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O chamado

(Agamenon Magalhães Júnior)

O
garotinho correu para o canto mais seguro da casa: o quarto. Correu tão depressa que,
chegando aonde queria, quase não conseguiu parar, batendo, de leve, a cabeça na parede.
Apenas ele e a parede fria, face a face. Agachou-se, agarrou as pernas num abraço só,
abaixou a cabeça e chorou. Chorou muito. Chorou como chora uma criança com medo. As
lágrimas desciam à medida que a sensação de fragilidade aumentava.
Num momento de desespero, encheu o peito de coragem, e chamou pela única pessoa
que poderia protegê-lo, seu herói:
– Papai! Venha logo, papai!
No quarto, os únicos sons eram soluços e a batida do coração. Achando que seu pai
não o ouvira, o garotinho repetiu o chamado:
– Por favor, papai. Preciso do senhor. Venha rápido!
Foi aí que o garotinho achou que deveria ter feito alguma coisa errada, pois o pai
sempre foi solícito com ele. Não pensou duas vezes e berrou, lá do fundo do coração puro de
criança:
– Papai, se eu fiz alguma coisa que o senhor se zangou, me perdoe. Foi sem querer.
Mas venha aqui, preciso de sua proteção! Tô com medo! Me abrace para eu me sentir melhor!
Nada do pai aparecer. O garotinho começou a pensar no porquê da ausência paterna.
O medo que estava sentindo já se abrandara um pouco – a serenidade (ou o cansaço) devagar
ia lhe suavizando as expressões faciais. Outra sensação – meio esquisita, ele não sabia bem ao
certo defini-la – ia crescendo no coração. Franzindo a testa, falou baixinho consigo:
– Que pai é esse que não atende ao chamado do próprio filho? Logo eu que sempre o
considerei um herói... Por que ele não está aqui do meu lado, meu Deus? Estou pedindo
muito?
Um misto de raiva e saudade aparecia, causando um turbilhão quase incompreensível
na cabeça dele. Ele se sentia confuso, sem rumo, perdido nos próprios pensamentos.
No momento em que o garotinho se observava mais “inseguro”, lembrou-se de alguns
episódios difíceis dos quais se orgulhava – e se orgulhava muito – porque apenas estava com
o pai: a queda da bicicleta, que lhe valeu três pontos no lábio superior esquerdo e ambos os
braços engessados, ou os 40° de febre, aperreio passado na companhia do pai madrugada
adentro – gesto repetido diversas vezes.
A presença física do pai o acalmava, deixava-o seguro, dava-lhe uma sensação plena de
proteção; entretanto, em meio àquele instante de receio, lhe veio à mente uma conversa que
tivera com o pai antes daquele primeiro dia do quarto mês do ano.
O pai, notando a extrema dependência afetiva do filho, o chamou e lhe disse:
– Filho, você sabe qual é a coisa mais legal de ser pai? Perceber que eu vou viver pra
sempre do seu lado. Nunca vamos nos separar. E, antes que você me pergunte se eu sou
imortal, vou dizendo que “não”. Viverei eternamente por meio de você. É você quem dará
continuidade à minha existência, procurando ser justo, fazendo o bem ao próximo, amando a
família e respeitando a Deus, tudo como eu o orientei. Lembre-se, meu filho, por mais difícil
que seja a jornada da vida, de que tudo dará certo se você pôr em prática o afeto recebido de
mim.
Depois de recordar as palavras do pai, o garotinho serenou, o coração apaziguou-se.
Ele se levantou do chão, saiu do quarto e seguiu... certo de que jamais se separaria de seu pai
pelos laços imortais do espírito.

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