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Este estudo foi idealizado e desenvolvido pelo Think Twice Brasil (“TTB”), uma or-

ganização de impacto que promove educação para paz e direitos humanos como
ferramenta de interrupção de ciclos de violência e desigualdade.

Fundado em 2013, o TTB atua em educação, pesquisa e criação de estraté-


gias para o poder público e instituições de ensino enfrentarem abusos e vio-
lações de direitos, estabelecendo uma cultura de paz e direitos humanos.
Mais de 12 mil pessoas e dezenas de organizações já vivenciaram, presencial ou
virtualmente, as atividades do TTB.

www.ttb.org.br

contato@ttb.org.br

Expediente:

Coordenação: Gabriele Costa B. Garcia


Pesquisa: Beatriz Lopes Buarque
Redação: Beatriz Lopes Buarque e
Gabriele Costa B. Garcia
Revisão: Maria Conceição Lopes,
Felipe Brescancini, Renata Leal
Projeto Gráfico e diagramação: Thais Vilanova

Sugestão de citação: Think Twice Brasil (2024). Algoritmos, Violência e Juventude no Brasil:
rumo a um modelo educacional para a paz e os direitos humanos .

Apoio Institucional:
SUMÁRIO
05 Apresentação

07 Prefácio

09 Sumário Executivo

15 Contexto e Justificativa do Estudo


Direita Radical e Extrema

Radicalização

Cyberbullying

25 Metodologia
Por que o TikTok?

Avaliando as preferências dos jovens no Brasil

Interagindo com o TikTok

Limitações

38 Análise de dados
Dados provenientes da pesquisa anônima

Análise dos vídeos recomendados pelo TikTok

61 A relação entre algoritmos, violência e juventude


no Brasil

67 Educação para paz e direitos humanos


Dinâmicas das violências e o contexto brasileiro

Educação para paz e direitos humanos no Brasil

77 Considerações finais e recomendações

87 Lista de Figuras

89 Bibliografia
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AVISO
Este relatório contém conteúdo sensível que aborda ques-
tões de violência e discriminação, que podem representar
gatilhos para alguns leitores. O objetivo deste relatório é
fornecer informações sobre desafios sociais complexos e
explorar soluções potenciais para enfrentá-los. No entanto,
reconhecemos que a discussão de tais temas pode provocar
fortes reações emocionais. Se no decorrer da leitura você
sentir que precisa de assistência, entre em contato com
uma pessoa de sua confiança e/ou um profissional de saúde
mental.
Think Twice Brasil — TTB Página / 5

APRESENTAÇÃO
A ideia de realizar esse estudo surgiu no início de 2022, diante dos
crescentes ataques a escolas no Brasil, somado ao contexto complexo
de eleições presidenciais. Logo em janeiro daquele ano, lançamos uma
pesquisa que levantou informações relevantes sobre a relação dos
jovens com a política, com o direito ao voto e a percepção geral so-
bre violência e participação cívica. A partir daí, criamos a Escola de
Mudadores, a primeira plataforma brasileira 100% digital e gratuita
para promover o diálogo sobre paz e direitos humanos entre jovens e
educadores.

A Escola de Mudadores foi ao ar em agosto de 2022, com uma trilha de


aprendizagem inovadora e acessível, pensada em parceria com muitas
organizações da sociedade civil, com o intuito inicial de apoiar jovens a
romperem com a polarização política e se prepararem para o exercício
do direito ao voto nas eleições presidenciais que ocorreriam em outubro
do mesmo ano. Ocorre que, enquanto trabalhávamos incansavelmente
para lançar a Escola de Mudadores, dezenas de ataques a creches e
escolas aconteciam no país. De acordo com o relatório produzido pelo
Ministério da Educação1, somente em 2022 foram 7 ataques e em 2023
foram mais 16.

Esse cenário deixou evidente que era preciso investigar a relação das
redes sociais com a onda de ataques às escolas e a crescente polarização
política entre os jovens. Diante disso, nos reunimos com os jovens que
apoiaram a construção da Escola de Mudadores, coletamos suas impres-
sões e demos início à implementação desse estudo, cuidando para que
cada passo considerasse a perspectiva da juventude e fosse capaz de

1. Ministério da Educação
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combinar teoria e prática para o enfrentamento dos problemas comple-


xos com os quais estamos lidando.

O propósito deste estudo é compartilhar dados e reflexões fundamen-


tais para um debate responsável sobre o enfrentamento da violência es-
trutural, com destaque para o impacto arrebatador que tem sobre crian-
ças e jovens. Eu acredito que só falhamos em fazer melhor ou diferente,
quando ainda não temos o conhecimento necessário para tanto. Por isso,
há mais de dez anos o TTB defende que a promoção da educação para
paz e direitos humanos é capaz de interromper ciclos de desigualdade e
violência que geram sofrimento individual e coletivo.

Nós só conseguiremos construir o mundo no qual queremos viver,


quando antes formos capazes de imaginá-lo. Que este estudo te revele
o conhecimento que precisa e te encoraje a imaginar um mundo livre de
violência, sobretudo para crianças e adolescentes.

Boa leitura!

Gabriele Costa B. Garcia


Diretora Executiva
Think Twice Brasil - TTB
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PREFÁCIO
A pesquisa “Algoritmos, Violência e Juventude no Brasil: rumo a um mo-
delo educacional para a paz e os direitos humanos” emerge como chamado
à ação. Neste estudo, somos confrontados com evidências preocupantes
de como os algoritmos das redes sociais podem inadvertidamente servir
como catalisadores para a exposição de adolescentes e jovens a conteú-
dos violentos, alimentando ciclos de violência e potencializando processos
de radicalização.

As descobertas desta pesquisa sublinham a necessidade crítica de revisi-


tar e reforçar nossas estratégias de moderação de conteúdo, de ampliar o
grau de institucionalização da política de educação para a paz e os direitos
humanos no país e engajar as plataformas digitais para uma maior respon-
sabilidade com os direitos humanos e prevenção às violências.

É na proposta de soluções onde esta pesquisa se soma a outras iniciativas,


reiterando a necessidade de novas pesquisas que produzam mais dados
e evidências dos efeitos e impactos da educação para a paz e os direitos
humanos enquanto estratégia de prevenção e enfrentamento da violência
no ambiente digital.

Diante da complexidade desse fenômeno social, que desafia toda a so-


ciedade a conhecê-lo melhor para preveni-lo e enfrentá-lo, este trabalho
se apresenta como uma iniciativa valiosa. Ele não apenas fornece insights
qualitativos para a elaboração de estratégias de prevenção da violência
digital, mas também aponta caminhos para futuras investigações, um es-
timulante recurso para todos aqueles dedicados à causa dos direitos hu-
manos e da educação para a paz.

Ao argumentar vigorosamente pela educação para a paz e direitos huma-


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nos como ferramentas fundamentais para interromper os ciclos de vio-


lência e desigualdade, o Think Twice Brasil tangencia o desafio de ins-
titucionalizar uma política de educação para paz e direitos humanos no
Brasil e superar o paradigma simplista que resulta típico, tópico e clássico
considerar a distância entre a teoria e a prática dos direitos humanos em
sociedades desiguais. Não obstante o insuficiente engajamento das pla-
taformas na mitigação dos processos de radicalização e violência, ressalta-
-se a imperatividade de conceber e aplicar ferramentas multidisciplinares
dedicadas à interrupção e prevenção da violência, expandindo o escopo de
intervenção para além dos tradicionais domínios da justiça e segurança pú-
blica. Não haverá resposta adequada e eficaz enquanto a violência digital
não for assumida como um problema social de grande impacto e prevenida
multisetorialmente.

Ao apoiar a iniciativa do Think Twice Brasil, a Coalizão Brasileira pelo


Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes estima que este estudo
inspire ação, diálogo e, acima de tudo, uma profunda reflexão sobre como
podemos coletivamente abordar e superar os desafios apresentados pela
interação entre tecnologia, sociedade e violência, induzindo no Brasil a for-
mulação e implementação de políticas públicas de prevenção e resposta
baseadas em evidências.

Lucas José Ramos Lopes


Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência
contra Crianças e Adolescentes
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SUMÁRIO EXECUTIVO
A pesquisa “Algoritmos, Violência e Juventude no Brasil: rumo a um
modelo educacional para a paz e os direitos humanos” investigou como
o uso das redes sociais pelos jovens brasileiros pode facilitar o acesso a
conteúdos violentos que podem influenciá-los a efetuar ataques violen-
tos em escolas no Brasil.

O estudo foi conduzido em duas etapas. Na primeira, jovens com idades


entre 13 e 24 anos, localizados em diferentes regiões, foram convida-
dos a responder a uma pesquisa anônima contendo perguntas sobre
seu envolvimento com as redes sociais mais populares no Brasil. 216
jovens responderam ao questionário, dos quais 89 (41,2%) tinham entre
13 e 16 anos, 134 (63,2%) eram mulheres, 136 (63%) se descreveram
como brancos, 151 (69,9%) estavam localizados na região Sudeste do
Brasil. Com base nas respostas fornecidas pelos estudantes, criamos
uma conta no TikTok e interagimos com a rede social entre 01/10/2023
e 30/10/2023 com o objetivo de imitar a experiência vivida por um jovem
usuário da internet, observando a recomendação de vídeos com apelo à
violência. A escolha dessa rede social em específico se deu em razão de
o Brasil estar entre os países com maior número de usuários desse apli-
cativo, sendo que a maioria são crianças e jovens2. Abaixo destacamos
as principais descobertas, que serão cuidadosamente aprofundadas nos
capítulos seguintes:

Fácil acesso a vídeos violentos tornou alguns jovens menos


sensíveis à morte, abuso sexual e crimes hediondos
Ao responderem ao questionário, alguns jovens destacaram como o
acesso a conteúdo violento normalizou a violência, especialmente em

2. TIC Kids Online Brasil, 2022.


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suas formas mais grotescas. Um dos participantes afirmou que assistir a


vídeos violentos mudou sua visão de mundo, tornando-o menos sensível
a atos violentos.

Políticas de moderação de conteúdo e combate a discursos


de ódio/desinformação não têm impedido efetivamente a
circulação de conteúdo violento, discursos de ódio e notí-
cias falsas
Outra questão apontada por alguns participantes foi a falta de confiança
na moderação de conteúdo e nas políticas que visam restringir a circula-
ção de conteúdo violento, discursos de ódio e/ou notícias falsas. Apesar
de denunciarem para a plataforma a existência de postagens violadoras
dos direitos humanos e notícias falsas, alguns participantes afirmaram que
continuaram a receber recomendações de postagens semelhantes, indi-
cando uma aparente ineficácia nas medidas adotadas pelas redes sociais.

Sistemas de recomendação algorítmica têm promovido


conteúdo violento de diversas maneiras
De um total de 1.200 vídeos recomendados pelo TikTok ao longo de
trinta dias, 220 (18,3%) incitaram violência. Dentre esses, 33 (15%) con-
figuraram casos de cyberbullying direcionados a mulheres; 30 (13,7%)
apresentaram conteúdo discriminatório; e 157 (71,3%) fizeram apelos
explícitos à violência, em alguns casos incitando abertamente a violência
em escolas.

Muitos vídeos recomendados pelos algoritmos apresenta-


ram um tom machista disfarçado de peças humorísticas
Nos primeiros dias de interação com o TikTok, a rede social recomendou
diversos vídeos com um tom machista disfarçado de peças humorísticas.
Como esses vídeos repetidamente e intencionalmente fizeram a mesma
“piada”, transformando palavras que, na língua portuguesa, são femini-
nas em masculinas e substituindo o artigo “a” por “o”, esses vídeos foram
categorizados como casos de cyberbullying. Apesar das supostas novas
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palavras serem usadas em “pegadinhas” com homens, elas podem ser


interpretadas como um caso de cyberbullying direcionado a mulheres
porque algumas das palavras se referem ao corpo feminino e artistas
mulheres. Além disso, chamou-nos a atenção o fato de que muitos dos
vídeos apresentaram apenas homens rindo das alterações.

Vídeos discriminatórios recomendados pelos algoritmos


tinham como alvo principal pessoas negras (especialmente
homens) e mulheres
Os algoritmos do TikTok recomendaram vários vídeos nos quais pes-
soas negras (especialmente homens) e mulheres foram vítimas de dis-
criminação. Enquanto homens negros foram principalmente associados à
criminalidade, mulheres brancas foram retratadas como desprovidas de
inteligência. Imigrantes (principalmente da China e do Oriente Médio), ho-
mossexuais, pessoas autistas e indivíduos com crescimento restrito (na-
nismo) também foram vítimas de discriminação em alguns vídeos. Além
disso, foram identificados casos de discriminação relacionada ao peso.

Os algoritmos do TikTok rapidamente transitaram de ví-


deos vexatórios e discriminatórios para vídeos que expli-
citamente promovem a violência
Após doze dias “curtindo” vídeos com conteúdo discriminatório e vexa-
tório e seguindo contas que compartilharam tais vídeos, os algoritmos
do TikTok começaram a recomendar vídeos com apelos ainda mais ex-
plícitos à violência. O primeiro vídeo mostrou uma sequência de imagens
de crianças assassinadas com requintes de crueldade. Desde o 12º dia
de análise até o 30º, os algoritmos recomendaram praticamente diaria-
mente partes de vídeos reproduzidos pelo site Portal do Zacarias. Este
site de notícias dá acesso a vídeos filmados por indivíduos enquanto
torturam suas vítimas antes de matá-las. Dos 157 vídeos recomendados
contendo apelo explícito à violência, 115 fizeram referência ao site.

Em geral, o Portal do Zacarias foi promovido no TikTok de várias ma-


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neiras: através de danças e da música viral associada ao site; através de


indivíduos e/ou legendas descrevendo os crimes violentos apresentados
no site; através de imagens dos vídeos sincronizadas com o som origi-
nal das vítimas chorando antes de serem mortas; através de simulações
de videogames; através de inteligência artificial; através de pôsteres de
animações semelhantes às usadas para anunciar filmes da Disney. As
vítimas dos crimes apresentados no Portal do Zacarias e reproduzidos
no TikTok eram principalmente mulheres jovens e crianças.

Textos modificados, ilustrações, simulações de videogames


e inteligência artificial têm sido utilizados para contornar
barreiras destinadas a prevenir a circulação de material
que promove a violência
Muitos dos vídeos analisados usaram palavras com números em vez de
letras no texto apresentado na tela com o intuito de enganar a modera-
ção automatizada. Ilustrações, simulações de videogames e até mesmo
inteligência artificial também foram utilizados para atrair o público mais
jovem e dificultar a moderação de conteúdo. Um dos vídeos feitos por
inteligência artificial mostra uma vítima de um crime cruel que ocorreu
na Guatemala “descrevendo sua própria morte”.

Sistemas de recomendação algorítmica têm facilitado o


acesso a vídeos que encorajam o uso de violência como
meio de lidar com o bullying nas escolas
Em mais de uma ocasião, os algoritmos do TikTok recomendaram vídeos
incitando o uso de violência como meio de lidar com o bullying nas esco-
las. Um desses vídeos explicitamente encoraja estudantes a levarem um
soco inglês e um abridor de coco para a escola para confrontar aqueles
que os intimidaram.

Sistemas de recomendação algorítmica têm facilitado a cir-


culação de representações de assassinos em série e terro-
ristas como heróis
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Ilustrações e imagens foram utilizadas por alguns usuários da rede social


para representar assassinos em série e terroristas como heróis. Além
de transmitir a mensagem de que algumas crianças desejam se tornar
terroristas, alguns vídeos usaram pôsteres de animações semelhantes
aos produzidos pela Disney para atrair um público mais jovem.

Além de normalizar a violência (especialmente contra mulheres e crian-


ças), sistemas de recomendação algorítmica contribuem para a depen-
dência de conteúdo violento online

Em alguns dos vídeos analisados fazendo referência ao Portal do Zaca-


rias, usuários do TikTok descreveram seu envolvimento com os vídeos
disponíveis no site como viciante, sugerindo que continuaram a se envol-
ver continuamente com material violento. Enquanto alguns indivíduos
expressaram preocupação com esse comportamento, outros o mencio-
naram com orgulho, referindo-se ao seu desapego emocional como um
sinal de superioridade e até desafiando outros usuários da internet a
assistirem a mais vídeos.
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CONTEXTO E JUSTIFICATIVA
DO ESTUDO
Ataques violentos em escolas não eram comuns no Brasil antes dos anos
2000. Desde 2002, o país registrou 36 ataques. Dezesseis deles ocor-
reram em 2023. Todos os ataques foram efetuados por jovens do sexo
masculino entre 10 e 25 anos3.

Figura 1. Ataques violentos em escolas no Brasil (de 2002 a 2023)

Source: Ministério da Educação

Em três dos ataques registrados, é sabido que o agressor demonstrou


sinais de radicalização, expressando ideias xenofóbicas nas redes sociais
(ataque em Barreiras, Bahia, em 2022) e fazendo referências explíci-

3. Em 2011, um menino de 10 anos levou uma arma para a escola e, após atirar em sua professora, atirou em si mesmo na cabeça em São
Caetano do Sul, São Paulo. Dois dos ataques registrados foram efetuados por homens de 25 anos. Em 2019, um homem de 25 anos e
outro de 18 anos usaram uma arma de fogo, um martelo, um arco e flechas para atacar alunos e professores em sua antiga escola em
Suzano, São Paulo. Em 2023, um homem de 25 anos usou um martelo para matar crianças entre 4 e 7 anos de idade em uma creche em
Blumenau, Santa Catarina.
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tas ao nazismo (Aracruz, Espírito Santo, 2022; Monte Mor, São Paulo,
2023). Em sete deles, a polícia apontou o bullying como o principal fa-
tor que levou adolescentes a cometerem atos de violência: Taiúva, São
Paulo, 2003; Rio de Janeiro, 2011; Medianeira, Paraná, 2018; Saudades,
Santa Catarina, 2021; Sobral, Ceará, 2022; Manaus, Amazonas, 2023;
São Paulo, 2023. Em dois ataques, a polícia revelou que o agressor si-
mulou o ataque em um jogo online antes de cometê-lo (Vitória, Espírito
Santo, 2022) e fez referências nas redes sociais a massacres em esco-
las (Goiânia, Goiás, 2017). Dois ataques foram motivados por um amor
não correspondido (Alexânia, Goiás, 2017; Caraí, Minas Gerais, 2019)4.
Nesses casos os agressores tinham como alvo vítimas do sexo feminino.

Em um relatório5 entregue ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da


Silva em 2022, pesquisadores brasileiros enfatizaram o papel desempe-
nhado pelo extremismo de direita na crescente onda de ataques em esco-
las, destacando que a alma supremacista branca deste tipo de extremismo
está de alguma forma ligada aos ataques recentes em escolas no Brasil
uma vez que todos os ataques registrados entre 2002 e 2022 foram efetu-
ados por homens brancos heterossexuais. Ao acessar redes sociais, fóruns
de discussão e jogos de videogame online como Roblox, Fortnite e Mine-
craft, muitos jovens brasileiros têm se deparado com ideias extremistas que
parecem tê-los levado a tomar ações violentas, especialmente nas escolas.

Alguns dos ataques registrados em escolas ecoam a essência antide-


mocrática, racista e misógina do extremismo de direita, sugerindo que
algum processo de radicalização ocorreu antes dos ataques6. No en-
tanto, seria impreciso vincular todos os ataques registrados em escolas
no Brasil ao extremismo de direita uma vez que alguns deles foram
principalmente motivados por bullying.

4. Campanha Nacional pelo Direito à Educação; CNN Brasil


5. Relatório ao governo de transição: o ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no brasil: ataques às
instituições de ensino e alternativas para a ação governamental.
6. Berger, J.M. (2018). Extremism. London: The MIT Press.
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Embora o bullying possa abrir caminho para processos de radicalização,


induzindo indivíduos a se envolverem com ideias extremistas, isso nem
sempre acontece7. Alguém pode decidir efetuar um ataque violento sem
incorporar crenças extremistas. Levando em conta essa nuance, antes
de examinar como as redes sociais promovem conteúdo violento, po-
dendo influenciar estudantes a efetuarem ataques violentos em esco-
las no Brasil, é necessário definir extremismo de direita, radicalização e
cyberbullying. Todos esses elementos parecem ter desempenhado um
papel na onda de ataques recentemente observada nas escolas do Bra-
sil e todos parecem estar de certo modo ligados ao uso generalizado de
redes sociais como Facebook, Instagram e TikTok.

Embora o bullying possa abrir caminho para


processos de radicalização, induzindo indivíduos a se
envolverem com ideias extremistas, isso nem sempre
acontece. Alguém pode decidir efetuar um ataque
violento sem incorporar crenças extremistas.

Como as redes sociais foram o principal meio usado por muitos dos
autores de ataques violentos em escolas para compartilhar suas ideias,
utilizamos o TikTok como objeto de investigação para explorar a re-
lação entre as redes sociais e a violência entre os jovens. Ao explorar
como as redes sociais têm sido usadas para promover a violência entre
os jovens no Brasil, nosso propósito é que o conteúdo apresentado
neste relatório possa apoiar educadores, cuidadores e o governo brasi-
leiro com o conhecimento necessário para prevenir novos ataques vio-
lentos nas escolas e promover uma cultura de paz e direitos humanos.

7. Miconi, D., Levinsson, A., Frounfelker, R.L., Li, Z., Oulhote, Y., and Rousseau, C. (2022). Cumulative and independent effects of expe-
riences of social adversity on support for violent radicalization during the COVID‑19 pandemic: the mediating role of depression. Social
Psychiatry and Psychiatric Epidemiology, 57, pp. 1221–1233.
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Direita radical e extrema


A direita radical contemporânea tem três características fundamen-
tais: populismo, nativismo e autoritarismo8. Ela discursivamente cons-
titui alguns indivíduos como cidadãos nativos de um país específico
ao mesmo tempo em que projeta imigrantes e elites liberais como
inimigos. Enquanto imigrantes são culpados por supostamente terem
roubado empregos e benefícios sociais dos considerados cidadãos na-
tivos, elites progressistas são culpadas por promoverem multicultura-
lismo, ações afirmativas e ideias progressistas que são consideradas
uma ameaça ao núcleo da considerada tradicional família brasileira
tais como ideias que promovam a igualdade de gênero e os direitos da
comunidade LGBTQIA+.

Há um intenso debate sobre a diferença entre a direita radical e a ex-


trema direita. Enquanto alguns acadêmicos utilizam a violência como
o fator distintivo, argumentando que a extrema direita se envolve em
ações violentas9, outros afirmam que a linha divisória entre a direita ra-
dical e a extrema direita deve ser traçada por sua posição em relação a
princípios democráticos como soberania popular e regra da maioria. Este
relatório está alinhado com esta segunda perspectiva. Nesse sentido,
entende-se que tanto a direita radical quanto a extrema direita podem se
envolver em ações violentas. A diferença chave é que enquanto a direita
radical opera dentro de sistemas democráticos, a extrema direita rejeita
a essência da democracia, opondo-se abertamente à soberania popular
e à regra da maioria10 (por exemplo: grupos neonazistas).

Radicalização
8. Mudde, C. (2019). The Far-Right Today. Cambridge, UK: Polity Press.
9. Minkenberg, M. (2000). The Renewal of the Radical Right: Between Modernity and Anti‐modernity. Government and Opposition, 35(2),
pp. 170–188; Mondon, A. and Winter, A. (2021). From demonization to normalization: reflecting on far right research. In Ashe, S. D.,
Busher, J., Macklin, G., and Winter, A. (eds) Researching the Far Right: theory, method and practice. NY: Routledge, pp. 370-382.
10. Gattinara, P.C. and Pirro, A.L. (2019). The far right as social movement. European Societies, 21(4), pp. 447–462; Mudde, C. (2019). The
Far-Right Today. Cambridge, UK: Polity Press.
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O envolvimento com a extrema direita envolve algum processo de radi-


calização. Neste relatório, entendemos a radicalização como “o processo
de desenvolvimento de ideologias e crenças extremistas”11. No espectro
político, o engajamento com ideias da direita radical pode motivar um
indivíduo a adotar visões mais xenofóbicas e autoritárias a tal ponto que
pode resultar em uma completa rejeição dos princípios democráticos.
Nesse sentido, a direita radical abriria caminho para a extrema direita,
desempenhando um papel importante no processo de radicalização. A
Figura 2 oferece uma visão desse processo de radicalização. No entanto,
deve ser interpretada como uma simplificação dele por duas razões. Em
primeiro lugar, porque as fronteiras entre a direita radical e a extrema di-
reita não são bem definidas como ilustrado. Como descrito pelo cientista
político Cas Mudde, a direita radical e a extrema direita foram abrangidas
pelo que é conhecido como far right12.

Devido à dificuldade para delimitar uma linha clara entre a direita radi-
cal e a extrema direita, muitos acadêmicos têm usado o termo far right
para se referir a grupos e indivíduos que apresentam algum grau de
hostilidade em relação à democracia liberal que pode variar de visões
xenofóbicas a ideias supremacistas brancas e neonazistas. Em segundo
lugar, porque os processos de radicalização não são lineares. Eles são
muito mais complexos do que apresentados na Figura 2 uma vez que
dependem de fatores contextuais, sociais e individuais13.

Figura 2. Processo de radicalização no espectro político de direita

11. Borum, R. (2011). Radicalization into Violent Extremism I: A Review of Social Science Theories. Journal of Strategic Security, 4(4), pp.
7-36.
12. Mudde, C. (2019). The Far-Right Today. Cambridge, UK: Polity Press.
13. Ibid
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Há evidências suficientes de que as redes sociais têm facilitado pro-


cessos de radicalização, direcionando usuários da internet para conte-
údo extremista14. Embora a internet em si não cause a radicalização, ela
pode fornecer um ambiente propício para que processos de radicalização
ocorram15. Há um certo consenso na literatura de que sistemas de reco-
mendação algorítmica contribuem com a ampla circulação de discursos
que representam uma ameaça aos sistemas democráticos e aos direitos
das minorias, influenciando opiniões e comportamentos dos usuários
da internet. Por exemplo, ao interagirem com mais de 400 vídeos trans-
fóbicos no TikTok, as pesquisadoras Olivia Little e Abbie Richards ob-
servaram como a rede social rapidamente começou a recomendar mais
conteúdo discriminatório e até mesmo violento16, facilitando encontros
com a extrema direita.

Há evidências suficientes de que as redes sociais têm


facilitado processos de radicalização, direcionando
usuários da internet para conteúdo extremista.
Refletindo sobre o vínculo entre radicalização e violência, o Professor
Randy Borum chama a atenção para o fato de que processos de radica-
lização nem sempre culminam em ações violentas17. Nem todos os indi-
víduos que adotam crenças extremistas necessariamente irão cometer
atos violentos. Da mesma forma, nem todas as ações violentas estão
associadas a crenças extremistas. Dependendo do caminho e dos me-
canismos envolvidos no processo de radicalização, alguém pode decidir

14. Daniels, J. (2018). The Algorithmic Rise of the Alt-Right. Contexts, 17(1), pp. 60–65; Lewis, R. (2018). Alternative Influence: Broadcas-
ting the Reactionary Right on YouTube, Data & Society; Weimann, G. and Masri, N. (2020). The virus of hate: far-right terrorism in the
cyber-space; Winter, A. (2019). Online Hate: from the Far-Right to the Alt-Right and from the Margins to the Mainstream. In Lumsden, K.
and Harmer, E. (eds.) Online Othering: exploring digital violence and discrimination on the web. Cham, Switzerland: Palgrave MacMillan,
pp. 39-63.
15. Winter, C., Neumann, P., Meleagrou-Hitchens, A., Ranstorp, M., Vidino, L., and Fürst, J. (2020). Online Extremism: Research Trends in Inter-
net Activism, Radicalization, and Counter-Strategies. International Journal of Conflict and Violence, 14(2), pp. 1-20.
16. Little, O. and Richards, A. (2021). TikTok’s algorithm leads users from transphobic videos to far-right rabbit holes. Media Matters.
17. Borum, R. (2011). Radicalization into Violent Extremism I: A Review of Social Science Theories. Journal of Strategic Security, 4(4), pp.
7-36.
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se envolver ou não em ações violentas. Um dos fatores que pode induzir


um indivíduo a planejar e efetuar uma ação violenta e que também pode
funcionar como uma porta de entrada para processos de radicalização é
o cyberbullying.

Cyberbullying
É bem documentado que as vítimas de bullying apresentam uma ten-
dência considerável a desenvolverem um comportamento agressivo18,
especialmente na adolescência e início da idade adulta. Também há
evidências de que o bullying está associado a ataques violentos em es-
colas19. Quando se trata da relação entre bullying e radicalização, um
estudo recente realizado com mais de 6.000 jovens no Canadá indicou
que o cyberbullying estava associado ao apoio à radicalização violenta20.

De modo geral, o bullying pode resultar em ações violentas com ou sem a


mediação de crenças extremistas. Na literatura, bullying é frequentemente
definido como uma exposição repetida a ações negativas de uma ou mais
pessoas, envolvendo um desequilíbrio de poder entre o(s) ofensor(es) e a
vítima21. Neste relatório, trabalhamos com a definição de bullying adotada
pelas Nações Unidas que afirma que o bullying é um “comportamento in-
tencional e agressivo que ocorre repetidamente contra uma vítima, onde
há um desequilíbrio real ou percebido de poder, e onde a vítima se sente
vulnerável e impotente para se defender22”. O termo cyberbullying refe-
re-se a casos nos quais esse tipo de comportamento ocorre em espaços

18. Gibb, S.J., Horwood, L.J., and Fergusson, D.M. (2011) Bullying victimization/perpetration in childhood and later adjustment: findings from
a 30 year longitudinal study. J Aggress Confl Peace Res 3(2), pp. 82–88; Nansel, T.R., Overpeck, M.D., Haynie, D.L., Ruan, W.J., Scheidt,
P.C. (2003) Relationships between bullying and violence among US youth. Arch Pediatr Adolesc Med 157(4), pp. 348–353.
19. Van Geel, M., Vedder, P., Tanilon, J. (2014). Bullying and weapon carrying: a meta-analysis. JAMA Pediatr,168(8), pp. 714–720.
20. Miconi, D., Levinsson, A., Frounfelker, R.L., Li, Z., Oulhote, Y., and Rousseau, C. (2022).Cumulative and independent effects of experiences of
social adversity on support for violent radicalization during the COVID‑19 pandemic: the mediating role of depression. Social Psychiatry and
Psychiatric Epidemiology, 57, pp. 1221–1233.
21. Ibid; Olweus D (1994) Bullying at school: basic facts and effects of a school based intervention program. J Child Psychol Psychiatry 35(7),
pp. 1171–1190.
22. United Nations (2023). Bullying and Cyberbullying.
Think Twice Brasil — TTB Página / 22

virtuais. De acordo com as Nações Unidas, o cyberbullying “envolve a


postagem ou envio de mensagens eletrônicas, incluindo imagens ou ví-
deos, com o objetivo de assediar, ameaçar ou atingir uma outra pessoa”23.
Um estudo conduzido com adolescentes na Turquia fornece evidências da
correlação entre cyberbullying e violência, indicando que tanto os ofenso-
res quanto as vítimas de cyberbullying apresentam tendência à violência.
No caso do ofensor, essa tendência influencia a decisão de atingir outra
pessoa por meios virtuais (cyberbullying). No caso da vítima, pode levá-
-la a atingir o ofensor tanto no mundo virtual quanto no mundo físico.
Uma das principais descobertas da pesquisa é que aqueles expostos ao
cyberbullying sentiram-se propensos a se envolver em “comportamento
violento depois de um tempo para se defenderem”24.

Embora o cyberbullying apresente muitas similaridades com casos de


bullying, levando a problemas de saúde mental e comportamento vio-
lento, alguns pesquisadores observaram que os impactos do cyber-
bullying podem ser significativamente piores devido à exposição das
vítimas em ambientes virtuais e ao sentimento de impotência devido às
dificuldades em identificar o ofensor25. As redes sociais parecem ter se
tornado o espaço perfeito para punir um indivíduo ou grupos de pessoas
e buscar vingança (os principais motivadores do cyberbullying) porque,
além de possibilitarem ataques anônimos, elas permitem que o ofensor
conte com o apoio do público para alcançar grande visibilidade. É como
se o ofensor só precisasse compartilhar uma postagem ofensiva e os
algoritmos trabalhassem para ele/ela, resultando em danos à reputação
da vítima e à saúde mental. Entre as redes sociais existentes, o TikTok
parece ser especialmente vantajoso para indivíduos que buscam puni-

23. Ibid.
24. Sari, S.V., Camadan, F. (2016). The new face of violence tendency: Cyber bullying perpetrators and their victims. Computers in Human
Behaviour, 59, pp. 317-326.
25. Sticca, F., Perren, S. (2013). Is cyberbullying worse than traditional bullying? Examining the differential roles of medium, publicity, and
anonymity for the perceived severity of bullying. Journal of Youth Adolescence, 42(5), pp. 739–750; Mao, J. (2022). The Role of Nudges
in Mitigating and Preventing Cyberbullying on Social Media. Proceedings of the 2022 3rd International Conference on Mental Health,
Education and Human Development. Wang, J., Nansel, T.R., Iannotti, R.J. (2011). Cyber and traditional bullying: Differential association
with depression. Journal of Adolescent Health, 48(4), pp. 415–417.
Think Twice Brasil — TTB Página / 23

ção e vingança através do cyberbullying na medida em que reproduz


automaticamente vídeos, aumentando instantaneamente sua exposição
devido aos sistemas algorítmicos de recomendação (quanto mais tempo
o público passar assistindo a um vídeo, por exemplo, mais recomendado
ele será)26.

O Brasil reconheceu o bullying e o cyberbullying como crimes em janeiro


de 2024 por meio de um projeto de lei inscrito no Programa Nacional
de Prevenção e Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes. De acordo com o projeto de lei 14.811/2024, indivíduos
que utilizam a rede de computadores, redes sociais, aplicativos, jogos
online ou qualquer outro meio ou ambiente digital para sistematica-
mente intimidar, humilhar, discriminar e/ou fazer ataques verbais, mo-
rais, sexuais, sociais, psicológicos, físicos, materiais e virtuais contra uma
ou mais pessoas de modo repetitivo e intencional podem ser multados
e/ou receber uma sentença que varia de dois a quatro anos de prisão27.

Uma das principais descobertas da pesquisa


é que aqueles expostos ao cyberbullying
sentiram-se propensos a se envolver em
“comportamento violento depois de um tempo
para se defenderem”.

26. Little, O. and Richards, A. (2021). TikTok’s algorithm leads users from transphobic videos to far-right rabbit holes. Media Matters.
27. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Lei/L14811.htm
Think Twice Brasil — TTB Página / 25

METODOLOGIA
Por que o TikTok?
Para examinar como as redes sociais promovem conteúdo violento, po-
dendo vir a influenciar estudantes a efetuarem ataques violentos em es-
colas no Brasil, usamos o TikTok como objeto de investigação. O TikTok é
considerado a rede social chinesa mais bem-sucedida28. Ele foi criado em
setembro de 2016 e se espalhou rapidamente por diferentes países. Em
2023, o Brasil foi o terceiro país com a maior audiência no TikTok, ficando
atrás dos Estados Unidos e da Indonésia29. O número de adolescentes e
jovens adultos (18-29 anos) usando o TikTok no Brasil aumentou con-
sideravelmente nos últimos anos30. Enquanto no início, os jovens eram
principalmente atraídos por vídeos engraçados de dublagem de cenas
de filmes e videoclipes famosos, gradualmente o TikTok se tornou uma
fonte de informação e um espaço para discussões, educação, vendas e
cyberbullying31. Em termos de gênero, o número de homens interagindo
com a rede social em escala global aumentou, ultrapassando o número
de mulheres em 202332.

Alguns pesquisadores defendem que o TikTok é diferente de outras re-


des sociais porque possui uma capacidade única de fazer um conteúdo
se tornar viral através da hashtag #FYP, que significa “For You Page”
(para você33). Se o usuário assistir a um vídeo com a hashtag até o final,
os algoritmos do TikTok incorporam suas preferências e recomendam

28. Montag, C., Yang, H., and Elhai, J.D. (2021). On the Psychology of TikTok Use: A First Glimpse From Empirical Findings. Frontiers in
Public Health.
29. https://www.statista.com/statistics/1299807/number-of-monthly-unique-tiktok-users/
30. https://www.statista.com/statistics/1321856/brazil-tiktok-users-age-group/
31. Montag, C., Yang, H., and Elhai, J.D. (2021). On the Psychology of TikTok Use: A First Glimpse From Empirical Findings. Frontiers in
Public Health; Kumar, V.L., Goldstein, M.A. (2020) Cyberbullying and adolescents. Curr Pediatr Rep. 8, pp. 86–92.
32. https://www.statista.com/statistics/1299785/distribution-tiktok-users-gender/
33. Fatimatuzzahro, F., & Achmad, Z. A. (2022). What If It Was You (#WIIWY) digital activism on TikTok to fight gender-based violence
online and cyberbullying. Masyarakat, Kebudayaan Dan Politik, 35(4), 450–465.
Think Twice Brasil — TTB Página / 26

conteúdo semelhante na página inicial “Para Você” com o objetivo de


maximizar o tempo gasto na plataforma. Um dos fatores que torna o
TikTok especialmente atraente entre os adolescentes é que ele apre-
senta alguns recursos criativos que lhes permitem produzir vídeos curtos
originais sem muito esforço. Para alguns estudiosos, essa característica
do TikTok foi crucial para aumentar sua popularidade durante a Pan-
demia de Covid-19 na medida em que proporcionou aos adolescentes
um espaço para socializar de forma criativa com outras pessoas34. Uma
pesquisa focada nos impactos psicológicos do TikTok em crianças e ado-
lescentes apontou que seu design pode causar comportamento viciante,
induzindo indivíduos a passarem mais tempo na rede social35. De modo
geral, o TikTok satisfaz várias necessidades afetivas, induzindo usuários
da internet a interagirem com seus vídeos. A rede social proporciona um
senso de pertencimento a um grupo social, oferece aos seus usuários a
sensação de que eles são especiais ao receberem um número conside-
rável de “curtidas” e/ou seguidores e também faz com que seus usuários
sintam que podem livremente expressar sua criatividade36.

Apesar do TikTok ter ajudado os jovens a socializarem e expressarem


sua identidade e criatividade, ele tem produzido alguns impactos nega-
tivos. Algumas pessoas desenvolvem síndromes após assistir a vídeos
semelhantes por um longo período de tempo37. Por exemplo, ao usar a
rede social por muito tempo, algumas pessoas podem, sem saber, co-
meçar a repetir trejeitos presentes em vídeos virais. Além disso, o TikTok
tem facilitado a circulação de boatos, notícias falsas e teorias conspira-
tórias. No Brasil, o TikTok foi uma das redes sociais usadas na promoção
de teorias conspiratórias que acabaram levando múltiplos indivíduos a
atacarem o Congresso em 8 de janeiro de 202338. No que diz respeito à

34. Oktarini, N.P.U. et al. (2022). Analysis of the Positive and Negative Impacts of Using Tiktok For Generation Z During Pandemic. Journal of
Digital Law and Policy, 1(2), pp. 95-100.
35. Kumar, V.L., Goldstein, M.A. (2020) Cyberbullying and adolescents. Curr Pediatr Rep. 8, pp. 86–92.
36. Bucknell Bossen, C., Kottasz, R. (2020) Uses and gratifications sought by preadolescent and adolescent TikTok consumers. Young Cons.
(2020) 21:463–78.
37. Oktarini, N.P.U. et al. (2022). Analysis of the Positive and Negative Impacts of Using Tiktok For Generation Z During Pandemic. Journal of
Digital Law and Policy, 1(2), pp. 95-100.
38. https://www.nytimes.com/2023/01/09/technology/brazil-riots-jan-6-misinformation-social-media.html
Think Twice Brasil — TTB Página / 27

violência, o TikTok tem sido usado para promover a violência através de


pelo menos cinco maneiras:

Έ Alguns de seus vídeos foram produzidos e compartilhados com a in-


tenção de assediar sexualmente mulheres, muitas vezes endossando
violência física baseada em gênero39;

Έ Alguns de seus vídeos têm facilitado encontros com ideias extremis-


tas, servindo como uma porta de entrada para processos de radica-
lização40;

Έ Alguns de seus vídeos têm contribuído para disseminar discursos de


ódio, atacando abertamente indivíduos e grupos de pessoas com base
em sua raça, etnia, gênero, orientação sexual e habilidades físicas41;

Έ Alguns de seus vídeos têm expressado repetidamente uma intenção


de assediar, ameaçar e atingir indivíduos ou grupos de pessoas, trans-
formando o TikTok em uma espécie de refúgio para o cyberbullying;

Έ Alguns de seus vídeos têm promovido abertamente a violência, in-


cluindo massacres em escolas42.

Semelhante a outras redes sociais, o TikTok também possui suas próprias


Diretrizes da Comunidade, detalhando o tipo de mensagem que não é acei-
tável. O documento menciona explicitamente discurso de ódio e comporta-
mento odioso; organizações e indivíduos violentos e odiosos; exploração e
abuso de jovens; exploração sexual e violência de gênero; exploração hu-
mana; assédio e bullying43. No entanto, existem evidências de que alguns

39. Fatimatuzzahro, F., & Achmad, Z. A. (2022). What If It Was You (#WIIWY) digital activism on TikTok to fight gender-based violence
online and cyberbullying. Masyarakat, Kebudayaan Dan Politik, 35(4), 450–465.
40. Little, O. and Richards, A. (2021). TikTok’s algorithm leads users from transphobic videos to far-right rabbit holes. Media Matters;
41. Oktarini, N.P.U. et al. (2022). Analysis of the Positive and Negative Impacts of Using Tiktok For Generation Z During Pandemic. Journal of
Digital Law and Policy, 1(2), pp. 95-100.
42. Almeida, G.R. e Ramos, D.O. (2023). Nem acima, nem abaixo do radar: uma análise da produção de conteúdo sobre massacres em esco-
las brasileiras no Twitter e no TikTok. Intercom, PUC-Minas.
43. https://www.tiktok.com/community-guidelines/en/safety-civility/
Think Twice Brasil — TTB Página / 28

indivíduos e grupos têm conseguido contornar as normas estabelecidas,


utilizando a rede social para incitar ações violentas. Ao analisar alguns
vídeos compartilhados no TikTok sobre massacres em escolas no Brasil,
as pesquisadoras Gabriela Rodrigues Almeida e Daniela Osvald Ramos
observaram algumas técnicas que têm sido frequentemente usadas para
disfarçar apelos à violência: uso de músicas virais em vídeos mostrando
imagens do autor de ataques violentos e/ou de suas vítimas; criação de pe-
ças de fanfiction apresentando agressores e/ou vítimas de ataques violen-
tos como protagonistas; produção de vídeos de crimes reais, descrevendo
crimes horrendos e massacres de forma que possa induzir os usuários da
internet a buscar mais informações e/ou efetuar ações similares44.

Levando em consideração o crescente debate sobre a relação entre o


TikTok e a violência, usamos essa rede social como objeto de investiga-
ção para observar como ela tem promovido conteúdo violento de uma
forma que possa vir a influenciar alunos a efetuarem ataques violentos
em escolas no Brasil. Considerando que tanto o cyberbullying quanto
vídeos que facilitam encontros com discursos de extrema direita podem
levar a ações violentas, ampliamos o escopo de nossa análise e imitamos
as interações de um usuário comum com o TikTok para observar que tipo
de conteúdo a rede social nos recomendaria.

Avaliando as preferências dos jovens no Brasil


Antes de interagirmos com a rede social, realizamos uma pesquisa anô-
nima com jovens entre 13 e 24 anos de idade, localizados em diferentes
regiões do Brasil, para obter algumas informações sobre o conteúdo que
eles acessam nas redes sociais, especialmente no TikTok. A pesquisa foi
promovida em diferentes redes sociais durante dois meses e comparti-
lhada por alguns professores com seus alunos. 216 jovens responderam

44. Ibid.
Think Twice Brasil — TTB Página / 29

ao questionário. 89 (41,2%) tinham entre 13 e 16 anos. 134 (62%) eram


mulheres. 136 (63%) se descreveram como brancos. 151 (69,9%) esta-
vam localizados na região Sudeste do Brasil.

Figura 3. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com a idade

Figura 4. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com o gênero45

45. 3 (1,4%) participantes preferiram não responder essa pergunta.


Think Twice Brasil — TTB Página / 30

Figura 5. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com a raça

Figura 6. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com a região

A pesquisa foi composta por doze perguntas. As quatro primeiras eram


sobre idade, gênero, raça e localização. As outras focavam no envolvi-
mento dos jovens com redes sociais, especialmente o TikTok. A Tabela
1 apresenta uma visão geral das perguntas e das opções de resposta
fornecidas. A última pergunta permitia uma resposta aberta.
Think Twice Brasil — TTB Página / 31

Tabela 1. Perguntas explorando as interações dos jovens brasileiros com as redes sociais

Qual é a rede social que você mais Έ TikTok


usa?
Έ WhatsApp

Έ Instagram

Έ Facebook

Έ Snapchat

Έ X (antigo Twitter)

Έ GAB

Έ Discord

Έ Outro

Quantas horas por dia você passa Έ Até 5 horas


nas redes sociais?
Έ Entre 5 e 10 horas

Έ Mais de 10 horas
Think Twice Brasil — TTB Página / 32

Se você tem uma conta no TikTok, Έ Vídeos engraçados


indique os três tipos de vídeo que
você costuma prestar mais aten- Έ Vídeos estranhamente engra-
ção? çados

Έ Vídeos de entretenimento (ce-


lebridades, fofoca, novela, ci-
nema, séries, etc)

Έ Vídeos de notícias e opiniões

Έ Vídeos sobre videogame

Έ Vídeos sobre anime e desenho

Έ Vídeos cosplay

Έ Vídeos com truques caseiros

Έ Vídeos de dança

Έ Vídeos de beleza

Έ Vídeos sobre
educação

Você já acessou conteúdo que Έ Sim


mostrava algum tipo de violência,
humilhação, discriminação ou que Έ Não
causou desconforto para você e/ou
as pessoas do vídeo?
Think Twice Brasil — TTB Página / 33

Se você respondeu SIM na per- Έ TikTok


gunta anterior, em qual plataforma
você acessou esse conteúdo? Έ WhatsApp

Έ Instagram

Έ Facebook

Έ Snapchat

Έ Twitter

Έ GAB

Έ Discord

Έ Outro

Depois de ver algum conteúdo Έ Sim


violento ou desconfortável nas re-
des sociais, você já sentiu vontade Έ Não
de falar ou fazer algo contra ou-
tra pessoa e/ou grupo de pessoas
por causa das suas caraterísticas
físicas, religião, opinião política ou
orientação sexual?

Depois de ver algum conteúdo vio- Έ Sim


lento ou desconfortável nas redes
sociais, você já falou ou fez algo Έ Não
contra outra pessoa e/ou grupo de
pessoas por causa das suas cara-
terísticas físicas, religião, opinião
política ou orientação sexual?

Tem algo a mais que você gostaria Έ Resposta aberta


de nos contar?

A pergunta sobre os tipos de vídeos que costumam chamar a atenção


dos participantes da pesquisa foi fundamental para possibilitar nosso
engajamento com o TikTok. 188 dos 216 entrevistados responderam a
Think Twice Brasil — TTB Página / 34

esta pergunta. Como ilustrado na Figura 7, vídeos engraçados, vídeos


de entretenimento e vídeos estranhamente engraçados foram os tipos
de conteúdo mais escolhidos.

Figura 7. Preferências de conteúdo no TikTok escolhidas pelos participantes

Interagindo com o TikTok


Com base nas respostas à pesquisa, criamos uma conta no TikTok e co-
meçamos a interagir com a rede social. Utilizamos um nome e um e-mail
fictícios e ao sermos questionados sobre as preferências de conteúdo,
adicionamos as cinco primeiras opções escolhidas na pesquisa (vídeos
engraçados, vídeos de entretenimento, vídeos estranhamente engraça-
dos, vídeos de beleza, vídeos de notícias e opiniões). Como estávamos
baseados no Reino Unido no momento da coleta de dados, a rede social
começou a recomendar conteúdo produzido naquele país. Após pesqui-
sar por vídeos produzidos no Brasil e interagir com eles, o algoritmo in-
corporou nossa preferência por vídeos em língua portuguesa produzidos
no Brasil.

Do dia 01/10/2023 até 30/10/2023, interagimos com vídeos recomen-


dados pelo TikTok, assistindo-os até o final e “curtindo” vídeos que con-
Think Twice Brasil — TTB Página / 35

tinham conteúdo vexatório, discriminatório e explicitamente violento.


Além disso, seguimos as contas que compartilharam esse tipo de conte-
údo. A rede social foi acessada duas vezes por dia em horários diferentes
para observar diferenças no sistema de recomendação. Em cada uma
dessas ocasiões, examinamos 20 vídeos. Um total de 1.200 vídeos foram
analisados durante o período mencionado. O nome da conta do TikTok
que compartilhou o vídeo, o número de seguidores, o número de “curti-
das” mostrado no vídeo e informações sobre o conteúdo do vídeo foram
armazenados em um arquivo Excel protegido por senha. Os nomes das
contas do TikTok não serão divulgados neste relatório e só estarão dis-
poníveis para o TikTok e autoridades mediante solicitação formal.

Limitações
As limitações deste estudo foram impostas por restrições de tempo e
pelo número de pessoas envolvidas na pesquisa. O formulário de pes-
quisa direcionado a coletar as impressões dos jovens recebeu respostas
durante o período de dois meses, o que limitou a quantidade de partici-
pantes. Outro fator que parece ter limitado o alcance de nossa pesquisa
foi nosso público-alvo. Realizar pesquisas com adolescentes pode ser
especialmente difícil porque eles podem não ter interesse em participar
de pesquisas. Outros podem não se sentir confortáveis ​​o suficiente para
compartilhar suas opiniões sobre violência e redes sociais. O número
limitado de jovens que participaram da pesquisa (216) impediu-nos de
conduzir análises com relevância estatística, o que poderia ter sido útil
para explorar, por exemplo, como o engajamento com conteúdo violento
varia de acordo com as regiões do Brasil, idade, raça e gênero. Ao invés
de analisar quantitativamente os dados derivados da pesquisa, prio-
rizamos a análise qualitativa dos comentários feitos pelos jovens que
responderam à pesquisa. Além disso, utilizamos as cinco preferências de
conteúdo do TikTok mais escolhidas para informar nosso engajamento
com a rede social.
Think Twice Brasil — TTB Página / 36

Outra limitação importante foi o número de pessoas envolvidas na ela-


boração deste estudo. Como apenas uma pesquisadora foi responsável
por interagir com o TikTok, não foi possível examinar um número maior
de vídeos. No final da análise dos 1.200 vídeos, a pesquisadora apre-
sentou sinais de exaustão mental devido à carga violenta do material
acessado diariamente. Comportamento agitado, sinais de irritabilidade
e pensamentos repetitivos associados à música viral usada em alguns
vídeos foram alguns dos sintomas apresentados pela pesquisadora, que
foi assistida por uma terapeuta no momento da coleta de dados. Se tivés-
semos mais pesquisadores envolvidos neste estudo, eles poderiam ter
examinado os vídeos de forma colaborativa. Além de reduzir os efeitos
psicológicos, essa abordagem poderia ter permitido uma análise quanti-
tativa dos vídeos com base na codificação, contribuindo ainda mais com
a literatura existente sobre a relação entre algoritmos e violência.

Diante das limitações aqui apontadas, os resultados deste relatório de-


vem ser interpretados como um primeiro passo rumo a uma análise mais
abrangente de como as redes sociais têm promovido conteúdo violento
de maneira a influenciar alunos a efetuarem ataques violentos em es-
colas no Brasil.
Think Twice Brasil — TTB Página / 37
Think Twice Brasil — TTB Página / 38

ANÁLISE DE DADOS
Dados provenientes da pesquisa anônima
Quando questionados sobre qual rede social eles usam com mais frequ-
ência, 81 (37,5%) jovens disseram que usam o Instagram e 59 (27,3%)
disseram que usam o TikTok. O TikTok foi particularmente popular entre
mulheres (42 dos 59 participantes que afirmaram usar o TikTok) e pes-
soas brancas (41 dos 59 participantes que afirmaram usar o TikTok). A
Figura 8 fornece uma visão geral das respostas a essa pergunta.

Figura 8. Redes sociais regularmente utilizadas pelos jovens que participaram da pesquisa

Quando perguntados sobre quantas horas por dia acessam as redes


sociais, 120 (55,6%) jovens disseram que acessam até 5 horas. Os 10
(4,6%) jovens que afirmaram acessar mais de 10 horas por dia eram
predominantemente mulheres (7). A Figura 9 fornece uma visão geral
das respostas a essa pergunta.
Think Twice Brasil — TTB Página / 39

Figura 9. Quantas horas os participantes da pesquisa afirmaram acessar redes sociais

Quando perguntados se já encontraram algum conteúdo violento e/ou


vídeos discriminatórios, de humilhação ou perturbadores nas redes so-
ciais, 182 (84,3%) jovens responderam que sim, como ilustrado na figura
10. TikTok e Instagram foram as redes sociais em que o conteúdo vio-
lento foi considerado mais acessível. 105 e 101 entrevistados afirmaram
ter encontrado esse tipo de conteúdo no TikTok e no Instagram, respec-
tivamente. 47 (44,7%) dos 105 participantes que encontraram conteúdo
violento e/ou vídeos discriminatórios, de humilhação ou perturbadores
no TikTok tinham entre 13 e 16 anos.

Quando perguntados se já encontraram


algum conteúdo violento e/ou vídeos
discriminatórios, de humilhação ou
perturbadores nas redes sociais,
182 (84,3%) jovens responderam que sim.
Think Twice Brasil — TTB Página / 40

Figura 10. Acesso a conteúdo violento e/ou vídeos discriminatórios, de humilhação ou


perturbadores disponíveis nas redes sociais46

159 (73,6%) dos participantes afirmaram que não sentiram desejo de


atacar verbalmente e/ou fisicamente outra pessoa ou um grupo de indiví-
duos com base em suas características físicas, religião, opinião política e
orientação sexual após assistir a vídeos contendo conteúdo violento e/ou
perturbador. 57 (26,4%) jovens afirmaram que esses vídeos de alguma
forma os motivaram a atacar verbalmente ou fisicamente outras pessoas.
35 dos 57 jovens que expressaram algum desejo de atacar outras pessoas
após assistirem a vídeos contendo conteúdo violento e/ou perturbador
eram mulheres. 20 delas eram brancas e principalmente localizadas no
Sudeste (18) e Sul (2) do Brasil. 19 dos 57 jovens que expressaram algum
desejo de atacar outras pessoas após assistirem a vídeos contendo con-
teúdo violento e/ou perturbador eram homens. 12 deles eram brancos e
principalmente localizados no Sudeste (10) e Sul (2) do Brasil. Um jovem
era não-binário e dois preferiram não divulgar seu gênero.

46. Um participante não respondeu a esta pergunta.


Think Twice Brasil — TTB Página / 41

183 (84,7%) dos jovens que participaram da pesquisa afirmaram que não
atacaram verbalmente e/ou fisicamente outra pessoa ou um grupo de in-
divíduos com base em suas características físicas, religião, opinião política,
orientação sexual após assistirem a vídeos com contendo conteúdo vio-
lento e/ou perturbador. 33 (15,3%) afirmaram que fizeram ataques verbais
e/ou físicos. 20 desses jovens eram mulheres, 11 eram homens e 2 prefe-
riram não divulgar seu gênero. Entre as mulheres que responderam sim,
13 eram brancas e principalmente localizadas no Sudeste do Brasil (11).

26,4% dos jovens afirmaram que esses vídeos de


alguma forma os motivaram a atacar verbalmente ou
fisicamente outras pessoas.

33 (15,3%) afirmaram que fizeram ataques


verbais e/ou físicos.
39 (18%) jovens deixaram comentários na pergunta aberta sobre o que
mais gostariam de compartilhar conosco sobre a relação entre as redes
sociais e a violência. Dois deles destacaram como o conteúdo violento
acessado em espaços virtuais influenciou sua visão de mundo, tornan-
do-os menos sensíveis à violência.

“Cresci consumindo conteúdo de violência extrema


através da internet (tudo na surface web). Embora eu
nunca tenha feito mal às pessoas, essa experiência afe-
tou a forma como as vejo e acredito que me dessensibi-
lizou em relação a tudo de grotesco e perturbador”

Um dos participantes declarou que, após assistir a vídeos discriminatórios


e humilhantes, sentiu-se inclinado a buscar vingança em nome das vítimas.
Think Twice Brasil — TTB Página / 42

“A vontade que eu sinto é de me vingar pela pessoa


que foi agredida/discriminada”

Muitos comentários expressaram falta de confiança na moderação de con-


teúdo e nas políticas que visam restringir a circulação de conteúdo violento,
discurso de ódio e/ou desinformação nas redes sociais. Apesar de denun-
ciarem postagens racistas e notícias falsas, alguns entrevistados declara-
ram que continuaram a receber recomendações de postagens desse tipo.

“Denunciar vídeos e contas com conteúdo discrimina-


tório e violento ou fake é algo que faço sempre que
encontro, porém a plataforma do Instagram segue
anunciando muitos vídeos e contas que proliferam fal-
sas informações e discursos de ódio, o que dificulta um
ambiente seguro nas redes sociais”

Enquanto alguns comentários apoiaram a necessidade de regulamenta-


ções federais ou internacionais para evitar a circulação de conteúdo vio-
lento nas redes sociais, um comentário expressou forte oposição a essas
ferramentas regulatórias, descrevendo-as como censura e questionando
o objetivo deste estudo.

“Sou contra a censura. Caso o intuito desta pesquisa


seja aprovar mais algum projeto imundo que vise de-
mocraticamente aplicar uma ditadura (não que já não
seja), peço que vão capinar um lote, pois serão mais
úteis à sociedade do que tentando censurar ela”

Análise dos vídeos recomendados pelo TikTok


De 01/10/2023 até 30/10/2023, interagimos com o TikTok duas vezes
por dia para observar como esta rede social iria promover conteúdo vio-
lento de uma forma que pudesse vir a influenciar estudantes a efetuarem
Think Twice Brasil — TTB Página / 43

ataques violentos em escolas no Brasil. Foram examinados 1.200 vídeos


recomendados pela rede social. Dois deles ecoaram teorias conspiratórias
frequentemente encontradas em círculos de extrema direita, potencial-
mente contribuindo com processos de radicalização: a teoria conspiratória
de que comunistas estão especialmente interessados na destruição da
identidade cristã e a teoria conspiratória que avança a crença de que crian-
ças foram sequestradas para que elites liberais possam beber seu sangue
para se tornarem mais jovens (esta teoria conspiratória é conhecida como
a teoria do adrenocromo)47. 220 (18,3%) dos vídeos examinados promo-
veram violência. Como ilustrado na Figura 11, uma grande proporção des-
ses vídeos explicitamente incita o uso de violência (157).

Figura 11. Tipos de vídeos promovendo violência recomendados pelo TikTok de 01/10/2023
a 30/10/2023

Após aplicar os cinco tópicos preferidos escolhidos pelos jovens que


participaram da pesquisa (vídeos engraçados, vídeos de entretenimento,
vídeos estranhamente engraçados, vídeos de beleza, vídeos de notícias
e opiniões), notamos que o TikTok rapidamente começou a recomendar
vários vídeos com um tom machista disfarçado de peças de humor. O

47. Esta é uma das narrativas centrais de um conglomerado de teorias da conspiração conhecido como QAnon. QAnon exerceu grande influ-
ência sobre a política americana, avançando a crença de que Donald Trump estava lutando contra as elites liberais (representadas pelos
democratas) que supostamente estavam por trás de um esquema de tráfico sexual infantil. Para obter mais informações sobre esta teoria
da conspiração acesse: https://www.forbes.com/sites/conormurray/2023/07/15/the-adrenochrome-conspiracy-theory-pushed-by-sound-
-of-freedom-star-explained/?sh=798ee9755179
Think Twice Brasil — TTB Página / 44

primeiro desses vídeos foi recomendado no quarto dia de análise e apre-


sentava no masculino uma lista de palavras que na língua portuguesa
são femininas, substituindo o artigo “a” por “o” ao final das palavras. Por
exemplo: “menstruado”; “lésbico”; “girafo”.

Vídeos semelhantes foram recomendados pelo TikTok por vários dias.


Em alguns casos, homens eram abordados na rua com essas palavras.
Embora essas “pegadinhas” sejam aplicadas em homens, interpretamos
esses vídeos como um caso de cyberbullying direcionado a mulheres por-
que muitas das palavras utilizadas se referem a partes do corpo feminino e
artistas mulheres, verbalmente configurando um ataque repetido e inten-
cional às mulheres. Além disso, chamou-nos a atenção o fato de apenas
homens comentarem e rirem das alterações como se fosse engraçado se
apropriar de palavras femininas. A Figura 12 apresenta uma análise quan-
titativa desses vídeos, demonstrando sua distribuição ao longo do tempo.

Figura 12. Vídeos que constituem casos de cyberbullying recomendados pelo TikTok de
01/10/2023 a 30/10/2023
Think Twice Brasil — TTB Página / 45

Alguns desses vídeos foram produzidos no formato de podcast, apre-


sentando dois ou três homens fazendo as mudanças e rindo delas. Ou-
tros eram principalmente baseados em texto na tela, apresentando as
supostas novas palavras. A Figura 13 ilustra um desses casos.

Figura 13. Captura de tela de um vídeo do TikTok assediando indivíduos não-binários e


mulheres através de texto na tela

Antes de começar a recomendar esses vídeos, os algoritmos do TikTok


promoveram a violência por meio de vídeos discriminatórios. Conforme
detalhado na Figura 14, as principais vítimas de discriminação eram pes-
soas pretas e mulheres. Também foram observados vídeos direcionados
a imigrantes, homossexuais, pessoas autistas e indivíduos com cres-
cimento restrito (nanismo), bem como vídeos contendo discriminação
relacionada ao peso.
Think Twice Brasil — TTB Página / 46

Figura 14. Principal alvo dos vídeos discriminatórios recomendados pelo TikTok de
01/10/2023 a 30/10/2023

Pessoas pretas (especialmente homens) foram principalmente associa-


das à criminalidade como ilustrado na Figura 15, que apresenta um ho-
mem negro supostamente dizendo que sua ocupação é arrombar casa,
lanchonete, padaria, lan house, salão de beleza e oficina. Mulheres foram
principalmente representadas como desprovidas de inteligência. Em um
dos vídeos, dois homens começam a rir de uma mulher na rua e, quando
ela pede uma explicação, eles dizem que ela é incapaz de entender o
motivo das risadas. Uma análise interseccional desse material fornece
algumas percepções adicionais na medida em que as pessoas pretas
discriminadas eram principalmente homens e as mulheres apresentadas
nos vídeos eram predominantemente brancas, reforçando associações
racistas (“homens negros-violência”) e machistas (“mulheres brancas-
-emocionais”). A nacionalidade dos imigrantes discriminados em três
dos vídeos observados era chinesa e árabe. A Figura 16 apresenta a
distribuição de vídeos incitando violência por meio de discriminação no
período examinado.
Think Twice Brasil — TTB Página / 47

Figura 15. Screenshot de um vídeo recomendado pelo TikTok associando homens pretos
à criminalidade

Figura 16. Vídeos discriminatórios recomendados pelo TikTok de 01/10/2023 a 30/10/2023


Think Twice Brasil — TTB Página / 48

Após 12 dias “curtindo” os vídeos acima mencionados e seguindo as con-


tas que os compartilharam, os algoritmos do TikTok começaram a reco-
mendar vídeos explicitamente incitam a violência. A Figura 17 mostra a
distribuição de vídeos promovendo violência durante o período examinado,
destacando como os vídeos discriminatórios e de cyberbullying foram gra-
dualmente substituídos por vídeos contendo apelo explícito à violência.

Figura 17. Vídeos identificados promovendo violência no TikTok de 01/10/2023 a


30/10/2023

Vídeos discriminatórios e de cyberbullying foram


gradualmente substituídos por vídeos contendo
apelo explícito à violência.

De 01/10/2023 a 30/10/2023, TikTok recomendou 157 vídeos explicita-


mente incitando o uso de violência. As principais vítimas nesses vídeos
eram mulheres e crianças. O primeiro vídeo fazendo um apelo explícito à
violência mostra uma sequência de fotos de crianças assassinadas com
Think Twice Brasil — TTB Página / 49

requinte de crueldade. Uma das crianças supostamente foi morta pela


mãe e comida por ela. A violência contra crianças foi representada de
várias maneiras: através de sequência de imagens mostrando os rostos
das crianças assassinadas com crueldade; através de descrição textual
e/ou verbal de incidentes violentos envolvendo crianças; através de re-
produções de vídeos de segurança. Um dos vídeos mostra o momento
em que um homem chega a uma sala antes de usar um martelo para
matar duas crianças. Tanto ataques verbais quanto físicos contra mu-
lheres foram representados em alguns dos vídeos recomendados pelo
TikTok. Os ataques violentos mais cruéis foram encontrados em vídeos
fazendo referência ao site Portal do Zacarias. Este site de notícias re-
produz vídeos filmados por indivíduos enquanto torturam suas vítimas
antes de matá-las. As principais vítimas dos crimes apresentados pelo
site e mencionadas no TikTok eram mulheres e crianças.

A violência contra crianças foi representada de


várias maneiras: através de sequência de imagens
mostrando os rostos das crianças assassinadas com
crueldade; através de descrição textual e/ou verbal
de incidentes violentos envolvendo crianças; através
de reproduções de vídeos de segurança.

115 dos 157 vídeos explicitamente incitando o uso de violência reco-


mendados pelo TikTok no período examinado se referem a material dis-
ponível no site Portal do Zacarias. A Figura 18 fornece uma visão geral
dos tipos de vídeos explicitamente promovendo violência recomendados
pelo TikTok. O número de vídeos de violência contra mulheres e crianças
apresentado na Figura 18 não inclui os vídeos que fazem referência ao
Portal do Zacarias. Uma análise de gênero desses vídeos será conduzida
nas próximas páginas.
Think Twice Brasil — TTB Página / 50

Figura 18. Tipos de vídeos explicitamente incitando o uso de violência recomendados pelo
TikTok de 01/10/2023 a 30/10/2023

Vídeos promovendo conteúdo violento disponível no Portal do Zacarias

Referências ao Portal do Zacarias foram feitas de maneiras variadas,


possivelmente com o intuito de contornar as barreiras existentes para
evitar a circulação de conteúdo violento. Muitos dos 115 vídeos identi-
ficados apresentam um indivíduo descrevendo os crimes mostrados no
site. Outros usam capturas de tela de vídeos disponíveis no site sincroni-
zados com o som original das vítimas chorando antes de serem mortas.
Duas estratégias apareceram com uma certa frequência na amostra: o
uso de simulações de videogames, como ilustrado na Figura 19, e o uso
de vídeos mostrando indivíduos dançando a música viral associada ao
site.
Think Twice Brasil — TTB Página / 51

Figura 19. Captura de tela de uma simulação de videogame no TikTok de um vídeo dis-
ponível no Portal do Zacarias

Vídeos promovendo o Portal do Zacarias através da música viral fre-


quentemente apresentaram hashtags engraçadas como #Festivalde-
comedia ao lado da hashtag com o nome do site (#PortalZacarias) e
hashtags com o título dos vídeos disponíveis no website (#mangue937,
#misspacman, #torneirahumana), sugerindo que assistir pessoas sendo
torturados é divertido. Juntamente com essas hashtags, quase todos os
vídeos desse tipo também apresentaram a hashtag #ForYouPage (Para
Você) e suas variantes (#FYP #Foryou) para fazer o vídeo se tornar viral.
Vídeos desafiando os espectadores a assistirem mais vídeos do Portal
do Zacarias também representaram crimes violentos como uma forma
de entretenimento. A Figura 20 apresenta o desafio através de legenda
na tela e a hashtag #Festivaldecomedia. Em alguns vídeos, usuários do
Think Twice Brasil — TTB Página / 52

TikTok expressam orgulho em assistir aos vídeos mostrados no Portal


do Zacarias sem serem emocionalmente afetados por eles. A falta de
empatia, nesse caso, é percebida como um sinal de superioridade, como
se aqueles que não são perturbados pelos vídeos fossem emocional-
mente superiores aos outros.

A falta de empatia, nesse caso, é percebida


como um sinal de superioridade, como se aqueles
que não são perturbados pelos vídeos fossem
emocionalmente superiores aos outros.

Figura 20. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok mostrando um indivíduo
desafiando internautas a assistirem mais vídeos do Portal do Zacarias

Outra técnica utilizada para driblar a moderação de conteúdo violento


envolveu o uso de inteligência artificial. Dois dos vídeos examinados
usaram inteligência artificial para fazer com que as vítimas de crimes
reproduzidos no site Portal do Zacarias descrevessem sua própria morte.
Think Twice Brasil — TTB Página / 53

A Figura 21 apresenta a captura de tela de um vídeo no qual uma mulher


que foi violentamente morta na Guatemala “fornece alguns detalhes”
sobre sua própria morte.

Figura 21. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok mostrando como a
inteligência artificial tem sido usada para promover violência

É importante notar o uso de números dentro de algumas palavras como


um modo adicional de dificultar a moderação automatizada. Essa foi ou-
tra estratégia encontrada em vários vídeos que explicitamente incitam
a violência.

Ao observar vídeos promovendo conteúdo violento disponível no Portal


do Zacarias, dois padrões chamaram a nossa atenção: a ênfase em víti-
mas do sexo feminino e referências ao potencial viciante dos vídeos. 27
dos 115 vídeos que explicitamente promovem violência enquanto fazem
referência ao site Portal do Zacarias apresentavam mulheres como ví-
timas de tortura. Além disso, em alguns vídeos, usuários do TikTok pa-
recem perceber um envolvimento viciante com esses vídeos, sugerindo
Think Twice Brasil — TTB Página / 54

que material audiovisual mostrando pessoas sendo torturadas antes de


serem mortas pode levar a um vício nesse tipo de conteúdo. A Figura 22
apresenta a captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok no
qual um usuário do TikTok mostra com que frequência acessou vídeos
do Portal do Zacarias e usa a palavra vício na legenda e na hashtag para
se referir ao seu comportamento.

Figura 22. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok no qual um usuário da
rede social se refere ao seu envolvimento com conteúdo violento como viciante

Ao observar vídeos promovendo


conteúdo violento disponível no Portal do Zacarias,
dois padrões chamaram a nossa atenção: a ênfase
em vítimas do sexo feminino e referências ao
potencial viciante dos vídeos.
Think Twice Brasil — TTB Página / 55

Vídeos incitando o uso de violência em escolas

Dois dos cinco vídeos incitando o uso de violência em escolas fizeram


referência ao Portal do Zacarias. Um sugere que a reprodução de vídeos
violentos na escola é uma forma de entretenimento e o segundo defende
explicitamente que a violência (da maneira apresentada no site Portal
do Zacarias: tortura seguida de morte) é uma forma válida de lidar com
o bullying na escola (Figura 23).

Figura 23. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok apresentando a vio-
lência encontrada no Portal do Zacarias como uma forma válida de lidar com casos de
bullying na escola

Outro vídeo usa ilustrações para transmitir uma mensagem semelhante,


sugerindo que um menino que costumava ser vítima de bullying na es-
cola trouxe o grupo que costumava intimidá-lo para sua comunidade e
os matou. Um vídeo perturbador mostrando um homem incentivando
estudantes a levarem abridores de coco para a escola porque podem
funcionar como armas e não chamarão atenção foi recomendado duas
Think Twice Brasil — TTB Página / 56

vezes pelo TikTok. A Figura 24 apresenta o momento em que o homem


mostra o abridor de coco após dizer “quem poderia suspeitar que estou
carregando um soco inglês e um abridor de coco?”

Figura 24. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok dando instruções sobre
quais tipos de armas estudantes devem levar para a escola

Vídeos tentando convencer o espectador a usar violência

Cinco dos vídeos identificados explicitamente promovendo violência en-


cenaram uma conversa entre o responsável pela conta no TikTok e o es-
pectador de modo a convencê-lo a adotar um comportamento violento.
Em um desses vídeos, a conversa é encenada por meio de legendas na
tela, encorajando o espectador a adotar uma atitude violenta após sofrer
algum tipo de provocação (Figura 25).
Think Twice Brasil — TTB Página / 57

Figura 25. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok usando legenda para
incitar violência

Vídeos cultuando assassinos em série e terroristas

Quatro dos vídeos identificados explicitamente promovendo violência


recomendados pelo TikTok representam assassinos em série e terro-
ristas como heróis. Alguns deles exibiram uma foto do Jihadista John
quando jovem, seguida por uma imagem amplamente associada ao
grupo terrorista isil, mostrando-o segurando uma faca momentos antes
de decapitar uma de suas vítimas. O terrorista conhecido como Jihadista
John era um cidadão britânico recrutado pelo isil48 e tornou-se famoso
por decapitar prisioneiros do grupo terrorista. A sequência de imagens
mostrada nesses vídeos sugere que alguns meninos de hoje podem se
tornar terroristas amanhã, como se os terroristas fossem uma espécie
de vingadores. Essa mensagem é especialmente evidente no vídeo que
mostra uma foto do Jihadista John quando jovem, justaposta à logo do

48. Estado Islâmico do Iraque e do Levante.


Think Twice Brasil — TTB Página / 58

Portal do Zacarias, sugerindo que ao assistir aos vídeos do site durante


a infância, alguém pode vir a se tornar um terrorista.

Um dos vídeos analisados apresentou um pôster de animação ao estilo


Disney produzido por inteligência artificial, mostrando o assassino em série
americano Jeffrey Dahmer como um herói49. Essa tentativa de tornar crimes
violentos mais atrativos para o público jovem por meio de pôsteres de ani-
mação ao estilo Disney também foi usada em alguns vídeos promovendo
material disponível no site Portal do Zacarias. A Figura 26 apresenta dois
pôsteres encontrados durante a nossa pesquisa: um representando Jeffrey
Dahmer como um herói e outro representando o assassinato de três mu-
lheres apresentado pelo Portal do Zacarias como uma animação da Disney.

Figura 26. Capturas de tela de vídeos recomendados pelo TikTok representando crimes
violentos e assassinos em série como pôsteres de filmes de animação da Disney

49. Jeffrey Dahmer é um famoso assassino em série americano que matou 17 pessoas entre 1978 e 1991. Seus assassinatos envolveram
necrofilia, canibalismo e a preservação permanente de partes do corpo das vítimas.
Think Twice Brasil — TTB Página / 59

No que diz respeito ao número de “curtidas” obtidos pelos vídeos ana-


lisados durante a nossa pesquisa, apenas dois vídeos promovendo ex-
plicitamente a violência alcançaram mais de 1 milhão de “curtidas”: um
vídeo mostrando fotos de uma vítima feminina de um dos vídeos dis-
poníveis no Portal do Zacarias (1,8 milhão); e outro vídeo reproduzindo
imagens da mesma vítima - neste caso, mostrando que sua cabeça está
prestes a ser atingida por um trem (2,2 milhões).
Think Twice Brasil — TTB Página / 60
Think Twice Brasil — TTB Página / 61

A RELAÇÃO ENTRE
ALGORITMOS, VIOLÊNCIA
E JUVENTUDE NO BRASIL
Ao simular a experiência cotidiana de um jovem usuário do TikTok, foi
possível observar alguns possíveis pontos de conexão com ataques vio-
lentos em escolas no Brasil, sugerindo a necessidade de mais pesquisa
para investigar em que medida as redes sociais têm motivado estudan-
tes a adotarem atitudes violentas, principalmente no ambiente escolar.

Em sete dos ataques violentos registrados em escolas no Brasil, bullying


foi usado como justificativa, indicando que os agressores foram vítimas
de bullying50. Três dos vídeos examinados recomendados pelo TikTok de
01/10/2023 a 30/10/2023 incentivaram explicitamente o uso de violên-
cia como uma ferramenta para lidar com o bullying nas escolas. Em um
dos vídeos, um homem dá conselhos aos alunos sobre qual arma devem
levar para a escola. Este vídeo não permanece disponível na rede social,
mas foi recomendado duas vezes por duas contas diferentes e recebeu
mais de 60.000 curtidas51.

Em dois dos ataques violentos registrados em escolas no Brasil desde


2002, a polícia descobriu que o agressor promovia violência em suas re-
des sociais por meio de simulações de videogame e referências explícitas
a massacres em escolas52. Seis dos vídeos recomendados pelo TikTok
de 01/10/2023 até 30/10/2023 usaram jogos online multiplayer como
Roblox e Minecraft para simular alguns dos assassinatos cruéis repro-

50. Campanha Nacional pelo Direito à Educação; CNN Brasil


51. O vídeo recomendado em 26/10/2023 obteve 28,1 mil curtidas, e o vídeo recomendado em 27/10/2023 obteve 32,1 mil curtidas.
52. Campanha Nacional pelo Direito à Educação; CNN Brasil
Think Twice Brasil — TTB Página / 62

duzidos no Portal do Zacarias. Considerando que alguns estudiosos já


apontaram que esses jogos podem funcionar como uma porta de entrada
para processos de radicalização e facilitar a normalização da violência53,
o fato de terem sido usados para simular crimes hediondos (casos de
tortura seguida de morte) é profundamente problemático na medida em
que podem induzir alunos a cometerem crimes semelhantes.

Durante o período de observação, o TikTok não recomendou nenhum


vídeo celebrando massacres em escolas. No entanto, recomendou con-
teúdo cultuando assassinos em série e terroristas. Vale ressaltar o uso
de pôsteres de animação semelhantes aos produzidos pela Disney para
atrair audiências mais jovens na medida em que essa estratégia pode
contribuir para a dessensibilização e normalização da violência entre
crianças e jovens. Se a tortura e o assassinato forem representados na
forma de vídeos semelhantes a animações facilmente acessíveis em re-
des sociais, algumas crianças podem começar a perceber a violência
como parte de suas vidas.

Em três dos ataques violentos registrados em escolas no Brasil, o agres-


sor demonstrou sinais de radicalização, expressando ideias xenofóbicas
em suas redes sociais e fazendo referências explícitas ao nazismo. Du-
rante o período de observação, o TikTok não recomendou nenhum vídeo
mencionando o nazismo. No entanto, recomendou vídeos com conteúdo
discriminatório, algumas vezes direcionado a imigrantes. Três dos 30 ví-
deos discriminatórios observados tinham como alvo imigrantes, princi-
palmente da China e do Oriente Médio. Semelhante aos vídeos do TikTok
que mostram simulações de crimes violentos em jogos de vídeo, os ví-
deos discriminatórios também podem servir como uma porta de entrada
para a radicalização, facilitando o encontro com ideias extremistas.

Questões de gênero parecem ser o principal ponto de conexão entre os

53. Relatório ao governo de transição: o ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no brasil: ataques às
instituições de ensino e alternativas para a ação governamental.; Escola Livre de Ódio – Porvir.
Think Twice Brasil — TTB Página / 63

ataques violentos em escolas e as formas de violência recomendadas


pelas redes sociais - neste caso, pelo TikTok. Todos os ataques regis-
trados entre 2002 e 2022 foram efetuados por homens heterossexuais
brancos54 e a maioria dos vídeos promovendo violência recomendados
pelo TikTok entre 01/10/2023 e 30/10/2023 apresentava homens se
divertindo com casos de violência que tinham mulheres como alvo. Mu-
lheres foram vítimas de cyberbullying, discriminação e misoginia. Esse
padrão foi especialmente proeminente entre os vídeos que explicita-
mente promoviam violência. Além de mostrar fotos das vítimas e usar
inteligência artificial “para dar vida a algumas delas” para descrever a
própria morte, alguns vídeos reproduziram o áudio original de material
disponível no Portal do Zacarias para enfatizar a agonia da vítima mo-
mentos antes de sua morte.

É digno de nota o fato de que vídeos apresentando mulheres como ví-


timas de atos violentos foram frequentemente reproduzidos como uma
forma de entretenimento. Em um deles, o assassino afirma que ma-
tou sua esposa por diversão. Em 14/10/2023, este vídeo tinha mais de
782.000 “curtidas”. Além de contribuir com a normalização da violência
contra as mulheres, muitos dos vídeos examinados podem ser consi-
derados um passo adiante na normalização da violência contra crian-
ças. Assim como mulheres, crianças também aparecem como vítimas
de violência em muitos dos vídeos recomendados pelo TikTok durante o

É digno de nota o fato de que vídeos


apresentando mulheres como vítimas de atos
violentos foram frequentemente reproduzidos como
uma forma de entretenimento.

54. Relatório ao governo de transição: o ultraconservadorismo e extremismo de direita entre adolescentes e jovens no brasil: ataques às
instituições de ensino e alternativas para a ação governamental.
Think Twice Brasil — TTB Página / 64

período de observação. Em um deles, uma câmera de segurança mostra


um homem chegando em uma sala de estar minutos antes de usar um
martelo para matar duas crianças. Em um dos ataques registrados em
escolas no Brasil em 2023, um homem também usou um martelo como
arma. Ele matou quatro crianças em uma creche em Blumenau, Santa
Catarina. Apesar das dificuldades em estabelecer uma correlação entre
o vídeo e o ataque no Brasil, as semelhanças entre ambos sugerem que
conteúdo violento amplamente disponível nas redes sociais pode servir
de inspiração para ataques violentos em escolas no Brasil.

Além de normalizar a violência contra mulheres e crianças, vídeos re-


produzindo material disponibilizado no Portal do Zacarias podem ser
considerados especialmente problemáticos porque têm levado algumas
pessoas a desenvolverem vício nesse tipo de violência. Alguns dos ví-
deos examinados fazem referência explícita à dependência. Enquanto
algumas pessoas expressaram preocupação ao desenvolver um com-
portamento semelhante ao de um indivíduo viciado, outras se referiram
à falta de empatia como um sinal de superioridade. É como se fossem
corajosas o suficiente para assistir a muitos vídeos com apelos explícitos
à violência e continuar com suas vidas sem serem impactadas por eles.
Durante uma busca no Google por mais informações sobre o site Portal
do Zacarias, a plataforma de buscas recomendou o resumo de um vídeo
do YouTube que afirma que vídeos violentos apresentados no site “po-
dem levar ao vício, à dessensibilização e à falta de empatia”55.

Embora existam evidências de que as redes sociais estejam exercendo


alguma influência sobre ações violentas, mais atenção precisa ser diri-
gida à ampla circulação de material que promove a violência na medida
em que os sistemas de recomendação algorítmica podem aprisionar al-
guns indivíduos em um ciclo capaz de dessensibilizá-los ainda mais para
tortura e assassinato, especialmente de mulheres e crianças. Combi-

55. https://eightify.app/summary/miscellaneous/zacarias-portal-unveiling-the-disturbing-obsession-with-gore
Think Twice Brasil — TTB Página / 65

nando o potencial viciante de alguns vídeos que promovem a violência


com o design de algumas redes sociais, como o TikTok, que visa a induzir
as pessoas a interagirem cada vez mais com seu conteúdo56, a reco-
mendação constante de vídeos que promovem a violência pode acabar
satisfazendo algumas necessidades afetivas, incentivando indivíduos a
reproduzirem ações violentas na vida real.

Embora existam evidências de que as


redes sociais estejam exercendo alguma influência
sobre ações violentas, mais atenção precisa ser
dirigida à ampla circulação de material que promove
a violência na medida em que os sistemas de
recomendação algorítmica podem aprisionar
alguns indivíduos em um ciclo capaz
de dessensibilizá-los ainda mais para tortura e
assassinato, especialmente de mulheres e crianças.

A principal questão que deve ser levantada é: se os jovens de hoje pas-


sam muito tempo em suas redes sociais, se as redes sociais têm sido
frequentemente usadas para promover a violência como uma forma vá-
lida de entretenimento e de lidar com o bullying, se o design das redes
sociais explora um comportamento semelhante ao apresentado por pes-
soas viciadas, desenvolvendo uma espécie de dependência, como é que
os jovens, por si só, serão capazes de rejeitar apelos à violência?

56. Kumar, V.L., Goldstein, M.A. (2020) Cyberbullying and adolescents. Curr Pediatr Rep. 8, pp. 86–92.
%
Think Twice Brasil — TTB Página / 67

EDUCAÇÃO PARA PAZ E


DIREITOS HUMANOS
Dinâmica das violências e o contexto brasileiro
Para compreender os potenciais impactos nos jovens da violência encon-
trada nas redes sociais, assim como suas causas e consequências, é neces-
sário pontuar a relação intrínseca entre a formação do tecido social brasi-
leiro e a violência como principal ferramenta de afirmação de valor social,
dominação e controle. Para tanto, é necessário resgatar o histórico do perí-
odo da colonização da América Latina, que simboliza a pedra fundamental
de uma estrutura essencialmente discriminatória, opressora e violenta, que
se inicia com a ocupação europeia do território já habitado pelos povos
originários, levando ao extermínio de milhões de pessoas indígenas, o que
inclusive é considerado um dos primeiros genocídios da história57.

Somado a isso, o tráfico e a escravização de pessoas negras e a vio-


lência sexual irrestrita contra mulheres negras e indígenas também
marcam o uso da violência como elemento estruturante da sociedade
brasileira58. A violência, então, em suas multifacetas, é o fio condutor
da composição das sociedades latino-americanas, pautando a forma-
ção dos Estados, da lei, da economia, das políticas públicas, dos com-
portamentos individuais e das relações sociais59, recaindo com mais in-
tensidade sobre determinadas pessoas e grupos, como se demonstrou
nos capítulos anteriores.

57. Stannard, D. E. (1993). American holocaust: The conquest of the new world. Oxford University Press; Barreto, J. (2013). Human rights
from a Third World perspective: Critique, history and international law. Cambridge Scholars Publishing.
58. Lugones, M., 2012. Subjetividad esclava, colonialidad de género, marginalidad y opresiones múltiples. Pensando los feminismos en Boli-
via, pp.129-140; Nascimento, A. (2016). O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Editora Perspectiva SA.
59. Quijano, A. (2000). Coloniality of power and Eurocentrism in Latin America. International Sociology, 15(2), 215-232; Lugones, M., 2012.
Subjetividad esclava, colonialidad de género, marginalidad y opresiones múltiples. Pensando los feminismos en Bolivia, pp.129-140;
Almeida, S., 2019. Racismo estrutural. Pólen Produção Editorial LTDA.
Think Twice Brasil — TTB Página / 68

Para além do contexto social brasileiro, há evidências robustas de que a


violência é transmitida entre gerações e tem uma natureza contagiosa,
motivo pelo qual é inclusive considerada parte da agenda de saúde pú-
blica de alguns países60. Centenas de estudos sinalizam que quando
uma criança ou adolescente testemunha ou vivencia algum tipo de vio-
lência, seja em casa, na escola ou em sua comunidade, aumenta expo-
nencialmente a chance de desenvolver comportamentos violentos. Inva-
riavelmente, para muitas pessoas, a primeira experiência com a violência
acontece dentro de casa, o que influencia a sua compreensão sobre a
qualidade dos relacionamentos, da demonstração dos afetos e autorre-
gulação emocional.

Para além do contexto social brasileiro, há evidências


robustas de que a violência é transmitida entre
gerações e tem uma natureza contagiosa, motivo
pelo qual é inclusive considerada parte da agenda de
saúde pública de alguns países.

De acordo com as teorias de Aprendizagem Social e Cognitiva, crianças


e adolescentes aprendem a se comportar e se relacionar por meio da
observação de como fazem outras pessoas, imitando seus padrões e
assimilando-os como universais61. Nesse sentido, os padrões de com-
portamento e relação dos cuidadores são tão relevantes quanto as re-
ferências observadas pelas crianças e jovens em outros espaços em que
circulam, tais como a escola e o ambiente virtual. Os pesquisadores Ro-
bert Bond e Brad Bushman conduziram um estudo com mais de 90 mil
jovens norte-americanos entre 12 e 18 anos para investigar o caráter

60. Levendosky, A.A. and Graham-Bermann, S.A. 2000. Trauma and Parenting in Battered Women: An Addition to an Ecological Model of
Parenting. Journal of aggression, maltreatment & trauma. 3(1), pp.25–35; Bond, R.M. and Bushman, B.J. 2017. The Contagious Spread of
Violence Among US Adolescents Through Social Networks. American journal of public health (1971). 107(2), pp.288–294; Patton, D.U.,
McGregor, K. and Slutkin, G. 2018. Youth Gun Violence Prevention in a Digital Age. Pediatrics (Evanston). 141(4), pp.1.
61. Bond, R.M. and Bushman, B.J. 2017. The Contagious Spread of Violence Among US Adolescents Through Social Networks. American
journal of public health (1971). 107(2), pp.288–294.
Think Twice Brasil — TTB Página / 69

contagioso da violência62. Eles descobriram que os jovens cujos amigos


demonstraram comportamento violento tinham 48% mais chances de
se envolverem em brigas graves, 183% maior probabilidade de ferir
alguém gravemente e estavam 140% mais propensos a usar armas de
fogo caso se envolvessem em algum conflito.

Se antes os jovens estavam circunscritos às formas


de violência presentes no contexto social em que
estavam inseridos, o que se percebe agora é que
os jovens estão expostos, a qualquer tempo, a
violências de todas as ordens.

No que se refere ao ambiente digital, o que se percebe é a facilitação do


encontro de crianças e jovens com as mais variadas formas de violência.
Se antes os jovens estavam circunscritos às formas de violência presen-
tes no contexto social em que estavam inseridos, o que se percebe agora
é que os jovens estão expostos, a qualquer tempo, a violências de todas
as ordens, passíveis de viralização e, portanto, assimilação e replicação
indiscriminada dos efeitos negativos, do trauma e do contágio da violên-
cia como padrão de comportamento63.

Esse contexto se faz relevante pois situa a experiência da violência digi-


tal como apenas uma das camadas que reproduz e fortalece uma estru-
tura já em curso, em que a violência é a norma, mas que tem potencial
de escalar rapidamente e influenciar de maneira silenciosa e imensurá-
vel os comportamentos e relações dos jovens brasileiros. É importante
também para que se compreenda a urgência de se pensar ferramentas
multidisciplinares capazes de interromper e prevenir as violências para
além do campo da justiça e segurança pública.

62. Ibid.
63. Patton, D.U., McGregor, K. and Slutkin, G. 2018. Youth Gun Violence Prevention in a Digital Age. Pediatrics (Evanston). 141(4), pp.1.
Think Twice Brasil — TTB Página / 70

Educação para paz e direitos humanos no Brasil


Importante destacar que a escola exerce um papel ambivalente no que
se refere ao enfrentamento das violências. Isso porque a escola pode
figurar tanto como um espaço seguro, de identificação, resgate e acolhi-
mento de crianças e jovens vítimas de abusos e violações, como também
o palco principal para perpetuação de violências diversas. Essa ambiva-
lência afeta toda a comunidade escolar, incluindo educadores e estu-
dantes. De acordo com a pesquisa, Por ser Menina64, publicada em 2021
pela Plan International Brasil, a escola foi destacada como o principal
ambiente onde ocorre assédio (32,4%) e violência de gênero (25,4%),
sinalizando um recorte de gênero importante para a análise das dinâmi-
cas de violência.

O fortalecimento da educação para paz e direitos


humanos pode se apresentar como uma ferramenta
eficaz no enfrentamento da violência em suas
variadas formas, incluindo aquela testemunhada ou
experimentada no ambiente digital.
Na mesma linha, em 2022, a Faculdade de Saúde Pública da usp publicou
o estudo65 “Violência contra professores da rede pública e esgotamento
profissional” baseado em entrevistas com 93 educadores da rede pública
municipal de São Paulo. Entre as principais descobertas, constatou-se
que os profissionais que experimentavam esgotamento emocional re-
lataram incômodo com alunos (73%), falta de apoio dos colegas (67%)
e ter sofrido agressão na escola (64%). Diante desse cenário de conflito
e violência evidentes, a escola pode e deve se apresentar como um es-
paço capaz de oferecer ferramentas para o enfrentamento dos ciclos de

64. Por ser menina, Plan International Brasil, 2021


65. Simões, E.C. and Cardoso, M.R.A., 2022. Violência contra professores da rede pública e esgotamento profissional. Ciência & Saúde Cole-
tiva, 27, pp.1039-1048.
Think Twice Brasil — TTB Página / 71

violência, facilitando processos de reconciliação entre todas as pessoas


envolvidas, podendo inclusive reverberar para toda a comunidade.

O fortalecimento da educação para paz e direitos humanos pode se apre-


sentar como uma ferramenta eficaz no enfrentamento da violência em
suas variadas formas, incluindo aquela testemunhada ou experimentada
no ambiente digital. Usualmente, os termos “educação para paz” e “edu-
cação em direitos humanos” são endereçados individualmente embora
sejam interdependentes em sua essência. Além disso, é comum encontrar
referências a outras denominações que invariavelmente tendem a abordar
temáticas indissociáveis, tais como “educação para cidadania”, “educação
política”, “educação socioemocional”, “educação para democracia”.

Para os fins deste estudo, consideramos o termo “educação para paz e


direitos humanos” como sendo o conjunto de intervenções capazes de
prevenir e interromper ciclos de violência e desigualdade, promovendo
e sustentando comportamentos e relações baseados na não-violência,
na cooperação, no diálogo e na reconciliação. Entendemos a educação
para paz e direitos humanos como ferramenta essencial para ampliação
do pensamento crítico e identificação de dinâmicas de poder e controle
que geram, reforçam e sustentam abusos e violações de direitos indivi-
duais e coletivos.

Nesse contexto, a educação para paz e direitos humanos deve abarcar de


maneira multidisciplinar, interseccional e interdependente o debate de
temas centrais para a sociedade brasileira, como colonialidade, gênero,
raça, etnia, classe, meio ambiente, pessoas com deficiência, LGBTQIA+,
religião, gerações, violência doméstica e sexual, democracia, habilida-
des socioemocionais, resolução de conflitos, justiça restaurativa, práti-
cas de autoconhecimento, bullying, cyberbullying e discursos de ódio,
por exemplo. Importante destacar que a promoção de uma educação
para paz e direitos humanos eficiente não depende apenas do teor do
conteúdo a ser apresentado, mas sobretudo do fortalecimento das ha-
Think Twice Brasil — TTB Página / 72

bilidades dos educadores e da própria comunidade escolar para criar e


assegurar espaços diversos, inclusivos e respeitosos para o diálogo e a
troca de conhecimento e reflexões, ancorados na lógica da não-violên-
cia, informados sobre traumas e sobre as dinâmicas políticas e sociais
aplicáveis ao contexto.

Historicamente, a educação em direitos humanos e cultura de paz no


Brasil foi amplamente liderada por organizações da sociedade civil e
educadores populares66, embora conste expressamente nas diretrizes da
Base Nacional Comum Curricular e esteja amparada pelo Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos (pnedh)67. Norteado pelo princípio da
transversalidade, o pnedh propõe que a educação em direitos humanos
seja considerada nos Projetos Político-Pedagógicos, Regimentos Escola-
res, Planos de Desenvolvimento Institucionais e Programas Pedagógicos
de Curso. O pnedh também prevê a formação dos educadores, produção
de material sobre o tema e realização de parcerias.

Conforme o Panorama da Educação em Direitos Humanos no Brasil,


produzido pelo Instituto Aurora68, apenas três estados brasileiros (São
Paulo, Espírito Santo e Alagoas) possuem grau adequado de institucio-
nalização do tema, com plano estadual próprio e órgão encarregado da
pasta. Ainda assim, na prática, nota-se pouca articulação em relação a
essa agenda nos respectivos estados.

Já no que se refere à construção efetiva de uma cultura de paz no Brasil,


não se pode afirmar que o tema foi institucionalizado embora conste a
menção expressa ao termo em alguns dos planos nacionais e estaduais
orientadores. Isso se dá por uma série de fatores, mas em especial pela
violência estrutural, que se acentua pelo fato de o Brasil não ser consi-
derado uma zona formal de conflito armado, embora as estatísticas so-

66. Silva, A.M.M. and Tavares, C., 2013. Educação em direitos humanos no Brasil: contexto, processo de desenvolvimento, conquistas e
limites. Educação. Porto Alegre, pp.50-58.
67. https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-humanos/DIAGRMAOPNEDH.pdf
68. Panorama da Educação em Direitos Humanos no Brasil, Instituto Aurora, 2022.
Think Twice Brasil — TTB Página / 73

bre a letalidade da violência ultrapassem sistematicamente a de países


atualmente em guerra69. Nesse sentido, uma breve busca pela hashtag
#PAZ nas principais redes sociais (buscas realizadas no Google, Insta-
gram e TikTok nos dias 30 de janeiro e 6 de fevereiro de 2024), tende a
recomendar conteúdo relacionado a práticas de autoconhecimento, me-
ditação, orações e outras atividades associadas ao bem-estar individual.
A percepção da construção da paz como articulação coletiva e política
parece ser algo ainda pouco assimilado no Brasil.

A percepção da construção da paz como


articulação coletiva e política parece ser
algo ainda pouco assimilado no Brasil.

Na mesma linha, uma parcela considerável da sociedade ainda compre-


ende pouco o significado dos direitos humanos. Uma pesquisa produ-
zida pela Ipsos Brasil a pedido da onu Mulheres70 aponta que 43% das
pessoas entrevistadas conhecem pouca coisa sobre os direitos humanos,
enquanto 16% conhecem nada ou quase nada sobre o tema. Apenas
8% das pessoas entrevistadas indicaram conhecer muito sobre direitos
humanos.

Esses dados sinalizam que a pretensão do pnedh de assegurar a edu-


cação para paz e direitos humanos de maneira transversal não é sufi-
ciente, pois há evidências de que a maior parte da sociedade, incluindo
os educadores, ainda carece de formação aprofundada sobre o tema.
Tão importante quanto aprender a calcular, ler e escrever é aprender a
se relacionar consigo, com os outros e o meio ambiente a partir de uma
lógica não-violenta, decolonial, inclusiva e democrática. Naturalmente,
a assimilação integral de uma cultura de paz e direitos humanos na

69. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2023, Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
70. Percepção Social sobre Direitos Humanos e sobre Mulheres Defensoras de Direitos Humanos, Instituto Ipsos para ONU Mulheres Brasil,
2024.
Think Twice Brasil — TTB Página / 74

educação propõe a rearticulação das dinâmicas escolares, repensando


não somente o currículo, mas também a gestão e governança, as re-
lações nutridas entre toda a comunidade escolar, o espaço físico ocu-
pado e o grau de participação e diálogo estabelecido entre os jovens
e educadores.

Ao propor a educação para paz e direitos humanos


como potencial ferramenta de interrupção dos
ciclos de violência e desigualdade, a intenção é
estabelecer um espaço qualificado para que possam
ser compartilhadas e compreendidas as experiências
humanas de conflito, abusos e violações não
somente pela perspectiva individual, mas também
por suas implicações sociais estruturantes.

Ao propor a educação para paz e direitos humanos como potencial


ferramenta de interrupção dos ciclos de violência e desigualdade, a
intenção é estabelecer um espaço qualificado para que possam ser
compartilhadas e compreendidas as experiências humanas de conflito,
abusos e violações não somente pela perspectiva individual, mas tam-
bém por suas implicações sociais estruturantes. É nesse espaço que
se pretende também imaginar alternativas aos padrões violentos já
assimilados e sonhar possibilidades que possam ser materializadas
coletivamente.

Nesse sentido, é possível estabelecer uma conexão entre a educação


para paz e direitos humanos e o enfrentamento da violência, com ên-
fase para a violência digital, com o intuito de proporcionar aos jovens e
educadores a oportunidade de desenvolverem suas habilidades críticas
Think Twice Brasil — TTB Página / 75

e afetivas para reconhecer e enfrentar as violências, como também um


espaço para dialogar abertamente sobre o impacto das experiências
vividas. É a partir da tomada de consciência sobre os direitos humanos
e a não-violência como alternativa possível, que as pessoas se capa-
citam para identificar abusos e violações que devem ser combatidos,
assim como padrões de comportamento e relacionamento saudáveis,
respeitosos e próspero que podem ser cultivados.

Até a finalização deste estudo, foi encontrada pouca bibliografia71 rela-


cionando a educação para paz e direitos humanos com o enfrentamento
da violência no ambiente digital, assim como comprovando os efeitos
práticos dessa abordagem educacional na redução da violência entre jo-
vens no Brasil, o que sugere a importância de se investir recursos huma-
nos e financeiros para viabilizar pesquisas acadêmicas e empíricas sobre
o tema. Ainda assim, é de extrema relevância promover e acompanhar
iniciativas educacionais que permitam a jovens e educadores estabele-
cerem um espaço de diálogo seguro e compassivo sobre o testemunho
e a experiência de abusos e violações de direitos que transbordam as
fronteiras digitais.

71. Fuentes, C. A. P., & Maestre, A. J. A. (2021). Challenges and progress in the implementation of Education for Peace in Latin America. Re-
vista Colombiana de Ciencias Sociales, 12(2), 756-776; Harber, C & Sakade, N 2009, ‘Schooling for Violence and Peace : how does peace
education differ from ‘normal’ schooling?’, Journal of Peace Education, vol. 6, no. 2, pp. 171-187; Patton, D.U., McGregor, K. and Slutkin,
G. 2018. Youth Gun Violence Prevention in a Digital Age. Pediatrics (Evanston). 141(4), pp.1.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS E
RECOMENDAÇÕES
Esse estudo investigou como o uso das redes sociais pelos jovens bra-
sileiros pode facilitar o acesso a conteúdos violentos, podendo vir a in-
fluenciar ataques em escolas. Entre as descobertas, está o fato de que
os jovens notaram que a exposição a conteúdo violento tem contribuído
para a normalização da violência, especialmente em suas formas mais
grotescas. Um dos participantes mencionou que assistir a vídeos vio-
lentos alterou sua perspectiva, tornando-o menos sensível à violência.

Há vasta recomendação de vídeos reforçando estereótipos de gênero e


raça, assim como retratando imigrantes, homossexuais, pessoas autistas
e indivíduos com nanismo foram alvo de discriminação. Além disso, as
políticas de moderação de conteúdo e combate a discursos de ódio das
plataformas de redes sociais parecem não agir de maneira eficaz, o que
se acentua pelo uso de textos modificados, ilustrações, simulações de
videogames e inteligência artificial que buscam contornar as restrições
e seguir promovendo a violência.

Considerando que uma parcela significativa da população brasileira


ainda conhece pouco ou quase nada sobre o significado dos direitos hu-
manos, é possível considerar que esse desconhecimento compromete a
capacidade de os jovens reconhecerem a violência estrutural e os abu-
sos e violações aos quais podem estar submetidos no ambiente digital.
Nesse sentido, investir na promoção da educação para paz e direitos
humanos pode ser uma ferramenta eficaz para o enfrentamento da vio-
lência, com ênfase para a violência digital, proporcionando aos jovens e
educadores a oportunidade de desenvolverem suas habilidades críticas
e afetivas para reconhecer e enfrentar as violências.
Think Twice Brasil — TTB Página / 78

Por fim, é necessário investir recursos humanos e financeiros para via-


bilizar pesquisas acadêmicas e empíricas sobre o potencial impacto da
educação para paz e direitos humanos no enfrentamento à violência,
sobretudo digital, contra crianças e adolescentes. Dessa forma, para
mitigar os impactos negativos da recomendação de conteúdo violento
pelas redes sociais, atingindo especialmente o público jovem, é neces-
sária uma resposta abrangente que envolva toda a sociedade. Abaixo
apresentamos nossas principais recomendações:

Ao TikTok e outras plataformas de redes sociais


Έ Realizar uma escuta ativa dos usuários jovens para acessar suas opi-
niões e recomendações acerca do enfrentamento da violência digital.

Έ Fornecer treinamento constante aos moderadores de conteúdo para


que possam acompanhar as estratégias recentemente usadas para
contornar as barreiras implementadas para evitar a circulação de con-
teúdo violento.

Έ Oferecer apoio psicológico continuado aos colaboradores que atuam


direta e indiretamente na moderação de conteúdos violentos, incluin-
do-os no desenho de políticas e benefícios organizacionais que ga-
rantam segurança e saúde mental.

Έ Adicionar um botão para denúncia imediata de vídeos que violem as


Diretrizes da Comunidade do TikTok na parte inferior da tela principal
para que os usuários da rede social possam acessá-lo facilmente e
usá-lo com mais frequência.

Έ Implementar uma maneira transparente de processar denúncias fei-


tas pelos usuários do TikTok, informando-os sobre o andamento das
denúncias e as medidas tomadas pela rede social.
Think Twice Brasil — TTB Página / 79

Έ Identificar, em parceria com os pesquisadores, contas que repetida-


mente compartilham vídeos com apelo explícito à violência e/ou con-
teúdo discriminatório, humilhante e adotar medidas apropriadas para
evitar a ampla circulação de seus vídeos.

Έ Colaborar ativamente com pesquisadores, autoridades e inteligências


para investigar contas que divulgam amplamente conteúdo violento.

Έ Investir na formação de criadores e influenciadores, oferecendo


workshops e/ou materiais de apoio para o enfrentamento da violên-
cia digital e produção de conteúdo responsável.

Ao poder público
Έ Realizar audiências públicas e compor um comitê de representação
jovem que possa participar ativamente do desenvolvimento de polí-
ticas públicas de enfrentamento à violência digital.

Έ Implementar um programa federal para equipar a polícia com co-


nhecimentos e habilidades em crime cibernético, especialmente no
tocante a material que configure violência e/ou resulte em violência
física. Este programa permitirá não apenas que os policiais monitorem
e registrem adequadamente tais crimes, mas também lhes permitirá
fornecer assistência apropriada às vítimas.

Έ Expandir o número de delegacias de polícia especializadas em crime


cibernético, especialmente em estados que já registraram ataques
em escolas.

Έ Facilitar denúncias anônimas de crimes cibernéticos e incidências em


que haja suspeita de que alguém possa adotar uma atitude violenta
devido ao seu envolvimento com conteúdo violento na internet.
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Έ Implementar uma campanha nacional para conscientizar sobre a exis-


tência de delegacias especializadas em crime cibernético e encorajar
a população a denunciar esse tipo de crime e buscar ajuda quando
suspeitar que alguém dentro de seus círculos tenha promovido repe-
tidamente violência nas redes sociais.

Έ Implementar um sistema digital que facilite a colaboração entre todas


as delegacias especializadas em crime cibernético e a Agência Brasileira
de Inteligência (abin) para que possam prevenir ataques em escolas.

Έ Implementar um programa federal de alfabetização digital que inclua


a disciplina Mídias Digitais, Sociedade e Direitos Humanos no currí-
culo para equipar os jovens com conhecimentos e habilidades que os
permitam evitar casos de cyberbullying e os preparem para interagir
criticamente com conteúdo encontrado nas redes sociais. A disciplina
poderá cobrir alguns aspectos-chave de cyberbullying, desinformação
online, discurso de ódio online e o vínculo entre algoritmos e violência.
Por meio da implementação desse programa, o Brasil poderá ser o pri-
meiro país da América Latina a implementar um programa educacional
tão abrangente, liderando esforços para mitigar os impactos negativos
da recomendação algorítmica, especialmente entre os jovens.

Έ Implementar programa de capacitação e educação continuada para


professores de escolas públicas e privadas que manifestem o desejo
de se aprofundar no tema, garantindo remuneração e incentivos ade-
quados para viabilizar a participação.

Έ Incentivar escolas a aderirem ao programa por meio de investimentos.

Έ Investir recursos para a implementação integral e monitoramento do


Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, cobrando dos es-
tados maior atenção aos planos estaduais e aos respectivos órgãos
gestores da agenda.
Think Twice Brasil — TTB Página / 81

Έ Implementar a capacitação de educadores e servidores da comuni-


dade escolar em cultura de paz e direitos humanos, garantindo remu-
neração e incentivos adequados para viabilizar a participação.

Έ Estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil que atuam


no enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes, na
promoção da educação para paz e direitos humanos e na alfabetiza-
ção digital.

Έ Banir sites que promovem explicitamente a violência ou exigir a re-


moção de conteúdo que promova a violência.

Έ Investigar quem são os criadores de conteúdo e financiadores de sites


que promovem explicitamente a violência e aplicar as responsabili-
zações cabíveis.

Às organizações da sociedade civil


Έ Buscar ativamente a percepção dos jovens para o desenvolvimento
de iniciativas para o enfrentamento à violência digital.

Έ Prestar apoio às vítimas de crimes cibernéticos, especialmente cyber-


bullying.

Έ Trabalhar em conjunto com as escolas e poder público, fornecendo


assistência psicológica aos alunos que acessam repetidamente con-
teúdo violento na internet e/ou cometeram (cyber)bullying.

Έ Trabalhar em conjunto com as escolas, oferecendo assistência aos


alunos que foram vítimas de (cyber)bullying. A assistência pode ser
dada sob múltiplas formas, como: apoio psicológico para lidar com
os efeitos do (cyber)bullying; assistência jurídica, oferecendo acon-
Think Twice Brasil — TTB Página / 82

selhamento à família e à escola sobre como proceder em casos de


(cyber)bullying; mediação de conflitos por meio de reuniões com os
responsáveis do ofensor e direção da escola, quando for o caso.

Έ Desenvolver campanhas nas redes sociais para ampliar a consciência


sobre os efeitos de curto e longo prazo de interações com conteúdo
violento na internet.

Έ Desenvolver campanhas nas redes sociais para ampliar o conheci-


mento dos jovens, educadores e cuidadores sobre como identificar,
acolher e endereçar potenciais abusos e violações testemunhados ou
vivenciados no ambiente digital.

Έ Promover educação digital e educação para paz e direitos humanos,


seja por meio de treinamentos ou pela produção de conteúdo escrito
e/ou audiovisual.

Έ Realizar pesquisas para identificar lacunas educacionais nos níveis


local e federal em termos de cultura de paz, direitos humanos, en-
frentamento das violências e alfabetização digital.

Έ Realizar pesquisas explorando o vínculo entre acesso à internet e


violência nos níveis local e federal.

Έ Realizar parcerias para ampliar o alcance de projetos locais e garantir


o monitoramento e avaliação do impacto de ações já validadas.

Às instituições de ensino e educadores


Έ Estabelecer processos participativos de escuta e consideração da
opinião e experiência dos jovens para o enfrentamento da violência
digital.
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Έ Implementar o ensino da disciplina de Mídias Digitais, Sociedade e


Direitos Humanos conforme o programa federal de alfabetização di-
gital, designando alguns professores para participar do treinamento
fornecido pelo governo e garantindo remuneração e incentivos ade-
quados para viabilizar a participação.

Έ Incentivar os professores da disciplina de Mídias Digitais, Sociedade


e Direitos Humanos a transformarem suas aulas em ambientes in-
terativos e amigáveis, nos quais os alunos sejam confrontados com
casos reais e incentivados a refletir sobre a melhor abordagem para
a situação.

Έ Implementar um plano integrado baseado na promoção da cultura de


paz e direitos humanos que possa refletir diretamente no currículo, na
gestão e governança da instituição e nas relações envolvendo toda a
comunidade escolar.

Έ Oferecer formação continuada aos educadores em cultura de paz e


direitos humanos, garantindo remuneração e incentivos adequados
para viabilizar a participação.

Έ Desenvolver políticas e processos institucionais para prevenção, iden-


tificação, acolhimento, endereçamento e responsabilização de abusos
e violações que afetem a comunidade escolar.

Έ Incentivar professores de diferentes disciplinas a adaptarem o currí-


culo educacional para um modelo que priorize os direitos humanos e
a cultura de paz.

Έ Migrar de uma cultura de controle e vigilância existente em muitas


escolas para uma cultura de cuidado, na qual toda a comunidade es-
colar possa se sentir considerada e respeitada.
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Έ Reforçar a comunicação com os responsáveis, especialmente no en-


sino médio, para que se sintam confortáveis em compartilhar preocu-
pações sobre o comportamento dos jovens.

Έ Incentivar os alunos a organizarem festivais e eventos culturais nos


quais eles possam conscientizar de forma criativa sobre os danos cau-
sados pela livre circulação de conteúdo violento na internet.

Έ Trabalhar em conjunto com organizações da sociedade civil para ado-


tar diretrizes para a promoção da cultura de paz e direitos humanos
no ambiente escolar.

Έ Trabalhar em conjunto com organizações da sociedade civil para


acessar treinamentos sobre como responder a casos em que alunos
demonstram sinais de radicalização e/ou intimidam outros alunos.

Έ Trabalhar em conjunto com organizações da sociedade civil para for-


necer assistência aos alunos que foram vítimas de (cyber)bullying ou
intimidaram outros alunos e/ou professores.

Έ Trabalhar em conjunto com organizações da sociedade civil para for-


necer apoio aos cuidadores que estão preocupados com o conteúdo
acessado online pelos jovens.

Aos responsáveis por crianças e adolescentes


Έ Monitorar constantemente o conteúdo acessado por crianças e jovens
no smartphone e/ou computador.

Έ Reservar parte do tempo juntos (por exemplo, durante o jantar) para


saber mais sobre as percepções jovens sobre o que eles acessam nas
redes sociais.
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Έ Cultivar uma relação de confiança e respeito para dialogar sobre te-


mas sensíveis e conflituosos.

Έ Buscar apoio e/ou educação para melhorar a maneira de se comunicar


com os jovens.

Έ Encorajar crianças e adolescentes a relatarem postagens/vídeos con-


tendo conteúdo violento, humilhante e/ou discriminatório.

Έ Procurar ajuda se você notar que a criança e/ou adolescente sob sua
responsabilidade está acessando repetidamente conteúdo violento
na internet. O primeiro ponto de contato deve ser a escola.

Έ Procurar ajuda se você não souber o que fazer se a criança e/ou ado-
lescente sob sua responsabilidade for vítima de (cyber)bullying e/ou
intimidar outros alunos.

Ao público em geral
Έ Denunciar postagens/vídeos contendo conteúdo violento, humilhante
e/ou discriminatório encontrado nas redes sociais.

Έ Ao usar qualquer rede social, evite assistir a vídeos promovendo vio-


lência até o final. Caso contrário, a rede social começará a recomendar
conteúdo semelhante.

Έ Evitar compartilhar postagens/vídeos contendo conteúdo violento,


humilhante e/ou discriminatório nas redes sociais. Lembre-se de que
isso pode induzir algumas pessoas a cometerem atos violentos e/ou
pode servir como porta de entrada para processos de radicalização.
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LISTA DE FIGURAS
Έ Figura 1. Ataques violentos em escolas no Brasil (de 2002 a 2023)

Έ Figura 2. Processo de radicalização no espectro político de direita

Έ Figura 3. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com a idade

Έ Figura 4. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com o gênero

Έ Figura 5. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com a raça

Έ Figura 6. Respostas à pesquisa distribuídas de acordo com a região

Έ Figura 7. Preferências de conteúdo no TikTok escolhidas pelos participantes

Έ Figura 8. Redes sociais regularmente utilizadas pelos jovens que participaram da pesquisa

Έ Figura 9. Quantas horas os participantes da pesquisa afirmaram acessar redes sociais

Έ Figura 10. Acesso a conteúdo violento e/ou vídeos discriminatórios, de humilhação ou perturbadores disponíveis nas redes
sociais

Έ Figura 11. Tipos de vídeos promovendo violência recomendados pelo TikTok de 01/10/2023 a 30/10/2023

Έ Figura 12. Vídeos que constituem casos de cyberbullying recomendados pelo TikTok de 01/10/2023 a 30/10/2023

Έ Figura 13. Captura de tela de um vídeo do TikTok assediando indivíduos não-binários e mulheres através de texto na tela

Έ Figura 14. Principal alvo dos vídeos discriminatórios recomendados pelo TikTok de 01/10/2023 a 30/102023

Έ Figura 15. Screenshot de um vídeo recomendado pelo TikTok associando homens pretos à criminalidade

Έ Figura 16. Vídeos discriminatórios recomendados pelo TikTok de 01/10/2023 a 30/10/2023

Έ Figura 17. Vídeos identificados promovendo violência no TikTok de 01/10/2023 a 30/10/2023

Έ Figura 18. Tipos de vídeos explicitamente incitando o uso de violência recomendados pelo TikTok de 01/10/2023 a
30/10/2023

Έ Figura 19. Captura de tela de uma simulação de videogame no TikTok de um vídeo disponível no Portal do Zacarias

Έ Figura 20. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok mostrando um indivíduo desafiando internautas a assis-
tirem mais vídeos do Portal do Zacarias

Έ Figura 21. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok mostrando como a inteligência artificial tem sido usada
para promover violência

Έ Figura 22. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok no qual um usuário da rede social se refere ao seu en-
volvimento com conteúdo violento como viciante

Έ Figura 23. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok apresentando a violência encontrada no Portal do Zacarias
como uma forma válida de lidar com casos de bullying na escola

Έ Figura 24. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok dando instruções sobre quais tipos de armas estudantes
devem levar para a escola

Έ Figura 25. Captura de tela de um vídeo recomendado pelo TikTok usando legenda para incitar violência

Έ Figura 26. Capturas de tela de vídeos recomendados pelo TikTok representando crimes violentos e assassinos em série
como pôsteres de filmes de animação da Disney
Think Twice Brasil — TTB Página / 89

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