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O mendigo de Uz

(Jó 42.2)

P
ara quem já viu muitas coisas ruins na vida, contemplar um
homem sem teto, morador de rua com o corpo coberto de
chagas a se coçar com um caco de telha não é muito
surpreendente. Surpreendente mesmo para uma pessoa preocupada
com o mal e seu poder de alcance é saber que esse pedinte outrora foi
um célebre morador da cidade, conhecido por sua justiça, piedade, e
por ser um bom esposo e bom pai. E que por infortúnios sucessivos,
foi perdendo tudo que havia adquirido na vida através de seu trabalho
e esforço: bens, fazenda, gado, filhos e filhas, amigos, reputação.

Mas, como se não bastasse tudo isso, seus últimos


conhecidos, que algum dia, foram amigos, reúnem-se para recriminá-
lo, dizendo-lhe que há uma correspondência entre o que ele sofre e o
que ele fez. Falam que a equidade divina não permitiria alguém
padecer sem as razões justificadas, que o poder criador e o poder
régio se equiparavam e equilibravam o mundo e a vida das pessoas.

Se a situação de Jó estava ruim, ouvir aquela explicação sobre


as suas aflições em nada a melhorou. A tão conhecida doutrina da
retribuição, usada pela teologia da época para justificar as injustiças
sociais e as desigualdades de riquezas e o sofrimento do povo não
serviu para consolar as dores que se acumulavam no peito de um
homem que agonizava.
Sua, mulher, depois da perda de todos os filhos, vendo o
estado deplorável do esposo, deu-lhe a fórmula de recuperar a paz de
espírito:

— Amaldiçoa seu Deus e morre.

Ele, entretanto, mesmo diante de toda as atribulações,


repreende a amarga atitude da sua companheira, lembrando a
Providência divina na vida daqueles que nela creem.

Ao seu Deus, em quem confia, ele reclama por respostas!

A única coisa que faz sentido na vida do mendigo de Uz é


que quando nada faz sentido só Deus faz sentido! Pois, o sentido é
Deus que faz e determina. Ter fé não é só evitar ser guiado pela
realidade material, mas também desviar-se de seu sentido racional
que, às vezes, contraria o ato de confiar em Deus.

Antes do Profeta Isaias e do filósofo Agostinho de Hipona,


Jó já se esforçava em crer para compreender e compreender para
crer. Sua vida foi um testemunho vivo em busca desta resposta. Foi
nessa procura que nasceu a proverbial paciência dele. Sinônimo
daqueles que acreditam que Deus sempre tem uma solução, mesmo
quando solução alguma é possível.

O mendigo de Uz ensina que, quando a compaixão, a


solidariedade, os amigos, a família e a igreja o abandonarem a própria
dor, é possível com fé, afirmar em Deus e para Deus:

— Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode
ser frustrado.

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