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Reações envolvendo íons em solução aquosa: uma abordagem


problematizadora para a previsão e equacionamento de alguns tipos de
reações inorgãnicas

Article in Química Nova · January 2006

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Rodrigo M. Liegel Carmen Fernandez


Colégio Santa Cruz, São Paulo, Brasil University of São Paulo
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Ana Luiza Petillo Nery, Rodrigo Marchiori Liegel e Carmen Fernandez

A maior parte dos livros didáticos classifica as reações inorgânicas de precipitação, neutralização e formação de
produtos instáveis ou voláteis como “dupla troca”, deixando a falsa impressão de que qualquer mistura pode dar origem
a uma reação química. Muitas vezes, o aluno acaba entendendo o fenômeno como o simples rearranjo de fórmulas, sem
compreender o real significado do que ocorre. Neste artigo, descrevemos uma atividade para o desenvolvimento do tema
“reações químicas em soluções aquosas” por meio da resolução de um desafio apresentado aos alunos.


dupla troca, transformações, reações inorgânicas

Recebido em 29/9/04; aceito em 14/3/06

A
14 Química apresenta uma gran- micas envolvem a formação de novas os que ficam pelo meio do caminho,
de dificuldade, que é a de li- substâncias (produtos) a partir do memorizando regras e aprendendo
dar com conceitos muito abs- consumo de substâncias presentes no algoritmos sem significado útil. Muitas
tratos e exigir dos estudantes, muito sistema inicial (reagentes). A dificul- vezes, cria-se a impressão de que há
precocemente, o domínio de uma nova dade aumenta para a compreensão do dois mundos separados: o da obser-
linguagem, normalmente difícil para um modelo atômico molecular, que consi- vação da transformação e o da repre-
novato na área (Ben-Zvi et al., 1987). dera a ocorrência de um rearranjo dos sentação da mesma, sendo que, para
Muitos termos empregados na átomos presentes nos reagentes para o aluno, não há interligação entre eles.
Ciência apresentam significados bas- formar novos agregados atômicos que Nos livros didáticos convencionais
tante distintos do senso comum. Co- compõem os produtos. Quando se observa-se, relativamente, muito pou-
mo exemplo corriqueiro em Química, trata de reações em solução aquosa, co espaço dedicado a explicar o que
podemos citar a palavra “equilíbrio”. No a situação se complica ainda mais, são as reações químicas e como elas
senso comum, equilíbrio remete à pois envolve o domínio de uma série são representadas por equações (Hes-
imagem de igualdade, como os pra- de conceitos, como íons, moléculas, se e Anderson, 1992). Normalmente,
tos de uma balança quando carregam átomos, elementos etc. tais livros fornecem uma versão con-
pesos equivalentes. Em Química, Além do entendimento prático, densada de conceitos complexos
porém, essa igualdade de pesos do observável, do que usando definições
senso comum é freqüentemente con- vem a ser uma trans- Alguns alunos usam o que se resumem a
fundida com igualdade de quantidades formação química, termo “transformação” em uma ou duas frases
de reagentes e produtos na reação em existe um problema suas explicações de (Ahtee e Varjola,
equilíbrio. De particular importância é adicional, que é o de fenômenos naturais, mas 1998). Sendo assim, a
o conceito de transformação química, lidar com a represen- nem sempre entendem que concepção que os
sendo este associado a inúmeras tação da mesma. reações químicas envolvem alunos desenvolvem
concepções alternativas por parte dos Apesar de parecer a formação de novas desses conceitos é
estudantes. Suas explicações científi- muito óbvia para substâncias (produtos) a muito fragmentada e
cas são, muitas vezes, baseadas em quem domina a área, partir do consumo de se resume a, no máxi-
intuições, em vez de se valerem de no- para muitos estudan- substâncias presentes no mo, essas duas fra-
vos conceitos científicos aprendidos tes a representação sistema inicial (reagentes) ses. Isto, quando o
em sala de aula (Ahtee e Varjola, 1998). de uma reação quími- aluno compreende o
Muito embora alguns usem o ter- ca pode se apresentar como um que significam.
mo “transformação” em suas explica- obstáculo difícil de transpor. Aqueles Em teoria, parece haver pouco para
ções de fenômenos naturais, eles nem que conseguem, não o fazem sem es- explicar. A idéia de que reações quí-
sempre entendem que reações quí- forço e sem problemas. Pior ainda para micas envolvem o rompimento de

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ligações entre os átomos das molé- usadas para diferenciá-las de fenô- envolvida no processo. Os processos
culas dos reagentes e sua posterior menos físicos. As reações químicas de dissociação iônica e ionização não
recombinação formando novas molé- são retomadas muitas páginas depois são correlacionados. Mesmo o uso de
culas pode ser apresentada numa úni- (não raro 100 páginas após), quando tabelas de solubilidade é pouco enfa-
ca sentença, e as regras para escre- são classificadas. Isso ocorre depois tizado. Além disso, praticamente não
ver e balancear equações químicas de um percurso que envolve toda a há sugestões de atividades experimen-
são relativamente simples e diretas estrutura atômica e as definições e tais.
(Hesse e Anderson, 1992). Entretanto, classificações de funções químicas. Um problema ainda mais grave é o
é fato que as definições diretas não Nesse ponto, as reações são classifi- fato de muitos alunos acreditarem que
bastam, dadas as dificuldades apre- cadas em reações de síntese, decom- quaisquer misturas de reagentes de-
sentadas pelos estudantes. A repre- posição, simples troca ou dupla troca vem levar à ocorrência de reações quí-
sentação da reação eleva o problema (Peruzzo e Canto, 2002; Usberco e Sal- micas. Muitos sequer refletem sobre os
a um segundo nível de dificuldade. vador, 2002; Lembo, 2000; Novais, conceitos envolvidos em uma transfor-
Sendo assim, as equações químicas 1999; Feltre, 1996). mação química e representam auto-
têm muito menor significado para os Neste trabalho vamos nos deter ao maticamente a dupla troca. Afinal de
estudantes de Química do que para os tratamento dado pelos livros didáticos contas, a mecanização induz o aluno
químicos, mas é importante considerar às reações químicas, mais especifica- a prever, por exemplo, a reação
que, para entender o conceito de rea- mente à sua classificação como dupla impossível entre nitrato de potássio e
ção química, os alunos precisam dife- troca, presente na maior parte dos li- cloreto de sódio:
renciar conceitos, tais como os de vros disponíveis no mercado (Peruzzo
KNO3 + NaCl → KCl + NaNO3
elemento, substância, mistura, átomo e Canto, 2002; Usberco e Salvador,
e molécula. Eles precisam entender 2002; Lembo, 2000; Novais, 1999; Um dos maiores desafios enfren-
uma reação química como um proces- Feltre, 1996). Tal classificação baseia- tados pelos professores ao trabalhar
so em que novas substâncias são se no dualismo eletroquímico de Berze- esse tema refere-se ao desenvolvi-
formadas, concomitantemente ao con- lius (1812), que propunha que as subs- mento de estratégias didáticas que evi-
sumo das substâncias iniciais. Bus- tâncias resultavam da combinação tem mecanização do processo, redu-
zindo o estudo das transformações 15
cam-se processos de significação entre pares, com uma das partes posi-
conceitual que contemplem a explora- tivamente carregada e a outra apresen- químicas a um simples processo me-
ção de fenômenos pela análise de tando carga negativa (Lopes, 1995). cânico de reorganização de fórmulas,
evidências sobre as propriedades dos Segundo Berzelius, tanto as reações que em nada contribuem para o
sistemas inicial e final e a constatação de dupla troca como as de desloca- desenvolvimento cognitivo do aluno.
das diferenças. O modelo explicativo mento ocorreriam porque um radical Neste artigo descrevemos uma
para a transformação química sugere mais eletropositivo deslocaria o radi- atividade utilizada com alunos da 2a
um rearranjo dos átomos presentes cal menos eletropositivo. Todavia, série do Ensino Médio de escolas da
nas substâncias reagentes, decorrente quando utilizamos rede privada de en-
da ruptura de ligações químicas nas tais classificações, Para entender o conceito sino, com intuito de
moléculas dos reagentes e formação estamos simples- de reação química, os eliminar, ou pelo me-
de novas ligações nos produtos (Ahtee mente ignorando a alunos precisam diferenciar nos minimizar as
e Varjola, 1998). teoria de dissociação conceitos, tais como os de idéias de reações de
Outro problema com esse conceito eletrolítica de Arrhe- elemento, substância, precipitação, neutra-
é a dificuldade de compreender a nius (1883), que im- mistura, átomo e molécula lização e formação de
natureza dinâmica das reações, o que põe restrições a esse ácidos ou bases fra-
não se consegue por meio do uso de tipo de classificação por considerar cos como um mero deslocamento de
livros didáticos, nem por métodos mais que as espécies em solução estão íons, idéia esta fruto de um ensino tra-
tradicionais de ensino. Sem essa idéia dissociadas, não havendo trocas ou dicional impregnado de termos obso-
de dinamicidade das reações, o aluno deslocamentos, mas combinações letos, entre eles a dupla troca.
realmente não compreende o conceito entre íons para formar, por exemplo,
Metodologia
e, muito provavelmente, transmitirá substâncias voláteis ou sais pouco
essa dificuldade para outros tópicos solúveis (Mortimer et. al., 2000; Lopes, A atividade priorizou o trabalho
dentro da disciplina. 1995). Lopes (1995) adverte que, com dos alunos em grupo, em busca da
A idéia de transformação química isso não só mantemos nossos alunos solução para um problema.
aparece, em geral, nos primeiros ca- com conhecimentos obsoletos, como Parte 1: Introdução do tema
pítulos dos livros didáticos tradicionais. também contribuímos para as dificul-
Normalmente, usa-se alguma foto dades de compreensão das espécies a) Dissociação iônica e ionização
mostrando a queima de papel, a cha- iônicas e dos processos de equilíbrio. Para a compreensão das reações
ma de uma vela, um prego enferrujado, Não se dá ênfase à formação de no- químicas em solução aquosa é neces-
um comprimido efervescente em água vas substâncias como conseqüência sário o conhecimento dos fenômenos
etc. Essas transformações são, então, do consumo de reagentes e à energia de dissociação iônica e ionização. Um

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experimento clássico e ilustrativo e bases disponíveis, verificando-se o tentar ajudá-los a superá-las.
consiste em testar a condutância de consumo dos íons H+ e OH– através d) Reação de formação de produto
diversas soluções aquosas e algumas da mudança de cor de diferentes indi- instável ou volátil
substâncias puras com auxílio de uma cadores ácido-base: fenolftaleína, Neste caso, pode ser demonstra-
lâmpada. Vários livros didáticos apre- papel de tornassol, azul de bromoti- da a reação entre ácido clorídrico e car-
sentam sugestões de experimentos e mol, ou ainda extratos de repolho roxo bonato de sódio, chamando-se a aten-
de aparelhos para verificar a condutân- ou beterraba. ção para a efervescência observada no
cia de materiais. (Peruzzo e Canto, c) Reações de precipitação sistema. A reação entre solução aquo-
2002; Usberco e Salvador, 2002; A estratégia adotada para introdu- sa de hidróxido de sódio e solução
Novais, 1999). Além disso, a discussão zir as reações de precipitação evitan- aquosa contendo cátions amônio tam-
sobre as propriedades da água – do-se a mecanização foi a de fornecer bém pode ser demonstrada verifican-
polaridade, capacidade de estabelecer aos alunos quatro soluções aquosas do-se a eliminação da amônia (NH3)
ligações de hidrogênio e o processo de, por exemplo, NaNO3, BaCl2, CuSO4 com papel de tornassol vermelho ume-
de solvatação de íons em solução e Na2SO4 (note-se que o experimento decido, na boca do tubo de ensaio.
aquosa –, descrita de forma bastante também pode ser realizado de forma Os três tipos de reação podem ser
didática por Silva et al. (2001), se demonstrativa). A combinação duas a generalizados como tendo ocorrido
apresenta como um recurso eficiente duas dessas soluções só resulta em devido à associação de íons que são
para a introdução do tema. formação de precipitado se houver a retirados da solução em conseqüên-
b) Reações de neutralização presença de íons Ba2+ e SO42–. Após cia da formação de substâncias pouco
Soluções ácidas, neutras e alcali- essa verificação experimental, apre- dissociadas (insolúveis) ou ionizadas
nas foram identificadas por meio de senta-se uma tabela de solubilidade, (ácidos e bases fracos ou instáveis e
indicadores ácido-base. As proprieda- sendo observado que a única com- água). Essa seria a “força” dirigente
des dos ácidos e das bases foram binação de íons, dentre as possíveis, das reações.
atribuídas à presença dos íons H+ e que resulta em composto insolúvel é a Para a realização adequada da ati-
OH– em solução aquosa, respectiva- que leva à formação de BaSO4. vidade, ou seja, para que o aluno sin-
16 mente, conforme o modelo de Arrhe- Enfatiza-se assim a importância da ta-se capaz de resolver o problema
nius. Com auxílio da avaliação da tabela de solubilidade na previsão de proposto, é fundamental que os con-
condutância foi possível caracterizar ocorrência das reações de precipi- ceitos das reações de neutralização,
ácidos e bases fracos. Soluções aquo- tação. Além disso, esse procedimento de precipitação e de formação de pro-
sas contendo cátions facilita a introdução duto volátil tenham sido desenvolvidos
de bases fracas Para que o aluno sinta-se da equação iônica de maneira a não enfatizar a mecani-
(NH4+) foram identifi- capaz de resolver o para representar os zação das equações. Além disso, os
cadas como ácidas problema proposto, é processos. alunos devem saber utilizar os indica-
com o uso de indica- fundamental que os Uma prática alter- dores ácido-base para identificar
dores, assim como conceitos das reações de nativa é o teste de soluções alcalinas, ácidas e neutras.
soluções aquosas neutralização, de uma série de solu-
contendo ânions de precipitação e de ções, enquanto os Parte 2: Situação problema
ácidos fracos (CO32–) formação de produto alunos prevêem a As turmas foram divididas em gru-
foram identificadas volátil tenham sido ocorrência ou não de pos de dois ou três alunos, para os
como alcalinas. A desenvolvidos de maneira a precipitação. Os alu- quais foi apresentado o problema apre-
discussão da força de não enfatizar a nos são informados sentado no Quadro 1.
ácidos e bases auxilia mecanização das equações sobre a identidade Os alunos devem ser orientados
a compreensão do dos reagentes (so- para propor um procedimento em que
porquê de tais substâncias não luções) “misturados” e solicitados a se utilize o menor número de testes
apresentarem pH neutro, mesmo an- prever e equacionar as reações de possíveis para se identificar todas as
tes da abordagem do conceito de equi- formação de produtos insolúveis, co- amostras. Simplesmente testar todas
líbrio químico. Discute-se com os alu- mo, por exemplo, formação de cloreto as reações a cada par de soluções não
nos, de forma qualitativa, a tendência de prata, sulfato de bário e carbonato é adequado por uma questão de tem-
à hidrólise desses cátions e ânions de cálcio. po, custo e praticidade.
(Kotz, 2002). Durante as discussões é aconse- Geralmente, a solução encontrada
lhável evitar a utilização da expressão pelos alunos é preparar procedimentos
CO32–(aq) + H2O(l)
dupla troca, dando ênfase aos pro- em forma de fluxogramas em que cada
HCO3–(aq) + OH–(aq)
cessos de dissociação iônica dos teste permite a eliminação de algumas
sais envolvidos. possibilidades ou a identificação da
NH4+(aq) + H2O(l)
+ Solicitar que os alunos utilizem solução.
NH4OH(aq) + H3O (aq)
representações para explicar os fenô- Por exemplo, testam-se todas as
As reações de neutralização foram menos observados pode auxiliar o soluções problema com papel de tor-
estudadas misturando-se os ácidos professor a detectar dificuldades e nassol azul e vermelho, separando-se

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e executar o experimento, anexando-o
Quadro 1: Enunciado do problema que os alunos tiveram de resolver
às identificações das amostras.
Existem 12 amostras não identificadas formadas cada uma delas por soluções
aquosas das seguintes substâncias: hidróxido de bário, hidróxido de sódio, ácido Considerações finais
sulfúrico, ácido clorídrico, ácido nítrico, cloreto de bário, nitrato de bário, sulfato de
Ambos os encaminhamentos se
sódio, carbonato de sódio, cloreto de sódio, nitrato de sódio e iodeto de potássio.
Cada grupo receberá oito frascos contendo soluções diferentes, identificadas por
mostraram muito adequados para o
um código, sendo que receberá pelo menos dois ácidos e duas bases. Durante a desenvolvimento do tema. Os alunos
aula deverá executar testes para identificar cada uma das amostras recebidas, tendo aprendem a equacionar e balancear
à disposição apenas uma pisseta com água destilada, tubos de ensaio, papel de reações, utilizar tabelas de solubili-
tornassol azul e vermelho, uma solução identificada de nitrato de chumbo(II), uma dade e indicadores ácido-base como
tabela de solubilidade e um procedimento previamente elaborado pelo grupo. um recurso para a resolução de um
Cada identificação deve ser justificada por um procedimento inequívoco acompa- problema, e não um simples proces-
nhada das respectivas equações iônicas dos testes realizados. so mecânico e sem sentido. Não são
necessários equipamentos sofistica-
as soluções em alcalinas, neutras e ção, é necessário garantir a presença dos para laboratório, somente tubos
ácidas. As soluções ácidas podem ser de íons Ba2+ e ou SO42– nas soluções de ensaio e papel de tornassol.
testadas com o nitrato de chumbo(II) problema. Geralmente, a disponibilidade de rea-
aquoso, sendo que a não ocorrência Existem dois encaminhamentos gentes não é problema – utilizando-
de precipitação identifica a solução de possíveis para essa atividade, sendo se soluções diluídas (0,1 mol/L e
ácido nítrico (HNO3). O teste das solu- adequados conforme a autonomia dos 0,5 mol/L) – e o gasto com reagentes
ções neutras com o nitrato de chum- alunos na elaboração e execução de é pequeno. Alguns podem ser adqui-
bo(II) aquoso pode identificar o iodeto procedimentos de laboratório. ridos em farmácias, supermercados
de potássio (se for verificada a forma- O primeiro encaminhamento divide e lojas de material para construção.
ção do precipitado amarelo caracterís- o processo em duas etapas. Na pri- É por isso que, apesar de desenvol-
tico) e auxiliar na separação dos sais meira etapa os alunos elaboram um vido e utilizado na rede privada de
em dois grupos: aqueles que não pre- procedimento de identificação das ensino, o experimento pode também
17
cipitam – nitrato de sódio e de bário – soluções, justificando-o através do ser adaptado para escolas públicas.
e aqueles que formam precipitado fren- equacionamento de todas as reações Na ausência das 12 soluções, pode-
te à adição desse reagente. As solu- químicas possíveis envolvidas. O pro- se partir para a elaboração de proce-
ções ácidas e neutras que formarem cedimento é então entregue ao profes- dimentos com um número menor de
precipitado branco com o nitrato de sor ao final da aula e uma cópia é reagentes.
chumbo(II) deverão passar por outros mantida com o grupo. Ao propor esta atividade, partimos
testes, já se descartando a possibili- A atividade experimental é execu- do pressuposto que ensinar o aluno
dade de serem HNO3 e KI. Há um bom tada na aula subseqüente, uma se- a resolver problemas consiste não
grau de sofisticação se o grupo per- mana após o planejamento. Durante apenas em mostrar um conjunto de
ceber que não há necessidade de tes- esse intervalo de tempo, o professor procedimentos eficazes para se che-
tar as soluções alcalinas com a solução analisa os procedimentos propostos, gar a uma solução imediata, mas em
aquosa de nitrato de chumbo(II), pois fazendo alguns comentários e, em al- criar o hábito e a atitude de encarar a
resultarão sempre em precipitado bran- guns casos, pedindo para que os alu- aprendizagem como um problema,
co. A grande maioria percebe que nos re-elaborem algumas etapas, para o qual deve-se encontrar alter-
“misturados” ácidos e bases, dois a chamando atenção para as falhas de nativas plausíveis e adequadas. O
dois, apenas a reação entre H2SO4 e raciocínio que podem conduzir a con- problema aqui descrito apresenta
Ba(OH)2 dará origem a um precipitado, clusões falsas. Em momento algum a características mais próximas àqueles
dado este que lhes permite a identifi- resposta para as questões deve ser enfrentados na vida real, pois, por não
cação das soluções ácidas e alcalinas. fornecida, mesmo porque o problema apresentar uma única solução possí-
A atividade experimental apresen- não apresenta uma única solução, mas vel, requer do aluno a capacidade de
ta uma dificuldade extra: o procedi- sim, deve-se efetuar comentários com pensar criticamente, propor soluções
mento é elaborado para 12 substân- relação ao procedimento, procurando e avaliá-las. Todas essas habilidades,
cias, sendo que algumas delas, após discutir as falhas apresentadas. inseridas no contexto do estudo das
identificação, são utilizadas nas etapas No outro encaminhamento, que transformações químicas e equacio-
posteriores; todavia os alunos recebem pressupõe maior autonomia, é apre- namento de reações, facilitam a com-
apenas oito amostras. Existe uma sentado um exemplo de fluxograma preensão da Química, despertando o
combinação em que não é possível como procedimento para resolver um interesse dos alunos e fornecendo ao
identificar todas as soluções e os gru- problema mais simples, como identifi- professor subsídios para o encami-
pos que chegam a essa conclusão car três soluções desconhecidas dife- nhamento do curso.
mostram excelente domínio da ativida- rentes das disponíveis no problema ori- É notável o envolvimento e o inte-
de, mas isso não ocorre com a maioria. ginal. Em seguida, os alunos têm uma resse dos alunos durante todo o pro-
De qualquer forma, para evitar tal situa- semana para preparar o procedimento cesso, principalmente durante a

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atividade experimental. Todos se sen- H2SO4(aq) + Ba(NO3)2(aq) → da Escola Móbile, em São Paulo - SP. Carmen
tem atuantes no laboratório, verifican- Fernandez (carmen@iq.usp.br), licenciada/bacharel
BaSO4(s) + 2HNO3(aq) em Química, mestre em Química Orgânica e doutora
do se as suas previsões realmente se em Ciências (Química Orgânica) pela USP, é docen-
confirmam. Alguns chegaram a pro- Na2CO3(aq) + Ba(NO3)2(aq) → te do Instituto de Química da USP.
por soluções em forma de fluxogra- BaCO3(s) + 2NaNO3(aq)
mas, os quais os auxiliam no desen- Referências bibliográficas
volvimento do trabalho experimental. 6) Adição de ácido sulfúrico ou
Na2CO3 (se houver) aos sais do grupo AHTEE, M. e VARJOLA, I. Students’
Contudo, a maioria optou pela elabo-
2. Apenas BaCl2 reage: understanding of chemical reaction. In-
ração de guias experimentais. Embo- ternational Journal of Science Education,
ra tenham sido apresentadas diversas H2SO4(aq) + BaCl2(aq) → v. 20, p. 305-316, 1998.
estratégias de resolução, de uma for- BaSO4(s) + 2HCl(aq) BEN-ZVI, R.; EYLON, B.-S. e SIL-
ma geral, as soluções propostas BERSTEIN, J. Students’ visualization of
envolviam os seguintes passos: Na2CO3 (aq) + BaCl2(aq) → a chemical reaction. Education in Chem-
1. Classificação das substâncias istry, p. 117-120, julho 1987.
BaCO3 (s) + 2NaCl(aq)
FELTRE, R. Fundamentos de Química.
em ácidas, básicas e neutras, com o
Se, por acaso, não houver nem so- 2a ed. Moderna: São Paulo, 1996. v.
uso de papel tornassol. único.
2. Adição de ácido às soluções lução de carbonato de sódio nem de
HESSE, J.J. e ANDERSON, C.W. Stu-
classificadas como básicas. ácido sulfúrico entre as amostras pro- dents’ conceptions of chemical change.
A efervescência permite identifica- blema, pode-se utilizar a solução iden- Journal of Research in Science Teach-
ção da solução de Na2CO3: tificada de Ba(OH)2 para detectar a pre- ing, v. 29, p. 277-299, 1992.
sença de íons SO42–(aq) no grupo 2. KOTZ, J.C. e TREICHEL Jr., P. Química
Na2CO3(aq) + 2H+(aq) → É possível combinar as amostras e reações químicas. Trad. J.R.P. Bona-
2Na+(aq) + CO2(g) + H2O(l) do grupo 2 entre si e as amostras do pace. 4a ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002.
v. 1.
A mistura que conduz à formação grupo 1 com 2, buscando identificar a
LEMBO, A. Química: Realidade e
de precipitado permite a identificação presença de íons Ba2+(aq) e SO42–(aq). contexto. Ática: São Paulo, 2000. v.
do H2SO4 e Ba(OH)2. Conseqüente- Percebe-se o refinamento da pre- único.
18 paração realizada pelos alunos se
mente, o NaOH está identificado: LOPES, A.C. Reações químicas:
eles conseguem propor a seqüência Fenômeno, representações e transfor-
H2SO4(aq) + Ba(OH)2 → de testes em função da detecção de mações. Química Nova na Escola, n. 2,
BaSO4(s) + 2H2O(l) algumas amostras-chave, como p. 7-9, 1995.
MORTIMER, E.F.; MACHADO, A.H. e
H2SO4, Na2CO3 ou Ba(OH)2. Um bom
3. Utilização de solução de ROMANELLI, L.I. A proposta curricular
trabalho vislumbra todas as combina- de Química do estado de Minas Gerais:
Pb(NO3)2 para identificação de HNO3
ções possíveis e sugere um procedi- Fundamentos e pressupostos. Química
e HCl:
mento para cada alternativa. Nova, v. 23, p. 273-283, 2000.
Pb(NO3)2(aq) + 2HCl(aq) → Muitos alunos apresentam sérias NOVAIS, V.L.D. Química. Atual: São
PbCl2(s) + 2HNO3(aq) dificuldades na otimização do proce- Paulo, 1999. v. 1.
dimento. Contudo, ao final do proces- PERUZZO, F.M. e CANTO, E.L. Quí-
4. Adição de Pb(NO3)2 ao grupo mica: Na abordagem do cotidiano. 2a
so, a maioria demonstra bom domínio
das soluções neutras. ed. Moderna: São Paulo, 2002. v. único.
dos conceitos, sendo capaz de dis- SILVA, E.R.; NÓBREGA, O.S. e Silva,
a) Identificação da solução de KI:
cutir estratégias propostas, prever a R.R.H. Química: Transformações e ener-
Pb(NO3)2(aq) + 2KI(aq) → ocorrência de reações e equacioná- gia. Ática: São Paulo, 2001. v. 2.
PbI2(s) + 2KNO3(aq) las com auxílio de tabelas de solubi- USBERCO, J. e SALVADOR, E. Quími-
lidade e forças de ácidos e bases. A ca. 5a ed. Saraiva: São Paulo, 2002. v.
b) Separação dos sais em dois atividade mostra-se bastante eficiente único.
grupos: na consolidação dos conceitos de
i) grupo 1: aqueles que não rea-
Para saber mais
dissociação iônica e ionização.
gem com Pb(NO 3 ) 2 : Ba(NO 3 ) 2 e ATKINS, P. e JONES, L. Princípios de
NaNO3; Química: Questionando a vida moderna
Ana Luiza Petillo Nery (ananery@estadao.com.br),
e o meio ambiente. Trad. I. Caracelli.
ii) grupo 2: aqueles que precipitam licenciada/bacharel em Química e doutora em
Porto Alegre: Bookman, 2001.
com Pb(NO3)2: Na2SO4, BaCl2 e NaCl. Ciências (Química Orgânica) pela USP, é professora
da Escola Vera Cruz, em São Paulo - SP. Rodrigo TAN, K.C.D.; GOH, N.K. e CHIA, L.S.
5. Adição de H2SO4 ou Na2CO3 (se Marchiori Liegel (rmliegel@uol.com.br), licenciado/ Major sources of difficulty in students’
houver) aos sais do grupo 1. Apenas bacharel em Química, mestre em Química understanding of basic inorganic quali-
Ba(NO3)2 reage formando precipi- Inorgânica e doutor em Ciências (Química Inorgâ- tative analysis. Journal of Chemical Edu-
tado: nica) pela USP, é professor do Colégio Santa Cruz e cation, v. 81, p. 725-732, 2004.

Abstract: Reactions Involving Ions in Aqueous Solution: A Problematizing Approach for the Prediction and Equating of Some Types of Inorganic Reactions – The majority of textbooks classifies the
inorganic reactions of precipitation, neutralization and formation of unstable or volatile products as “double displacement” reactions, leaving the false impression that any mixture can lead to a
chemical reaction. Many times the student ends up understanding the phenomenon as a simple rearrangement of formulas, without understanding the real meaning of what goes on. In this article,
an activity for the development of the theme “chemical reactions in aqueous solutions” through the resolution of a challenge presented to the students is described.
Keywords: double displacement, transformations, inorganic reactions

QUÍMICA NOVA NA ESCOLA Reações envolvendo íons em solução aquosa N° 23, MAIO 2006

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