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O Poder Judiciário pode importar ao MP a obrigação de

ofertar ANPP?
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feira, 21 de junho de 2021

feira, 21 de junho de 2021

  

O julgado a seguir comentado trata sobre o acordo de não perseguição penal (ANPP).

Antes de verificar o que foi necessário, vamos fazer uma breve revisão sobre o tema
com base na excelente obra de Leonardo Barreto ( Manual de Processo Penal .
Salvador: Juspodivm, 2021):

Acordo de não perseguição penal (ANPP)

A Lei nº 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”) inserida no art. 28-A ao CPP, prevendo o


instituto do acordo de não perseguição penal (ANPP) que pode ser assim conceituado:

- é um acordo (negócio jurídico)

- firmado entre o Ministério Público e o investigado, mas com a necessidade de


homologação judicial

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- firmado, em regra, antes do início da ação penal (em regra, é pré-processual)

- ajuste esse permitido apenas para certos tipos de crimes

- no ajuste, o investigado se comprometer a condições determinadas

- e caso cumpra o acordo, o julgamento competente decretará a extinção de


punibilidade.

Mitigação ao princípio da obrigação da ação penal

Segundo o princípio da obrigatoriedade, tendo apenas a causa e sendo preenchidos


todos os requisitos obrigatórios, o membro do Público é obrigado a oferecer uma
denúncia.

Trata-se de um dever, e não uma faculdade, não sendo reservado ao Ministério Público
um julgamento discricionário sobre a dever e oportunidade de seu ajuizamento.

Pode-se dizer, então, que o ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade. Outro
exemplo de exceção: o MP pode conceder prêmio na qual o MP concede ao colaborador
como benefício ou não oferecimento da denúncia.

Justiça Penal Consensual

O instituto do ANPP está diretamente ligado ao movimento chamado Justiça Penal


Consensual ou Negociada ou Pactual.

O Min. Reynaldo Soares da Fonseca afirma que se trata de instrumento para otimização
dos recursos públicos e efetivação da chamada Justiça multiportas, com perspectiva
restaurativa (HC 607003-SC).

Formalidades do acordo

O acordo será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público,
pelo investigado e por seu defensor (§ 3º do art. 28-A).

A celebração eo cumprimento do acordo de não perseguição penal não constarão de


certidão de antecedentes criminais, exceto para ficar registrado que esse mesmo
investigado não poderá fazer novo ANPP de 5 anos (§ 12 do art. 28-A).

O acordo de perseguição penal (ANPP) aplica-se aos fatos antes da Lei nº


13.964/219, desde que não recebemos a denúncia

A Lei nº 13964/2019, não admite que institui a lei penal de natureza híbrida, conformação
entre a retroatividade.

O ANPP se esgota na etapa pré-processual, principalmente porque a consequência da


sua recusa, sua não homologação ou sua recusa é inaugurar a fase de oferecimento e
de recebimento da denúncia.

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O recebimento da denúncia encerra uma etapa pré-processo, devendo ser considerado
válidos os atos de julgamento em conformidade com as leis vigentes.

Dessa forma, a atividade/anúncio penal.

Assim, mostra-se impossível quando recebi em vigor a denúncia em vigor em data


anterior à ANPP da Lei nº 13.964/019.

STJ. 5ª Turma. HC 607003-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em


24/11/2020 (Info 683).

STF. 1ª Turma. HC 191464 AgR, Rel. Roberto Barroso, julgado em 11/11/2020.

Requisitos (caput e § 2º do art. 28-A)

REQUISITOS PARA QUE O MP POSSA PROPOR O ANPP

1) não ser o caso de arquivamento Se não houver justa causa ou existir alguma
outra razão que impeça a proposição da ação
penal, não é caso de oferecer o acordo,
devendo o MP pedir ou arquivamento do
inquérito policial ou investigação criminal.

2) o investigado deve ter O ANPP exige que o investigado tenha


confessado a prática da infração confessado formal (em ato solene) e
penal circunstancialmente (com detalhes) a prática
da infração penal.

Ó arte. 18, § 2º, da Res. 181/2017-CNMP


exige que a confissão seja registrada em áudio
e vídeo.

3) infração penal foi cometida sem A infração penal não pode ter sido cometida
violência e sem grave ameaça com violência ou grave ameaça.

Prevalência que é cabível ANPP se a infração


foi cometida com violência contra coisa .

Assim, o ANPP somente é proibido se a


infração foi praticada com grave ameaça ou
violência contra pessoa .

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4) a pena mínima da infração A infração penal cometida deve ter pena
penal é menor que 4 anos mínima inferior a 4 anos.

Se a pena mínima for igual ou superior a 4


anos, não cabe.

A possibilidade de aumento da pena mínima,


como causas de aumento e redução ao caso
concreto.

Aplica-se ao ANPP, por analogia, conforme


súmulas 243-STJ e 723-STF.

5) o acordo deve se mostrar Esse requisito revela que a propositura, ou


necessário e suficiente para não, o acordo do acordo está atrelada ao grau
reprovação e prevenção do crime de discricionariedade do membro do MP que
no caso concreto avaliará se essa necessidade e sufi está
presente no caso concreto.

6) não caber transação penal Se for cabível manipulação penal (art. 7º nº


9.099/95), o membro do MP deve propor a
operação (e não o ANPP). Isso porque se trata
de benefício mais importante ao investigar.

Por outro lado, mesmo que seja cabível à


suspensão do processo, ainda assim, o
membro do MP pode ser proporcional ao
ANPP.

7) o investigado deve ser primário Se o investigado for reincidente (genérico ou


específico), não cabe ANPP.

8) não há elementos probatórios Regra: existem elementos probatórios que


que indiquem conduta criminosa indiquem que o investigado possui uma
habitual, reiterada ou profissional, conduta criminosa habitual, reiterada ou
exceto se insignificantes como profissional não cabe ANPP.
infrações penais pretéritas
Exceção: se essas infrações serão possíveis,
o que o descobrirem antes, “insignificantes”.

9) pode ter sido beneficiado nos 5 No momento de decidir se vai propor o ANPP,
anos anteriores ao cometimento o membro do MP deve analisar se, nos últimos
da infração, com outro ANPP, 5 anos (contados da infração), aquele
transação penal ou suspensão investigado já foi beneficiado:
condicional do processo
· com outro ANPP;

· com transação penal ou

· com suspensão condicional do processo.

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10) a infração praticada não pode Não cabe ANPP nos crimes cometidos no
estar à infração Lei Maria da âmbito da violência doméstica ou familiar, ou
Penha das práticas contra a mulher por razões do
sexo feminino, em favor do agressor.

Condições

O Ministério Público irá propor que o investigado cumpra as seguintes condições


“ajustadas cumulativamente e alternativamente”:

I - reparar ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazer-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como


instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à


pena mínima cominada ao delito reduzidoda de 1/3 a 2/3, em local a ser indicado pelo
julgamento da execução;

IV - prestação pecuniária a uma entidade pública ou de interesse social, a ser indicada


pelo julgamento da execução, que tenha, preferencialmente, como função de proteger
bens jurídicos iguais ou semelhantes aos possíveis lesados ​pelo contrato; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público,
desde que proporcional e com uma infração penal imputada.

Recusa do MP de oferecer o acordo

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em proporção ao acordo de não


haver exigência penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão
superior, na forma do art. 28 do CPP (§ 14º do art. 28-A).

Obrigatória a realização de audiência

Conforme acima, o ANPP precisa de homologação judicial.

Antes de decidir pela homologação, o juiz deve designar audiência para analisar:

a) a legalidade do acordo, isto é, se todos os requisitos do art. 28-A do CPP foram


cumpridos; e

b) a voluntariedade, ou seja, se a investigação deseja realmente o ajuste. Para isso, o


magistrado irá fazer oitiva do investigado na presença de seu defensor.

“Quanto voluntariedade, o magistrado verificar a ocorrência de algum tipo de vício de


vontade, como o erro, o dolo e a cooperação. Além disso, deve observar se o agente
possui pleno e conhecimento integral do conteúdo do acordo por ele informado. No que
diz respeito à legalidade, o juiz deve examinar se o ANPP foi firmado em atendimento às

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hipóteses legais, assim como se suas suas estão em consonância com o regramento
contido no art. 28-A do CPP. Acordo é que o magistrado não poderá apreciar o sistema
de justiça ou mérito, privado do Ministério Público do investigado, dentro do campo de
decisão reconhecido pela matéria penal, sob pena de acordo com o direito de sua
imparcialidade e do próprio acusador. (MOREIRA ALVES, Leonardo Barreto. Manual de
Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2021, p. 356).

Devolução dos automóveis ao MP

Se o juiz proposto se refere à proposta penal, insuficientes ou abusivas como condições


não de acordo de não devolver os autos ao público para que seja reformulada a proposta
de acordo, com concordância do investigado e seu defensor28-A (§ 5º do art. ).

Recusa à homologação

O juiz de acordo com a homologação à proposta que não atende aos requisitos ou não é
permitido como provavel que se refere o § 5º do art. 28-A acima mencionado (§ 7º do art.
28-A).

Recusar a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise


da complementação das investigações ou oferecimento da denúncia (§ 8º do art. 28).

Homologação do acordo

Homologado judicialmente o julgamento de execução penal, o juiz não devolverá os


autos ao Ministério Público para que execute sua execução perante o julgamento de
execução penal (§ 6º do art. 28-A).

A Vítima deverá ser informada da celebração do acordo e do eventual


decumprimento

A vítima será intimada da homologação do acordo de não perseguição penal e de seu


descumprimento (§ 9º do art. 28-A).

Cumprimento do acordo

Cumprido cumprimento do acordo de não perseguição penal, o julgamento competente


decretará a extinção de punibilidade (§ 13 do art. 28-A).

Descumprimento do acordo

Descumpridas quaisquer das condições não estipuladas no acordo de não cumprimento


de pena penal pelo Ministério Público deve comunicar ao julgamento, para fins de sua
recisão e posterior oferecimento de denúncia (§ 10-A).

O descumprimento do acordo de não perseguição penal pelo investigado também


poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o não oferecimento de
suspensão condicional do processo (§ 11 do art. 28-A).

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Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação adaptada:

Beatriz foi denunciada pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, na forma
do caput do art. 33 c/c art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006:

Arte. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, exportar
à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
administrar, entregar um consumo ou fornecer, ainda, que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com força legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a


1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Durante a instrução, demonstrou que Beatriz é primária, possui bons antecedentes, não
se dedica a atividades criminosas nem integrava organização criminosa. Logo, o Público
requereu a sua autoridade, mas pediu que ela fosse aplicada a causa de aumento de
pena do 4º do art. 33 (tráfico privilegiado):

Arte. 33 (...)

§ 4 delitos definidos no 1º caput e no primário, como penas semelhantes a terços de um


artigo, vedada a conversão em penas recolhidas de direitos, desde que o agente não se
de primário atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Diante disso, a defesau a seguinte tese:

- a pena mínima do crime de tráfico de drogas é de 5 anos;

- logo, em regra, não cabe acordo de não perseguição penal (ANPP);

- ocorre que o próprio MP reconhece que a acusada tem direito à redução da pena de
1/6 a 2/3;

- se a pena original (5 anos) para logo em 1/6 meses (não terá direito em 4 anos ANPP);

- se a pena original (5 anos, também não terá direito ao ANPP);

- porém, se há uma redução em 1/4, 1/3, 1/2 ou 2/3, a pena abaixo de 4 anos, de
maneira que a acusada teria, em tese, direito ao ANPP;

- desse modo, diante do reconhecimento do tráfico pelo Parquet, deve ser proposto de
ANPP mesmo nesta fase processual.

O juiz abriu ao MP que, no entanto, não manifestou interesse na formulação da proposta


ao fundamento de que a pena em concreto seria superior a 4 anos.

A defesa pediu, então, que o caso fosse executado pelo órgão superior do MP.

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O magistrado, contudo, não aceitou proferido a argumentação da defesa, tendo sofrido a
sentença que condenou a ré à pena de 4 anos e 10 meses de reclusão.

A defesa da ré, irresignada, impetrou habeas corpus perante o TRF3, pretendendo o


reconhecimento do referido benefício, tendo a Corte, negado a ordem.

Ao julgar recursodinário, o STJ também o pedido da defesa.

O caso chegou, então, ao STF por meio de habeas corpus.

O Ministério Público S ANPP? É possível ordem judicial nesse sentido?

NÃO.

O Poder Judiciário não pode importar ao Ministério Público a obrigação de ofertar


acordo de não perseguição penal (ANPP).

Não cabe ao Poder Judiciário, que não detém a investigação para tomar parte na
decisão, importa ao MP a celebração de acordos.

STF. 2ª Turma. HC 194677/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 05/11/2021 (Info
1017).

No caso concreto, o juiz agiu corretamente?

Para o STF, não.

No caso, a defesa pediu que fosse proposto o acordo. O MP se dirija. A defesa pediu
que a recusa fosse pelo órgão superior do Parquet.

Diante disso, o que o magistrado deveria ter feito era aplicar o § 14 do art. 28-A do CPP,
determinando a remessa dos autos ao órgão superior do MPF que iria analisar se a
recusa do Procurador da República foi correta, ou não.

Essa é a solução prevista no § 14 do art. 28-A do CPP:

Arte. 28-A (...)

§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em proporção ao acordo de não
perseguição penal, o investigado poderá requerer a remessa de um órgão superior, na
forma do art. 28 deste Código.

Se o MP se recusou a oferecer o acordo e a defesa requerer a remessa dos autos


ao órgão superior, o juiz é obrigado a remeter?

Regra: sim. Em regra, não cabe ao poder analisar a recusa do MP e, portanto, analisar
se a defesa não se conformar, deve remeter aos autos ao órgão superior do Parquet.

Exceção: o STF afirmou que o juiz não precisa remeter ao órgão superior do MP em
caso de manifestação de inadmissibilidade do ANPP.

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Nas palavras do Min. Gilmar Mendes:

“Não se trata de hipótese de manifestação inadmissibilidade do ANPP, a defesa pode


requerer o reexame de sua negativa, nos termos do art. 28-A, § 14, do CPP, não sendo
legítimo, em regra, que o Judiciário controla o ato de recusa, quanto ao mérito, a fim de
impedir a remessa ao órgão superior no MP. Isso porque a redação do art. 28-A, § 14, do
CPP determina a iniciativa da defesa para requerer a sua aplicação.”

Com base nesse entendimento, a 2ª Turma do STF concedeu uma ordem, para
determinar a remessa dos automóveis à Câmara de Revisão do Público Federal, a fim de
que o Ministério possa apreciar a oferta de uma oferta de ANPP.

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