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DIREITO PROCESSUAL PENAL

CPIII
1º PERÍODO 2022
TEMAS

Tema 13:
Rito processual relativo aos crimes eleitorais. Processo penal por crimes eleitorais.
Os artigos 355 a 364 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65). Competência. Ação penal.
Peculiaridades do procedimento. A modificação da competência do juízo em face da
Lei 11.313/06.

1ª QUESTÃO:
Esclareça, fundamentadamente, qual é o órgão jurisdicional competente para julgamento
de vereador por crime eleitoral.

RESPOSTA:
Há divergência na doutrina.

O Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro já decidiu sobre a impossibilidade


de foro por prerrogativa de função para vereador estabelecido na Constituição
Estadual, a saber:

“RECURSO CRIMINAL. CONCESSÃO E DISTRIBUIÇÃO FRAUDULENTA DO


PROGRAMA CHEQUE CIDADÃO NO MUNICÍPIO DE CAMPOS DOS
GOYTACAZES. CRIMES DE CORRUPÇÃO ELEITORAL E ASSOCIAÇÃO
CRIMINOSA. DESPROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELOS RÉUS.
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
1. Suspeição e impedimento do Promotor Eleitoral afastada. Para caracterizar a suspeição,
a inimizade entre as partes deve ser pública, recíproca e estar fundada em atritos ou
agressões mútuas, não podendo se relacionar com meras rusgas que podem ocorrer no
ambiente profissional. Ausência de elementos mínimos a embasar alegação de
impedimento.
2. Natureza absoluta da competência eleitoral e da vis atractiva por ela exercida sobre os
crimes comuns que lhes forem conexos, somente sendo excepcionada a regra quando em
conflito com outra justiça especializada. Inteligência do art. 35, II do Código Eleitoral c/c
121 da CRFB. Competência da Justiça Eleitoral afirmada.
3. Competência do Juízo da 100ª Zona Eleitoral já afirmada por esta Corte e pelo TSE
nos autos do HC 452-17, impetrado por réu diverso em ação penal igualmente fundada
no uso eleitoreiro do programa social Cheque Cidadão, ficando sedimentada a
competência territorial daquele juízo para as ações decorrentes do IPF 236/2016
(Operação Chequinho). Preliminar rejeitada.
4. Alegação de nulidade por violação do foro por prerrogativa de função, em razão
do inquérito ter tido como ponto de partida a prisão em flagrante de Vereador.
Firme posicionamento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que os
vereadores não são detentores de foro especial por prerrogativa de função para o
julgamento de crimes eleitorais. Preliminar rejeitada.
5. Alegação de nulidade da prova obtida por meio de mandado judicial nos autos da Ação
Cautelar nº 654-57, ao argumento de que os dados e informações armazenados em
arquivos de computador não poderiam ser considerados documentos e, em consequência,
teriam sido violadas as normas processuais que embasam abusca e apreensão,
especialmente aquela alusiva ao objeto da apreensão, o que tornaria ilegal a apreensão
dos "documentos e arquivos digitais" dos computadores por falta de determinação
judicial.
6. O conceito jurídico da palavra documento remete a qualquer registro de informação
capaz de demonstrar a existência de um fato, independentemente do formato ou suporte
utilizado para registrá-la. A informação, os dados podem estar registrados em papel ou
em meio eletrônico e digital. Força probante dos documentos eletrônicos. Matéria já
apreciada inúmeras vezes por esta corte. Preliminar que se rejeita.
7. Alegação de nulidade da manifestação do Ministério Público após a defesa.
Possibilidade de inversão da ordem nas manifestações do Estado e defesa. Precedentes
do STF e do TRE. Preliminar que se afasta.
8. Não existe ilegalidade na correção de erro material na sentença em sede de Embargos
de Declaração. Correção apenas da parte dispositiva da sentença onde constou apenas
uma das penas aplicadas, por evidente erro material. Não houve agravamento da pena,
nem majoração da condenação, mas pura e simplesmente inclusão no dispositivo da
sentença da pena efetivamente aplicada. Preliminar rejeitada.
9. Mérito. Crimes de corrupção eleitoral e associação criminosa praticados através de
meticuloso esquema que envolveu dezenas de pessoas com papéis pré-definidos e outras
tantas que atuaram como meros artífices, sem se aperceberem de que eram usadas como
peças manipuladas de um jogo, cuja meta era eleger não apenas o sucessor político da
então Prefeita, mas também formar extensa bancada na Câmara de Vereadores em seu
apoio, lesando em milhões o Município de Campos dos Goytacazes.
10. Crime de corrupção eleitoral. O crime de corrupção eleitoral previsto no art. 299 do
Código Eleitoral tem como bem juridicamente tutelado a liberdade do eleitor de escolher
livremente o destinatário de seu voto. Corrupção ativa que ocorre pela criação, através da
oferta de vantagem, de um "vínculo psicológico no eleitor, gerando obrigação moral que
o force a apoiar determinada candidatura em razão da vantagem auferida ou apenas
acenada".
12. Na hipótese dos autos, o instrumento escolhido foi o programa social, de cunho
assistencialista, conhecido por Cheque Cidadão, que consiste na transferência temporária
de renda a beneficiários em condição social de vulnerabilidade, inscritos no Cadastro
Único para programas sociais do Governo Federal (CadÚnico) e selecionados após visita
domiciliar realizada por assistentes sociais.
13. Desvirtuamento do programa com inclusão fraudulenta de mais de 17.000
beneficiários captados em conjunto com diversos outros candidatos ao pleito de 2016 que
integravam a base governista, em troca de votos.
14. Prova robusta constituída por dezenas de depoimentos de testemunhas, documentos e
perícias que não deixam dúvida quanto à manipulação dos eleitores para criar um
sentimento de gratidão e dependência política com nítida aptidão de corromper e
influenciar a vontade do eleitor e desequilibrar o pleito eleitoral.
15. Crime continuado demonstrado pela prática de crimes da mesma espécie, com
similitude de condições de tempo, lugar e maneira de execução, justificando aexasperação
da pena.
16. Associação Criminosa. O crime previsto no art. 288 do CP tem como bem
juridicamente tutelado a paz pública, a segurança pública. Os integrantes não apenas são
parceiros ou cúmplices dos crimes, os agentes se associam para a prática de crimes,
vinculam-se a um poder lateral, clandestino.
17. Acervo probatório que desvelou a estrutura da associação criminosa, com divisão de
tarefas e papéis definidos.
18. Concurso material entre os crimes de corrupção eleitoral e associação criminosa, na
forma do art. 69 do Código Penal.
19. Dia multa fixado em 1/2 salário mínimo, condizente com a condição econômica dos
réus.
20. Perda do mandato eletivo corretamente determinada.
21. No que tange à suspensão dos direitos políticos, a Constituição Federal no art. 15, III,
elege como causa da suspensão o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Assim, a suspensão dos direitos políticos, por disposição constitucional, constitui efeito
automático da sentença penal condenatória transitada em julgado e, portanto, tanto
desnecessária quanto irrelevante sua motivação na sentença de primeiro grau.
Desnecessária, por ser efeito automático; irrelevante, porque somente ocorrerá quando se
der o trânsito em julgado.
22. Regime inicial de cumprimento da pena semiaberto. Inteligência do art. 33, § 2º, "b",
do Código Penal.
23. A execução provisória da pena deve se dar de imediato com a confirmação da sentença
condenatória pelo órgão colegiado de 2ª instância, após o julgamento de eventuais
embargos de declaração. Entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal.
24. Execução provisória da pena privativa de liberdade necessária para que se dê
efetividade à finalidade de prevenção geral que a pena encerra.
25. DESPROVIMENTO do recurso dos réus.
26. PROVIMENTO PARCIAL do recurso do Ministério Público para aumentar a pena
aplicada às rés Ana Alice Ribeiro Lopes Alvarenga e Gisele Koch Soares Alvarenga e,
consequentemente, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena por
ambas.
27. Comunicação à Zona Eleitoral de origem para expedição de mandado de prisão para
cumprimento provisório da pena ora aplicada aos réus, reiterando tratar-se de regime
semi-aberto, após apreciação e publicação do acórdão dos primeiros embargos de
declaração eventualmente opostos.
grifei
(TRE-RJ. RC 26-93.2016.619.0100. Relatora Cristina Serra Feijó. Publicado em
12/11/2018).

Igualmente, o Tribunal Superior Eleitoral já decidiu:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO


ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. AÇÃO PENAL. RÉU.
VEREADOR. PREVISÃO LEGAL DE FORO POR PRERROGATIVA DE
FUNÇÃO ESTABELECIDA NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO.PRECEITO
NORMATIVO INCONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 100ª
ZONA ELEITORAL. PRISÃO PREVENTIVA SUBSTITUÍDA POR CAUTELARES
DIVERSAS DA PRISÃO. NÃO PROVIMENTO.
1. O juízo eleitoral de primeiro grau é competente para processar e julgar crime
praticado por vereador. Precedentes.
2. De acordo com o princípio da simetria ou do paralelismo, previsto no art. 125,
caput, da CF, e posto que os Estados não podem legislar sobre matéria penal, ou
mesmo processual, reservada à competência privativa da União (art. 21, I, CF), as
Constituições Estaduais só podem atribuir aos seus agentes políticos as mesmas
prerrogativas que a Constituição Federal concede às autoridades que lhe sejam
correspondentes.
3. É competente o juízo eleitoral da 100ª Zona Eleitoral de Campos dos
Goytacazes/RJ para processar e julgar a ação penal nº 26-93, instaurada contra os
pacientes, mandatários do cargo de vereador.
4. A pretensão recursal de revogação da prisão preventiva se encontra prejudicada, uma
vez que o juízo da 100ª Zona Eleitoral converteu a prisão preventiva dos pacientes em
medidas cautelares diversas da prisão.
5. Os recorrentes não determinaram quais as espécies de medidas cautelares diversas da
prisão impostas pelo magistrado se mostram ilegais ou abusivas, o que inviabiliza a
apreciação por esta Corte, especialmente na via estreita do habeas corpus, sobre a efetiva
ausência de necessidade e adequação das medidas aplicadas, nos termos do art. 282 do
CPP.
6. O pedido referente à revogação das medidas cautelares diversas da prisão não foi
deduzido perante a Corte Regional, na impetração do habeas corpus, o que caracteriza
inovação recursal apta a ensejar supressão de instância.
7. Recurso ordinário a que se nega provimento.”
grifei
(TSE. RHC431-41.2016.6.19.0000. Relator Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho
Neto. Publicado em 31/08/2017).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO


ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. AÇÃO PENAL. RÉ.
CORRÉUS. VEREADORES. PREVISÃO LEGAL DE FORO POR
PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO.
PRECEITO NORMATIVO INCONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO
DA 100ª ZONA ELEITORAL. PRISÃO PREVENTIVA SUBSTITUÍDA POR
CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ARTS. 282 E 319 DO CPP. PEDIDO DE
REVOGAÇÃO DAS CAUTELAS. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
NÃO PROVIMENTO.
1. Cessado o constrangimento à liberdade de ir e vir da paciente, com a revogação da
prisão preventiva que sustenta a ordem pleiteada, tem-se por esvaziada a pretensão
recursal, o que impõe o reconhecimento da perda superveniente do objeto do recurso
ordinário nessa parte.
2. A arguição de incompetência do juízo eleitoral, considerada a alegada
competência originária do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro para
processar e julgar a ação penal promovida contra ré, em virtude da prerrogativa de
foro prevista para os vereadores no art. 161, IV, d, 3, da Constituição daquele
Estado, constitui inovação recursal, o que inviabiliza a sua apreciação pelo TSE, sob
pena de se incorrer em indevida supressão de instância.
3. Ademais, de acordo com a jurisprudência assente do STF, "as normas constitucionais
sobre prerrogativa de foro devem ser interpretadas restritivamente, o que determina o
desmembramento do processo criminal sempre que possível, mantendo-se sob a
jurisdição especial, em regra e segundo as circunstâncias de cada caso, apenas o que
envolva autoridades indicadas na Constituição" (AP 871 QO/PR, Rel. Min. Teori
Zavascki, DJe 30.10.2014).
4. A eventual prerrogativa de foro dos vereadores não aproveitaria à paciente, que não
ocupa o referido mandato eletivo e que, à época dos fatos, ocupavao cargo de secretária
municipal de desenvolvimento humano e social do Município de Campos dos
Goytacazes.
5. A Constituição Federal não estabelece foro privilegiado para vereadores, como o
faz para os prefeitos (art. 29, X), razão pela qual não haveria como aplicar o
princípio do paralelismo constitucional a fim de se concluir pela competência
originária da Corte Regional para o julgamento de crimes eleitorais supostamente
praticados contra detentores do cargo de vereador. Precedentes do TSE.
6. Os recorrentes não determinaram quais as espécies de medidas cautelares diversas da
prisão impostas pelo magistrado se mostram ilegais ou abusivas, o que inviabiliza a
apreciação por esta Corte, especialmente na via estreita do habeas corpus, sobre a efetiva
ausência de necessidade e adequação das medidas aplicadas, nos termos do art. 282 do
CPP.
7. A matéria relativa ao pedido de revogação das medidas cautelares não fora deduzido
perante a Corte Regional na impetração do habeas corpus e, portanto, também constitui
inovação recursal, que, se apreciada pelo TSE, implicaria na indevida supressão de
instância. Precedentes do STF e do STJ.
8. Não é possível a análise, ainda que de ofício, quanto à necessidade e à adequação das
medidas cautelares, nos moldes preconizados pelo art. 282 do CPP, quando o recorrente
sequer indica quais das medidas impostas pelo magistrado se mostram ilegais ou
excessivas. Precedente do STJ.
9. Recurso ordinário a que se nega provimento.”
grifei
(TSE. RHC 0000430-56.2016.6.19.0000. Relator Ministro Tarcisio Vieira de
Carvalho Neto. Publicado em 04/09/2017).

Da mesma forma, cumpre ressaltar o posicionamento do doutrinador Renato


Brasileiro de Lima, a saber:

“3.2.11. Vereadores

Apesar de serem dotados de inviolabilidade por suas opiniões, palavras e votos no


exercício do mandato na circuncrição do Município (CF, art. 29, inciso VIII), vereadores
não são dotados de foro por prerrogativa de função. Ocorre que algumas Constituições
Estaduais passaram a prever que vereadores seriam dotados de foro por prerrogativa de
função (v.g., Constituição do Estado do Rio de Janeiro).
Não obstante, como visto acima (Constituições Esatduais e princípio da simetria), essa
previsão de foro por prerrogativa de função para vereadores configurainequívoca violação
ao princípio da simetria, sendo inviavél que Constituições Estaduais outorguem foro por
prerrogativa de função a vereadores. Não por outro motivo, em julgamento de Ação
Direta de Inconstitucionalidade, foi declarada a suspensão da eficácia do art. 349 da Carta
Política Fluminense, que estendia a vereadores do Estado do Rio de Janeiro as
prerrogativas processuais de Deputado Estadual previstas no art. 102, §1º, da mesma
carta.”
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: Editora JusPodivm, 2016, pág. 510).

Em contrapartida, convém mencionar o entendimento do doutrinador Evânio


Moura, a saber:

“Além das previsões explícitas e implícitas de autoridades que possuem foro perante a
Corte Estadual, impede registrar que a Carta Magna estabelece em seu artigo 125,
parágrafo 1º, competir às Constituições Estaduais estabelecerem as autoridades que
gozam da prerrogativa de função, devendo responder criminalmente perante o Tribunal
de Justiça do Estado, posto que “a competência dos Tribunais e juízes estaduais é matéria
da Constituição e leis de organização judiciária do Estado.”
...
A questão que se coloca é a seguinte: e se uma dessas pessoas que têm o Tribunal de
Justiça como foro privativo (estabelecido no texto da Constituição Estadual) vem a ser
acusadas de crime eleitoral, o foro competente passa a ser o do Tribunal Regional
Eleitoral?
A questão não é nova e já foi objeto de reflexão e julgamento do Supremo Tribunal
Federal que, de forma unânime, em decisão revestida de bom senso e raciocínio lógico,
concebeu que competirá ao Tribunal Regional Eleitoral processar e julgar autoridade que
no âmbito do Estado possui foro perante o Tribunal de Justiça, quando acusada da prática
de crime eleitoral.
...
Portanto, de forma escorreita tem entendido a Suprema Corte que as autoridades com foro
estabelecido em Constituição Estadual, quando acusadas de crime eleitoral, devem
responder perante o Tribunal Regional Eleitoral.”
(MOURA, Evânio. Processo Penal eleitoral: crimes eleitorais, jurisdição e
competência. Curitiba: Juruá, 2014, p. 248-250).

2ª QUESTÃO:
Durante o processo de votação, um mesário, sem justa causa, abandona a seção eleitoral,
após estar compromissado para exercer esta função. Posteriormente, com um coautor
pratica um roubo com arma de fogo no interior da seção eleitoral em que trabalhava,
subtraindo, com grave ameaça, os bens dos outros mesários e eleitores presentes.
Em fuga, o mesário e o coautor foram detidos e encaminhados para a Delegacia de Polícia
local que lavrou o auto de prisão em flagrante, indiciando os dois pela prática daqueles
crimes.
O flagrante foi distribuído para a 15ª Vara Criminal da Capital. No exercício da função
de juiz criminal, qual deve ser a decisão a ser proferida?

RESPOSTA:
O juiz criminal deve declinar de sua competência e encaminhar o flagrante para o juiz
eleitoral da zona eleitoral correspondente ao local do fato, artigo 70 do Código de
Processo Penal, aplicando o disposto no artigo 35, II, do Código Eleitoral, pois ocorrendo
conexão probatória ou instrumental entre crime comum e eleitoral (o crime eleitoral é o
do artigo 344 do Código Eleitoral), cumpre ao juiz eleitoral julgar ambos os delitos.
A Justiça Eleitoral é especial (art. 78, IV, CPP), inclusive caberia a lavratura do flagrante
delito pela Polícia Federal, e não estadual.

"4.3.4.1 Conexão entre crime eleitoral e crime comum da competência da Justiça


Federal ou da Justiça Estadual

O primeiro desdobramento apontado é o mais simples e, com exclusão do crime doloso


contra a vida, não encontra exceção, devendo ser alçado à condição de Juízo prevalente
o foro eleitoral, aplicando-se o contido no artigo 78, IV, do Código de Processo Penal c.c
o artigo 35, II, do Código Eleitoral."
(MOURA, Evânio. Processo Penal eleitoral: crimes eleitorais, jurisdição e
competência. Curitiba: Juruá, 2014, p. 270).

"1.5.2.1. Concurso entre a jurisdição comum e a especialidade

No concurso entre a jurisdição comum e a especial (ressalvada a Justiça Militar - CPP,


art. 79, inciso I), prevalece a especial (CPP, art. 78, inciso IV). Logo, caso um crime
eleitoral seja conexo a um crime comum de competência da Justiça Estadual, prevalece a
competência da Justiça Eleitoral para julgar ambos os delitos."
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Competência Criminal. 2 ed. rev., ampl. e
atual. Bahia: Juspodivm, 2014, pág. 369).

O Superior Tribunal de Justiça assim já decidiu:


"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM
HABEAS CORPUS. 1. OPERAÇÃO "XEQUE-MATE". CORRUPÇÃO ATIVA.
ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PEDIDO DE
APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO FIRMADA NO INQ 4.435/STF. 2. COMPRA E
VENDA DE MANDATO DO PREFEITO ELEITO. AUSÊNCIA DE CRIME
ELEITORAL NARRADO NA DENÚNCIA. GÊNESE DA IMPUTAÇÃO QUE
REMONTA À PRÁTICA DE CAIXA DOIS. CONTEXTO ELEITORAL.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. 3. NULIDADE DOS ATOS
DECISÓRIOS. ART. 567 DO CPP. POSSIBILIDADE DE RATIFICAÇÃO DOS ATOS
INSTRUTÓRIOS. 4. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO PARA DAR
PROVIMENTO AO RECURSO EM HABEAS CORPUS.
1. O Plenário do STF, no julgamento do INQ n. 4.435/DF, confirmou sua
jurisprudência no sentido de quecompete à Justiça Eleitoral julgar os crimes
comuns que sejam conexos com os crimes eleitorais, cabendo à Justiça Especializada
analisar, de acordo com o caso concreto, a efetiva existência de conexão.
2. Embora não sejam narrados crimes eleitorais na exordial acusatória, não há como
afirmar a inexistência destes, muito pelo contrário. O próprio MP esclarece que "a gênese
de tudo isso remonta ao financiamento da campanha de eleição do então prefeito
LUCENINHA que, como praxe, recorreu ao ‘caixa dois‘". Observa-se, portanto, que,
apesar de se ter escolhido como marco temporal inicial das investigações a compra do
mandato do então prefeito, referida compra apenas foi possível em virtude das dívidas
assumidas por meio de caixa 2. Dessa forma, constata-se a existência de contexto anterior
e maior, cuja análise não pode ser subtraída da Justiça Especializada. - Ainda que possa
"haver certa independência entre o crime de corrupção passiva e o crime eleitoral, é
sempre viável ao magistrado competente deliberar sobre o desmembramento, com a
remessa à Justiça Federal daquela parte que entender não ser de obrigatório julgamento
conjunto. De qualquer sorte, essa decisão só pode incumbir ao Juízo inicialmente
competente, que é o Eleitoral" (AgRg na APn 865/DF, Rel. Ministro HERMAN
BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 07/11/2018, DJe 13/11/2018).
3. Verificada a competência da Justiça Eleitoral para conhecer do contexto apresentado
nos presentes autos, haja vista a conexão com crime de "Caixa 2", devem ser considerados
nulos os atos decisórios, nos termos do art. 567 do CPP, ressalvando-se a possibilidade
de ratificação dos demais atos pelo Juízo competente.
4. Agravo regimental a que se dá provimento, para dar provimento ao recurso em habeas
corpus, reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para analisar os fatos
investigados na Ação Penal n. 0001048-10.2017.815.0000. Reconhecida a incompetência
da Justiça Estadual, devem ser considerados nulos os atos decisórios."
grifei
(STJ. Quinta Turma. AgRg no RHC 143.364/PB. Relator Ministro Jesuíno Rissato.
Julgamento em 19/10/2021).
"PENAL. PROCESSO PENAL. OPERAÇÃO LAVA JATO. DISSÍDIO. NÃO
DEMONSTRADO. COMPETÊNCIA. FIXAÇÃO. IN STATU ASSERTIONIS.
CRIMES ELEITORAIS CONEXOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL.
DECISÃO MANTIDA.
I - O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento
firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios
fundamentos.
II - Com efeito: "(...) o alegado dissídio pretoriano não foi demonstrado nos moldes dos
arts. 1.029, § 1.º, do Código de Processo Civil e 255, § 1.º, do Regimento Interno do
Superior Tribunal de Justiça, pois não houve o devido cotejo analítico entre os julgados
apontados como divergentes" (AgRg no AREsp n. 1.414.307/SP, Sexta Turma, Relª.
Minª. Laurita Vaz, DJe de 24/05/2019, destaquei).
III - O Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em julgamento de agravo regimental
interposto nos autos do Inq. 4.435/DF, por maioria, estabeleceu a tese de que compete à
Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes eleitorais e os crimes comuns que lhes forem
conexos. Por conseguinte, havendo conexão entre crime de natureza comum e crime de
natureza eleitoral, todos, conjuntamente, serão processados e julgados na Justiça
Eleitoral.
Agravo regimental desprovido."
grifei
(STJ. Quinta Turma. AgRg no Resp 1.904.123/PR. Relator Ministro Felix Fischer.
Julgamento em 13/04/2021).

No mesmo sentido, os Tribunais Regionais Eleitorais assim já se manifestaram, a


saber:

"Recursos criminais. Eleições 2014. Denúncia. Arts. 316 do Código Penal e 300 do
Código Eleitoral. Absolvição do crime eleitoral. PRELIMINAR. Incompetência da
Justiça Eleitoral. Alegação de que não se vislumbrou indícios de prática de crime
eleitoral, e sim de crime comum tipificado no art. 316 do Código Penal e que não caberia
a esta Especializada julgar matéria não eleitoral. A denúncia imputou-lhes condutas
descritas como crimes previstos no Código Eleitoral e no Código Penal, em conexão,
e, embora tenham sido absolvidos do crime eleitoral, havendo conexão entre os
delitos, ode competência especial atrai o de competência comum. Art. 78, IV, do
Código de Processo Penal. Princípio da perpetuatio jurisdictionis. Art. 81 do Código
de Processo Penal. Rejeitada. PRELIMINAR. Ilegitimidade passiva dos recorrentes. A
questão alegada pelos recorrentes é de mérito, uma vez que pressupõe exame do tipo
penal e análise das provas. Não conhecida. PRELIMINAR. Nulidade da sentença.
Alegação dos recorrentes de omissão e obscuridade na sentença, que não foram sanadas
nos embargos de declaração por eles opostos. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL
DE MINAS GERAIS Eventuais omissões ou contradições da sentença exigem análise
das provas, o que deve ser realizado no exame de mérito. Não conhecida. MÉRITO.
Narração, na denúncia, decoação, exercida em conluio por Secretário Municipal e por
Presidente de partido, contra servidores comissionados, para que contribuíssem com
percentual de seus salários para partido político. Imputação do crime de concussão,
classificado como crime próprio, que deve ter como sujeito ativo um funcionário público.
Participação do Secretário IY unicipal presumida, a partir de circunstâncias que não
comprovam que ele tenha tido o desígnio de praticar o crime. Ausência de provas de
autoria. Afastada a conduta do funcionário público, não se pode imputar a prática do
crime próprio de concussão a um particular, como Único autor. Recurso provido.
Absolvição dos réus com base no art. 386, V, do CPP."
grifei
(TRE-MG. Recurso Criminal n. 31-91.2015.6.13.0335. Relator Paulo Rogério de
Souza Abrantes. Julgamento em 18/04/2018).

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ELEITORAL CRIMINAL.


OMISSÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REDISCUSSÃO DO MÉRITO DA DECISÃO.
DOSIMETRIA DA PENA DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. MATÉRIA
ESTRANHA ÀS RAZÕES DA APELAÇÃO. REVOLVIMENTO DA QUESTÃO EM
SEDE DE EMBARGOS CONTRA O ACÓRDÃO PROLATADO.
IMPOSSIBILIDADE. ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESPECIALIZADA. CRIME COMUM CONEXO. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA ESPECIALIZADA. ART. 81, CAPUT, DO CPP. IMPROVIMENTO.
1. Embargos de Declaração no Recurso Penal Eleitoral interposto por Francisco César
Parente contra o Acórdão condenatório de fl. 172-177.
2. Alegações de incompetência da Justiça Eleitoral, por ser a condenação em corrupção
ativa crime de competência da Justiça Comum, deerro nas premissas fáticas que fulcraram
a sentença condenatória e foram ratificadas no acórdão que a confirmou. Renovação da
impugnação sobre as provas produzidas que já foi apreciada em sede de apelação. Ataque
apenas em sede de embargos da dosimetria fixada na sentença, tema este não versado na
apelação.
3. O Acórdão embargado se pronunciou exaustivamente se sobre todos os pontos
levantados pelas partes e enfrentou todas as questões relevantes para o julgamento do
recurso.
4. Embargos com efeitos exclusivamente infringentes. Artigo 619, do CPP. Os embargos
só se prestam para aclarar ambiguidades, obscuridades, contradições ou omissões.
5. A única finalidade destes embargos foi a completa rediscussão de matérias já
amplamente decididas.
6. Competência desta Corte para apreciar o crime de corrupção ativa,
originariamente de competência da JustiçaComum, depois de absolvido o réu do
crime conexo especificamente pertinente ao crivo desta Justiça Especializada.
7. O embargante, em verdade, nunca sequer contendeu sobre tal incompetência, que foi
tacitamente reconhecida em primeiro grau. Em segundo grau, ainda que não agitado no
recurso, o ponto foi objeto de conhecimento de ofício e ampla discussão pelos membros
desta Corte na sessão que decidiu o recurso embargado.
8. Entendeu-se que era aplicável à espécie o dispositivo do art. 81, caput, do CPP, segundo
o qual, "verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no
processo de sua competência venha o juiz ou Tribunal a proferir sentença absolutória ou
que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará
competente em relação aos demais processos".
9. Admissibilidade de exceções a tal regra apenas se estiverem explicitamente formuladas
em lei, como a do parágrafo único do art. 81, do CPP, aplicável ao Tribunal do Júri.
10. Especificidade dos casos de conexão ou continência. Impossibilidade de confundir tal
hipótese com situação diversa tratada no CPP, como a da desclassificação de uma única
infração pelo juiz quando não houver reunião de processos por conexão ou continência.
11. Preliminar decidida e superada expressamente por esta Corte, mesmo não tendo sido
agitada na apelação.
12. Impossibilidade de modificação da decisão em sede de meros aclaratórios, cuja esfera
fica restrita ao espancamento de omissões, ambiguidades e contradições, não se prestando
ao papel de recurso que reveja em sentido contrário o julgamento concluído pelo TRE.
13. Inexistência de omissão quanto à afirmação do depoimento do soldado Melo de que
teria sido o soldado Abimael que teria chamado o acusado para conversar.
14. Impertinência da afirmação no depoimento do soldado Martins, de que não teria
presenciado o recorrente conversando isoladamente com o soldado Abimael.
15.Supostas contrariedades entre os depoimentos que foram tomados como base para a
condenação. Não vem ao caso precisar se foi ou não o soldado Abimael que chamou o
acusado para conversar, ou se foi o contrário. O ponto que interessa ao deslinde da
controvérsia é se conversaram de fato e se nesse diálogo se deu a oferta de suborno.
16. Inexistência de dúvida sobre a proposta de corrupção feita, pois os depoimentos de
Abimael e Melo se harmonizam quanto às circunstâncias de ocorrência do fato típico,
pois este, e aqui repito o voto no acórdão, "asseverou que, em dado momento, Abimael
e o recorrente afastaram-se, mantendo uma breve conversação isolados, sendo que, ao se
juntar à equipe policial, Abimael, de pronto e ainda no local da autuação, relatou que
havia recebido proposto de suborno" (fls. 176).
17. A afirmação do soldado Martins de que não teria presenciado o recorrente
conversando com Abimael, se verdade for, não interfere na existência ou não do diálogo
em que houve a proposta criminosa. Somente revela que o mesmo soldado Martins não
percebeu o fato, cujaocorrência ficou comprovada pelos depoimentos de Abimael, em
combinação com o de Melo, que afiançou que Abimael lhe contou sobre a proposta de
suborno logo depois de sucedida.
18. Sentença e acórdão expressos e contundentes quanto à segurança dos elementos que
demonstraram a autoria e materialidade do delito.
19. Descabimento apenas em sede de embargos da impugnação da dosimetria da pena
confirmada no aresto recorrido: matéria coberta pelo manto da preclusão processual.
20. Ausência de erronia ou exorbitância da pena de multa imposta, pois, como os
embargos já reconhecem, o embargante é um comerciante de porte, ainda que pequeno,
não desprezível, podendo perfeitamente arcar com condenação em que o dia-multa foi
fixado em somente um terço do salário mínimo.
21. Embargos de declaração conhecidos e rejeitados."
grifei
(TRE-CE. Embargos de Declaração em Recurso Criminal n. 235. Relator José Vidal
Silva Neto. Julgamento em 05/02/2018).

Tema 14:
Tribunal do Júri. Princípios regentes. Competência do júri: conexão e força
atrativa. Procedimento bifásico do Tribunal do Júri (Posição do Nucci:
procedimento trifásico). Absolvição sumária. Desclassificação. Impronúncia.
Pronúncia.

1ª QUESTÃO:
PETRÚCIO foi denunciado e pronunciado pela suposta prática da conduta descrita no
art. 121, §2º, I e IV, do Código Penal, por fato ocorrido em 10 de julho de 2020.
Inconformada, a defesa de PETRÚCIO interpôs recurso em sentido estrito, no qual
objetivou a anulação da sentença de pronúncia por violação ao artigo 93, IX, da
Constituição Federal, sob o fundamento de que a decisão de pronúncia é nula por falta de
fundamentação, pois baseada exclusivamente em elementos obtidos na fase policial, sem
afirmar a presença de qualquer indício de quem teria sido o autor/executor da empreitada
criminosa.
A partir da situação hipotética acima narrada, esclareça, com base no entendimento do
Superior Tribunal de Justiça, se o recurso defensivo deve ser provido.

RESPOSTA:
"5.1 Regra probatória: é muito comum na doutrina assertiva de que o aplicável à decisão
de pronúncia é o ‘in dubio pro societate‘, ou seja, na dúvida quanto à existência do crime
ou em relação à autoria ou participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado. A
nosso juízo, tal entendimento interpreta o art. 413 do CPP de maneira equivocada.
Referido dispositivo dispõe que, para que o acusado seja pronunciado, o juiz deve estar
convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou
de participação (CPP, art. 413, caput). Ao fazer remissão ao convencimento da
materialidade do fato, depreende-se que, em relação à materialidade do delito, deve haver
prova plena de sua ocorrência, ou seja, deve o juiz ter certeza de que ocorreu um crime
doloso contra a vida. Portanto, é inadmissível a pronúncia do acusado quando o juiz tiver
dúvida em relação à existência material do crime, sendo descabida a invocação do in
dubio pro societate, na dúvida quanto à existência do crime. Por sua vez, quando a lei
impõe a presença de indícios suficientes de autoria ou de participação, de modo algum
está dizendo que o juiz deve pronunciar o acusado quando tiver dúvida acerca de sua
concorrência para prática delituosa. Na verdade, ao fazer uso da expressão indícios,
referiu-se o legislador à prova semiplena, ou seja, àquela prova de valor mais tênue, de
menor valor persuasivo. Dessa forma, conquanto não se exija certeza quanto à autoria
para a pronúncia, tal qual se exige em relação à materialidade do crime, é necessário um
conjunto de provas que autorizem um juízo de probabilidade de autoria ou de
participação.
Destarte, a nosso ver, havendo dúvidas quanto à existência do crime ou quanto à presença
de indícios suficientes, deve o juiz sumariante impronunciar o acusado, aplicando o in
dubio pro reo."
(LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador:
Editora JusPodivm, 2016, p. 1.132-1.133).

Quanto à adminissibilidade ou não de pronúncia baseada exclusivamente em elementos


informativos obtidos na fase inquisitorial, importa destacar que, recentemente, o
Superior Tribunal de Justiça, pela Quinta e Sexta Turmas, decidiu ser ilegal a sentença de
pronúncia fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial,
como se infere dos julgados abaixo:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.


PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. ALEGAÇÃO
DE AFRONTA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE
IMPUGNAÇÃO A FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA N. 182
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRONÚNCIA QUE, NA HIPÓTESE,
NÃO DERIVOU DE ELEMENTOS OBTIDOS EXCLUSIVAMENTE
NOINQUÉRITO POLICIAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. INVERSÃO DO
JULGADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA
EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. Nas razões do agravo regimental não foi impugnado o fundamento relativo à
impossibilidade de apreciação de alegada contrariedade a dispositivo constitucional na
via do recurso especial. Portanto, no tocante a essa matéria, incide o óbice da Súmula n.
182/STJ.
2. A atual jurisprudência da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, alinhando-
se ao entendimento firmado pela Suprema Corte quando do julgamento do HC n.
180.144/PI, da relatoria do Min. Celso de Mello (DJe de 22/10/2020), entende não ser
possível que a pronúncia esteja lastreada tão somente em elementos colhidos
durante a fase inquisitorial.
3. Todavia, no caso dos autos, não se aplica o citado entendimento jurisprudencial, pois
a respectiva pronúncia não está calcada apenas nos elementos probantes obtidos no
inquérito, tendo em vista que também houve a oitiva de testemunhas em juízo. O cotejo
entre os depoimentos das testemunhas colhidos na fase inquisitorial e também em juízo,
tão somente revelou discrepância entre termos declinados nas mencionadas fases, qual
seja, as afirmações consignadas quando do inquérito não teriam sido inteiramente
reiteradas na fase processual, o que, a meu sentir, não constitui óbice à pronúncia.
4. A Corte a quo concluiu que o conjunto fático-probatório dos autos - inclusive no que
diz respeito ao cotejo entre os depoimentos levados a termo na fase inquisitorial e em
juízo - é suficiente para embasar a pronúncia do Agravante. Modificar tal entendimento
para acolher o pleito de impronúncia demandaria, necessariamente, o revolvimento das
provas e fatos acostados aos autos, atraindo o óbice do enunciado da Súmula n. 7 do
Superior Tribunal de Justiça.
5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido."
grifei
(STJ. Quinta Turma. AgRg no Aresp 1.808.659/CE. Relatora Ministra Laurita Vaz.
Julgado em 16/03/2021).

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO


PRÓPRIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO
QUALIFICADO. ALEGADA OFENSA AO ART. 155 DO CÓDIGO DE
PROCESSO PENAL. PRONÚNCIA FUNDADA EM ELEMENTOS
EXCLUSIVAMENTE EXTRAJUDICIAIS. INSUFICIÊNCIA.PRECEDENTES.
PADRÃO PROBATÓRIO ELEVADO. COGNIÇÃO APROFUNDADA.
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA PLENITUDE DE
DEFESA. INVOCAÇÃO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE PARA JUSTIFICAR
A DECISÃO DE PRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado
em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma,
Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma,
Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018, pacificaram orientação no sentido de
que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese,
impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de
flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. In casu, o Tribunal local manteve a
decisão que pronunciou os réus, com base em dois depoimentos extrajudiciais, o da
testemunha Kauã de Machado Machado, que não foi confirmado na fase processual e
o da testemunha Welington Alves dos Santos, que assumiu caráter não repetível, em razão
de seu desaparecimento durante a instrução.
3. Note-se a ausência de indícios suficientes de autoria delitiva (art. 413 do CPP)
submetidos ao devido processo legal, carecendo, portanto, a referenciada prova, de
judicialização apta a embasar a pronúncia.
4. Força argumentativa das convicções dos magistrados. Provas submetidas ao
contraditório e à ampla defesa. No Estado Democrático de Direito, o mínimo flerte com
decisões despóticas não é tolerado, e a liberdade do cidadão só pode ser restringida após
a superação do princípio da presunção de inocência, medida que se dá por meio de
procedimento realizado sob o crivo do devido processo legal.
5. Art. 155 do CPP. Prova produzida extrajudicialmente. Elemento cognitivo formado
sem o devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do
arbítrio estatal.
6. Na hipótese, optar pela pronúncia implica considerar suficiente a existência de
prova inquisitorial para submetero réu ao Tribunal do Júri sem que se precisasse,
em última análise, de nenhum elemento de prova a ser produzido judicialmente. Ou
seja, significa inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal,
conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as
garantias do devido processo legal em detrimento do processo penal, o qual é regido
por princípios democráticos e por garantias fundamentais.
7. Opção legislativa. Procedimento escalonado. Diante da possibilidade da perda de um
dos bens mais caros ao cidadão - a liberdade -, o Código de Processo Penal submeteu o
início dos trabalhos do Tribunal do Júri a uma cognição judicial antecedente.
Perfunctória, é verdade, mas munida de estrutura mínima a proteger o cidadão do arbítrio
e do uso do aparelho repressor do Estado para satisfação da sanha popular por vingança
cega, desproporcional e injusta.
8. O standard probatório relativo à pronúncia é mais alto que o de uma decisão qualquer
(exceto condenação de meritis). A cognição, nela, é - transpondo para o processo penal
as lições de Kazuo Watanabe (Cognição no Processo Civil, São Paulo: Saraiva, 2012)
para o processo civil - muito mais profunda. Por isso, a pronúncia, exigindo um padrão
de prova mais elevado, dado que requer cognição mais aprofundada, não pode se
contentar unicamente com elementos probatórios que não foram submetidos ao
contraditório.
9. Impossibilidade de se admitir a pronúncia de acusado com base em indícios
derivados do inquérito policial. Precedentes.
10. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar o acórdão
atacado e despronunciar os pacientes."
grifei
(STJ. Quinta Turma. HC 560.552/RS. Relator Ministro Ribeiro Dantas. Julgado em
23/02/2021).

"HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE. PRONÚNCIA


FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS DE
INFORMAÇÃO COLETADAS NA FASE EXTRAJUDICIAL. OFENSA AO ART.
155 DO CPP.IMPOSSIBILIDADE. NOVA ORIENTAÇAO DO STF.
1. A atual posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema admite a pronúncia do
acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente
afronta ao art. 155 do Código de Processo Penal.
2. Nova orientação do Supremo Tribunal Federal (HC n. 180144, Ministro Celso de
Mello, Segunda Turma, DJe 22/10/2020). A primeira fase do procedimento do júri
constitui filtro processual com a função de evitar julgamento pelo plenário sem a
existência de prova de materialidade e indícios de autoria.
3. É ilegal a sentença de pronúncia com base exclusiva em provas produzidas no
inquérito, sob pena de igualar em densidade a sentença que encera o jus accusationis
à decisão de recebimento de denúncia. Todo o procedimento delineado entre os arts.
406 e 421 do Código de Processo Penal disciplina a produção probatória destinada a
embasar o deslinde da primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri. Trata-se de
arranjo legal, que busca evitar a submissão dos acusados ao Conselho de Sentença
de forma temerária, não havendo razão de ser em tais exigências legais, fosse
admissível a atividade inquisitorial como suficiente.
4. Ordem de habeas corpus concedida para despronunciar o paciente e revogar sua prisão
preventiva, sem prejuízo de formulação de nova denúncia, nos termos do art. 414,
parágrafo único, do Código de Processo Penal."
grifei
(STJ. Sexta Turma. HC 589.270/GO. Relator Ministro Sebastião Reis Júnior.
Julgado em 23/02/2021).

Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal já apreciou a questão, a saber:

"HABEAS CORPUS" - TRIBUNAL DO JÚRI -DECISÃO DE PRONÚNCIA -


IMPOSSIBILIDADE DE REFERIDO ATO DECISÓRIO TER COMO ÚNICO
SUPORTE PROBATÓRIO ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO PRODUZIDOS,
UNILATERALMENTE, NO ÂMBITO DE INQUÉRITO POLICIAL OU DE
PROCEDIMENTO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL INSTAURADO PELO
PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO - TRANSGRESSÃO AOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO E DA PLENITUDE DE DEFESA, VIOLANDO-SE, AINDA,
A BILATERALIDADE DO JUÍZO - O PROCESSO PENAL COMO
INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DA LIBERDADE JURÍDICA DAS PESSOAS
SOB PERSECUÇÃO CRIMINAL - MAGISTÉRIO DA DOUTRINA - PRECEDENTES
- INADMISSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO DA FÓRMULA "IN DUBIO PRO
SOCIETATE", PARA JUSTIFICAR A DECISÃO DE PRONÚNCIA - ABSOLUTA
INCOMPATIBILIDADE DE TAL CRITÉRIO COM A PRESUNÇÃO
CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA - DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PEDIDO DE "HABEAS CORPUS"
DEFERIDO - EXTENSÃO, DE OFÍCIO, PARA O LITISCONSORTE PASSIVO,
DO PROCESSO PENAL DE CONHECIMENTO.
- O sistema jurídico-constitucional brasileiro não admite nem tolera a possibilidade de
prolação de decisão de pronúncia com apoio exclusivo em elementos de informação
produzidos, única e unilateralmente, na fase de inquérito policial ou de procedimento de
investigação criminal instaurado pelo Ministério Público, sob pena de frontal violação
aos postulados fundamentais que asseguram a qualquer acusado o direito ao contraditório
e à plenitude de defesa. Doutrina. Precedentes.
- Os subsídios ministrados pelos procedimentos inquisitivos estatais não bastam,
enquanto isoladamente considerados, para legitimar a decisão de pronúncia e a
consequente submissão do acusado ao Plenário do Tribunal do Júri.
- O processo penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica
das pessoas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes.
- A regra "in dubio pro societate" - repelida pelo modelo constitucional que consagra o
processo penal de perfil democrático - revela-se incompatível com a presunção de
inocência, que, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, tem prevalecido no contexto
das sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à
dignidade da pessoa humana."
grifei
(STF. Segunda Turma. HC 180.144. Relator Ministro Celso de Mello.Julgado em
10/10/2020).

Outrossim, imperioso ressaltar que há decisões do Superior Tribunal de Justiça que


admitem a possibilidade de sentença de pronúncia com base exclusivamente em
elementos colhidos na fase do inquérito policial, como se observa das ementas
abaixo:

"PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES.
ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - CP. 1) VIOLAÇÃO AO ART. 413, CAPUT,
DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CPP. OCORRÊNCIA. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA QUE DESPRONUNCIOU O AGRAVANTE SEM CONSIDERAR
DEPOIMENTO COLHIDO NA FASE POLICIAL. 1.1) CONSTATAÇÃO QUE NÃO
DEMANDOU REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO, VEDADO CONFORME
SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. 2) AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência consolidada no STJ afirma que "é possível admitir a pronúncia
do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso
represente afronta ao art. 155 do CPP" (HC n. 402.042/RS, Rel. Ministro Felix
Fischer, 5ª T., Dje 30/10/2017) (AgRg no AREsp 1609833/RS, Rel. Ministro
ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 16/10/2020).
1.1. Inicialmente, cumpre ressaltar que o exame da controvérsia prescinde do reexame de
provas, sendo suficiente a mera revaloração de fatos incontroversos, expressamente,
descritos na sentença de pronuncia e no acórdão recorrido. Portanto, não há falar em
contrariedade ao que dispõe o enunciado da Súmula n. 7 desta Corte (AgRg no REsp
1832692/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 12/2/2020).
2. Agravo regimental desprovido."
grifei
(STJ. Quinta Turma. AgRg no AgRg no Aresp 1.702.743/GO. Relator Ministro Joel
Ilan Paciornik. Julgado em 15/12/2020).

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TENTATIVA


DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA.
DECISÃO COM BASE EM ELEMENTOS COLHIDOS NO
INQUÉRITOPOLICIAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. REGIMENTAL.
MERO INCONFORMISMO.
1. O agravante não logrou êxito em demonstrar argumento capaz de modificar as razões
expostas na decisão ora combatida, em uma nítida tentativa de rediscussão da matéria
enfrentada e rechaçada monocraticamente.
2. Agravo regimental improvido."
grifei
(STJ. Sexta Turma. AgRg no AResp 1.666.601/ES. Relator Ministro Sebastião Reis
Júnior. Julgado em 17/11/2020).

2ª QUESTÃO:
Antonio foi denunciado pelo Ministério Público pela prática do crime de homicídio
qualificado pelo motivo fútil (art. 121, §2º, II, do CP).
Após o término da regular instrução da 1ª fase do procedimento do Júri, o juiz proferiu
decisão de pronúncia contra Antonio, apontando-lhe o crime de homicídio simples (art.
121, caput, do CP), decotando a qualificadora do motivo fútil, uma vez que entendeu não
demonstrada sua incidência.
Pergunta-se:
a) Qual é a natureza jurídica da pronúncia?
b) Nessa fase, vigora o princípio do in dubio pro reo ou in dubio pro societate?
c) Poderia o magistrado ter retirado a qualificadora da pronúncia?

RESPOSTA:
a)
"7.2. Natureza jurídica

A pronúncia é tratada pela doutrina como uma decisão interlocutória mista não
terminativa. Decisão interlocutória porque não julga o mérito, ou seja, não condea nem
absolve o acusado; mista, porque põe fim a uma fase procedimento; e não terminativa,
porque não encerra o processo. Sobre o assunto, a Lei n. 11.689/08, corrigiu antigo erro
técnico do CPP, que se referia à pronúncia como sentença (antiga redação do §1º do art.
408 do CPP).
Como a pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade (juízo de prelibação), cuja
finalidade é submeter o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri, tem natureza
processual, não produzindo coisa julgada, e sim preclusão pro judicato, podendo o
Conselho de Sentença decidir contrariamente àquilo que restou assentado na pronúncia.
Há, por conseguinte, um equívoco na redação do art. 428 do CPP, que faz menção ao
trânsito em julgado da decisão de pronúncia."
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual.
Bahia: Editora JusPodivm, 2016, pág. 1.337).

b)
"7.3. Regra probatória: in dubio pro societate (ou in dubio pro reo)

É muito comum na doutrina a assertiva de que o princípio aplicável à decisão de


pronúncia é o in dubio pro societate, ous eja, na dúvida quanto à existência do crime ou
em relação à autoria ou participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado.
A nosso juízo, referido entendimento interpreta o art. 413 do CPP de maneira equivocada.
Referido dispositivo dispõe que, para que o acusado seja pronunciado, o juiz deve estar
convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou
de participação (CPP, art. 413, caput).
Referindo-se o art. 413, caput, do CPP ao convecimento da materialidade do fato,
depreende-se que, em relação à materialidade do delito, deve haver prova plena da sua
ocorrência, ou seja, deve o juiz ter certeza de que ocorreu um crime doloso contra a vida.
Portanto, é inadmissível a pronúncia do acusado quando o juiz tiver dúvida em relação à
existência material do crime, sendo descabida a invocação do in dubio pro societate na
dúvida quanto à existência do crime.
Por sua vez, quando a lei impõe a presença de indícios suficientes de autoria ou de
participação, de modo algum está dizendo que o juiz deve pronunciar o acusado quando
tiver dúvida acerca da sua concorrência para a prática delituosa. Na verdade, ao fazer uso
da expressão indícios, referiu-se o legislador à prova semiplena, ou seja, àquela prova de
valor mais tênue, de menor valor persuasivo. Dessa forma, conquanto não se exija certeza
quanto à autoria para a pronúncia, tal qual se exige em relação&àmaterialidade do crime,
é necessário um conjunto de provas que autorizem um jupizo de probablidade de autoria
ou de participação."
(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. rev., ampl. e atual.
Bahia: Editora JusPodivm, 2016, pág. 1.337-1.338).

"Noutra dimensão, bastante problemático é o famigerado in dubio pro societate. Segundo


a doutrina tradicional, neste momento decisório deve o juiz guiar-se pelo "interesse da
sociedade" em ver o réu submetido ao Tribunal do Júri, de modo que, havendo dúvida
sobre sua responsabilidade penal, deve ele ser pronunciado. LEAL afirma que "ela se
norteia pelo princípio do in dubio pro societate, ou seja, na dúvida, o juiz decide a favor
da sociedade, declinando o julgamento ao júri". A jurisprudência brasileira está eivada de
exemplos de aplicação do brocardo, não raras vezes chegando a censurar aqueles
(hereges) que ousam divergir do "pacífico entendimento"...
Pois bem, discordamos desse pacífico entendimento.
Questionamos, inicialmente, qual é a base constitucional do in dubio pro societate?
Nenhuma. Não existe.
Por maior que seja o esforço discursivo em torno da "soberania do júri", tal princípio não
consegue dar conta dessa missão. Não há como aceitar tal expansão da "soberania" a
ponto de negar a presunção constitucional de inocência. A soberania diz respeito à
competência e limites ao poder de revisar as decisões do júri. Nada tem a ver com carga
probatória.
Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas, escondendo-se
atrás de um prinípio não recepcionado pea Constituição, para, burocraticamente,
pronunciar réus, enviando-lhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco
que representa o julgamento nesse complexo ritual judiciário. Também é equivocado
afirmar-se que, se não fosse assim a pronúncia já seria a "condenação" do réu. A
pronúncia é um juízo de probabilidade, não definitivo, até porque, após ela, quem
efetivamente julgará são os jurados, ou seja, é outro julgamento a partir de outros
elementos, essencialente aqueles trazidos no debate em plenário. Portanto, a pronúncia
não vincula o julgamento, e deve o juiz evitar o imenso risco de submeter alguém ao júri,
quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e
materialidade. A dúvida razoável não pode conduzir a pronúncia.
Nessa linha, vale o in dubio pro reo para absolver sumariamente o réu que tiver agido ao
abrigo da legítima defesa (não apenas quando a excludente for "estreme de dúvidas", mas
quando for verossímil a ponto de gerar a dúvida razoável); impronunciar réus em que a
autoria não esteja razoavelmente demonstrada; desclassificar para crime culoso as
abusivas acusações por homicídio doloso (dolo eventual) em acidentes de trânsito, onde
o acusador não fez prova robusta dapresença do elemento subjetivo.
Perfilam-se ao nosso lado, negando o indubiopro societate e defendendo a presunção de
inocência, entre outros, RANGEL e BADARÓ."
(LOPES JR, Aury. DireitoProcessual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.pág.
1.011-1.012).

c)
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE
PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. MATERIALIDADE E INDÍCIOS
DA AUTORIA DELITIVA. MOTIVO TORPE. AFASTAMENTO. NECESSIDADE
DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A Corte local examinou em detalhe todos os argumentos defensivos, apresentando
fundamentos suficientes e claros para refutar as alegações deduzidas, razão pela qual
foram rejeitados os aclaratórios. Dessarte, não se verifica omissão na prestação
jurisdicional, mas mera irresignação da parte com o entendimento apresentado na decisão,
situação que não autoriza a oposição de embargos de declaração. Nesse contexto, tem-se
que o fato de não ter sido acolhida a irresignação da parte, apresentando o Tribunal de
origem fundamentação em sentido contrário, por certo não revela violação do art. 619 do
Código de Processo Penal.
2. O Tribunal de Justiça solveu a questão com fundamentação satisfatória, expondo,
suficientemente, as razões pelas quais entendeu pela manutenção da pronúncia do
envolvido, enfrentando os pontos relevantes ao deslinde da controvérsia, adotando, no
entanto, solução jurídica contrária aos interesses do recorrente. Assim, não se verifica, no
caso concreto, ausência de fundamentação, porquanto a leitura do acórdão relativo à
apelação defensiva permite inferir o julgamento integral da lide, com o alcance de solução
amplamente fundamentada da controvérsia, pretendendo o recorrente, na verdade, a
rediscussão de matéria já apreciada, em minúcia de detalhes, nos autos.
3. Dispõe o artigo 413 do CPP que o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado,
se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria
ou de participação, ficando tal fundamentação limitada à indicação da materialidade do
fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz
declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena.
4. A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o
ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua
autoria, não se demandando aqueles requisitos decerteza necessários à prolação da
sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro
societate.
5. Para a admissão da denúncia, há que se sopesar as provas, indicando os indícios da
autoria e da materialidade do crime, bem como apontar os elementos em que se funda
para admitir as qualificadoras porventura capituladas na inicial, dando os motivos do
convencimento, sob pena de nulidade da decisão, por ausência de fundamentação. Nessa
linha, a exclusão de qualificadoras constantes na pronúncia somente pode ocorrer
quando manifestamente improcedentes, sob pena de usurpação da competência do
Tribunal do Júri, juiz natural para julgar os crimes dolosos contra a vida.
6. No presente caso, o Tribunal local, soberano na análise do conjunto fático-probatório,
mantendo a sentença de pronúncia, concluiu pela presença de elementos indicativos da
autoria do acusado pelo homicídio da vítima, supostamente por motivação torpe. Dessa
forma, para alterar a conclusão a que chegou a instância ordinária e decidir pela
absolvição, tendo em vista a ausência de indícios da autoria delitiva, bem como a não
ocorrência da qualificadora do motivo torpe, como requer a parte recorrente, demandaria,
necessariamente, o revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos,
providência incabível em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ.
7. Não se desconhece que a vingança, por si só, não substantiva o motivo torpe; a sua
afirmativa, contudo, não basta para elidir a imputação de torpeza do motivo do crime, que
há de ser aferida à luz do contexto do fato (STF, HC 83.309/MS, Primeira Turma, Rel.
Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06/02/2004) (REsp 1816313/PB, Rel. Ministro NEFI
CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/09/2019, Dje 16/09/2019). Ocorre que,
apresentado fato concreto, a verificação de ser ele razão abjeta ou não à prática do
homicídio é matéria afeta ao Conselho de Sentença.
8. Agravo regimental não provido."
grifei
(STJ. Quinta Turma. AgRg no AgRg no AResp 1.926.967/AM. Relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca. Julgamento em 26/10/2021).

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO.


PRONÚNCIA. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA NÃO MANIFESTAMENTE
IMPROCEDENTE. NÃO CABIMENTO. VINGANÇA. QUALIFICADORA O
MOTIVO TORPE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO
REGIMENTALIMPROVIDO.
1. A decisão deve ser mantida por seus próprios fundamentos por estar em consonância
com a jurisprudência desta Corte Superior.
2. Na pronúncia, que não encerra juízo de procedência acerca da pretensão punitiva,
somente se admite a exclusão de qualificadoras quando manifestamente
improcedentes ou descabidas, sob pena deafrontar a soberania do Júri, o que não se
verifica no caso concreto, mormente quando relatado na própria denúncia que o
crime foi cometido por vingança, sendo considerada qualificadora do motivo torpe
pela jurisprudência firme desta Corte.
3. Agravo regimental improvido."
grifei
(STJ. Sexta Turma. AgRg no HC 523.029/PE. Relator Ministro Nefi Cordeiro.
Julgamento em 26/11/2019).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA
COLEGIALIDADE. SÚMULA N. 568 DO STJ. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA.
EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA.
NECESSIDADE. PROVAS. INCURSÃO. IMPOSSIBILIDADE. CONSELHO DE
SENTENÇA. COMPETÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não há falar em ofensa ao princípio da colegialidade quando a decisão monocrática é
proferida em obediência ao enunciado contido no verbete sumular n. 568 do Superior
Tribunal de Justiça, que franqueia ao relator a possibilidade de, monocraticamente, dar
provimento ao recurso especial, quando houver entendimento dominante acerca do tema.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica quanto ao posicionamento de
que "as qualificadoras do crime dehomicídio só podem ser excluídas da decisão de
pronúncia se forem manifestamente improcedentes, isto é, quando completamente
destituídas de amparo nos autos, sendo vedado nessa fase valorar as provas para
afastar a imputação concretamente apresentada peloMinistério Público, sob pena
de se usurpar o pleno exame dos fatos do juiz natural da causa, qual seja, o Tribunal
do Júri" (HC n. 138.177/PB, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe
28/8/2013, destaquei).
3. Havendo incerteza a respeito da dinâmica dos fatos, não é facultado às instâncias
ordinárias dirimi-la, pois a competência para tanto é do juiz natural da causa, ou seja, do
Tribunal do Júri. É dizer, não é possível ao Juiz togado, seja em primeira ou segunda
instância, subtrair da apreciação do Conselho de Sentença uma circunstância que, numa
análise objetiva,seja em prol da defesa ou da acusação, mostra-se viável, ao menos em
tese.
4. Na situação posta sob exame, ppor simples leitura do excerto do acórdão recorrido é
possível constatar que, para afastar a incidência das qualificadoras, foi necessário à Corte
de origem se imiscuir sobre a prova produzida e, a partir de uma análise crítica, sobre elas
emitir juízo valorativo, o que não lhe competia.
5. É de se ressaltar, ainda, que este Superior Tribunal há muito tem o entendimento
consolidado de que, "para configurar a qualificadora referente ao recurso que dificulte a
defesa da vítima, a surpresa é o fator diferencial que se deve buscar" (REsp n.
1.713.312/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T. DJe 3/4/2018).
6. Agravo regimental não provido."
grifei
(STJ. Sexta Turma. AgRg no Resp 1.698.353/SP. Relator Ministro Rogério Schietti
Cruz. Julgamento em 25/09/2018).

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