para baixo.
Havia um envelope no chão para ela: era outra carta do banco so-
bre o cartão de crédito, que ela adicionaria às demais que estavam
debaixo da cama dela. Ela jogou o envelope por cima dos ombros,
pegou sua bolsa, enfiou um pedaço de croissant adormecido que
a mãe dela havia preparado mais cedo para ela e voou na direção
da porta da frente, saindo para um local que era frequentemente
descrito como um dos vilarejos mais bonitos do Reino Unido. Mas
para Kate, Winchelham não era tudo isso.
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Por que ela tinha 28 anos e estava de volta. Estava de volta


no quarto onde ela cresceu, acordando toda manhã na mesma
cama de solteiro onde, na adolescência, ela sonhou sair dali. Se
esgueirando no vilarejo com medo de trombar com alguém da es-
cola e ter de explicar o motivo por ela estar de volta. A garota com
sonhos de gente de cidade grande havia retornado de Londres
junto com uma montanha de dívidas, morando agora com seus
pais. Reconsiderando sua vida enquanto trabalha em um call cen-
ter para uma empresa de reservas naturais, numa mesa de canto,
com vista para uma caçamba de lixo que ficava no estaciona-
mento.
Pensar em ter de ficar no call center acelerava o ritmo de
Kate na rua sinuosa em direção ao ponto de ônibus. Sua chefe,
Serena, que estaria naquele momento olhando para a mesa de
canto vazia, puxando o cardigã sobre seus enormes peitos impla-
cáveis. Serena, que não abria armários para evitar quebrar as
unhas. Serena, que desaprovava as ligações pessoais de Kate, pas-
sava metade do seu dia de trabalho telefonando para sua amiga
Sheila para discutir sobre seu marido rebelde em um tom chato e
sem graça. "Eu disse: se ela está fora da sua cama e da sua vida,
como há dois ingressos para a Gâmbia na sua gaveta da cômoda?”
As ligações eram de pessoas de todo o país – pessoas furi-
osas porque as camas que haviam sido entregues não eram as
mesmas que haviam sido prometidas – ou que haviam chegado
sem a cabeceira ou sem rodinhas.

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Kate não conseguia acreditar que ela realmente estava cor-


rendo na direção de Serena, correndo na direção das vozes raivo-
sas.
O vilarejo que ela conhecia como a palma da mão – cada
poste de luz, cada pedacinho do pavimento, cada lata de lixo que
zombava da vida dela – passou por ela como um borrão enquanto
ela corria para tentar pegar o ônibus das 9:40 da manhã. Já era
9:39.
Os ônibus sempre atrasavam, mas Kate sabia que esse em
particular estaria virando a esquina da igreja exatamente na hora
certa, que por um acaso era aquela hora. Isso significaria que ela
teria de fazer uma longa caminhada para o trabalho.
Então ela correu ainda mais rápido.

* DW *

Rose retirou seu traje espacial. Ela pôde ouvir passos vindos do
segundo andar. A última coisa que ela queria era ter que se expli-
car para o dono do local, então ela destrancou uma das janelas, a
abriu e pulou para rua ensolarada e vazia do vilarejo.
Ela sabia que o Doutor não havia desaparecido por vontade
própria. Ele iria aparecer logo com uma alguma explicação técnica
bizarra. Mas então ela se lembrou do Dalek no mosaico. Com cer-
teza tinha que haver alguma ligação entre aquilo e o desapareci-
mento repentino do Doutor...
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Ela se distraiu desses pensamentos sombrios pela beleza


que seus olhos captaram à sua frente. As nuvens estavam indo em-
bora naquele momento e o céu azul claro de Maio emoldurou uma
cena poética: uma agência de correios, um pequeno museu, uma
praça e uma igreja. O Doutor estava certo – além da igreja e de
algumas colinas, ela pôde ver o mar de relance. Um ônibus de um
andar virou a esquina da praça com a igreja e seguiu lentamente
a viagem. Parecia impossível que a vida agitada e perigosa do
Doutor poderia afetar um lugar daqueles, onde as coisas continu-
avam do mesmo jeito durante centenas de anos.
Rose se sentou num banco e pegou a chave da TARDIS que
estava no bolso da sua calça jeans, e ficou esperando ela começar
a brilhar e avisá-la que o Doutor estava chegando.
Ao longe, ela ouviu o som alguém com saltos altos cor-
rendo. Alguém estava com pressa.

* DW *

Kate virou a esquina na direção da praça como havia feito um mi-


lhão de vezes antes, chutando – sem querer – uma garrafa de leite
vazia deixada no portão da frente de casa de alguém. Ela podia
ouvir o motor do ônibus à esquerda e sabia, no fundo do coração
dela, que era tarde demais, mas mesmo assim continuou correndo.
Uma grande sensação de amargura, causada apenas parci-
almente pelo croissant que ela acabara de comer, se formou em

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seu estômago. Era sério aquilo? Há um ano, ela estava em Londres,


vendendo seus chinelos no Camden Market, tão confiante que iria
pagar seu empréstimo comercial ao banco que estava usando o
cartão de crédito para pagar o aluguel. Ela pensou que estava ape-
nas começando. E se ela já tivesse terminado, tivesse perdido tudo
e quebrada financeiramente? E se ela fosse uma pessoa inútil? E se
a vida fosse inútil?
Ela viu a parte de trás do ônibus, do outro lado da praça,
perto do bar, desparecendo do seu campo de visão lentamente.
Ela parou no meio da rua. Uma fração de segundo depois, um
carro esportivo vermelho em alta velocidade virou a esquina e
atropelou ela.
Ela teve uma outra fração de segundo para vislumbrar que
estava prestes a morrer. A fatura do cartão de crédito nunca seria
paga. Ela nunca andaria pela Muddy Lane de salto alto, amentilhos
caindo na jaqueta dela.
Serena nunca a demitiria por estar duas horas atrasada. Ela
nunca conseguiria fazer nenhuma das coisas maravilhosas que pla-
nejara. Aquele foi o fim de tudo. Um acidente idiota e bobo.
Ela caiu no asfalto com força quando o carro parou. A gar-
rafa de leite que ela havia chutado sem querer passou rolando
perto dela.

* DW *

O som opaco do metal se chocando contra carne foi sentido no


coração de Rose. Não existia outro som parecido – era como uma
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alma saindo do corpo. Com a cabeça cheia de pensamentos sobre


o seu pai, ela saltou do banco e correu pela praça.
O motorista do carro esportivo estava parado, atordoado,
junto ao corpo de uma jovem ruiva. — Eu não a vi – ele disse para
Rose, com uma voz morta. — Ela estava correndo e parou brusca-
mente, do nada...
— Ligue para o resgate! – Rose gritou.
O motorista pegou seu celular no bolso e começou a discar.
Rose se ajoelhou junto à jovem e segurou a mão dela. As
pálpebras da mulher estavam tremendo. Ainda poderia haver uma
chance. Rose se lembrou que assistiu um vídeo de primeiros so-
corros no seu antigo emprego, que dizia que após um acidente,
era importante manter a pessoa ferida falando. — Ouça! Converse
comigo. Meu nome é Rose Tyler. Qual o seu nome?
A mulher disse, quase desmaiando: — Kate...
— Qual é o seu sobrenome? Kate, qual é o seu sobrenome?
Converse comigo! Tudo vai ficar bem, já tem uma ambulância a
caminho!
Rose colocou mais força no aperto de mão, mas a metade
do corpo de Kate estava horrivelmente torcida, e uma mancha
roxo-avermelhada de sangue estava se formando sob sua blusa.
Rose apertou tanto sua mão na dela que chegou a doer. —
Kate!
Os olhos dela reviraram. — Yates... Meu chamo Kate Yates...
– e então Rose viu a vida desaparecer dos olhos dela.

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De repente, Rose sentiu uma pontada em sua mão. Ela re-


traiu o membro e se afastou. Ao mesmo tempo, o corpo de Kate
começou a tremer. As costas dela se arquearam. Uma aura verde
se espalhou a partir do ferimento, se espalhando até cobrir o corpo
todo. Rose engoliu em seco. O ar ao redor de Kate parecia uma
tempestade; ela estava crepitando com poder.
A aura desapareceu com a mesma rapidez que surgiu, como
se tivesse sido desligada por um interruptor.
Agora, o cabelo de Kate, antes ruivo, mudou para loiro.
Rose se inclinou para frente. — Kate?
A blusa dela ainda estava manchada de sangue.
Kate se levantou com uma calma inexplicável, ao mesmo
tempo que pegava sua bolsa, que havia caído ali perto.
Rose olhou para o local onde ela estava deitada, para a poça
de sangue fresco.
— Tudo bem, obrigada. Estou bem – disse Kate.
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– CAPÍTULO TRÊS –

O DOUTOR OLHOU PARA A COLUNA CENTRAL DA TAR-dis, que


estava rangendo. Assim que ele tocou nos controles, as portas se
fecharam com uma batida e a nave decidiu decolar. — Ei! Deveria
haver dois passageiros nessa nave! – ele choramingou.
Ele foi até a tela do escâner, que estava preenchida com um
conjunto estranho de símbolos que ele nunca tinha visto antes.
Porém, ele tinha certeza de uma coisa: a TARDIS não estava sob o
controle de uma influência externa. Ela havia mudado o curso da
viagem para a Lua e os levado para a Terra. Agora estava levando
ele para outro lugar. Mesmo depois de nove séculos de viagem no
espaço e no tempo, isso ainda o surpreendia.
— O que você está tentando me dizer? Não dê uma de
enigmática. Não pode simplesmente dizer? E para onde estamos
indo agora... Northampton? – ele apertou alguns botões, mas não
obteve resposta. — Pare! Pare!
Um segundo depois, a coluna estremeceu e parou de ran-
ger, fazendo com que a grande sala se inclinasse e acabasse por
derrubar o Doutor. Ele apertou um botão na tela para mudar a
imagem e ver o que havia do lado de fora do seu novo ponto de
chegada. Ele viu uma câmara de concreto escura e vazia.
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Ele tirou o traje espacial e pegou o paletó de risca de giz


que estava num cabide. Depois de vesti-lo, ele pegou uma lanterna
de um dos armários, depois abriu as portas e saiu. Para onde quer
que a TARDIS tivesse levado ele, e, independentemente do motivo,
eles só haviam viajado por alguns segundos. Ele não podia estar
muito longe de onde a TARDIS havia deixado Rose.
O lugar certamente parecia e cheirava completamente dife-
rente da última parada. O ar estava úmido e deteriorado, daquela
forma característica que só era encontrada em subsolos. O feixe
de luz da sua lanterna atravessou a escuridão. Passou por pilares
nus de concreto até parar em uma placa de metal com “ÁREA 3”
escrita em letras gráficas que passava a impressão de ser algo “ofi-
cial”. Próximo a ele havia um suporte onde, em algum momento,
um extintor de incêndio havia sido colocado.
Ao lado, havia uma enorme porta de metal verde escura
cravejada e escancarada. Ele passou por ela e se viu num longo
corredor vazio. — Olá?! Tem alguém por aqui? – ele falou, não
esperando ser respondido. O lugar parecia estar deserto e aban-
donado.
Ele caminhou um pouco mais adentro do corredor e se viu
em outro cômodo. A lanterna iluminou duas fileiras de camas de
metal velhas e enferrujadas. Na parede do lado da porta havia um
telefone, que o Doutor pegou e colocou no ouvido.
Estava sem linha, morto. A sola do sapato dele raspou con-
tra alguma coisa no chão. Ele se ajoelhou e pegou um panfleto
esfarrapado que dizia “Se proteja e sobreviva”, datado de 1980.
— “Coma apenas comida enlatada” – ele leu no panfleto. — “Se
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você mora numa caravana ou em alguma acomodação similar que


oferece muito pouca proteção contra radiação, sua autoridade lo-
cal poderá orientá-lo no que fazer” – o Doutor riu.
— Olá. Somos do conselho e orientamos que você corra pra
caramba.
Então ele estava num bunker nuclear. E que, pela aparência,
estava em desuso há muito tempo. Mas por que a TARDIS o havia
levado para aquele lugar?
Antes que ele tivesse tempo de pensar numa resposta mais
complexa, ele ouviu algo que não esperava ouvir. Ele se concen-
trou no som. Sim, ele estava certo.
Alguém, em algum lugar daquele bunker, estava ouvindo
um rádio.
Ele se virou e foi procurar essa pessoa.

* DW *

Frank Openshaw estava sentado orgulhosamente em sua poltrona,


assistindo à escavação enquanto ouvia o rádio e tamborilava os
dedos dos pés. O andamento lento e as negociações pacientes do
seu maior projeto estavam acontecendo diante dele. Voluntários,
principalmente estudantes da faculdade agrícola local, estavam
trabalhando cuidadosamente no poço, iluminado por várias lâm-
padas enormes. Ele tomou um gole de café da sua garrafa térmica,
sentindo-se seguro e bem-sucedido.

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Esse local iria elevar o nome dele. Ele não se importava


muito com a fama, mas a estabilidade nos negócios era outra his-
tória.
Ele nunca decepcionaria Sandra novamente.
Alguém o tocou no ombro. — Com licença, você poderia
me emprestar seu celular? – uma voz com um sotaque estranho
londrino (mas que não parecia de Londres), perguntou.
Frank olhou para cima. O dono da voz era velho demais
para ser um estudante; ele era alto e bem magro, cabelos casta-
nhos, vestido num terno risca de giz. Frank piscou. Parecia que al-
guém havia acendido a luz repentinamente. O estranho irradiava
confiança e entusiasmo, e ele percebeu que estava emprestando
seu celular sem nem pensar nisso.
— Você não vai conseguir sinal aqui embaixo – Frank o avi-
sou.
— Aposto que consigo – o estranho disse. Ele pegou um
tubo de metal delgado do bolso, apertou um pequeno botão na
lateral do objeto e mirou a ponta na parte debaixo do celular. En-
tão ele começou a discar um número.
Frank observou, fascinado.
Ele ouviu a voz de uma mulher no outro lado da linha. —
Ok. O que aconteceu?
— Culpa da TARDIS – o estranho disse. — Sim, é tudo culpa
da TARDIS mesmo. Ela tem todos aqueles sistemas de segurança.
Eu desliguei todos eles anos atrás. Mas eles continuam se intro-
metendo e eu nem lembrei deles. Deveria ter feito isso. Eu estou...
– ele olhou para Frank. — Onde estou?
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— Credition Vale – Frank disse.


— Credition Vale, bunker em desuso, deve ser a mais ou
menos um quilômetro de distância. Espero que tenha uma ótima
caminhada até aqui. Já estou com ciúmes. Vejo você já, já.
— Espere um pouco, Doutor – a mulher disse, um tom de
urgência na voz. — Algo muito esquisito e importante. Duas coi-
sas, na verdade. Primeiro, tem essa escavação, e eles—
— Sim, estou aqui agora. Vejo você mais tarde. Eu não
posso falar porque estou usando o celular de outra pessoa – ele
encerrou a chamada e devolveu o celular para Frank. Então ele es-
fregou as mãos e observou o local. — Escavação legal – ele disse.
— Não sei se eu gosto de escavações. Escavações podem ser boas,
escavações podem ser ruins. Tudo depende do motivo pelo qual
os escavadores estão escavando – ele olhou para Frank e deu um
sorriso largo, bem largo. — Eu sei. Melhor eu parar de falar por
alguns instantes, né?
Frank estava olhando para a tela do celular. — Está sem si-
nal de novo – ele disse.
— Ah, é? – o estranho respondeu, inocentemente.
Frank apontou para o tubo de metal na mão do estranho.
— O que é isso? Como você fez aquilo com isso?
— Nem me pergunte – o estranho disse. — Ganhei de pre-
sente de aniversário da minha cunhada. Eu queria uma gravata
borboleta – ele apontou por cima do ombro de Frank para uma
longa peça de madeira apodrecida, um de seus maiores achados
até agora, que estava marcada e colocada numa mesa de trabalho.
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— Aquela é uma manivela de um poço Romano de mais ou menos


70 d.C. Amarre seu cavalo nela, faça o girar e girar e girar. Cinco
minutos depois e você terá um balde bem legal com água e um
cavalo com muita tontura.
Frank se levantou e o seguiu até a mesa, estralando o pes-
coço no caminho.
— Eu pensei que fosse uma viga de apoio – ele disse. Algo
nesse sujeito estranho o fez se sentir um novato.
— Que nada, basta olhar as extremidades. São muito ma-
cias para isso – ele esticou o braço, pegou a mão de com bastante
firmeza Frank e o cumprimentou. — A propósito, eu sou o Doutor.
— Frank Openshaw. Eles me disseram que alguém estava
vindo de Londres...
— Disseram, é? – O Doutor encontrou outra coisa em cima
da mesa, uma moeda Romana. — Ah, olha só isso. Nero. Me traz
lembranças – ele se inclinou, colocou um par de óculos e riu por
conta da imagem do homem que estava cravada na moeda. — Ele
era mais gordo do que isso – ele apontou. — Então, havia uma
cidade Romana aqui, certo? E chegou no ápice na revolta de Bou-
dicca. Os britânicos derrubaram tudo para dentro dessas cavernas.
Mais ou menos em 1950 o governo britânico constrói um bunker
enorme nas cavernas: o centro regional do governo. Parece um
bangalô visto lá de cima, bem secreto. Depois que a Guerra Fria
acaba, alguém é mandado para aterrar o lugar e construir alguns
apartamentos na superfície. E então eles encontram isso e ligam
para você. Estou certo ou não?
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Frank engoliu em seco. — Na maior parte. Tudo bem, venha


dar uma olhada nisso.
Ele levou o Doutor até a pilha dos achados mais recentes e
entregou para ele um metal triangular. — Ferramenta de jardina-
gem?
O Doutor mexeu a cabeça em negativa (tristemente). —
Não, o cabo é diferente. Isso tem a forma de um pedaço de pizza.
Com a exceção de que naquela época não colocavam tomates em
pizzas. Eles gostavam mais de colocar queijo com ervas ou algo
assim. Uma delícia – ele tirou os óculos, os guardou no bolso e
olhou para Frank. — Desculpe. Eu estou sendo irritante?
— Não prestei atenção no seu nome – disse Frank.
— Apenas Doutor. O. Doutor – ele coçou a nuca.
— Agora, eu estaria enganado em pensar que você escavou
alguma coisa que você realmente não sabe o que é?
Frank suspirou. — E eu suponho que você saberá exata-
mente o que é.
O Doutor deu de ombros. — Talvez. Desculpe. Todos gos-
tam de um sabichão...
Frank apontou para um corredor estreito que levava para
fora da escavação principal.
— A imagem na lateral do mosaico. Lá embaixo. Siga as lu-
zes.
O Doutor fez um sinal de joia com os dedos e seguiu para
o caminho indicado. Frank ficou encarando o sujeito enquanto

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EU SOU UM DALEK

pensava. E quanto mais ele pensava, mais estranhos os pensamen-


tos ficavam.
Um dos estudantes interrompeu tais pensamentos. —
Frank! – ele disse lá debaixo da escavação. — Tem alguma coisa
de metal aqui. É muito esquisito!
O Doutor seguiu pela corredor. Uma lâmpada comum ilu-
minava uma vitrine com um mosaico grande e irregular dentro.
O Doutor imaginou que quando os britânicos saquearam a
cidade Romana que outrora existira, eles também haviam jogado
o mosaico aqui para baixo.
Ele viu a imagem que se formava ali e seu coração acelerou
drasticamente. Ao mesmo tempo ele ouviu gritos de alegria e sur-
presa vindos da escavação principal. O rádio havia sido desligado.
Ele correu de volta. — Frank! Sr. Openshaw!
Ele chegou dentro do buraco que era a escavação principal
e seguiu correndo na direção onde Openshaw e seus operários
estavam reunidos em um dos cantos.
— Saiam de perto disso! – ele gritou, empurrando dois es-
tudantes que estavam no caminho.
E então se viu diante de um Dalek.
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– CAPÍTULO QUATRO –

— PARECE UM ROBÔ – FRANK DISSE.


A coisa havia sido desenterrada às pressas pelos estudantes.
Na empolgação, esqueceram que a primeira regra da arqueologia
era a paciência. A base e a lateral da coisa ainda estava coberta de
terra. Parecia exatamente o que o Doutor havia visto no mosaico.
Seu invólucro de ouro havia perdido a cor, mas permaneceu in-
teiro. A parte ocular, o desentupidor e a arma curta estavam levan-
tadas de forma arrogante. O Doutor acenou com a mão na frente
da parte ocular. Sem reação.
Ele pareceu pensar por um segundo. Então, enquanto Frank
se moveu para tocá-lo, o Doutor gritou: — É uma bomba! Fique
longe disso, Frank!
Frank puxou a mão de volta. Um dos estudantes olhou o
Doutor dos pés à cabeça, e então perguntou: — Quem é esse?
Frank e o Doutor se entreolharam. De alguma forma, Frank
confiava nesse jovem estranho e esquisito. — É o cara de Londres
– ele ouviu a si mesmo dizer, embora ele soubesse que não era
verdade.

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EU SOU UM DALEK

O Doutor bateu no braço do estudante quando ele fez men-


ção de tocar a arma da coisa. — E o cara de Londres manda ficar
longe disso!
Então el pegou um megafone que estava no chão da esca-
vação e falou: — Evacuar a área! Eu tenho autoridade de Londres
e blá blá blá! Vão para a superfície agora!
Frank não ficou surpreso quando os estudantes obedece-
ram. Mas ele ficou.

* DW *

A velha loja de xícaras de chá abriu cedo. Kate, que era a única
cliente, mastigava atordoada um pedaço de bolo enquanto falava
no telefone com a Serena. Não havia sentido em ficar brava com
Serena – mas ainda assim, Kate estava sentindo isso. — Sim, eu
quase fui atropelada. Agora há pouco.
— Você quase foi atropelada enquanto corria para pegar o
ônibus por que estava atrasada, então? – Serena perguntou, com
seu tom de voz maçante.
. — A parte do “quase fui atropelada” é a mais importante da
frase!
Kate mordeu os lábios. Ela sentiu uma onda de raiva cres-
cendo dentro dela. Por que ela tinha que fingir ser educada com
essa idiota? O significado da frase “cego de raiva” de repente fez
sentido para ela. Ela sentiu que, se Serena estivesse ali, ela poderia
ter pego uma faca para esfaqueá-la.
DOCTOR WHO: QUICK READS

Mas ela não estava ali, então ela desligou o telefone e pe-
gou a cópia do jornal que o café disponibilizava em cima do bal-
cão. Futilmente, ela procurou pela página de entretenimento.
Talvez ela conseguisse distrair um pouco a cabeça e relaxar
se tentasse resolver as palavras cruzadas do jornal.
Entretanto, foram as páginas com sudoku que prenderam
sua atenção. Ela nunca perdeu seu tempo olhando para eles antes
– ela sempre foi péssima em matemática – mas naquela manhã os
números pareciam estar dançando no ar. Sem nem pensar no que
estava fazendo, ela completou todos os espaços dos quadrantes –
em todos os níveis: fácil, médio e experts em sudoku. Os dedos
dela dançaram sobre as páginas.
Depois, ela olhou para as palavras cruzadas. Ela completou
os espaços com letras facilmente, resolvendo até o mais difícil
numa fração de segundos.
Foi fácil. Fácil demais. Como ela nunca tinha percebido isso
antes?
Ela olhou em volta, respirando fundo várias vezes. Algo no
mundo havia mudado – ou foi algo dentro dela que mudou?
Ela conseguia ver os átomos dançando pela loja. Ela sabia a
temperatura exata do café que estava tomando. Ela viu e entendeu
o processo químico que estava acontecendo dentro da xícara. Mas
tudo isso não era como pensar.
Ela nem precisava se concentrar, ou fazer qualquer tipo de
esforço. E com isso ela percebeu uma sensação de força e poder.

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EU SOU UM DALEK

Ela pegou um sachê de açúcar que estava numa tigela. Ela esfre-
gou o pacotinho gentilmente entre seu polegar e o indicador e
observou enquanto ele se despedaçou numa pequena nevasca de
eletricidade estática.
Ela respirou fundo novamente e olhou para cima. Alguém
havia entrado na loja – a jovem linda que havia segurado a mão
dela na rua, Rose. Aquilo parecia um sonho. Ela queria tirar sarro
daquilo. Como se um carrinho em alta velocidade pudesse pará-
la.
— Você está bem, então?
Kate sorriu. — Estou bem, obrigada. Só vou terminar o café
e já vou para o serviço. Obrigada.
Rose se sentou perto dela, se inclinando. — O carro acertou
você em cheio. Você estava morrendo. Qual é a parada? Pode me
dizer.
Kate se afastou. — Desculpe. Você poderia se afastar um
pouco? Eu gosto do meu espaço.
Rose apontou para a blusa de Kate. — Você está coberta de
sangue. Você deveria estar morta.
Havia algo bem gentil e que passava confiança nos olhos
castanhos daquela moça. Kate engoliu em seco; um pensamento
cruel passando por sua cabeça. Tais sentimentos eram fracos.
Rose continuou: — Eu sei como é. Quando acontece alguma
coisa que a gente não consegue explicar. Aí inventamos qualquer
desculpa para parar de pensar sobre o que aconteceu.
— Qual é o seu nome mesmo? – Kate perguntou, embora
ela soubesse.
DOCTOR WHO: QUICK READS

— Rose. Rose Tyler – ela estendeu uma das mãos.


Kate retribuiu. Forte. — Ótimo. Agora, Rose Tyler, me deixe
em paz. Já tenho coisas demais com o que me preocupar.
Rose estremeceu e retraiu sua mão.

* DW *

Frank observou enquanto o Doutor passou lentamente o tubo de


metal brilhante sobre o objeto que ele descrevera como sendo
uma bomba. Então o Doutor deu um suspiro. Os olhos dele conti-
nham um brilho atrevido. Então ele olhou para Frank. — Existe al-
gum motivo para eu pedir para você ir para casa?
— Nenhum – disse Frank. Ele apontou para a parte abobada
da bomba onde havia uma grade de metal enferrujada cercada por
ripas de metal.
— Pode ser uma dobradiça ali.
O Doutor sorriu. — Eu gosto de você, Frank Openshaw.
Você é esperto.
Ele apontou a ponta do tubo para a dobradiça e depois
levantou cuidadosamente a cúpula abobada. Frank se aproximou.
Dentro havia um emaranhado de peças e fios eletrônicos. Parecia
que estava faltando algo naquele espaço central, algo do tamanho
de uma bola de futebol que alguma vez ficara ali. O Doutor pegou
um punhado de poeira com a mão e assoprou entre os dedos na
direção da bomba.

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EU SOU UM DALEK

— Mortinha da silva – ele disse. Ele pareceu aliviado... mas


Frank também notou que ele pareceu um pouco triste, como se
tivesse se lembrado de algo do seu passado.
Frank bufou baixinho. — Uma bomba? Num lugar que não
foi tocado por humanos por dois mil anos?
O Doutor limpou a poeira da mão e sorriu. — OK, Frank
Openshaw, espertão. Você me pegou. Não é exatamente uma
bomba, no sentido literal – ele deu uns tapinhas no casco. — Isso
é tudo o que sobrou da criatura mais aterrorizante do universo.
— Eu nunca vi nada parecido com isso antes – disse Frank.
— E você não sabe o quão sortudo é por isso – ele assobiou
e apontou por cima dos ombros com o polegar. — Falando sério,
vá embora.
Frank não se mexeu. Ele considerou as palavras do Doutor.
— Você disse “universo”.
— O que que tem? – perguntou o Doutor.
— Ninguém diria “a criatura mais aterrorizante do uni-
verso”. A menos que a pessoa fosse doida, e você não é doido.
O Doutor franziu a testa. — Vá para casa, Frank. Tire o dia
de folga. Estique as pernas, coma alguma coisa que goste, assista
ao Brainteaser. Volte amanhã.
— Você só diria “universo” se você fosse... sei lá, do espaço
– disse Frank, rindo de si mesmo depois que disse a frase.
O Doutor piscou. — Não seja tonto.
Frank apontou para o objeto. — E aquilo pode ser extrater-
restre também. E pelo o que você disse sobre Nero e sobre a
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pizza... você só saberia daquilo se estivesse por lá – ele riu mais


uma vez da loucura do que acabara de dizer.
O Doutor piscou mais uma vez. Por alguns instantes, ele não
disse nada.
— Desculpe-me, estou sendo irritante? – Frank perguntou.
Ele sabia que o que havia dito não poderia ser verdade.
O Doutor riu e apoiou suas mãos nos ombros de Frank. —
Não. Agora, eu gosto, gosto mesmo de você – ele apontou para o
objeto. — Aquilo é um Dalek. Não – era um Dalek. Do planeta
Skaro. Uma vez, sim, foi a criatura mais aterrorizante do universo.
Eles eram ótimos guerrilheiros. Agora estão todos mortos, todas
as criaturas que viviam dentro dessas coisas. Aquilo é apenas um
casco, um monte de coisa velha. Você encontraria mais vida nas
roupas velhas jogadas no lixo!
Foi a conversa mais esquisita que Frank tivera em sua vida.
O Doutor obviamente estava inventando tudo, fazendo piada, mas
ainda assim Frank decidiu entrar na brincadeira.
— Então... o que matou eles?
— Eu os matei – o Doutor disse. — Muitas batalhas, uma
guerra final – ele chutou a base abobada do Dalek. — Não temos
mais que nos preocupar com eles.

* DW *

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EU SOU UM DALEK

— Eu quero que você conheça um amigo meu – Rose disse, se-


guindo Kate enquanto ela saia do estabelecimento. — Ele pode
ajudar você.
Kate suspirou. — Obrigada pela preocupação, mas eu real-
mente estou bem.
Rose a segurou pelo ombro e a virou para que ela olhasse
as janelas do museu. — Você está loira. Quando você correu para
o meio da rua, eu te vi. Você tinha cabelos ruivos enrolados, e
agora... olhe!
Kate viu seu reflexo nas janelas. O cabelo dela era liso e loiro
brilhante, como o de uma modelo sueca super famosa. Ela se ar-
repiou, dando um passo para trás. Ela não conseguia aceitar o que
via.
— Kate, venha comigo e conheça o Doutor – disse Rose.
Kate se virou para encará-la. O movimento foi totalmente
instintivo.
Doutor! O Doutor!
— Vamos – disse Rose, segurando gentilmente na mão
dela. — Ele está num lugar que se chama Credition Vale. Você sabe
onde fica?
Kate assentiu. Outro ônibus estava chegando na praça na-
quele momento. Ela apontou. — Podemos pegar aquele ônibus e
estaremos lá em cinco minutos.
— Não tenha medo. Ele vai saber o que fazer – disse Rose,
levando-a para o ponto de ônibus.
Enquanto ela andava pela rua pacífica da vila onde ela cres-
ceu, imagens terríveis passaram pela mente de Kate. A memória
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de outra pessoa. Mundos inteiros queimando, planetas voando


pelo espaço como bolas numa mesa de sinuca. A palavra Doutor
ecoando em sua mente.
Ela viu a silhueta de um homem cercada de fogo. Havia um
sentimento de raiva dentro dela, algo vicioso e confiante e firme.
E então outra emoção tomou conta – o medo.
Uma palavra começou a tamborilar dentro da cabeça dela.
Suas quatro sílabas queriam ser gritadas a toda voz, de novo e de
novo.
EX-TER-MI-NAR!

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EU SOU UM DALEK

– CAPÍTULO CINCO –

O DOUTOR GENTILMENTE SOLTOU OS FIOS E REMOVEU A ARMA


do Dalek centímetro por centímetro.
Frank percebeu que havia suor escorrendo da sobrancelha
dele. — Pensei que não era perigoso – ele disse.
— Não sozinho – disse o Doutor, segurando a arma com o
braço esticado. — Mas me diga, o que acontece se isso aqui cair
no laboratório de algum espertão? Descobre como funciona? A
raça humana passa a conhecer os segredos das armas dos Daleks.
Todos vocês irão estar mortos até a próxima quarta-feira.
Ele coloca a arma com cuidado nas mãos de Frank, arregaça
as mangas e se inclina sobre o casco aberto, usando o tubo de
metal para examinar a parte de dentro.
Frank olhou para a arma, confuso. Parte dele não acreditava
numa palavra sequer do que o Doutor estava dizendo. Mas a outra
parte acreditava em cada sílaba.
Alguns momentos depois, o Doutor olhou para cima e
disse: — Frank, você não faz perguntas. Normalmente, quando
chego a este ponto, as pessoas estão me inundando com pergun-
tas do tipo “como é estar no espaço? Posso voltar no tempo e
salvar o Kennedy? Posso evitar que eu conheça minha esposa?” e
esses tipos de coisas.
DOCTOR WHO: QUICK READS

Frank acenou para o Dalek. — Aquilo parece perigoso. Não


quero distraí-lo – ele sorriu. — E eu amo minha esposa – ele acres-
centou com sinceridade. — Se eu pudesse voltar, mudar alguma
coisa, eu iria querer conhecê-la anos antes do que a conheci. En-
graçado... ela estava no terceiro ano da Durham University en-
quanto eu estava no primeiro, mas só nos conhecemos dez anos
depois.
O Doutor se levantou. — Você é uma pessoa notável. Certo.
Eu preciso te perguntar algo – ele deu alguns tapinhas no Dalek.
— Estou fazendo isso meticulosamente. Apenas por segurança,
leve esse arma daqui. Logo, logo, alguém lá de cima irá vir aqui
para baixo e começará a fazer perguntas – ele acenou para a arma.
— Eles podem pôr as mãos em mim, tudo bem, mas ninguém deve
pôr as mãos nisso aí. Coloque-a dentro da sua mala e a leve para
casa. Eu passo lá essa noite para pegá-la com você.
A mala de Frank era feita de um tecido verde desbotado.
Ele a tinha desde 1970. Ele a pegou e guardou a arma do Dalek –
perto da marmita e da agenda.
— Qual é o seu CEP? – o Doutor perguntou.
— WP4 2LN – disse Frank.
O Doutor pensou por um segundo. — Rua Redlands,
Twyford?
Frank se sentiu mais confuso ainda, mas acabou que assen-
tiu e sorriu. — Isso mesmo, no número 15. Vejo você mais tarde,
então – ele seguiu para a saída.
Enquanto estava se aproximando do elevador gigante, o
Doutor o chamou. Frank se virou. — Não posso fazer aquilo com

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EU SOU UM DALEK

a esposa. Quebra as regras. Mas... que tal ver a queda de Tróia de


uma distância segura?
Frank se arrepiou. Ele meio que decidiu que parecia um jogo
de blefes. O Doutor só estava tirando onda. — Tá. Mas estou feliz
onde estou, Doutor – ele entrou no elevador e apertou o botão
para subir.

* DW *

Kate e Rose desceram do ônibus onde parecia estar acontecendo


uma obra. Vários materiais de construção estavam espalhados
pelo canteiro além da gigante cerca de arame.
Guindastes com vários acessórios estavam espalhados pelo
loca. Cerca de meio quilômetro para lá daquele local estava o mar,
radiante e azul, no que estava se tornando um dia quente para o
mês de maio. Um segurança e um monte de pessoas que pareciam
estudantes estavam do lado de fora de um bangalô no meio do
canteiro de obras.
Vozes estavam ficando cada vez mais altas.
Kate apontou para o bangalô. — Lá é a entrada para o bun-
ker. Era mais ou menos um ponto turístico. Então eles decidiram
acabar com tudo – enquanto ela falava, um homem de meia idade
carregando uma velha mala verde passou por elas.
Kate olhou para ele com interesse, embora não soubesse o
motivo. A pele dele estalou com eletricidade estática.
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Rose gesticulou para a discussão perto do bangalô. — Ah,


com certeza o Doutor está lá embaixo. As pessoas estão gritando.
Vamos!
Ela guiou Kate através do campo. Elas esperaram até que o
segurança – que estava no meio dos estudantes – olhasse para o
outro lado, para que pudessem entrar no bangalô. Dentro havia
um enorme elevador de ferro – as portas abertas. Elas entraram e
Rose apertou o botão para descer.
Kate olhou para Rose. — Acho que não me importo em ser
loira.
— Não é tão rum – disse Rose.
— Naturalmente loira – disse Kate.
Era o tipo de coisa amável e ridícula que ela diria o tempo
todo.
Mas, por dentro, a mente dela estava agitada com visões
que ela nem conseguia encontrar palavras para descrever. Ela sa-
bia que devia mantê-las em segredo. Ela nunca foi de manter se-
gredos ou contar mentiras. Ela se lembrou do que um ex disse –
no dia que ele se tornou um ex – sobre uma das qualidades mais
irritantes dela era a de que sempre mostrava sua verdadeira iden-
tidade. Seus sentimentos. Hoje, ser astuta parecia emocionante.
Ela podia dizer qualquer coisa a Rose e, então, quando chegasse a
hora, quando Rose mais confiasse nela, ela se viraria – e a extermi-
naria!

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EU SOU UM DALEK

O elevador parou e Rose se viu no que parecia uma cratera


enorme. Do outro lado, um homem magricela num terno ligeira-
mente amassado estava inclinado sobre alguma coisa.
Rose correu na direção dele. — Doutor! No mosaico tem
um—
O homem magricela se virou, revelando o que ele estava
olhando. Kate sentiu um arrepio atravessar seu corpo. O homem
não era nada parecido com as silhuetas que ela estava vendo nas
visões, mas ela sabia, de alguma forma, que era a mesma pessoa.
E o objeto que ele estava estudando – a iluminava, a atraía.
Tudo o que ela mais queria era correr até lá e abraçá-lo, mas
ela sabia que o Doutor era perigoso. Esse jogo deverá ser jogado
com a astucia perfeita.
Rose congelou quando viu o objeto. — É impossível. Todos
eles morreram.
O Doutor foi até ela. Pegou a mão dela. — Sim. Morreram.
Até esse aqui. Da mesma forma que os outros.
Kate sentiu como se tivesse que dizer algo. — O que é? –
ela perguntou, dando o seu melhor para parecer ignorante e co-
mum.
O Doutor olhou para ela. — Ah, ótimo, de volta com as per-
guntas! Sabia que a paz não iria durar – ele se virou para Rose. —
Quem é essa?
Rose não conseguia tirar os olhos do objeto. — Tem certeza
de que está morto?
— E você? Tem certeza? – ele perguntou gentilmente. —
Você olhou dentro do vórtex do tempo. Usou o poder de lá. Foi
DOCTOR WHO: QUICK READS

você quem destruiu todos eles. Não está me dizendo que deixou
um escapar, está?
Rose piscou, como se ela estivesse tentando se lembrar de
alguma coisa dentro dela. Então ela sorriu. — Não, eu matei todos.
E não me arrependo.
— Então... – disse o Doutor. — Sua amiga...?
Ele cumprimentou Kate, que retribuiu.
A parte dela que ainda era a Kate o achou bem atraente.
— Sim – disse Rose. — O nome dela é Kate. E tem uma
coisa, uma coisa muito estranha sobre ela.
O Doutor assentiu. — Prazer em conhecê-la, Kate – e então
ele se voltou para Rose, ignorando-a. — Rose, eu só tenho uma
chance de fazer isso. Tenho que desmontá-lo com cuidado, e en-
tão poderemos desová-lo em algum lugar. Sabe, tem um buraco
negro maravilhoso na galáxia Casta Pizellus, lá deve servir. Não
posso arriscar levar essa coisa intacta para dentro da TARDIS.
— Mas ele está morto – disse Rose. — Não está?
— Conheço um ditado – o Doutor disse, — de há mais ou
menos 4000 anos atrás: “nunca dê as costas para um Dalek” – os
invólucros sempre tem armadilhas e bombas. Existem chances de
ainda haver alguns transmissores de vírus ali. Eles podem infectar
os sistemas da TARDIS.
— E o quê? Voltar a viver?
— Não, mas eles poderiam tomar controle da TARDIS.
Como os vírus de computador fazem. A chance é uma a cada tri-
lhão. Mas... sabe como é... com a nossa sorte, vamos arriscar?
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EU SOU UM DALEK

Rose olhou de volta para Kate. — Mas—


— Por favor. Me dê cinco minutos para terminar. Não pode
ser tão importante quanto isso.
Ele voltou para a coisa – Dalek, ele havia chamado. Kate
nunca ouvira a palavra antes, mas ela a causou uma sensação pro-
funda de satisfação dentro da nova mente dela.
Enquanto o Doutor passava um tubo de metal dentro do
invólucro e conversava com Rose, Kate seguiu lentamente para o
outro lado. Ela estampava uma expressão inocente e curiosa no
rosto.
— Deve ter caído e queimado aqui há milhares de anos,
provavelmente fugindo da Guerra do Tempo – o Doutor estava
dizendo para Rose. — Os Romanos o desenterrou e o exibiram
para a vila. Uma antiguidade, algo que poderia se tornar um as-
sunto durante os jantares – “me sirva um vinho, Marcus, e venha
dar uma olhada no que eu achei” – e depois o jogaram aqui. E hoje
alguém o desenterrou novamente.
— Depois de tanto tempo, como é possível que um vírus ou
qualquer outra coisa sobreviva? – Rose perguntou.
— Provavelmente tudo se foi com a queda – o Doutor disse.
— Mas eu conheço os Daleks. Eles sempre, sempre tinham um tru-
que na manga que a gente nunca conhecia...
Ele olhou para cima e viu Kate estendendo a mão, esticando
os dedos sobre o invólucro, tentando alcançar os fios emaranha-
dos como espaguete. Pequenos filamentos brilhantes - na cor
verde-água – fluíam dos seus dedos e se espalhavam por dentro
do Dalek.
DOCTOR WHO: QUICK READS

– CAPÍTULO SEIS –

O DOUTOR ABAIXOU A CABEÇA E AVANÇOU EM KATE COMO SE


fosse um touro, a derrubando no chão abaixo dele. Rose encarava
o invólucro do Dalek, enquanto instintivamente se afastava.
Um leve brilho verde permaneceu, brilhando no centro do
invólucro vazio.
— O que ela fez?
O Doutor se levantou e deu um soco com força na própria
testa. — Por que eu não te ouvi? Me conte tudo!
Rose, então, contou rapidamente sobre a incrível recupera-
ção de Kate depois do acidente, tudo enquanto observava o brilho
mortal e preocupante dentro do Dalek.
Kate estava tremendo de medo. O Doutor levantou a mão
dela cuidadosamente e sentiu os dedos. — Energia estática! Tem
algum tipo de energia Dalek dentro dela!
— Mas ela é humana – disse Rose.
— Eles tinham o dom da guerra. Novas armas todos os dias.
Ela estava tentando fazer o maquinário do invólucro funcionar no-
vamente. Mesmo sem um Dalek ali dentro, o invólucro é perigoso.

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EU SOU UM DALEK

Ele poderia funcionar no automático, como uma galinha quando


sua cabeça é cortada fora.
Kate piscou e olhou ao redor, confusa. — O que aconteceu
comigo? – ela conseguiu dizer.
— Você vai ficar bem – o Doutor disse, mas com um tom de
confiança que Rose não confiava muito, por experiência. — Ela é
um novo tipo de arma.
— Mas como? – Rose apontou para o Dalek. — Ele está
morto!
O Doutor parou para pensar. — E se... enquanto estivesse
morrendo, ele enviou alguma coisa... uma impressão digital? Lem-
bre-se que os Daleks odeiam a raça humana. Eles detestam todas
as outras criaturas. Por que eles considerariam misturar a raça de-
les com outra? Sem casamentos inter-raciais para os Daleks – ele
mexeu a cabeça. — Talvez eles tenham aplicado o Fator Dalek nos
humanos, ou pelo menos tentado. Para quê? – ele gesticulou para
Kate. — E milhares de anos depois, a impressão ainda está aqui,
dentro dos genes dela. Alguma coisa serviu como gatilho hoje, e
então ela ficou mais forte, mais inteligente e conseguiu um poder
para curar a si mesmo.
O Doutor ajudou Kate a se levantar e a levou para longe do
Dalek.
Outro pensamento aterrorizante pairava na mente de Rose.
— O Fator Dalek – ela sussurrou. — Poderia estar em mim? Em
todos?
DOCTOR WHO: QUICK READS

— Não. Isso deve ser uma casualidade. Qualquer que tenha


sido o planto original, deu errado. Os Dalek morreram. Tudo foi
um fracasso.
— Como você sabe?
— Se eles tivessem impregnado o Fator Dalek em toda a
humanidade, acho que eu teria notado – ele entregou Kate gentil-
mente para Rose. — Temos que levá-la para longe, muito longe.
Eu vou achar uma saída depois. Sempre tem uma saída. O mais
longe que ela estiver, mais segura estará. Qual o nome dela
mesmo?
— Kate Yates.
— Pais cruéis e o Fator Dalek. Garota azarenta. Vá!
Rose segurou Kate pela cintura e correu para o elevador o
mais rápido que pôde.
O Doutor voltou para o Dalek. As faíscas verdes sumiram.
Os componentes eletrônicos dele foram danificados com o
passar do tempo. É bem improvável que Kate tenha conseguido
quase trazê-los à vida com o toque, mas era melhor confirmar, por
precaução.
Um olho verde e sujo piscou para ele. Uma nova criatura
Dalek, menor que os adultos, já estava esticando seus tentáculos
pegajosos na direção dos controles.
O Doutor deu um pulo para trás. — Não – ele suspirou, sem
acreditar. — Não. Isso é impossível...
Ele hesitou por um segundo. Ele sabia que tinha que matá-
lo, e matá-lo agora. Mas ele conseguiria?
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EU SOU UM DALEK

O invólucro se fechou com um estrondo ensurdecedor. A


ponta da haste do olho se abriu em um azul brilhante e saudável.
O braço-desentupidor começou a se mexer. A base também se
mexeu, se livrando do terra que a cobria. Um grasnido veio da
grade sob invólucro. — Aaaaa....
As luzes no domo ganharam vida.
O Doutor percebeu que ele só tinha uma última opção, uma
que ele gostava e que dava certo em várias ocasiões. Ele correu na
direção das portas do elevador e começou a pressionar o botão
desesperadamente.
Por cima do ombro, ele viu o Dalek lentamente retomar os
controles do olho e do desentupidor, movendo-se sem equilíbrio
de um lado para o outro sob sua base.
O Doutor chutou as portas do elevador. — Anda logo!
Ele ouviu o barulho do elevador chegando no solo, viu as
portas se abrirem, correu para dentro e apertou o outro botão. As
portas se fecharam com a casual lentidão.
Bem antes das portas se fecharem por completo, o Doutor
viu o Dalek se mover na direção dele através do chão desnivelado
da escavação, sua base flutuando a alguns centímetros do chão.
O elevador começou a subir.
O Dalek alcançou a porta fechada do poço do elevador. O
soquete onde sua arma um dia esteve se mexeu inutilmente. Então
ele moveu o desentupidor para o aço espesso onde as portas se
encontravam, formando uma cúpula contra elas. Começou a puxar.
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As portas saltaram para fora. O Dalek puxou o enorme pe-


daço de metal até o poço ficar livre, então o jogou de lado com
facilidade.
Ele entrou dentro do poço, mudou sua movimentação para
antigravidade e começou a se elevar.
O elevador também estava subindo, e, ao que parecia para
o Doutor, dolorosamente devagar.
Ele ouviu alguns barulhos vindos debaixo dele e bateu na
parede: — Anda logo, anda logo...
O Dalek subia pelo poço. Seus olhos se voltaram para a base
do elevador. Sua jovem mente considerou. Lentamente, ele se in-
clinou para trás. Em seguida, seu braço-desentupidor estendeu-se
do invólucro. Ele prendeu-se à base do elevador com um ruído
metálico.
Ele puxou. As engrenagens rangeram e o motor gritou. O
Dalek começou a puxar o elevador – e o Doutor – de volta para
baixo.

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EU SOU UM DALEK

– CAPÍTULO SETE –

O ELEVADOR ESTREMECEU. AS ENGRENAGENS GUINCHARAM.


O Doutor olhou para cima. O teto do elevador era feito de
quatro placas de metal. Ele se esticou o máximo possível e apon-
tou a chave de fenda sônica para as placas, afrouxando os parafu-
sos maciços dos cantos. Ele ouviu os parafusos caírem um por um
no chão do elevador.
Ele voltou a posição normal, então cuspiu na mão e deu um
salto, atingindo o teto do elevador, tentando empurrar uma das
placas para o lado. Ela mal se moveu.
Abaixo dele, ele podia ouvir o recém-nascido Dalek coa-
xando.
Ele deu outro pulo, batendo as palmas de sua mão numa
das placas. Ela se moveu um pouquinho.
O Dalek abalroou a base do elevador. O Doutor olhou para
baixo. Um buraco estava sendo feito ali.
Usando toda sua força, o Doutor pulou de novo, empur-
rando a placa para o lado. Ele pulou uma quarta vez, agarrando o
pequeno espaço que ele abriu ao afastar a placa.
O buraco no chão estava ficando cada vez maior enquanto
o desentupidor do Dalek rasgava o metal. Embora fosse jovem,
DOCTOR WHO: QUICK READS

confuso e ainda em formação, o Doutor percebeu que o Dalek de-


veria ter aprendido como usar seus sensores para ver através do
metal e dentro do elevador. Para vê-lo.
Ele se puxou para cima e se viu dentro do poço do elevador,
agradecido por ser magricela. Então ele agarrou o cabo de metal
e começou a escalá-lo, mão a mão.

* DW *

Rose levou Kate para longe do local do poço, indo na direção da


rua principal. Foi fácil conseguir uma carona com um motorista de
caminhão que estava passando por ali. Duas loiras, pensou Rose.
Ela disse para o motorista, um rapaz educado que se apre-
sentou como Atif, que Kate estava passando mal. Elas ficaram na
cabine com ele.
Os olhos de Kate abriram de repente e ela se virou para
Rose. — O que foi que aconteceu lá embaixo?
— Não se preocupe com isso, estamos indo para longe de
lá – disse Rose, tentando parecer confiante. Ela se virou para Atif.
— Para onde você está indo?
— Para a França, eventualmente. — Posso deixá-las em
Hastings, Dover...
Rose olhou novamente para Kate. — Pode nos deixar em
Dover.

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EU SOU UM DALEK

* DW *

O Doutor saiu do bangalô. Ele olhou rapidamente ao redor, ten-


tando ver se encontrava qualquer coisa que pudesse ajudá-lo,
qualquer ferramenta que ele pudesse usar contra o Dalek.
Sua expressão mudou drasticamente. — Ah, não...
Dois carros da polícia escolheram esse exato momento para
chegar, se virando na direção do terreno. Um segurança e os es-
tudantes da escavação estavam reunidos perto da entrada.
Um dos estudantes o viu e apontou na direção dele. — É
ele, o cara de Londres.
O Doutor correu na direção deles. — Por favor, vocês pre-
cisam sair daqui! – ele olhou para o bangalô. O barulho de metal
sendo rasgado ecoava. — Agora!
O segurança o encarou sem dar muita atenção. — Posso ver
sua identidade, por favor, senhor?
O Doutor lembrou do seu papel psíquico, mas então deixou
para lá. Explicar só iria ser uma perda de tempo. — Não temos
tempo para isso! – ele gritou. — Corram! Saiam daqui todos vocês,
agora!
Os corações dele desabaram quando ele viu os policiais sa-
írem dos carros. Os estudantes estavam encarando-o, desta vez,
com entusiasmo. O segurança colocou uma das mãos no ombro
do Doutor.
O Doutor sabia o que iria acontecer com esses inocentes e
isso o entristecia. De repente, ele ouviu um grasnado e se virou
rapidamente.
DOCTOR WHO: QUICK READS

O Dalek estava se movendo através do terrento e indo na


direção deles, o olho metálico e o desentupidor se mexendo e se
virando raivosamente.
Os estudantes riram nervosamente. O segurança tirou sua
mão do ombro do Doutor e franziu a testa, tentando entender o
que ele estava vendo.
— É um recém-nascido – o Doutor disse quase sem emitir
som. — Não está completamente formado. Ainda temos uma
chance, mas todos vocês precisam sair daqui agora!
Os policiais cercaram o Doutor, enquanto ao mesmo tempo
olhavam com confusão e quase maravilhados para o Dalek. O líder
dos policiais se dirigiu ao Doutor: — Ok, senhor, chegou a hora do
seu robô deixar essas pessoas trabalharem em paz.
O Dalek se aproximou, seu olho examinando os humanos,
como se tivesse curioso.
— Ei, ele tem um desentupidor de pia no lugar do braço! –
riu um dos estudantes.
O Dalek resmungou furiosamente e se virou para o garoto.
O braço desentupidor se estendeu, disparou e se fixou no peito
dele. Então o Dalek pegou o garoto, o levantou e o jogou para o
lado. O corpo dele voou, caindo com um estalo de osso sendo
quebrado no chão duro.
Foi quando todo mundo começou a gritar e a correr.
O Dalek se ergueu no ar, interrompendo a fuga das pessoas
pelo portão principal. Seu braço desentupidor disparou e pren-
deu-se na lateral de um dos carros da polícia. Houve um rangido
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EU SOU UM DALEK

de metal se retorcendo. O carro deu uma guinada, sacudiu, balan-


çou sobre os pneus. Então, lentamente, esticando e rangendo, co-
meçou a ser levantado no ar. Só um pouco – na altura da suspen-
são. Em seguida, ele deixou o chão, a força terrível do Dalek segu-
rando-o. Os assentos caíram para a frente quando o carro se incli-
nou, objetos soltos voando lá dentro. O braço desentupidor de
repente disparou ainda mais e arremessou o carro para a frente. O
carro voou baixo no chão, finalmente atingindo um monte de terra
da escavação. Ele girou, rolou e caiu, a centímetros dos humanos
aterrorizados, fazendo um barulho ensurdecedor de vidro e metal
se destroçando. Então a gasolina entrou em combustão e pegou
fogo, transformando o carro em um objeto em chamas em segun-
dos e acabando com qualquer esperança de fuga.
O Doutor olhou horrorizado enquanto o Dalek avançava,
forçando a multidão dentro de um beco estreito que ficava entre
dois prédios. — Não! Saíam daí! – ele disse, correndo atrás deles.
O Dalek esperou até todos entrarem dentro do beco. E en-
tão os seguiu, se levantando no ar e começando a destruir as pa-
redes dos prédios. No topo de uma das paredes havia vigas e ca-
nos e um andaime de ferro pesado. As vibrações começaram a fa-
zer os objetos ficarem cada vez mais perto da beirada. Em poucos
segundos, eles iriam cair dentro do beco, esmagando todos os hu-
manos inocentes que ali estão.
O Doutor correu para lá. — Oi, Dalek! – ele gritou.
O Dalek instantaneamente parou o que estava fazendo com
as paredes. Sua cúpula-cabeça se virou e seu olho azul focou no
Doutor.
DOCTOR WHO: QUICK READS

— Da... lek – ele grasnou. — Da... lek...


— É, eu sei quem você é. Eu sei quem você é. E sabe de
outra coisa? Eles são só humanos. Qualquer criatura ruim do es-
paço pode passar aqui e tentar fazer alguma coisa contra eles. É
fácil. Mas você sabe o que eu sou? Você sabe quem eu sou?
Os humanos aproveitaram a distração do Dalek. Eles corre-
ram por baixo dele – fascinados – na direção do Doutor. Enquanto
isso, o olho azul do Dalek escaneava o Doutor.
— Você... não... é... hu-mano – ele disse, cada palavra sendo
pronunciada devagar.
O Doutor andou para frente casualmente, tentando conse-
guir tempo para que os outros pudessem correr dali. Ele abriu seu
sobretudo e apontou para o seu próprio peito. — Vou te dar um
doce. Dá uma olhada nessas belezuras aqui.
O Dalek continuou a escanear. Ele se movimentou diferente,
como se expressasse surpresa
— Dois... corações.
O Doutor assentiu. — Sim. Não é que você é Dalek esperti-
nho? Agora, consulte seu banco de dados. Vá em frente. O que
isso significa? O que os dois corações fazem de mim? Vamos lá. Eu
não tenho o dia todo para ficar aqui conversando com você – ele
olhou para o lado: os humanos estavam abrindo distância do Da-
lek.
Conseguiram fugir da morte, pelo menos.
O desentupidor do Dalek apontou para cima, abrupta-
mente. A arma dele disparou inutilmente.
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EU SOU UM DALEK

— Você... é... um... Senhor... do Tempo! – a última palavra foi


dita com um agudo crescente que o Doutor reconheceu bem.
— E não só um Senhor do Tempo velhote e comum – o
Doutor provocou. — Você sabe quem eu sou? – ele se inclinou,
quase cuspindo as palavras, uma por uma. — Eu sou o Doutor!
O Dalek estremeceu.
— Sinto muito – disse o Doutor. — Essa palavra te deixou
um pouco desconfortável? Dê uma outra olhada no seu banco de
dados, garotão. Eu posso estar descrito aí como a Tempestade que
se Aproxima, A.
— Dou... tor – o Dalek grunhiu. A arma dele se moveu inu-
tilmente mais uma vez. — O Dou-tor!
Ele acenou. — Sou eu!
— O Dou-tor é um inimigo dos Daleks!
— Errado! Os Daleks é que são um inimigo do Doutor. Não,
risca isso, os Daleks eram um inimigo do Doutor!
— O Doutor deve ser exterminado!
— Com o que? – o Doutor correu, com algo bem específico
em mente, levando o Dalek para longe do portão principal, para
mais dentro do terreno. — Se você é tão durão, venha me pegar!
O Dalek voou atrás dele.
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– CAPÍTULO OITO –

KATE ESTAVA COM A TESTA ENCONSTADA NO VIDRO DA JANELA


do táxi. Ela observava os carros no lado de fora passarem. Todos
os carros pequenos com pessoas pequenas dentro. Eles eram for-
mas inferiores de vida, detestáveis. Ela viu uma criança se levantar
no banco de trás de um dos carros para acenar para ela, e ela se
encolheu com repulsa.
Por que ela nunca percebeu como as pessoas eram feias?
Não havia razão para as pessoas existirem. Eles eram des-
cartáveis, sempre guerreando entre si. Eles são mais úteis mortos,
e o universo seria um lugar mais limpo sem eles. A parte que ainda
era a Kate discordava e argumentava com toda força que tinha que
os humanos eram inocentes. Ninguém é inocente!, gritava a parte
Dalek. Essas criaturas são geneticamente inferiores. Apenas os Da-
leks são puros.
Ela sentiu o gosto da bile em sua boca. Ela estremeceu, nau-
seada, e isso permitiu que a parte Kate tomasse o controle.
— Você está bem? – perguntou Rose.
Kate olhou para ela com seus olhos castanhos cheios de
preocupação. — O que aconteceu comigo? – ela perguntou, com
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EU SOU UM DALEK

os olhos cheios de lágrimas. — Eu fico pensando em coisas terrí-


veis. Tem tanto ódio, raiva, eu sinto que eu posso acabar com o
mundo... com o mundo todo...
Ela percebeu que Atif, o motorista do caminhão, estava
olhando com estranheza nos olhos. — Eu sempre me sinto assim
nas quintas-feiras – ele disse para confortá-la.
De repente, ela sentiu uma pontada de maldade atingi-la.
Que coisa ridícula de se dizer, desperdício de palavras.
Rose colocou seu braço ao redor do ombro de Kate. —
Acredite em mim – ela disse. — Eu prometo, tudo vai voltar ao
normal.
— E quem é você para prometer isso? – Kate respondeu,
ríspida. — Você só está tentando parecer com ele.
— Com quem?
— Com o Doutor – Kate cuspiu de volta. Ela pisou com força
no chão, batendo o joelho na parte inferior do painel. — Eu sei
tudo sobre ele. Está tudo na minha cabeça. O destruidor, a tem-
pestade que se aproxima. Sempre interrompendo nossos planos...
— Que planos?
— Purificação. Eu posso ver... o universo purificado. Tão
lindo... serene. Apenas nós, apenas os Daleks.
— Você não é um Dalek – Rose disse.
— Eu vou ser – disse Kate. — Você não sabe como vai ser
bom. Paz para sempre. Sem guerras.
— Mas vai precisar derramar muito sangue para chegar
nesse ponto – disse Rose. — E o que os Daleks vão fazer depois
DOCTOR WHO: QUICK READS

que eles exterminarem todo mundo? Passear por aí vestindo saias


floridas?
— Não seja irreverente – Kate sorriu. — Os Daleks traba-
lham juntos. Os Daleks estudam juntos. Um império será criado e
expandido de uma vez por todas. Purificação e calmaria – ela me-
xeu a cabeça para limpá-la. — Eu gosto da letra da música “Ima-
gine”. Faria qualquer coisa para chegar na utopia que ela descreve.
Rose engoliu em seco, sentindo-se preocupada, e tentou
mudar de assunto para não transparecer. — Kate, com quem você
saiu no último encontro que teve?
Kate estremeceu com a memória. — Eu saí com um inferior.
Toby. Ele gastou todo o meu dinheiro – que nem era meu para a
começar. Por conta do Toby, eu tive que usar todo o saldo do meu
cartão de crédito. Eu vou encontrá-lo e exterminá-lo.
Os punhos dela cerraram.
Atif continuou olhando com estranheza e preocupação para
Kate. — Sua amiga está bem?
— Sim – disse Rose. Ela segurou a mão de Kate. — Vamos,
Kate. Você consegue resistir.
Kate retraiu a mão, demonstrando nojo. — Não encoste sua
carne em mim! – ela gritou. — A carne humana fede! É impura!
— Acho melhor eu fazer um desvio e ir para o hospital, né?
– disse Atif.
Kate se inclinou sobre Rose, prendendo-a contra o banco, e
agarrou o volante do caminhão, girando-o violentamente. O cami-

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EU SOU UM DALEK

nhão virou repentinamente enquanto Atif pisava no freio. O veí-


culo saiu da pista, parando em um canteiro de grama próximo a
uma fileira de lojas. Kate ficou satisfeita ao ver que eles haviam
chegado a Twyford, a cidade seguinte. Era quase hora do almoço
no dia da feira e estava ensolarado. O lugar estaria infestado de
humanos.
Rose a agarrou pelo pulso, e apontou o dedo na frente do
rosto de Kate.
Kate a jogou para trás com um movimento casual do coto-
velo e saiu do caminhão. Ela desceu com perfeição, como se fosse
uma gata, e lambeu os lábios secos.
Rose se sentou, tentando recuperar o fôlego. O golpe de
Kate a atingiu em cheio. Ela percebeu que Atif a estava encarando,
balançando a cabeça, mais impressionado do que com raiva.
— O que sua amiga usou?
— Dirija! Saia daqui – Rose disse com urgência para ele. Ela
saiu do caminhão às pressas e procurou desesperadamente por
Kate nos arredores.
Elas estavam no centro da pequena cidade, com prédios
construídos no estilo enxaimel que conduziam a uma pitoresca rua
principal. O lugar estava cheio de pessoas. Algumas pessoas se
juntaram em volta do caminhão, comentando o que havia aconte-
cido e exclamando “ohs” e “ahs”.
— Para onde ela foi? – ela perguntou em desespero. Mas
ao mesmo tempo em que fazia a pergunta, ela viu Kate subindo
rapidamente a rua principal, e, com as mãos no estômago ainda
dolorido, ela correu na mesma direção.
DOCTOR WHO: QUICK READS

* DW *

O Doutor sabia que só teria uma chance.


O Dalek ainda não estava completamente desenvolvido, era
mais lento e mais cauteloso do que um adulto. Foi bom ele ter
removido a arma anteriormente, caso contrário, todos no local es-
tariam mortos agora, incluindo ele. Sem a arma, o Dalek estava
operando apenas com sua inteligência, e ela ainda não estavam à
altura. Mesmo assim, seu plano – o plano que ele tinha acabado
de inventar – precisaria de toda a habilidade que tivesse para fun-
cionar.
Ele estava agachado dentro da cabine do maior guindaste,
na outra extremidade do local. Ele apenas se arriscava a espiar so-
bre o painel de controle, conseguindo ver um espaço entre os dois
prédios inacabados. O Dalek estava obcecado por ele e logo iria
para aquele lugar. Será a oportunidade de destruí-lo.
O sol do meio-dia brilhava como se fosse ouro. O Dalek
apareceu no espaço.
O doutor se preparou. Ele alcançou uma alavanca no painel
de controle com a mão direita. Seus olhos varriam intensamente a
cena abaixo dele, levando tudo em consideração. Ele esperou até
que o Dalek estivesse exatamente entre os dois prédios, com a
borda de um penhasco a apenas cerca de vinte metros atrás dele.
Então ele se levantou a assobiou bem alto. — Estou aqui!
Assim como ele havia esperado, o Dalek virou repentina-
mente, seu olho azul procurando a origem da voz.
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EU SOU UM DALEK

O Doutor se inclinou para fora da cabine e jogou o tijolo


que segurava em sua mão esquerda. Ele passou zunindo no ar e
atingiu o Dalek bem no meio do objeto que era o olho, o ponto
mais fraco da criatura.
— Minha visão foi comprometida! – ele grunhiu. — Não
consigo enxergar!
O Doutor puxou uma alavanca e a bola presa ao guindaste
– meia tonelada de chumbo – atingiu o Dalek bem no da arma-
dura. A criatura gritou de surpresa e raiva enquanto voava, desa-
parecendo para além do penhasco, girando enquanto se perdia de
vista. Um segundo depois, ouviu-se um estrondo poderoso.
O Doutor deu um soco de vitória no ar e desceu do guin-
daste.
Ele correu até a beira do penhasco e olhou para o mar lá
embaixo. O Dalek jazia na parte rasa do mar, as ondas atingindo-
o, enquanto o olho movia-se freneticamente.
O Doutor respirou fundo e começou a descer o penhasco,
movendo-se de mão em mão como se fosse um macaco. Por fim,
ele pulou na água. O Dalek estava a apenas alguns metros de dis-
tância, coaxando e gorgolejando baixo. Ele caminhou em direção
a ele, cheio de orgulho.
Era fazer ou morrer. E fazer, nesse caso, significava matar.
Ele já matou milhares de Daleks – mas nunca com suas próprias
mãos.
Um segundo depois, ele estava usando a chave de fenda
sônica. Ele a passou ao longo da dobradiça e abriu a seção superior
da armadura do Dalek. O mutante dentro estava quase completo.
DOCTOR WHO: QUICK READS

Os tentáculos dele estavam se firmando, aumentando seu controle


sobre as conexões do invólucro. Em alguns segundos, seria impa-
rável; ele usaria sua função de reparo automático para reparar seu
olho e se tornar um oponente verdadeiramente digno. Ele tem que
agir enquanto o Dalek ainda está fraco. Ele tem que matá-lo agora.
O Doutor hesitou por um segundo.
— Você não pode me matar, Doutor... – resmungou o Dalek.
— Você... não vai... conseguir.
— Esse era o meu velho eu. E ele não está mais aqui!
Ele ajustou as configurações da chave de fenda sônica e a
conectou com o invólucro. Ele conseguiu acesso ao sistema de su-
porte de vida.
O Doutor rangeu os dentes. — Sem segundas chances! –
ele ativou a chave de fenda sônica.
O Dalek gritou.
O invólucro estralou, faíscas verdes ao alto.
O Doutor foi jogado para trás, para dentro do mar. Ele só
teve tempo de ver um peixe passando por ele antes de desmaiar.

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EU SOU UM DALEK

– CAPÍTULO NOVE –

KATE ANDOU PELO MERCADO, EVITANDO O CONTATO COM OS


humanos que estavam nos arredores. Havia outros animais tam-
bém, pestes voadoras e alguns cachorros sebentos. O cheiro dos
produtos comestíveis espalhados ao redor era vil. Nutrição é uma
necessidade, não algo para sentir prazer.
De repente, se sentiu inundada com uma força indescritível.
— Eu serei imparável! – ela gritou para todos ouvirem.
Alguns dos humanos que estavam no mercado riram.
— Ah, é? – disse uma voz monótona atrás dela.
Kate se virou. Ela conhecia a voz. Era de Serena, que estava
com uma sacola de compras embaixo do braço gordo.
— Serena – disse Kate, saboreando cada sílaba do nome.
— Você sabe que foi demitida, né? – Serena disse, arru-
mando os óculos estúpidos em cima do nariz. — Eu não engoli
aquela historinha do acidente de carro nem por um minuto. E
agora aqui está você, na hora do almoço, passeando pelo mer-
cado. Também vejo que você pintou o cabelo. Hoje de manhã foi
uma loucura. Atraso na entrega dos colchões por toda Liverpool e
Nordeste, pessoas gritando nos meus ouvidos em Scouse e Geor-
die. “Ela vai aparecer”, eu dizia para mim mesma. “Mesmo ela não
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pode ser tão irresponsável. Talvez ela realmente tenha dito a ver-
dade...”
Kate esticou o braço e agarrou o pescoço de Serena.
— Para com essa tagarelice!!
Os olhos de Serena arregalaram. A boca carnuda e molhada
dela lutava por ar. Uma por uma, as pessoas no mercado que es-
tavam próximas para ver o que estava acontecendo começaram a
ir na direção de Kate. Eles estavam gritando para ela soltar Serena,
mas Kate ignorou todos e apertou mais forte. Ela se sentia glorio-
samente feliz.
— Eu nunca vou ter que me preocupar com você de novo –
ela cuspiu, movendo Serena de um lado para outro. — E pensar
que hoje de manhã eu estava preocupada sobre você. Preocupada
sobre o que você iria dizer. Preocupada com o meu emprego. Pre-
ocupada em pagar minhas contas – ela jogou a cabeça de Serena
para trás e riu de felicidade — E você não era nada!
— Por favor, Kate... – Serena implorou.
— Coloque-a no chão, Kate! – outra voz gritou.
Rose correu para cima dela, empurrando a multidão aluci-
nada.
Kate sorriu, mexendo a cabeça de Serena como se fosse a
de uma boneca. — Por quê?
— Foque, deve ter um resquício de humanidade dentro de
você – Rose disse a ela. — Seus pais, você mora com eles, não é?
— Isso não importa!

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EU SOU UM DALEK

Rose apontou para Serena, que parecia estar prestes a des-


maiar. — O que sua mãe diria sobre essa atitude? Você consegue
matar essa mulher e depois olhar nos olhos da sua mãe?
As palavras impactaram Kate de alguma forma. Ela imagi-
nou o rosto da mãe em horror. Um resquício de consciência tomou
controle e ela soltou Serena, que caiu no chão, se levantou e saiu
cambaleando.
Enquanto isso, Kate caiu de joelhos. — Por favor, Rose, me
ajude!

* DW *

O Doutor acordou na água. De primeira, ele estava vagamente ci-


ente de formas turvas e uma sensação flutuante. Então ele se lem-
brou.
Ele se chacoalhou e nadou para cima na direção da luz. Ele
explodiu na superfície, inspirando muito ar de uma vez só. A chave
de fenda sônica estava flutuando na parte rasa da água a alguns
metros dele. Ele foi até lá e a pegou, a secou e então olhou ao
redor, onde só se via água.
Ele foi jogado a uma boa distância de onde estava. Ele en-
controu o ponto onde o guindaste com sua bola de destruição
estava e olhou para baixo.
Não havia sinal do Dalek.
Ele nadou até o local de sua queda e xingou entredentes.
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O invólucro havia repelido ele – e roubado a energia elétrica


da chave de fenda sônica. O Dalek estava ativo agora, inteiramente
formado.
O instinto da criatura é exterminar. Para onde ele iria?
A boca do Doutor secou. — Frank – ele disse. – Frank, eu
sinto muito mesmo.
Ele começou a escalar o penhasco.

* DW *

Frank não conseguiu evitar o riso. Ele se imaginou chegando do


serviço e sua esposa perguntando-lhe como foram as coisas na
escavação, e ele respondendo que não havia acontecido nada fora
do normal. Ele apenas conheceu um doutor que podia viajar pelo
tempo e espaço, além de ter visto o corpo de um alienígena robô
que veio do planeta Skaro. Ah é, e que esse tal de Doutor, iria fazer
uma visita para eles.
Ele estava no trem, voltando para casa, seus pertences no
banco do lado. Apesar do que ele disse mais cedo, ele tinha per-
guntas para fazer ao Doutor. Ele queria saber a verdade – e ao
mesmo tempo não queria. O Doutor provavelmente acabaria
sendo descoberto como uma fraude de nome Steve com um senso
de humor esquisito.
Frank sorriu novamente. Ele percebeu que quase queria
acreditar que o Doutor era um alienígena.

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EU SOU UM DALEK

Ele não sabia o motivo, mas havia algo de verossímil sobre


o Doutor. No curto período que passaram juntos, ele parecia re-
presentar algo atemporal. Ele transmitiu a sensação confortável de
que as coisas ficariam bem, não importasse o quão ruim o mundo
ficasse. Como um pai diria para um filho.
O trem parou de repente, emitindo um som estridente. Não
havia nada de incomum nisso.
Ele ouviu suspiros de três ou quatro outros passageiros que
estavam no compartimento. Frank olhou sem interesse pela janela,
vendo o jardim dos fundos de alguém, onde a roupa estava dan-
çando no varal.
Algo causou um som alto no teto do vagão. Desta vez Frank
olhou para cima, em alerta.
Uma parte do teto de metal estava sendo puxado, como se
um imã incrivelmente forte estivesse em ação. Os outros passagei-
ros se levantaram.
Frank olhou para seus pertences, seu coração acelerando.
O teto se abriu em um buraco, que mostrava um pedaço do
céu azul brilhante.
Frank puxou seus pertences para perto de si. Embora ele
estivesse aterrorizado, uma pequena parte dele estava animado. O
Doutor estava falando sério. Existem alienígenas.
O Dalek descendeu pelo buraco que fez no teto do vagão.
Ele emitia uma vibração sinistra, força e poder. Ele falou numa voz
rouca e eletrônica, uma silaba por vez, como um computador ve-
lho dos anos 1950 de um filme de comédia. — Eu detectei a arma
nesse veículo. Onde está a arma? Qual de vocês está com a arma?
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Uma das passageiras, de mais ou menos quinze anos, deu


um grito de horror e o Dalek se virou imediatamente para ela. —
Respondam! Respondam!
As mãos de Frank cuidadosamente abriram o zíper de sua
bolsa. Talvez ele pudesse usar a arma contra o Dalek de alguma
forma.
O Dalek percebeu o movimento da mão de Frank. — Você
vai plugar a arma.
Frank pegou a arma, suas mãos tremendo, e a apontou di-
retamente para o Dalek. Os dedos dele procuravam desesperada-
mente por algum tipo de gatilho, um botão ou qualquer outra
coisa...
— Plugue a arma agora! Obedeça! – gritou o Dalek.
Frank hesitou.
O sugador do Dalek agarrou a garota e a jogou no chão
como se ela fosse um saco de lixo. — Obedeça senão a jovem fê-
mea morre!
Frank se lembrou da descrição do Doutor dos Daleks – as
coisas mais malignas do universo. Ele não conseguiria detê-lo. Mas
então ele ouviu a jovem chorando do outro lado do vagão. Ele não
poderia desobedecer.
Ele se levantou e encaixou a arma no vão indicado. Com m
clique, ela se encaixou perfeitamente.
— O Doutor vai acabar com você – ele ouviu a própria voz
dizer. — Eu o conheço. Ele vai acabar com você. Ele vai nos salvar.

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EU SOU UM DALEK

O Dalek pausou antes de responder. — O Doutor não está


aqui.
Ele então levantou a arma e Frank fechou os olhos. O Dalek
disparou um feixe de energia.
Frank gritou, e, por um segundo, seu corpo ficou suspenso
no ar, seu esqueleto piscando embaixo da pele por conta da luz
emitida pelo feixe de energia.
Então o Dalek se virou e mirou nos outros passageiros, um
por um. Ele gritava “exterminar!”, “exterminar!”, “exterminar!”, com
prazer e alegria.
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– CAPÍTULO DEZ –

VIATURAS DA POLÍCIA CHEGARAM À RUA DA FEIRA. SEGUNDOS


depois, Rose se viu cercada por policiais, enquanto os clientes
apontavam acusatoriamente para Kate, que estava encostada num
poste de luz, sussurrando consigo mesma.
— Eu deveria estar cuidando dela – ela disse para o policial.
— É tudo minha culpa. Ela precisa ir para um hospital que fica
muito, muito longe daqui – ela estava torcendo para o Doutor apa-
recer. Nem ela conseguia acreditar nas palavras que dizia.
Ela observou enquanto os policiais levavam Kate para a vi-
atura. Não havia nada que ela pudesse fazer.
De repente, ouviu-se gritos. O barulho de batida de carros.
De pessoas correndo. Uma voz metálica e distante resmungou:
“Exterminar!”.
Os policiais e os clientes da feira se voltaram para a direção
da voz.
Rose sentiu seu estômago embrulhar. — Ah, não. Não... só
pode ser brincadeira...
Já era meio-dia e vinte. As pessoas estavam começando a
sair dos edifícios comerciais, lojas de sapatos, padarias e demais
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EU SOU UM DALEK

estabelecimentos que ficavam na rua principal de Twyford, todas


se amontoando nas calçadas estreitas.
Uma cortina de fumaça estava subindo da parte de baixo
da rua.
O Dalek emergiu da cortina de fumaça apontando freneti-
camente sua arma para todas as direções, metralhando a rua com
raios de radiação.
Uma mulher de meia idade saiu do seu carro e correu à pro-
cura de um abrigo. O Dalek atirou de novo. O esqueleto dela bri-
lhou num verde claro enquanto ela era exterminada sem piedade.
O Dalek viu alguns humanos abaixados atrás de uma janela.
Ele atirou. O vidro estilhaçou e os humanos se dissiparam, cor-
rendo para dentro de seus escritórios, aos gritos. O Dalek se apro-
ximou, virou o meio de seu invólucro, enfiou a arma na moldura
da janela quebrada e atirou em todos os humanos que estavam
abaixados ali há poucos segundos, um por um.
Então ele avançou para a rua principal, correndo atrás dos
fugitivos, espalhando pânico.
— Onde está a outra? – ele gritou. — Onde está a outra que
se chama Kate?
Abaixadas atrás de uma caçamba de lixo na rua da feira –
agora deserta – Rose e Kate ouviram a voz. Kate instantaneamente
ficou de pé.
— Não! – Rose gritou, agarrando-a, tentando mantê-la no
lugar.
DOCTOR WHO: QUICK READS

Quando ela olhou nos olhos de Kate, ela soube que o Dalek
dentro da mente dela havia ganhado a batalha. Lágrimas escorre-
ram no rosto de Kate, levando a vida com eles. O rosto dela es-
tampou uma expressão de orgulho distorcido.
Kate se livrou da mão de Rose. — Não há mais nada que
possa ser feito agora – ela disse. — O Fator Dalek é muito pode-
roso.
Rose se levantou e apontou na direção da rua principal,
onde a cortina de fumaça havia ativado os alarmes de incêndio.
Havia corpos espalhados por toda a rua.
— Olhe aquilo! Pense em sua mãe, seu pai!
— Laços familiares são uma fraqueza genética – Kate disse
numa voz robótica. — São fraquezas desnecessárias – ela disse, se
afastando.
O Dalek reapareceu através da cortina de fumaça, agora bri-
lhando e reluzindo. O invólucro estava novo em folha. Rose supôs
que ele usou a energia elétrica de algum lugar para se autorrepa-
rar.
Kate e o Dalek avançaram um na direção do outro. Kate fez
uma reverência com a cabeça.
— Mestre, quais são minhas ordens?
O Dalek apontou para Rose. — Os outros humanos fugiram.
Quem é aquela que ficou?
— Rose. Uma companheira do Doutor.
— É isso mesmo – Rose gritou orgulhosa. — Você sabe, o
Doutor, o homem que faz você se borrar de medo.
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EU SOU UM DALEK

O Dalek apontou sua arma na direção dela. — Eu não tenho


medo – ele disse como se tivesse se sentido profundamente ofen-
dido. — Daleks não têm medo. Não devem temer – ele se aproxi-
mou e o azul de seu olho parecia estar apontado diretamente para
Rose. — Você tem uma conexão sentimental com o Doutor.
Rose engoliu em seco e deu alguns passos para trás.
— O Doutor será afetado pela sua morte – ele continuou.
— É um objetivo dos Daleks enfraquecer o Doutor – a arma girou
em seu encaixe.
Rose fechou os olhos.
Então ela ouviu o rugido distante dos antigos motores alie-
nígenas que conhecia bem.
Ela abriu os olhos e viu a lateral da TARDIS se materiali-
zando bem na frente dela. Ela ouviu o Dalek atirar. O tiro ricoche-
teou nas antigas portas de madeira. Então o Doutor apareceu. Ele
estava molhado e desarrumado, mas estava sorrindo de uma
forma perigosa e raivosa. Ele se virou para encarar o Dalek.
— Estou vendo que conseguiu sua arma de volta – ele disse
quase que em silêncio. — Assim ficou fácil te encontrar. Não exis-
tem muitas pessoas atirando lasers de energia altamente radioa-
tiva por aqui nos dias de hoje – algo na voz dele estava diferente,
tinha mais emoção do que o normal. Ele levantou as mãos. — Va-
mos, vamos, extermine!
DOCTOR WHO: QUICK READS

– CAPÍTULO ONZE –

ROSE CORREU PARA FICAR LADO A LADO COM O DOUTOR. ELE


gesticulou com as mãos na frente do Dalek. — Anda logo. Atire.
Nem mesmo você consegue errar dessa distância.
Ele assentiu para Kate. — Oh, e você tem uma namorada
agora, é? Já era hora. Estávamos curiosos.
O Dalek abaixou a arma.
— Ele não vai matar você – Rose disse. — Quer dizer que
ele quer algo de você?
— Claro que ele quer – disse o Doutor. — Ele quer se atua-
lizar. Conhecimento. Os dados que ele possui armazenados estão
desatualizados. Ele quer pegar o conhecimento da minha mente.
Estou certo?
— O conhecimento é valioso – disse o Dalek.
— Podemos discutir sobre meu cérebro ser sugado mais
tarde, enquanto comemos um hambúrguer, talvez – o Doutor
disse, esfregando as mãos. — Mas antes eu quero algumas expli-
cações – ele começou a caminhar na direção do Dalek casual-
mente.
— Mantenha-se afastado! – o Dalek gritou.
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EU SOU UM DALEK

— É, não tem medo mesmo... – disse Rose.


— Vamos começar, então. Vamos completar a história. Por-
que depois que eu destruí-lo, a Rose ali vai me fazer mil perguntas.
Sabe, um monte de blá-blá-blá no meu ouvido, como você voltou
a vida para começo de conversa e tudo mais. Então é melhor você
mesmo contar para ela.
Rose pôde ver que por baixo do tom de piada o Doutor
estava na verdade furioso.
O Dalek encarou o Doutor. Num tom de voz ainda mais alto
do que o normal, ele começou. — Meus ancestrais Daleks glorio-
sos—
— Ah, aqui vamos nós – suspirou o Doutor. — Não conse-
gue conter a vaidade, né? – ele sorriu para Rose. — Posso fazer
dos Daleks marionetes!
— Meus ancestrais Daleks gloriosos – o Dalek repetiu – en-
viaram uma cápsula do tempo para a Terra. Ela chegou aqui sécu-
los atrás. O objetivo era impregnar o Fator Dalek em todos os hu-
manos e usar a força vital deles para criar um backup de matéria
prima.
— Que vergonhoso para você – disse o Doutor. — A raça
poderosa dos Daleks, tão enfraquecida que precisou da ajuda dos
humanos que tanto desprezam. Uma última tentativa desespe-
rada. Alterar a genética da raça humana. E a julgar pelo cheiro da
loja de velas ali da esquina, não funcionou.
O Dalek continuou. — A cápsula foi enviada para a Terra
durante a última batalha da Guerra do Tempo. Mas os motores
DOCTOR WHO: QUICK READS

falharam na trajetória. Meu ancestral – o dono desse invólucro –


ejetou e caiu na Terra.
— Onde ele liberou um pouquinho do Fator Dalek, só um
pouquinho... antes dele morrer – o Doutor disse. — Esse pouqui-
nho atingiu alguns humanos. Não estava ativo, mas havia se im-
pregnado no DNA deles, sendo passado de geração para geração.
Provavelmente um a cada meio bilhão possuí o Fator Dalek agora,
e Kate está nessa estimativa.
— O Fator Dalek foi ativado quando esse invólucro foi en-
contrado e perturbado pela escavação dos humanos – continuou
o Dalek. — Kate respondeu ao chamado. A força vital Dalek dentro
dela foi usada para trazer de volta à vida um novo Dalek a partir
da base de dados armazenada no invólucro.
— Bacana – disse o Doutor. Ele ergueu o tom de voz. — Mas
tudo isso vai acabar agora — de repente, ele se tornou mais sério.
— Você tem duas opções: se auto destruir ou ser destruído por
mim. Você escolhe.
— Você não pode me destruir – rangeu o Dalek.
O Doutor se inclinou para mais perto do Dalek e sussurrou:
— Quer apostar?
— Existe outra opção, Doutor – ele respondeu. — Uma es-
colha a ser feita por você.
O Doutro piscou. Rose percebeu que ele não esperava por
isso.
— Eu lhe ofereço um acordo – disse o Dalek.

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EU SOU UM DALEK

O Doutro riu. — Nos velhos tempos eu conhecia algumas


pessoas que faziam acordo com os Daleks. O que aconteceu com
eles? Vamos ver se eu me recordo. Ah, é, todos eles foram exter-
minados logo depois.
O Dalek o ignorou. — Eu conheço sua fixação emocional
por esse planeta. Eu poderia matar todos os humanos. Mas estou
preparado para poupar a Terra e seus habitantes.
O Doutor mordeu os lábios. — Em troca de quê?
— Você deve me fornecer a força e energia necessárias para
eu escapar. Por isso, quero dizer viajar pelo tempo e espaço. Eu
quero ir para outro planeta. Eu fornecerei para você as coordenas
do espaço-tempo para minha viagem.
— E o que você pretende fazer lá, se aposentar e relaxar até
o fim dos dias? Ou, sei lá, talvez construir uma nova raça dos Da-
leks?
— Os Daleks serão despertados – disse o Dalek. — Mas vou
poupar a Terra. Vou poupar a humana Rose e todos os outros.
— E os outros planetas? Serão destruídos? – disse Rose.
— Não existe escolha. Numa crise, criaturas impuras se pre-
ocupam apenas com aqueles que conhecem. Isso é uma fraqueza
– o Dalek estava falando diretamente para o Doutor. — O Doutor
não vai me permitir destruir este planeta. Ou sua família.
O Doutor estava pálido. Ele olhou para Rose. — Ele está
certo. Virei uma marionete nas mãos de um Dalek.
— Você vai cair no papo furado dele? Vai dar o que ele
quer?
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O Doutor assentiu. — Não tem nada que eu possa fazer.


Não posso deixar que a Terra seja destruída.
— Mas e esse outro planeta e todos os demais que existem
por aí...?
— Eles serão exterminados! – o Dalek exultou. — E a nova
raça dos Daleks ascenderá. Daleks que serão criados por mim!

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– CAPÍTULO DOZE –

O DOUTOR ENTROU DEVAGAR NA TARDIS. ERA ÓBVIO QUE ELE


não estava feliz. Rose o seguiu, fechando a porta rapidamente de-
pois de passar por ela.
— O quão convincente eu fui? – ela disse. — Eu mereço um
Oscar pela atuação.
O Doutor olhou para ela, os olhos tristes. — Eu não estava
blefando.
— Eu conheço você. Você vai acabar inventando um plano
de última hora, chutar o Dalek para tempo do vórtex do tempo ou
algo do tipo, e, no final, matá-lo.
O Doutor mexeu a cabeça em negativa e disse gentilmente:
— Rose, aquele Dalek é um gênio. Um especialista em engenharia
espaço-tempo. Se eu tentar qualquer truquezinho, ele vai perceber
com antecedência.
Rose observou enquanto ele andou até as sombras de um
dos cantos da TARDIS e puxou um enorme baú antigo. — Mas
você não pode fazer aquilo!
— Eu posso salvar a Terra – disse o Doutor. Ele abriu o baú.
— Ele era um Dalek... fizemos um bom acordo.
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— Pessoas que fazem acordos com Daleks... – Rose o lem-


brou.
— Mesmo que eu fosse a pessoa que apertasse o gatilho,
você sabe de alguma arma ou qualquer outra coisa que pode parar
um Dalek? Ele está completamente formado agora. Eu não posso
simplesmente tacar um pedaço de ferro nele. Ele está com um in-
vólucro forte, à prova de radiação, inclusive. É imune a qualquer
tipo de infecção. Ele apenas fecharia os olhos por conta do clarão
numa explosão nuclear. Se ele tivesse olhos de verdade – ele re-
mexeu o baú, que continha uma bagunça aleatória.
Rose se aproximou dele. — Nós os destruímos antes – ela
disse, séria. — Eu os destruí – ela se lembrou de quando se tornou
a bad wolf depois de ter olhado dentro do vórtex da TARDIS, dizi-
mando milhões de Daleks com apenas um movimento de uma das
mãos.
— Tente aquilo de novo e você poderá dizimar todo o uni-
verso junto com você – disse o Doutor. — Esta é a única solução
segura. Achei – ele havia encontrado o que procurava no baú e
ergueu o objeto para que ela visse. Era uma pulseira de metal
grossa decorada com um selo estranho. — É velho, mas acho que
posso fazer funcionar – ele passou a chave de fenda sônica sobre
o selo e ele brilhou suavemente. –- Anel do Tempo, é como uma
TARDIS de bolso. Pode levar você a qualquer lugar.
Rose olhou para ele. — Então, estamos realmente nos ven-
dendo? Deixando-o escapar?

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EU SOU UM DALEK

O Doutor baixou os olhos tristemente. Então ele acariciou


suavemente a bochecha dela.
— Qualquer uma das opções é um pesadelo. Mas o Dalek
estava certo – ele olhou por cima do ombro dela, olhando para o
passado. — Essa guerra com os Daleks é de muito, muito tempo
atrás. O Dalek me conhece. Ele sabe que não posso ficar parado e
vê-lo destruir esse planeta.

* DW *

Kate, o Dalek humano, observou o Doutor e a Rose emergirem da


TARDIS. Devoção e raiva justificada inundavam seu ser. Era hora
de seu mestre deixar este planeta patético e concretizar o verda-
deiro destino dos Daleks.
— Um Anel do Tempo – disse o Doutor, girando-o casual-
mente em volta do dedo. — Então, para onde você quer ir?
O Dalek examinou a pulseira de metal. — O dispositivo é
aceitável. Anexe.
O Doutor enfiou a pulseira no braço sugador.
— Não consigo acessar o painel de controle do dispositivo
– disse o Dalek. — Foi projetado para operação humana. A cha-
mada Kate irá definir as coordenadas.
Kate avançou ansiosamente. Seu dedo tocou o selo da pul-
seira e instantaneamente seu cérebro Dalek reconheceu seu dese-
nho e seu funcionamento.
— Estou pronta – disse ela.
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— Sete zero cinco nove galáctico ao norte por oito oito vír-
gula cinco galáctico a oeste – disse o Dalek. — Fator de tempo:
data da Terra: 500 milhões AD.
Os dedos de Kate dançaram sobre o selo, definindo as co-
ordenadas ditadas pelo Dalek.
— Muito inteligente – disse o Doutor, observando. — O
momento mais pacífico da história no futuro – acrescentou ele
para que Rose entendesse.
O Dalek baixou a haste do olho. — As criaturas impuras
deste tempo futuro se preocupam com a paz. Eles não sabem nada
sobre guerra, nada sobre os Daleks. A chamada Kate virá comigo.
Ela vai intermediar pelos materiais que preciso para reconstruir mi-
nha raça. As criaturas daqui os fornecerão para ela sem fazer per-
guntas. Quando estivermos prontos, iremos emergir para conquis-
tar e destruir!
Rose segurou o braço do doutor. — Não – disse ela com
firmeza. — Parece muito distante. Isso nos tira da mira do gatilho,
mas aquelas pessoas no futuro são como nós. Não podemos dei-
xar isso acontecer!
A pulseira começou a brilhar com uma luz dourada. — Para
trás – grunhiu o Dalek.
O Doutor e Rose obedeceram.
O Dalek fixou o olho no Doutor. — Você está impedido de
nos seguir.
— Nunca passou pela minha cabeça – disse o Doutor, ino-
centemente.
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EU SOU UM DALEK

— Você não vai seguir. Porque você não existirá mais – o


Dalek ergueu a arma, mirando-a direto no Doutor. — A última
coisa que verei antes de partir será o seu extermínio!
— Claro – disse o Doutor, de forma simples. — Eu fiz um
acordo com um Dalek. O que você acha que eu esperava? Um
aperto de mão e uma caixa de bombons?
— Ative o Anel do Tempo! – gritou o Dalek.
Os dedos de Kate moveram-se sobre os controles.
Ela ouviu a voz de Rose. — Kate, por favor. O que está den-
tro de você... lute contra ele. Eu sei que você pode!
— Você desperdiça energia – disse Kate. — O Fator Dalek é
muito forte.
Rose correu para o lado de Kate. — Ouça. Todas essas coi-
sas na sua cabeça. Todos os milhões de planetas e bilhões de anos.
Eu sei como é. Esqueça. Esta manhã, você perdeu o ônibus. Qual
era o número daquele ônibus?
— Isso não é importante – disse Kate. Mas ela lembrou do
ônibus, que era de um andar, virando a esquina da praça. O nú-
mero dele era 354.
Rose continuou desesperada. — Toby, seu ex, aquele que
gastou todo o crédito do seu cartão. Como ele era?
Kate lembrou de Toby, cabelo ralo e pançudo, o tipo de ho-
mem com quem você se contenta quando não há outras opções.
— O que você bebeu na noite passada? – Rose choramingou.
— Creme? – foi a primeira palavra que lhe veio à cabeça.
Creme. Isso, um creme amarelo, inútil, saboroso. Kate nunca
tinha pensado sobre o creme antes. A parte Dalek dela descartou
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esse tipo de pensamento. A parte humana imaginou o creme es-


pesso sendo derramado sobre o pudim de pão com manteiga. Ela
percebeu que não comia há horas. Mas era tarde demais. O Dalek
disparou.
— Exterminar o Doutor!
Uma esfera brilhante de luz se formou em torno do Dalek.
A explosão chiou inofensivamente dentro dela.
O Doutor bateu palmas. — Creme! – ele gritou. — Ela colo-
cou um campo de força em torno do Dalek! Os humanos ficam
com fome. O que mais eles fazem? Coisas pequenas, coisas gran-
des, qualquer coisa! Podemos alcançá-la, fazer com que ela o des-
trua o Dalek! Rose!
Rose entendeu sua sugestão. — O X Factor – ela tagarelou.
— Lustrador de piso. Lentes de contato. Esperando entrega em
domicílio, algo entre oito e seis. Contas de gás – ela tentou pensar
desesperadamente. — Pessoas falando muito alto em seus telefo-
nes em trens. Discussões inúteis na internet, com pessoas que você
nem conhece. Kylie. Quando eles perguntam "Você tem um cartão
de vantagem da loja?"
O Doutor assumiu, falando rápida e apaixonadamente. —
Então... os humanos têm ótimas qualidades. Eles estão dentro de
você, Kate, e eu as vi. O potencial explode dentro de cada ser hu-
mano. O potencial explorador, determinados a ver algo que nin-
guém viu antes. Escrevendo para casa para dizer à esposa que
nunca mais vai voltar, ele sabe que vai morrer, mas ele deve dizer
a ela que a ama – ele gesticulou para Rose. — Mais!
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EU SOU UM DALEK

— Minha mãe – disse ela, — esperando por mim em seu


roupão até as três e depois fingindo que acabou de levantar para
colocar a chaleira no fogo – ela pegou outro exemplo de sua pró-
pria vida. — Quando seus amigos estão conversando e você fecha
os olhos e é o som mais bonito do mundo, apenas pessoas que
você ama falando besteiras!
— Heróis! – completou o Doutor, enquanto dava um passo
à frente, os olhos atentos. — Correndo para o fogo para salvar o
filho de outra pessoa. Pessoas lutando, sobrevivendo, juntas.
Houve um tempo, milhares de anos atrás, em que restavam apenas
algumas centenas de humanos – eu os vi – eu os vi dizer não, nós
continuaremos, e eles conseguiram e encheram o mundo! – ele
respirou fundo. — É toda a bagunça e gloriosa coisa humana!
— O Fator Dalek triunfará! – gritou o Dalek. Ele disparou
repetidamente, os feixes se dissolvendo no escudo de luz.
A mente de Kate estava dividida. Meio a meio.
Do lado Dalek havia poder, glória, calma. Cidades feitas de
aço e oceanos de lodo, estendendo-se até o infinito sob o luar
vermelho. Havia raiva, propósito, devoção absoluta.
Do lado humano, havia confusão. Lamentações, acidentes,
tristeza. Dores de cabeça, bilhetes perdidos, CDs arranhados, com-
promissos perdidos e constrangimento. Desculpas e chances per-
didas. Estar doente. Natal. Sexo indiferente.
Mas havia mais nessa confusão. Havia belos edifícios, todos
diferentes, agrupados de várias maneiras sob as noites cheias de
estrelas que brilhavam feito diamante. Havia a emoção de fazer
um novo amigo. Havia música que nunca parava de mudar. Havia
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novas ideias, novas piadas, novas descobertas emanando daquele


caos humano.
E mamãe e papai, aceitando-a de volta, dando-lhe chance
após chance após chance.
Por um segundo, Kate rejeitou o Fator Dalek. Naquele se-
gundo vital, seus dedos, com todo o conhecimento Dalek intacto,
mas com determinação humana, hesitaram junto do controle do
Anel do Tempo.
E em vez de desaparecer, o Dalek começou a vibrar. Um
zumbido forte encheu o ar.
— Não sei o que acabei de fazer... – Kate disse ao Doutor e
Rose.
— Não importa agora. Venha! – gritou o Doutor.
Kate de repente se sentiu muito confusa, como se final-
mente estivesse entendendo aquele dia estranho. Então algo es-
talou em sua cabeça. — Auto destruição. Eu configurei o Anel do
Tempo para se autodestruir!
— Sim! – gritou o Doutor. — E por outro lado, não!
Ele agarrou Kate e Rose, puxando-as para a TARDIS. — Cor-
ram!
Ele não resistiu dar uma última olhada no Dalek.
— Você não pode escapar! Exterminar, exterminar – estava
chacoalhando incontrolavelmente agora, tornando-se um borrão
dourado oscilante.
— Você entendeu errado – o Doutor zombou dele. — Seu
grande plano falhou. O tiro saiu pela culatra. E você sabe por quê?
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EU SOU UM DALEK

Por que quem quer ser um Dalek, quando se pode ser um hu-
mano? – ele acenou alegremente com um desprezo silencioso e
satisfeito e disse: — Adeus.
Então ele correu para a TARDIS junto de Kate e Rose.
A porta se fechou. A TARDIS desapareceu, os antigos mo-
tores roncando.
O Dalek deu um último rugido de raiva antes de implodir,
seus átomos explodiram em nada. Houve uma explosão poderosa
e todas as janelas em um raio de 32 quilômetros explodiram.
Então havia apenas silêncio e uma mancha negra fume-
gante na pacata cidade mercantil onde o último Dalek estivera
apenas alguns momentos antes.
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– CAPÍTULO TREZE –

— AQUILO FOI BRILHANTE! – DISSE O DOUTOR. — VENHA AQUI!


– ele pegou Kate no colo e deu uma volta no console da TARDIS
com ela.
— Pare! Por favor, me coloque no chão – Kate disse, um
pouco zangada.
O Doutor obedeceu com uma reverência alegre, como se
estivesse terminando uma dança.
Kate olhou em volta do lugar estranho e sombrio onde es-
tava. — Onde é isso? Havia apenas uma caixa...
Rose ficou intrigada. Kate parecia ter esquecido de tudo.
Como um Dalek, ela sabia tudo sobre o Doutor e a TARDIS. — Ela
esqueceu de tudo?
O Doutor assentiu com a cabeça. — Sem Dalek, sem Fator
Dalek. Apenas muitos genes inofensivos e inúteis voltando a dor-
mir.
Kate tocou sua cabeça. — E quanto ao meu cabelo?
Rose entregou a ela um espelho que encontrou no baú
cheio de tralhas. — Vermelho.

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EU SOU UM DALEK

Kate suspirou. — Sem ofensa, mas é assim que eu prefiro –


ela bocejou.
Ela estava exausta.
Mas o Doutor não iria deixá-la descansar. — Você é uma
heroína! Heroína! Heroína! – disse ele.
— Ok, Doutor, chega – disse Rose. — Deixe-a em paz por
um segundo.
— Ela acabou de evitar um desastre universal, literalmente!
– ele se virou para Kate. — O que posso fazer por você?
— Eu realmente gostaria de ir para casa – disse Kate em voz
baixa.
— Sim, isso é fácil, já estamos fazendo isso. Deve haver algo
a mais, no entanto... – disse o Doutor. — Vamos. Você não vai ter
essa chance de novo.
Rose deu um passo à frente. — Está com seu cartão de cré-
dito?
Kate o entregou a Rose, que o entregou ao Doutor. — Você
poderia pagar a fatura dela.
O Doutor pegou o cartão feliz e passou a chave de fenda
sônica ao longo da faixa magnética na parte de trás. — Tudo pago.
Mas eu derrubei sua classificação de crédito para sempre. Nem
tente se conseguir outro. Sem uma segunda chance – ele jogou o
cartão no baú.
Outro pensamento atingiu Kate. — Ah, não! Eu bati na mi-
nha chefe! Tentei estrangulá-la! Na frente de todos em Twyford.
— Não tem problema – o Doutor disse com confiança.
— É um problema – disse Rose.
DOCTOR WHO: QUICK READS

— Não é um problema – insistiu o Doutor. — Que cor de


cabelo aquela mulher louca tinha? Loira natural. Essa não é a cor
do seu cabelo, é? Apenas se parecia com você.
Kate olhou para os dois. O Fator Dalek se foi, mas ela ainda
tinha uma noção de como suas vidas deveriam ser.
— O dia de hoje. Foi um dia normal para você, né?
Rose sorriu. — Quase.
— Então vocês dois são loucos, não são? – disse Kate.

* DW *

A porta da TARDIS se abriu para o gramado da praça. Kate saiu e


foi em direção à casa de seus pais. Ela não olhou para trás quando
a caixa azul sumiu.
Sua cabeça estava cheia de planos. Pela primeira vez em
anos, ela não tinha dívidas. Ela ligaria para sua companheira Lucy,
em Londres, esta noite.
Ela poderia sair de Winchelham, começar tudo de novo na
cidade. Ela poderia ficar na casa de Lucy por algumas semanas.
Lucy não se importaria, não de verdade. Então ela arranjaria um
emprego lá. Ela pegaria um cara, um cara de verdade dessa vez.
Talvez ela pudesse até mesmo fazer o negócio antigo fun-
cionar novamente.
Ela voltou ao mundo do compromisso, transigindo, va-
gando, pudim de pão com manteiga com creme e heróis. O
mundo que ela salvou.
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– CAPÍTULO QUATORZE –

O SOL ILUMINAVA A UNIVERSIDADE DE DURHAM NO VERÃO DE


1970.
Frank Openshaw cruzou o pátio a caminho de sua próxima
aula de história. Ele afastou o cabelo comprido dos olhos e ergueu
a nova mochila – que havia comprado na loja de sobras do exército
– com mais conforto, sobre o ombro.
Uma garota do terceiro ano estava caminhando na direção
dele. Ela era linda, mas ele não tinha chance com alguém como
ela, então tirou isso da cabeça.
De repente, uma adolescente loira, vestindo uma roupa es-
tranha e com touca, atropelou ele com sua bicicleta. Quase pare-
ceu que ela fez de propósito. A garota do terceiro ano se apressou
e ajudou os dois a se levantarem.
— Desculpe – disse a loira.
— Tente olhar para onde está indo – disse a garota do ter-
ceiro ano, trocando um olhar divertido com Frank. Seus olhos per-
maneceram nele um segundo a mais.
A loira levantou a bicicleta e saiu pedalando.
— Você está bem? – ela perguntou, colocando uma mão
preocupada no ombro de Frank. — Eu sou Sandra, a propósito.
DOCTOR WHO: QUICK READS

Ele apertou a mão dela. — Frank.


Rose parou a bicicleta na frente da TARDIS, que estava es-
tacionada no arco que conduzia ao pátio.
De trás do arco, o Doutor observou Frank e Sandra se afas-
tarem juntos.
— Aquilo era o que você queria? – perguntou Rose, des-
cendo da bicicleta.
— Sim – disse o Doutor. Ele pegou a mão de Rose.
— Para que eu fiz aquilo, afinal?
O Doutor abriu a porta da TARDIS. — Quebrando um pouco
as regras. Para meu amigo.

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