Você está na página 1de 9

Hipóteses práticas1

1. RECRUTAMENTO DE ATLETAS

O Clube Desportivo de Andebol da cidade X publicou nos jornais um anúncio do


concurso para o recrutamento de atletas.

De entre as condições de admissão referidas no edital de concurso destacavam-se:

a) ter capacidade eleitoral, activa e passiva;


b) ter nascido em Portugal e ser de raça branca;
c) sujeitar-se a testes de rastreio do vírus HIV.

Dois candidatos foram consultar um advogado, porque julgavam inconstitucional este


edital de concurso:

— O atleta A tinha apenas 16 anos, mas entendia que a menoridade não podia ser
critério de admissão, porque assim se violava o direito ao desporto;

— O atleta B era um cidadão português, de raça negra, nascido na Guiné, mas


entendia que a discriminação em virtude da raça e território de origem é proibida pelo
nº2 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.

Elabore a resposta à consulta, fundamentando os seus pontos de vista.

(Retirado, com adaptações, de Direito Constitucional, João Loureiro, Jónatas


Machado e Maria Benedita Urbano, Coimbra Editora, 1995)

1
Adaptadas e compiladas pela Professora Doutora Luísa Neto, Prof. Associada da FDUP, com a
colaboração da Dr.ª Anabela Leão, Assistente da FDUP.

1
2. UMA QUESTÃO DE COSTUMES

António foi eleito presidente da Câmara X. Durante a campanha, o Comité Local da


Organização Maioria Moral apoiou-o activamente, comprometendo-se o candidato a
proibir a prostituição no concelho. Cumprindo a sua promessa, o seu partido faz
aprovar na Assembleia Municipal uma postura (tipo de regulamento local) em que se
dispõe o seguinte: “a prática de actos de prostituição será punível com expulsão do
concelho e com multa num valor de 1250 Euros.”

Marta é detida, sob a acusação de prática de prostituição, respondendo no tribunal de


Comarca da área em que se integra o referido município. A acusação está a cargo do
Ministério Público.

Suponha que é nomeado(a) defensor(a) da Marta. Numa perspectiva constitucional,


que argumentos poderia invocar?

(Retirado, com adaptações, de Direito Constitucional, João Loureiro, Jónatas


Machado e Maria Benedita Urbano, Coimbra Editora, 1995)

3. CARTAZES E PALAVRÕES

A Associação Académica de Coimbra resolve promover uma manifestação contra o


aumento das propinas. Durante a manifestação são detidos alguns estudantes sob a
acusação de empunharem cartazes contendo slogans que incluem palavrões que
difamam o titular da pasta da Educação. Assim, são presentes a um juiz da comarca
de Coimbra, sendo-lhes imputada a violação do artigo do Código Penal que dispõe o
seguinte:

“Quem, dirigindo-se a terceiros, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de


suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou
consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, será punido com prisão até 6
meses ou com pena de multa até 240 dias”. Ainda segundo o Código Penal, a pena
será agravada, nos casos em que a vítima for membro de órgão de soberania,

2
magistrado, comandante de força pública, professor ou examinador públicos, no
exercício das suas funções ou por causa delas.
A polícia deteve também Robert Morgan Flag, estudante de nacionalidade americana,
mas residindo em Portugal há muitos anos, sob a acusação de participar numa
manifestação o que só seria permitido a cidadãos nacionais. Os direitos, liberdades e
garantias seriam, no entender dos agentes de autoridade, em regra, apenas direitos
dos portugueses.

a) Suponha que a Associação o contacta no sentido de defender os participantes na


manifestação que empunharam os cartazes com slogans difamatórios para o
Ministério da Educação e contrários aos bons costumes. Qual seria a sua
argumentação substantiva e de que meios lançaria mão para suscitar a questão de
inconstitucionalidade?

b) Um seu amigo advogado aceita o encargo que lhe foi cometido pela Embaixada
americana de defender o estudante norte-americano. Confrontado com o nº1 do artigo
12º da Constituição da República Portuguesa, que poderia invocar em relação ao
problema da titularidade de direitos, liberdades e garantias?

c) Poderá a Associação Académica ser titular de direitos fundamentais?

(Retirado, com adaptações, de Direito Constitucional, João Loureiro, Jónatas


Machado e Maria Benedita Urbano, Coimbra Editora, 1995)

4. VIDA PARA ALÉM DA SIDA

Ao abrigo de uma lei de autorização, o Governo emanou um Decreto Regulamentar


nos termos do qual todos os candidatos ao ensino superior público ficam obrigados a
fazer um rastreio do vírus HIV. Pouco depois, um estabelecimento de ensino superior
privado elabora uma norma interna que vem proibir o ingresso de estudantes
seropositivos.

Suponha que é consultado por múltiplos cidadãos e entidades de algum modo


envolvidos ou afectados por este problema. Dê-lhes uma resposta fundamentada e
convincente.
3
(Retirado, com adaptações, de Direito Constitucional, João Loureiro, Jónatas
Machado e Maria Benedita Urbano, Coimbra Editora, 1995)
5. PORTAGENS & COMPANHIA

António, motorista profissional e aluno do 1º ano do curso de Direito, foi multado em


750 euros pelo facto de, com o seu camião e em conjunto com alguns colegas de
profissão, ter bloqueado os acessos à ponte 25 de Abril em Junho de 1994,
provocando graves distúrbios no trânsito naquela zona.

Em virtude desse mesmo incidente, António viria a ser atingido num braço por um
projéctil disparado por um dos agentes policiais destacados para aí restabelecer a
ordem. António decide então contratar os seus serviços como advogado(a) para reagir
contra a actuação policial, que julga abusiva.

Quanto à primeira questão, considera que a sanção que lhe foi aplicada viola o
disposto no nº2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, pois, de
acordo com o aí disposto, os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos
através de lei e, no caso concreto, o seu direito de manifestação e a sua liberdade de
circulação — consagrados e protegidos constitucionalmente — foram cerceados por
um simples acto administrativo – a multa.

No que respeita à segunda questão sustenta que a actuação dos agentes policiais foi
manifestamente desproporcionada, tendo inclusivamente posto em causa os seus
direitos à vida e integridade física, violando assim o princípio do Estado de Direito em
geral e, em especial, o princípio da proporcionalidade aplicável desde logo à
administração policial de acordo com o preceituado na Constituição.

A polícia, por seu turno, responde que apenas cumpriu o seu dever de assegurar a
legalidade democrática e de garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos,
nomeadamente a sua liberdade de circulação, não tendo de modo algum a carga
policial sido excessiva, antes havendo sido escolhido o meio mais adequado para pôr
termo à insubordinação popular. Para além disso, através da multa apenas se
limitaram a aplicar o que está disposto no Código da Estrada (aprovado por um
Decreto-Lei).

4
a) Tendo em atenção a problemática dos direitos fundamentais, que tipo de situação
se configura no caso em apreço, em que tanto o particular como a entidade policial
invocam, para justificar a sua actuação, o exercício de direitos e a protecção de
bens constitucionalmente tutelados? Como se resolve este tipo de situações do
ponto de vista hermenêutico?

b) Face às acusações de António, a Polícia contra-argumenta que a sua actuação


não foi excessiva pois foi escolhido o meio mais adequado para resolver a grave
situação de insubordinação. Que comentários lhe merece esta afirmação?

c) Em virtude da “grave agitação social” causada pelos incidentes na ponte, o


Presidente da República anuncia a sua intenção de demitir o Governo em
exercício de funções, utilizando a faculdade que lhe é concedida pelo nº2 do artigo
195º da Constituição da República Portuguesa. Confrontado com esta intenção do
Presidente, o Primeiro-Ministro entende que não estão de modo algum observados
os requisitos de aplicação daquele preceito, pelo que o acto presidencial será sem
dúvida inconstitucional e, assim sendo, faz saber, “não hesitará o Executivo que
chefia em submetê-lo a uma fiscalização abstracta sucessiva da
constitucionalidade”. Perante esta resolução do Governo responde o Presidente da
República que a demissão do Executivo é um acto político, logo arredado dos
processos de fiscalização da constitucionalidade. Comente esta afirmação final do
Presidente da República, enquadrando a sua resposta na questão mais genérica
do objecto da fiscalização.

d) No bar da Faculdade alguns alunos discutiam acaloradamente esta questão da


eventual demissão do Governo. Ana era de opinião de que a possibilidade
conferida ao Presidente da República pelo nº2 do artigo 195º é uma consequência
da dupla responsabilidade política do Governo enquanto dimensão do regime
parlamentar dualista ou semi-presidencial. Bernardo, pelo contrário, entende que a
dupla responsabilidade governamental deriva da componente parlamentar deste
mesmo sistema. Catarina, amiga de ambos e estudante numa outra faculdade,
pede-lhes que expliquem como é que se caracteriza afinal o sistema de governo
português.

5
e) A vinculação dos actos políticos ou de governo ao texto da Constituição não será
uma exigência do Princípio de Estado de Direito consagrado no seu articulado –
v.g. artigo 2º da Constituição da República Portuguesa?

(Retirado, com adaptações, de Direito Constitucional, João Loureiro, Jónatas


Machado e Maria Benedita Urbano, Coimbra Editora, 1995)

6. VERDADE DIVINA

O município de Braga, na sequência de fortes pressões populares, decide, através de


uma postura municipal, adoptar algumas medidas que ponham cobro a um suposto
“assédio” de que foram vítimas alguns dos munícipes por parte da seita “Verdade
Divina”.

Uma dessas medidas determina que a referida seita ficará impedida de:

a) proceder à distribuição de panfletos religiosos;


b) instalar locais de culto na área do respectivo município;
c) contactar porta a porta os cidadãos.

7. OBJECÇÃO DE CONSCIÊNCIA

Em 3 de Janeiro de 2000 a Assembleia da República aprova um diploma em que se


prevê que os objectores de consciência sejam obrigados a prestar um mês de serviço
cívico em cada seis meses até perfazerem a totalidade do tempo previsto para o
cumprimento do Serviço Militar Obrigatório. Em 13 de Janeiro o Primeiro-Ministro
solicita ao Tribunal Constitucional a apreciação do diploma por considerar que o
mesmo põe em causa valores fundamentais tutelados pela Constituição da República
Portuguesa.

6
8. OS MEDIA

Suponha que na próxima quinta-feira, o Governo aprova em Conselho de Ministros um


Decreto Regulamentar, com o seguinte teor:

“Considerando a recente polémica causada pela decisão de um colectivo de juízes


que proibiu às televisões e rádios a captação de imagens e de som durante um
determinado julgamento;

Considerando que um julgamento é por natureza um acto que em princípio deve ser
exposto à consideração geral, em vez de ocultar-se adentro de portas, para que não
restem dúvidas quanto à independência das decisões;

Considerando que os órgãos de informação devem ter a possibilidade de noticiar e


comentar livremente as ocorrências que considerem do interesse público, sendo certo
que a cobertura em directo oferece uma outra capacidade de apreciação por parte dos
destinatários. Para que esta possa legitimamente proibir-se é necessário que haja
razões de peso e não apenas um mero capricho por parte dos juízes.

Considerando no entanto que a natureza intrinsecamente pública do acto não exige a


sua publicitação a um ponto tal que implique desvantagens para a pessoa dos
acusados;

O Governo decreta:

1. A presença de meios de comunicação social nas salas de julgamento apenas pode


ser permitida se obtido o consentimento dos arguidos.
2. Não será considerada como presença nas salas de julgamento a recolha de
depoimentos e informações à porta da sala de audiências.”

Diga que comentários lhe merece este diploma, à luz do regime previsto na lei
fundamental portuguesa, caracterizando as previsões do Decreto Regulamentar de um
ponto de vista jurídico-constitucional.

7
9. SINDICATOS

Em Março do ano passado foi aprovado e publicado na folha oficial um diploma do


Governo, elaborado ao abrigo de uma lei de autorização relativo ao exercício do direito
de greve. O referido diploma veio a ser criticado pelas duas centrais sindicais, já que
estas não foram consultadas antes da aprovação do diploma. Por outro lado, entre
várias disposições legais, salientavam-se as seguintes:

a) o exercício do direito à greve era permitido a todos os trabalhadores, excepto para


as seguintes classes profissionais: médicos, motoristas dos transportes públicos e
controladores de tráfego aéreo;
b) o diploma previa que as associações sindicais que ao longo do ano promovessem
um número de dias de greve inferior a 50 beneficiavam de um subsídio estatal
para formação profissional dos seus dirigentes.

Quid Juris?

(Retirado de Colectânea de Hipóteses da Universidade Lusíada)

10. TAREFAS DO ESTADO

A Assembleia da República, entendendo dar cumprimento à alínea d) do artigo 9º da


Constituição, decidiu aprovar um conjunto de diplomas relativos às seguintes matérias:

- um diploma alargando o direito de sufrágio a todos os trabalhadores maiores de 16


anos, por entender que a sua inserção na vida profissional justifica a sua
participação na tomada da decisão política;
- um diploma que punia com pena de prisão até um ano quem tivesse efectuado
construções clandestinas nos últimos oito anos, por entender que essa seria a
forma mais adequada de preservar o património cultural, nos termos da alínea c)
do nº2 do artigo 78º da Constituição;
- um diploma que limitava a saída do país dos cidadãos que não tivessem votado
nas eleições da Assembleia da República nos últimos cinco anos ou que se não
inscrevessem num partido político num prazo de seis meses a contar a sua
entrada em vigor.
8
Quid Juris?

(Retirado de Colectânea de Hipóteses da Universidade Lusíada)

11. HABITAÇÃO

Um cidadão português, encontrando-se em situação económica difícil e impossibilitado


de pagar a renda da casa onde habitava com a sua família, foi vítima de uma acção de
despejo no fim da qual veio efectivamente a ficar sem casa de morada.

Inconformado com tal facto, decidiu processar o Estado, alegando em seu favor o
artigo 65º da Constituição, segundo o qual todos têm direito a habitação condigna.

Diga o que pensa desta actuação, tendo nomeadamente em conta o regime jurídico
dos direitos fundamentais, o problema da sua aplicabilidade directa e a questão dos
destinatários destes direitos.

(Retirado de Colectânea de Hipóteses da Universidade Lusíada)

Você também pode gostar