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Jorge Miranda - Ciencia Politica Formas de Governo
Jorge Miranda - Ciencia Politica Formas de Governo
CIENCIA POLITICA
FORMAS DE GOVERNO
Lisboa
1996
Título: Ciência Política - Formas de Governo Autor:
Jorge Miranda
composição e Impressão: Pedro Ferreira - Artes Gráficas Rua Jorge Castilho, 14 Telefone 916
17 08
NOTA PRÉVIA
FORMAS DE GOVERNO
EM GERAL
CAPITULO 1
CONCEITOS E TIPOLOGIAS
FUNDAMENTAIS
I.PRELIMINARES
b) A pesada carga doutrinal, derivada de a matéria dos sistemas políticos (ou, noutra
perspectiva, das formas políticas) ser das mais estudadas e discutidas desde os
primórdios da reflexão política;
d) 0 carácter eminentemente interdisciplinar (o que não quer dizer de puro sincretismo) de qualquer
investigação ou exposição a empreender.
EM GERAL
1 - Num relance geral pelas tipologias de formas políticas’ dir-se-á antes de mais:
a) Que nelas se encontram (como salienta, por exemplo, BOBBIO) quase sempre elementos de duas
ordens: não só descritivos mas também prescritivos - donde, classificações, umas sistemáticas e outras
axiológicas;
1. Cfr., entre tantos, BLUNTSCHLI, Théorie Générale de l’Etat, trad., 3.’ ed., Paris, 1891, págs. 294 e
segs.; G. JELLINEK, Allgemeine Staatslehre, 1900, trad. cast. Teoria General del Estado, Buenos
Aires, 1954, págs. 501 e segs.; NLÁRNOCO E SOUSA, Direito Político -Poderes do Estado, Coimbra,
19 10, págs. 83 e segs.; C. SCMITT, Verfassungslehre, 1927, trad. cast. Teoria de la Constitucián,
Madrid-México, 1934-1966, págs. 259 e segs.; EMILIO CROSSA, ”Sulla teoria delle forme di Stato”,
in Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto, 193 1, págs. 18 e segs.; H. KELSEN, Teoria General
del Estado, trad. cast., Barcelona-Madrid, 1934, págs. 408 e segs.; SANTI ROMANO, Principii di
Diritto Costituzionale Generale, 2. ed., Milão, 1947,
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b) Que as classificações axiológicas, enquanto exprimem juizos sobre a sociedade política e contêm
indicações de preferências vêm a ser instrumentos de intervenção com vista a determinados modelos ou
soluções - sejam esses modelos pensados a
págs. 142 e segs.; CHARLES EISEN1~ Cours de Droit Constitutionnel Comparé, policopiado, Paris,
1950-195 1; CABRAL DE MONCADA, Filosofia do Direito e do Estado, I, 2. ed., Coimbra, 1955;
QUEIROZ LIMA, Teoria do Estado, 8.2 ed., Rio de Janeiro, 1957, págs. 218 e segs.; K.
LOWENSTEIN, Verfassungslehre, trad. cats. Teoria de la Constitución, Barcelona, 1964, págs.
41 e segs.; GEORGE CATLIN, Systematic Politics, Toronto, 1962, trud. port. Tratado de Política, Rio
de Janeiro, 1964, págs. 193 e segs.; ROBERT MAC IVER, The Web of Government, 1965, trad. cast.
Teoria del Gobierno, Madrid,
1966, págs. 139 e segs.; G. BURDEAU, Traité de Science Polítique, V, 2. ed., Paris, 1970; C.
MORTATI, Lezione sulle forme de governo, Pádua, 1973, maxime págs. 73 e segs.; MANUEL
JI21ENEZ DE PARGA, Los Regimenes Políticos Contemporaneos, 5.2 ed., Madrid, 1974, maxime
págs. 120 e segs.; REINHOLD ZIPPELIUS, Allgemeinstaatslehre, trad. port. Teoria Geral do Estado,
Lisboa, 1974, págs. 72 e segs.; KLAUS VON BEY1VIE, ”Formas de dominación”, in Marxismo y
Democracia - Enciclopedia de Conceptos Básicos. Política 3, trad. cast., Madrid, 1975, págs. 70 e
segs.; NORBERTO BOBBIO, La Teoria delle Fórme di Governo, Turim, 1976; MARCELLO
CAETANO, Direito Constitucional, 1, Rio de Janeiro, 1977, págs. 409 e segs.; JOSÉ ALFREDO
OLIVEIRA BARACHO, Regimes Políticos, São Paulo,
1977; ADRIANO MOREIRA, Ciência Política, Lisboa, 1979, págs. 137 e segs.; PAULO
BONAVIDES, Ciência Política, 6.L’ ed., Rio de Janeiro, 1986, págs. 223 e segs.; JEAN-LOUIS
QUERMONNE, Les Régimes Politiques Occidentaux, Paris, 1986; CONSTATIN L.
GEORCOPOULOS, Contribution à la elassification des régimes politiques, Paris, 1987; VITALINO
CANAS, Preliminares de Estudo da Ciência Política, Macau, 1992, págs. 37 e segs.; GIUSEPPE DE
VERGOTTINI, Diritto Costituzionale Comparato, 4.2 ed., Pádua, 1993, págs. 95 e segs.; GOMES
CANOTILHO, Direito Constitucional,
6.-1 ed., Coimbra, 1993, págs. 707 e segs.
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partir da idealização de uma forma concreta verificada (como Atenas ou Esparta na
Antiguidade, a Inglaterra ou a Suíça na Idade Moderna), sejam pensados a partir de
uma síntese de elementos bons de várias formas de governo (dando origem aos
chamados governos mistos), ou sejam pensados em termos de pura construção ideal
ou utopia’;
d) Que, ao mesmo tempo, elas se projectam sobre a própria prática política, pelo
menos, a nível de legitimidade e de apreciação dos actos dos governantes (o que
mostra como os factores culturais e ideológicos agem sobre a realidade social e
política);
1. À letra, utopia significa porém (ou por isso mesmo) não lugar, lugar inexistente,
nenhures.
Têm sido muitos os livros com construções de Cidades ideais, mais felizes ou mais
justas. Entre todos, lembre-se o de TOMÁS MORUS (Utopia,
1516), sendo ”Utopia”, uma república insular descrita por um viajante português,
Rafael Hifiodeu. Para um relance panorâmico sobre o assunto, v. MANUEL
ANTUNES, ”Utopia”, in Pólis, V, págs. 1465 e segs.; JEAN SERVIER, L’Utopie,
Paris, 1979; PAULO FERREIRA DA CUNHA, Constituição, Direito e Utopia,
Coimbra, 1996.
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e) Que, apesar de essencialmente voltadas para o poder, não ignoram, muitas vezes, os
elementos sociais ou os condicionamentos sócio-económicos do poder’.
a) São tipologias simples - cada uma delas, ao procurar a suma divisio, adopta, de
regra, um só critério de base;
c) 0 elemento prescritivo entra, por um lado, através da distinção entre formas puras e
formas degeneradas e, por outro lado, através do apontar de formas mistas (desde
Políbio e Cícero a Harrington, Locke e Montesquieu, mas não Bodin, Hobbes ou
Rousseau).
Por seu turno, as tipologias propostas no século XX ostentam COMO características
gerais:
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a) Adoptam critérios extremamente variados e, não raro, critérios múltiplos;
1. Houve, assim, monarquias hereditárias, por cooptação (de algum modo, o Império
Romano) e por eleição (monarquia visigótica, Império Germânico, Polónia, etc.).
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c) Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos (MADISON) e depois, durante a maior parte do
século XIX, a república como governo representativo contraposto à democracia pura ou
governo directo’.
e segs.
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Na linha do seu pensamento, para ele todas as formas de governo existentes são corruptas e
Estado óptimo há um só.
Reduz essas formas a quatro, segundo graus crescentes de imperfeição (ou decrescentes de
perfeição):
3) a democracia;
Para Caracterizar estas formas de governo, PLATÃO examina as virtudes e os vícios das
respectivas classes dirigentes e a legalidade ou a ilegalidade da actuação dos governos. A
passagem de uma forma a outra dá-se com a mudança de gerações e com a corrupção dos
seus princípios pelo excesso que conduz à discórdia.
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11 - Mas a mais célebre das análises das formas de governo pertence a
ARISTóTELES (Política, cap. V do livro 111), se bem que o critério fundamental em
que assente remonte a HERóDOTO.
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Segundo ele, existem seis fomias fundamentais de governo, três boas e três más; e há
uma sétima forma, síntese das três formas boas (e de que seria exemplo a Constituição
romana). É um tratamento simultaneamente sistemático, histórico e axiológico.
Contudo, nessa obra, BODIN procede a uma classificação formas políticas, tendo em
conta a distinção entre titularidexercício da soberania.
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aristocracia e demo-
cracia. Entretanto, não bastaria atender à titularidade, era também necessário atender
ao exercício e às pessoas ou instituições às quais era confiado - o próprio Rei, uma
assembleia aristocrática ou uma assembleia popular.
- monarquia aristocrática;
- monarquia democrática;
- aristocracia aristocrática;
- aristocracia monárquica;
- aristocracia democrática;
- democracia monarquica;
- democracia aristocrática; e
- democracia democrática.
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Com isto, chega-se a formas aparentemente mistas. Só que o próprio BODIN vem,
polemicamente, pÔr em causa a existência de governos mistos, afirmando que, em
qualquer Estado, há sempre um princípio que prevalece.
Haveria três idades: a dos deuses, a dos heróis e a dos homens. A idade dos deuses
corresponderia à teocracia, a dos heróis à aristocracia e a dos homens quer à
democracia ou república popular quer à monarquia. A sucessão de formas políticas
seria: aristocracia (a primeira forma de Estado), democracia e monarquia.
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VII - Muito mais influente viria a ser, contudo, MONTESQUIEU. 0 seu famosíssimo
De VEsprit des Lois compreende toda uma doutrina do governo, de que não é
senão um dos aspectos a separação de poderes.
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Daqui passa MONTESQUIEU para uma segunda classificação, agora sob prisma
prescritivO e valorativo, declarando a monarquia e a república governos moderados e
contrapondo-lhes o governo despótico. E é nesta distinção fundamental que vai
entroncar a separação dos poderes, porque os governos moderados se definem não já
pela titularidade ou pelo exercício, mas sim pela limitação de poder.
VIII - Também KANT se ocupa (na Paz Perpétua) da análise das formas políticas,
observando a diferença das pessoas que possuem o supremo poder do Estado e o
modo de governar o povo.
Quanto à forma de governo (forma regiminis) ou modo como o Estado faz uso da
plenitude do seu poder, - ele ou é republicano ou é despótico. 0 princípio republicano
corresponde ao princípio político da separação do poder executivo do poder
leg,slatIvo; o
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despotismo é o princípio da execução arbitrária pelo Estado das leis que ele a si
mesmo deu (sendo, por conseguinte, a vontade pública manejada pelos governantes
como sua vontade privada).
um - se não houve o seu consentimento. Para que a forma de governo seja adequada
ao conceito de direito deverá, portanto, basear-se no sistema representativo, único
capaz de tomar possível uma forma republicana.
IX - No século XX, HEGEL (na sua Filosofia do Direito) adoptaria uma análise algo
semelhante à de MONTESQUIEU, distinguindo despotismo, democracia e monarquia
(onde MONTESQUIEU falava em república, fala HEGEL em democracia).
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sociedade e a realização plena da ideia de História e da ideia de Sociedade.
A monarquia seria, pois, a forma mais perfeita e a última fase da organização política
que se verificaria ao longo dos tempos. Não se confundiria, contudo, com a monarquia
absoluta; seria a monarquia constitucional - a monarquia constitucional prussiana
(bem diferente da francesa) e em que se disporiam três poderes, o legislativo, o de
governo e o do soberano.
0 Estado governamental que se lhe seguiria, seria um Estado de decisão política, com
prevalência de poder no órgão ou nos órgãos aos quais incumbe imprimir sentido, em
cada momento, à vontade do Estado (repare-se na conexão com o conceito
decisionista de Constituiçao e com a situação vivida entre as duas guerras na Europa,
particulannente na Alemanha).
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LOEWENSTEIN, por isso, apresenta uma bipartição das formas de governo em razão
de um critério da limitação:
- Constitucionalismo: se o poder está repartido por vários centros, por vários órgãos,
por várias entidades.
são animados por uma força única ou por uma pluralidade de forças). Os governos
monocráticos englobam as monocracias autoritárias e as monocracias populares. Os
governos deliberativos são aqueles em que há discussão e oposição.
A democracia governada (própria do século XIX): o povo teria a titularidade, mas não
teria o acesso real ao poder, o povo seria um povo jurídico e não um povo real;
E a democracia govemante (própria do século XX): o povo real e a sua vontade real
teriam acesso ao poder, seja na democracia do poder aberto ou democracia pluralista
de tipo ocidental; seja na democracia de poder fechado ou democracia marxista,
equivalente a monocracia popular.
Donde:
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2. Sistemas tradicionais - correspondentes a não acesso das pessoas, dos súbditos, ao
poder;
- E a autocracia, pelo contrário, por a vontade estadual se formar sem participação dos
governados, sem autodeterminação, sem liberdade’.
Por curiosidade, vale ainda a pena citar o quadro das formas de governo de
FERNANDO PESSOA (”Considerações pós-revolucionárias”, in Páginas de
pensamento político - 1, 1910-1919, com organização de Antônio Quadros, Lisboa,
1986, pag. 58):
32
E temos, por outro lado, aquelas figuras que se prendem com os problemas a abordar
aqui e a respeito das quais há-de ser feita a necessária destrinça. São as de forma de
governo, sistema de governo, forma institucional, sistema eleitoral, sistema de
partidos, regime e sistema político.
Aristocratismo Democratismo
Anarquia pura
33
II - Quando pensamos em Estado temos de pensar sempre numa certa concretização
do Estado, numa certa manifestação histórica de Estado; pois é disso que se cuida
quando se fala em tipos de Estado’. É diferente o Estado moderno do Estado romano,
por exemplo; e aqui só cabe cuidar do Estado moderno.
A noção de tipo constitucional de Estado tem (ou teve) particular interesse no século
XX, causa do confronto de diferentes formas organização política, económica e social
portanto, também, constitucional que nele verifica (ou verificou). Dentro do mesmo
histórico de Estado, o europeu, inserem-se tipos constitucionais tão diversos, e em luta
durante quase todo o século, como o Estado de Direito (primeiro liberal, depois
social), o Estado marxista,3
Uma coisa vem a ser a contraposição entre Estado simples ou unitário e Estado
composto (designadamente Estado federal), outra a distinção entre monarquia
absoluta e governo representativo, ou entre sistema parlamentar e sistema
presidencial, ou entre sistema monista e sistema pluralista, para só dar dois ou três
exemplos. Uma coisa é a forma de Estado, outra a forma ou o sistema de governo.
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Além destes problemas (de certa maneira pressupostos por eles e também, de outra
maneira como problemas autónomas), põem-se todos os problemas concementes às
relações entre órgãos de governo (entre órgãos de função política), ou até à existência
ou não de uma pluralidade de órgãos govemativos. E somente aqui é que, em rigor, se
encontra o conceito de sistema de governo. Ao passo que a forma de governo
abrange a totalidade da vida política, a forma de governo confirma-se à estrutura
interna do poder, as instituições e ao estatuto dos govemantes.
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Pelo contrário, Pouco conteúdo político tem hoje, corno se notou já, o contraste
entre monarquia (a monarquia constitucional) e república. Não deixa, porém, apesar
de tudo, de revestir algum significado a nível institucional e de cultura cívica, pelo
que se justifica propor um conceito autónomo para o contemplar - o de forma
institucional.
A compreensão das formas e dos sistemas de governo dos dois últimos séculos requer
o conhecimento dos sistemas eleitorais e dos sistemas de partidos. Realidades (de
direito e de facto) bem caracterizadas, entrelaçam-se com essas formas e esses
sistemas de governo, ora como seus condicionamentos, ora como suas decorrências,
sem com eles se confundirem.
IV - Por último, cabe aludir a conceitos mais amplos, mais complexos, de síntese; o
conceito de regime político e o conceito de sistema político.
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Por seu turno, o sistema político atende muito mais à efectividade do que à
normatividade; e abarca não só os órgãos e instituições formais ou constitucionais
mas também as demais instituições e corporações políticas ou sociais politicamente
relevantes, as forças políticas (partidos) e económico-sociais (sindicatos, associações
patronais), a ideologia dominante e o enquadramento exterior do Estado’.
A forma de Estado esta patente no art. 6.2: ”0 Estado é unitário ... - Os arquipélagos
dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-
administrativos e de órgãos de governo próprios”.
A forma de governo é definida nos arts. 9.% alínea c), e 10.9, n.9 2 como democracia
política e no art. 112.2 como sistema democrático; e recortada através de elementos
como a soberania popular (arts. 2.2, 3.% ri.!’ 1. e 111.2), o pluralismo (art. 2.2), a
representação política (arts. 10.9, 49.` e 116.L» e a separação e a interdependência de
órgãos de soberania (arts. 113.2 e 114.9).
1. Cfr., por todos, DAVID EASTON, The Political System, Nova Iorque, 1953;
GEORGES BURDEAU, Traité .... VII, págs. 578 e segs.
37
0 sistema de governo decorre dos poderes, das acções recíprocas e dos estatutos dos
vários órgãos políticos - a nível nacional, do Presidente da República, da Assembleia
da República e do Governo (maxime arts. 123.2, 124.9, 136.1’ e segs., l64.2 e segs.,
193.L> e segs. e 201.2 e segs.); e a nível regional, da assembleia legislativa e do
governo regional (art. 233.2).
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CAPITULO II
OS PROBLENIAS CARDEAIS
§ 1.o LEGITIMIDADE
5. SENTIDO DA LEGITIMIDADE
1. V., entre tantos, MAX WEBER, Wirtschaft und Geselischaft, 1922, trad. cast. Economia y Sóciedad,
México, 1944-1969, 1, págs. 170 e segs.; GUGUELMO FERRERO, Pouvoir - Les Génies de la Cité,
Nova Iorque, 1942; Lidêe de Légitimité, obra colectiva, Paris, 1967; ALESSANDRO PASSERIN
UENTRÈVES, Obedienza e resistenza in una società democratica, Milão,
1970; REINHOLD ZIPPELIUS, op. cit., págs. 255 e segs.; MARCELLO CAETANO, op. cit., 1, págs.
293 e segs.; PouvoirS, n.9 5, 1978; AFONSO QUEIRó, ”Tirania”, in Verbo, X-VH, págs. 1579 e segs.;
Legitimation of Regimes, obra colectiva ed. por BOGI)AN DENITCH, Beverly HilIs e Londres,
1979; Conflict and Control - Challenge ofLegitimacy ofModern Governments, obra colectiva ed. por
Anthon J. Vidich e Ronald M. Glossman, Beverly HilIs e Londres, 1979; GOMES CANOTILHO,
Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, págs. 14 e segs.; Dictatures et
Légitimité, ob. col. sob direcção de Maurice Duverger, Paris, 1982; JOÃO BAPTISTA
41
Todas as formas de governo assentam numa determinada justificação. Pretendem
fundamentar-se, legitimar-se em certo princípio (ou ideia de Direito, para usar uma
expressão de
42
Qualquer poder ou qualquer govemante, para ser poder, para governar ou realizar os
seus fins carece sempre de ser reconhecido como tal pela comunidade. Ele, em rigor,
só é poder político a partir dessa relação - a partir da relação bilateral que se
estabelece entre quem governa e quem é governado.
Não basta o governante invocar qualquer intenção do seu poder ou ter, pura e
simplesmente, a força material para se fazer obedecer; ou apresentar-se ao serviço
deste ou daquele projecto ou ideologia. Tem ainda de obter o consentimento, pelo
menos passivo, dos destinatários do poder. Tem ainda de se configurar como
autoridade.
43
tradições, as crenças, as doutrinas políticas); mais recentemente, privilegiam-se os
factores económicos, seja o domínio de classe ou a conjuntura de riqueza ou bem-
estar; e também se tem procurado interpretá-los em meros moldes sociológicosi.
Mas afigura-se mais correcto integrar todos os elementos num conjunto complexo. A
questão da legitimidade não releva só da cultura política, ou só das concepções
jurídicas, ou só da situação económico-social, ou só dos condicionalismos
geográficos. Releva de todos eles e do modo como se dispõem em cada país e em cada
época.
6. A LEGITIMIDADE NA HISTóRIA
44
Não é por acaso que ocupa um grande lugar na doutrina cristã da Idade Média, quando
se procura, no meio de enormes convulsões, estabelecer situações políticas com
estabilidade e que, ao mesmo tempo, sejam situações de limitação de poder (porque
legitimar o poder é ao mesmo tempo limitá-lo de acordo com os fins correspondentes
à legitimidade). E é então que BÁRTOLO fórmula a contraposição entre legitimidade
de título (ou legitimidade derivada do modo de designação) e legitimidade de
exercicio (ou legitimidade derivada do modo de exercício das funções ou do poder
político).
Nem é Por acaso que a questão volta a ter uma grande acuidade na Europa nos séculos
XVIII e XIX. Se na Inglaterra se transita, como se sabe, com relativa facilidade, para a
monarquia parlamentar, já na maior parte do Continente tal não acontece e, em alguns
países - entre os quais Portugal - a instauração de formas liberais e democráticos
mostra-se lenta e precária’.
0 século XX, século de revoluções e de transformações radicais por toda a parte, viria
a ser, finalmente, também ele marcado pela legitimidade: destruição de antigas
legitimidades monarquicas ainda subsistentes e- de legitimidades imperiais, conflitos
de legitimidades, assim como, em alguns casos, consolidação ou sedimentação de
princípios de legitimidade antes apenas afirinados nos textos constitucionais.
45
11 - A propósito da passagem da legitimidade monárquica absoluta do século XVIII
para a legitimidade democrático-liberal ou monárquico-liberal ou monárquico-
constitucional ao longo do século XIX, GIGLIELMO FERRERO apontou três formas
de governo:
Em primeiro lugar, os governos legítimos: aqueles que são aceites pela colectividade,
aqueles em relação aos quais a colectividade professa a crença na sua razão de ser, na
sua qualidade legítima para exercer o poder.
46
11 - Vale a pena aludir a, entre várias outras classificações, à que SERGIO COTTA
sugere, embora num plano não tanto de legitimidade em si mesmo quanto de ideologia
de legitimidade.
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Por seu turno, as ideologias de legitimidade racional baseiamse numa ideia de eficácia
do poder: será legítimo aquele que, em termos de racionalidade, seja mais eficaz.
Estas ideologias estão na base quer do despotismo esclarecido do século XVIII, quer
das modernas tecnocracias do século XX. Ideia semelhante se pode ver, já na
Antiguidade, em PLATÃO, ao referir-se aos filósofos-reis (que, em certa medida, se
podiam, contrapor aos pretensos reis-filósofos do século XVIII).
49
111 - Importa também aqui fazer referência à mais sugestiva e fecunda das teses
empíricas, de matriz sociológica, sobre legitimidade: a da legitimação pelo
procedimento I. Pensada para o sistema jurídico em geral, aplica-se ainda à
legitimidade do poder e dos govemantes.
Legitimidade pode então descrever-se como uma disposição generalizada para aceitar
decisões de conteúdo ainda não definido, dentro de certos limites de tolerância2.
50
- Objecto da legitimidade;
- Fundamento;
- Causa;
- Função; Forma.
Dentro desta corrente, que toma uma posição positiva em relação à legitimidade do
poder político, duas teses se defrontam quanto ao fundamento dessa legitimidade.
Para as teses transcendentalistas, esse fundamento deve procurar-se fora da sociedade:
exemplo claro é o das teorias cristãs do direito divino, quer sobrenatural, quer
providencial - Omnis potestas a Deo. Para as teses imanentistas, o fundamento da
legitimidade do poder político deve buscar-se na própria sociedade. Exemplo bem
demonstrativo é o
52
53
§ 2.’
PARTICIPACÃO POUTICA
Nos dois últimos séculos, porém, a tendência, primeiro europeia e americana, depois
universal, tem sido outra. Tem sido a de converter os súbditos em cidadãos
completos, a de elevar os homens na Cidade de simples sujeitos ao poder a
verdadeiros sujeitos do poder. Quer dizer: o sentido generalizado da evolução
política, sob formas diversas e não sem movimentos contraditórios, tem sido o de
fazer participar cada vez mais os governados nas tarefas da vida pública.
56
Por outro lado, sabe-se que a doutrina da origem popular da soberania (da soberania
popular alienável), por exemplo, precedeu na Europa de centenas de anos o triunfo
das ideias democráticas. E raros foram ou tem sido os regimes que, pelo menos, não
reconhecem aos cidadãos ou a grupos de cidadãos o direito de petição ou o de serem
ouvidos em defesa dos seus interesses ou do interesse geral.
Ela pode ser decorrência natural da organização constitucional do país ou, ao invés,
ter cunho excepcional ou antagónico em face da filosofia própria da forma do
governo; pode constituir uma ideia dominante ou encontrar-se em concorrência com
outras ideias (quer em igualdade, quer em posição subalterna).
o governo.
58
No segundo modelo - característico do século XIX europeu, também ele época de transição -
há dois centros de poder, o rei e o Parlamento, com diferentes fontes de autoridade, a tradição
e o direito divino, por um lado, e a eleição por outro lado. 0 poder do rei não emana do povo,
nem o poder do Parlamento emana do rei; e o Parlamento, conquanto eleito por sufrágio
censitário, vai arrogar-se a representação de todo o povo para reforçar a sua posição perante o
rei’. Consoante os países, ora predomina o princípio monárquico, ora prevalece o princípio
democrático.
Por último, no terceiro modelo, fruto das revoluçoes amencana e francesa, o princípio da
organização política vem a ser o consentimento activo e explícito dos governados, de quem
dependem a designação e a conservação dos govemantes no poder. Porque se considera agora
que o poder pertence ao povo, os govemantes, eleitos e responsáveis políticamente perante o
povo, dizem-se representantes do povo. Mas há aqui que distinguir ainda, como se verá,
entre governo representativo liberal e democracia representativa.
59
países e as épocas, as formas de governo e os regimes políticos. Também o seu conteúdo
pode tomar-se mais ou menos rico e a sua prática mais ou menos autêntica’.
0 povo pode ser considerado através de cada cidadão a quem é reconhecido um direito de
participação, através de grupos de cidadãos ou de instituições sociais menores integradas no
Estado (famílias, municípios, organismos sócio-profissionais ou corporativos, etc.);
finalmente, através da totalidade dos cidadãos (ou das instituições) com direito de
intervenção na vida pública. Daí, modos individuais, institucionais e globais ou colectivos de
participação.
1. Cfr. MARNOCO E SOUSA, op. cit., pág. 99, falando (embora incidentalmente) na
importância da participação real dos cidadãos no governo, para determinar a diversidade e
fazer a classificação das suas formas.
3. Porventura também o direito de resistência individual no interesse geral (mas parece que
só existe resistência individual no interesse geral, e não mera autodefesa, aí onde se admite,
pelo menos, um princípio de legitimidade democrática).
60
E, por outro lado (alguns, em zonas mais relevantes no campo administrativo, embora sempre
com significado político),’a intervenção em procedimentos da Administração, a audição, por
via de associações representativas de interesses, antes da tomada de decisão pelos órgãos
competentes, a participação em órgãos consultivos e auxiliares, a formação de associações
públicas, a gestão ou a participação na gestão de serviços públicos.
Quanto aos modos globais ou colectivos (globais ou colectivos, ainda que assentes em actos
individuais) são o sufrágio - traduzido ora em eleições, ora em referendo - e a assembleia
popular ou assembleia directa dos cidadãos.
Eles podem ser consagrados isoladamente e, assim, acontecer que se admitam uns e não
outros. Mas podem também ser consagrados em conjunto, desempenhando cada qual o seu
papel e reflectindo-se uns sobre os outros’. Começaram por aparecer os meios individuais e
institucionais de participação cívica e por se defender o princípio da resistência à opressão;
só muito depois surgiria o sufrágio e, mais recentemente, os institutos ditos de
2
democracia participativa .
aos govemantes.
Por isso, os direitos políticos em que ela se consubstancia não podem deixar de
revestir ainda uma dupla natureza, oscilando
2
2. Dentro dos conceitos correntes. Não serão os únicos poderes jurídicos de natureza
ambígua; veja-se também o poder paternal.
62
Parece que são poderes funcionais, porque devem ser exercidos segundo o interesse
colectivo (tal como a competência dos órgãos de governo). Parece que são direitos
subjectivos, porque se destinam, simultaneamente, à prossecução de interesses
próprios dos seus titulares, interesses, por sua vez, a atender na síntese
do interesse colectivo’.
1 . Compreende-se, sob este foco, por que razão a luta pela conquista de direitos
políticos, nomeadamente, do direito de sufrágio, não se esgota nunca na simples
participação, nem é sequer movida pela ideia de participação pela participação. Essa
luta faz-se quase sempre pela defesa de interesses sectoriais ou por certa maneira de
interpretar o interesse geral, na medida em que os direitos políticos constituem
instrumento primacial de protecção dos interesses dos seus titulares.
63
A representação é aqui, não uma representação da comunidade política como um todo, mas dos sectores
ou ordens provenientes da idade Média e que subsistem com maior ou menor autonomia; e os
representantes estão vinculados às instruções que recebem, num mandato imperativo semelhante ao
mandato civil. Por isso, e porque ao Rei se reconhece a plenitude do poder, a função da representação
exaure-se, praticamente, na garantia dos interesses e privilégios dos estamentos uns perante os outros e
perante o Rei.
Por seu lado, quando no Continente, entre os séculos XVIII e XIX, se tenta a superação do Ancien
Régime e a construção de uma nova ordem política, assente nos direitos individuais e na divisão do
poder, a ela se liga, necessariamente, a formação de uma ou mais de uma assembleia representativa de
cidadãos enquanto tais. Sem representação de cidadãos não há liberdade e não há Constituição, no
sentido do art. 16.9 da Declaração de 1789.
1 . Cfr., entre tantos, MONTESQUIEU, De 1 Ésprit des Lois, cap. VI do livro Xl; ROUSSEAU, Du
Contrat Social, cap. XV do livro 11j; SIEYÈS, Quest-ce que le tiers état, cap. IiI, § II e cap. IV, S V11;
BENJAMIN CONSTANT, Príncipes de Politique, Paris, 1815, págs. 23 e 62; DE LOLME,
Constitution de 1 Angleterre, Paris, 5. ed., 1819, págs. 269 e segs.; CUSTóDIO REBELO DE
CARVALHO, Bases de todo 0 governo representativo ou condições para que a Carta Constitucional
da Monarquia Portuguesa seja uma realidade, Londres, 1832; STUART MILL, Considerations on
RePresentative Government, Londres, 1861; ANTóNIO CUSTóDIO RIBEIRO DA COSTA,
Princípios e Questões da Filosofia Política - I - Condições Científicas do Direito de Sufrágio,
Coimbra, 1878; A. ESMEIN, ”Deux fonnes de gouvernemenf’, in Revue du droitpublic, 1894, 1, págs.
15 e segs.; V. E. ORLANDO, ”Du fondementiuridique de Ia réprésentation politique”, ibidem, 1895,
págs. 1 e segs,; ROCHA SAR_AIVA ”As teorias sobre a representação política e a nossa Constituição-,
in Revista de Justiça, ano 1, 1916, págs. 233 e segs. e 313 e segs.; LENINE, As eleições para a
assembleia constituinte e a ditadura do Proletariado, trad. port., Coimbra, 1975; CARL SCHMITT,
qp, cit., págs. 231 e segs.; CARRÉ DE MALBERG, ”Considérations théoriques sur Ia question de Ia
combinaison du reférendum avec le parlementarisme”, in Revue du droit public, 193 1, págs. 225 e
segs.; LUIGI ROSSI, ”La Reppresentanza Politica”, in Scritti Vari di Diritto Pubblico, V, Milão, 1939,
págs. 79 e segs.; CARLO ESPOSITO, ”La Rappresentanza Istituzionale”, in Séritti in onore di Santi
Romano, 1, Pádua, 1940; GERHARDT LEI13HOLZ, ”DénIocratie Réprésentative et État de Partis
Moderne”, in Revue internationale dhistoire politique et constitutionnelle, Janeiro-Março de 1952,
págs. 51 e segs., e Die Reprãsentation in der Demokratie, 1973, tradução italiana La
Rapprensentazione nella Democrazia, Milão, 1989; VINCENZO ZANGARA, La Rappresentanza
Istituzionale, Pádua, 2. ed., 1952; MAURICE DUVERGER, ”Esquisse d’une théorie de Ia
réprésentation politique”, in
65
11 - A doutrina da representação política é elaborada quase ao mesmo tempo pela doutrina política
inglesa (desde LOCKE a BURKE) e francesa (desde MONTESQUIEU a SIEYÈS e a B.
CONSTANT). No entanto, ainda no século XVIII, sofre a sua primeira grande contestação, a de
Rousseau. Vale a pena recordar os elementos mais significativos do pensamento destes autores, com os
seus matizes específicos.
”0 Parlamento - diz Burke (Discurso aos eleitores de Bristol, em 1777) - não é um congresso de
embaixadores de interesses diferentes e hostis, interesses que cada um tem de sustentar como
representante e advogado contra outros representantes e advogados. 0 Parlamento é, sim, uma
assembleia deliberativa de uma única nação, com um só interesse, o do todo, e que deve guiar-se não
pelos interesses locais, mas pelo bem geral, resultado da razão geral do todo”.
MONTESQUIEU ocupa-se da representação política no mesmo célebre capítulo de De lÉsprit des Lois
(o VI do livro XI), em que formula a separação dos poderes. ”Como, num Estado livre, qualquer
homem que se repute dotado de uma alma livre, deve ser governado por si mesmo, o povo deveria ter
em si mesmo o poder legislativo. Mas, como isso é impossível nos grandes Estados e oferece muitos
inconvenientes nos pequenos, é preciso que o povo faça pelos seus representantes tudo aquilo que não
pode fazer a si próprio”.
alcuni organi dello stato”, in Jus, 1985, págs. 88 e segs.; E.W. BõCKENFõRDE, ”Democrazia e
rappresentanza”, in Quaderni Costituzionali, 1985, págs. 227 e segs.; PEDRO VEGA, ”Significado
constitucional de Ia representación política”, in Revista de Estudios Políticos, Março-Abril de
1985, págs. 25 e segs.; La Réprésentation, obra colectiva sob a direcção de François d’Arcy, Paris,
1985; Representatives of the People? - Parliamenis and Constituents in Western Democracies, obra
colectiva, Cambridge, 1985; PAULO BONAVIDES, qp. cit., págs. 235 e segs. e 309 e segs.; ANGEL
RODRIGUEZ DIAS, ”Un marco para el analisis de Ia representación política en los sistemas
dernocraticos11, in Revista de Estudios Politicos, OutubroDezembro de 1987, pags. 137 e segs.
67
MONTESQUIEU e, posteriormente, os autores liberais pronunciam-se contra os
sistemas democráticos, por temerem que em sistemas democráticos se verificasse uma
concentração do poder num único titular, que seria o povo, ou em órgãos, que,
baseados no povo, viessem a pôr em causa as liberdades individuais. Só a
representação permitiria a divisão de poder.
Na vês pera da Revolução Francesa, SIEYÈS (Qu’est-ce que le tiers état?) apela para
a representação política para justificar a transformação dos Estados Gerais em
Assembleia Constituinte, defende um governo exercido por procuradores do povo e
distingue entre aquilo a que chama a ”vontade comum real” e aquilo a que chama a ”
vontade comum representativa”. Esta, a vontade comum representativa, não é uma
plena vontade, não é uma vontade ilimitada, é uma porção da grande vontade comum
nacional, em que os delegados agem não por direito próprio, mas por direito de
outrem.
direitos políticos nos deixa tempo para o exercício dos nossos direitos privados, mais
esta liberdade nos é preciosa. E daí, a necessidade do sistema representativo, que não
é outra coisa senão uma organização com a ajuda da qual uma nação descarrega
nalguns indivíduos dela mesma aquilo que ela não pode fazer por si só.
”Os pobres tomam conta dos seus próprios negócios; os ricos tomam intendentes. É a
História das nações modernas. 0 sistema representativo é uma procuração dada a um
certo número de homens pela massa do povo que quer que os seus interesses sejam
por eles defendidos.”
69
E mais adiante: ”Não sendo a lei senão a declaração da vontade geral, é claro que no
poder legislativo o povo não pode ser representado; mas pode e deve sê-lo no poder
executivo, que é apenas a face aplicada da lei.”
a ser:
70
detentores do poder.
74
Pelo contrário, representação postula inidentidade e, depois, relação. Ela redunda num
fenômeno de relação e de comunicação:
75
para que os govemantes apareçam como representantes dos governados tem de haver
essa relação.
b) Nem como essência dos seus órgãos - pois o órgão não representa o Estado, é um
elemento do Estado, e os actos que pratica são-lhe, directamente, imputados sem
distinção de esferas jurídicas; -
76
c) Nem como função ou competência cometida pelo Direito positivo a certos órgãos
em relações jurídicas em que o Estado intervenha (como ojus representationis
omnimodae conferido pelo Direito internacional comum aos Chefes de Estado e de
que é expressão o art. 123.9 da Constituição de 1976).
Compreende-se deste jeito que tenha de se excluir do seu âmbito a representação estamental
ou de ”estados”, vestígio da desagregação medieval da sociedade política; que a doutrina da
soberania popular ou fraccionada de ROUSSEAU não se compadeça com o sistema
representativo; e que a mera representação de interesses, à imagem de uma nação orgânica ou
corporativa de povo, só possa aproveitar-se para a constituição de órgãos consultivos, e não
para a de órgãos deliberativos do Estado.
Que povo, porém, é representado? Nos dois últimos séculos, da imediatividade da posição do
cidadão perante o poder político, inerente ao conceito de Estado (ao contrário da estrutura
escalonada do feudalismo), extraiu a concepção dominante, de raiz individualista ou de raiz
personalista, a ideia do sufrágio individual e, em princípio, directo dos cidadãos. A ela
contrapôs o corporativismo político a ideia do sufrágio corporativo ou orgânico, ligado à sua
visão institucionalista da colectividade política, mas sem êxito.
Já a distinção entre representação maioritária e proporcional diz respeito tão-só aos sistemas
eleitorais, aos sistemas de tradução da vontade popular expressa pelo voto em mandatos; não
afecta nem a unidade do povo nem a dos órgãos representativos. 0 que
78
pode é este ou aquele sistema eleitoral, confonne os casos, ser mais ou menos integrador da
unidade política’.
IV - Em terceiro lugar, não há representação política sem eleição, acto jurídico ou feixe de
actos jurídicos. Mas a inversa não é verdadeira: v. g. as monarquias, electivaS2 ou a
eleição de presidentes de órgãos colegiais.
0 sentido da eleição política é que muda do governo constitucional clássico para o governo
democrático. Naquele, tem carácter instrumental: em ambiente social homogéneo, com
identificação natural entre a formação e os interesses de eleitores e elegíveis (o povo
burguês), reduz-se a técnica de designação dos govemantes (à laia do sorteio ou da rotação
nas Cidades-Estados da Antiguidade). Com a democracia representativa
1 . C fr. infra.
79
Com efeito, ter um poder jurídico significa ter um poder de querer; por conseguinte,
atribuir o poder no Estado ao povo significa em democracia que a vontade do povo se
há-de converter em vontade do Estado; configurada, primeiro, fora do aparelho
estadual, a eleição (fonte da índole representativa dos órgãos governativos) é agora
um acto do Estado e o colégio eleitoral, porventura, um órgão sui generis.
80
Sem embargo, o elemento volitivo patente na eleição habilita talvez a falar num
mandato de Direito público: na medida em que são os eleitores que, escolhendo este e
não aquele candidato, aderindo a este e não àquele programa, constituindo esta e não
aquela maioria de governo, dinamizam a competência constitucional dos órgãos e dão
sentido à actividade dos seus titulares (apesar de não lhe poderem definir o objecto).
Este mecanismo não acarreta nem sujeição a instruções nem superintendência dos
eleitores sobre os actos de governo em parti-
81
cular; o povo cinge-se aos critérios, às linhas gerais, às grandes opções da política do
país. Além disso, como os tempos e as circunstâncias se modificam, o povo não fica
estritamente preso àquilo que antes tenha fixado e, portanto, os govemantes, com
conhecimento de causa e tendo em vista o interesse colectivo, poderão e deverão
adoptar as medidas oportunas e necessárias, a sancionar pelo povo em futura eleição
ou, eventualmente, referendo. 0 que não seria lícito moral e juridicamente seria que
um Governo eleito para fazer certa política viesse, depois de empossado, a fazer
política contrária.
111 - Resta o problema mais delicado hoje: o das relações entre os repre sentantes e os
partidos. Dele se tratará adiante ao estudar-se o fenômeno partidário.
82
§ 3.’ PLURALISMO
Ele liga-se, pois, à liberdade política ou pública; não já à liberdade civil ou liberdade
das pessoas nas suas relações como privados, mas à liberdade das pessoas (enquanto
cidadãos) perante o poder; não já à liberdade na vida privada, mas sim na vida
Pública. 0 pluralismo é, simultaneamente, resultado da liberdade e garantia da
liberdade política.
83
Como qualquer liberdade, a liberdade política (que se decompõe em liberdade de
imprensa, de expressão por quaisquer outros meios, de associação, de reunião, de
manifestação, etc.) destina-se à realização da pessoa, individual ou institucionalmente
considerada. Todavia, o ter por objecto os poderes políticos leva-a, quase de imediato,
a correlacionar-se com a participação política. Não há regime político favorável à
liberdade que seja contrário à participação política dos cidadãos (mesmo se logo daí
não tira o corolário do sufrágio universal); nem pode haver participação sem liberdade
política’.
Não existe uma relação necessária entre os dois princípios ou realidades. 0 pluralismo
social tanto pode ser favorável à liberdade política como pode mostrar-se ou se lhe
tem mostrado, objectiva e historicamente, desfavorável ou perigoso. Não custa
exemplificar.
1. Em síntese, pode dizer-se que a liberdade política resulta do enlace da liberdade dos
antigos com a liberdade dos modernos (nas lapidares locuções de BENJAMIN
CONSTANT), da síntese entre liberdade - participação e liberdade - autonomia.
Pelo contrário, o monismo político é algo de mais difuso em todas as épocas, mas, por
causa disso, reveste múltiplas formas. Das monarquias orientais às ditaduras
modernas, encontra-se o mesmo absolutismo do poder, sem dúvida; no entanto, quer
as instituições quer as ideologias quer as forças sociais e políticas dominantes são
completamente diferentes.
Ill - Nos regimes totalitários, o poder político absorve todos os poderes sociais; nos
regimes autoritários ele impede apenas o exercício da liberdade política.
1. Cfr., por exemplo, a obra colectiva editada por J.L. SE=, La Démocratie Pluraliste,
Paris, 1981; ou FELIKS GROSS, Toleration and Pluralism, in Il Politico, 1985, págs.
181 e segs. (num relance mais amplo, por abranger também a religião, este autor
distingue quatro modelos de Estado: Estado inquisitorial, Estado intolerante, Estado
tolerante e Estado pluralista).
86
Por outro lado, enquanto que as monarquias absolutas eram até ao século XVIII
governos legítimos, na acepção de G. FERERRO (pela coincidência entre princípio
monárquico e o seu reconhecimento), já as ditaduras contemporâneas, ao apelarem
para o princípio democrático da legitimidade, revestem-se não apenas de uma
institucionalização precária (por causa da personalização do poder ocorrido) como
muitas vezes são mesmo governos ilegitimos (sejam revolucionários ou contra-
revolucionários).
IV - Tal como os sistemas políticos pluralistas, também não poucos dos sistemas
monistas contemporâneos têm feito apelo, nas Constituições ou na prática, à eleição.
Não, p .o.rém, evidentemente COM o mesmo significado que ela possui em
sistemas pluralistas.
Diverso vem a ser o sentido de eleição em sistemas monistas, porque com ela nunca
se poem. em causa os govemantes, sob pena de então também se põe em causa o
próprio regime. A eleição
87
pode servir para reforçar ou para suscitar uma imagem de legitimidade dos
governantes; pode ser uma aclamação, não um acto de orientação política; pode conter
todos os elementos formais ou procedimentais, faltam-lhe os elementos substantivos
de uma vontade autónoma distinta do poder estabelecido
Até ao século XVIII não havia senão a atitude individual dos que, invocando a sua
consciência ética, negavam a legitimidade de certos governantes ou de alguns dos
actos destes; ou a atitude colectiva de insurreição, muitas vezes conduzindo à guerra
civil ou internacional.
90
Por fim, os regimes autoritários ficam a meio caminho: concedendo embora aos
cidadãos o direito de estar na oposição, o que não permitem é a organização (ou a
organização permanente) de grupos divergentes da política oficial para a contestar e,
muito menos, para a substituir.
91
§ 4.’
DIVISÃO DO PODER
E outras distinções poderiam ser citadas - tal como, mais recentemente, ninguém
contesta a existência de várias funções do Estado. Mas isso não implica,
necessariamente, que a sua atribuição a vários órgãos ou instituições seja preconizada.
A divisão de poder afigura-se hoje requisito de limitação de poder. Nem sempre terá
sido entendido assim: também noutras épocas se pensou encontrar resposta para a
preocupação com a necessidade de limitar o poder noutras instâncias, fossem a nível
jurídico-político (maxime o direito de resistência), fossem a nível moral e religioso.
94
Não é, porém, a primeira realização histórica de divisão do poder; pelo menos, duas
de grande significado tinham existido antes na Europa. E tão pouco, nos moldes em
que foi concebida nessa altura, é o único esquema coadunável com o
constitucionalismo moderno: não só é susceptível de várias interpretações como, para
ser aplicável na situação actual, carece de ser revista e enriquecida (e tem-no sido).
Por seu turno, o Estado estamental assentava num dualismo de princípios: o princípio,
de origem medieval, da aceitação do papel político das corporações, das ordens, das
classes, dos senhorios locais; e o princípio de unidade ou de decisão central através do
Rei.
Nem por isso são menos nítidas as diferenças entre estas duas manifestações de
divisão de poder e a moderna concepção de separação de poderes:
1. Cfr. CíCERO De Legibus, trad. port. Das leis, São Paulo, 1967, pág. 101: se um
magistrado único tivesse mais autoridade que todos os seus pares, teríamos apenas
trocado a denominação do rei, sem alterar a essência da Realeza.
95
1.2) Tanto às magistraturas romanas como à organização estamental falta uma ideia de especialização
orgânico-funcional ou de distribuição de diversas faculdades, objectivamente consideradas, por mais de
um centro subjectivo de poder;
2.2) Tanto a uma como a outra falta a conexão com a ideia de direitos fundamentais, porque os antigos
não conheceram a liberdade política e o Estado medieval não curou senão de assegurar diante do Rei
imunidades, privilégios, prerrogativas em concreto de estamentos, e não direitos individuais dos
homens enquanto tais.
Em último termo, a separação de poderes, nas suas múltiplas concretizações, correcções e adaptações -
revelar-se-ia a projecção organizatória do Estado de Direito; e este só existiu com o constitucionalismo
moderno
1. Sobre a separação de poderes, deve, antes de mais, ler-se LOCKE, The Second Treatise of
Governinent (capítulos VII, X11 e XIV); MONTESQUIEU, De l’Esprit des Lois (capítulos IV e V do
livro XI); ROUSSEAU, Du Contrat Social (capítulo 1 do livro 111); MADISON, The Federalist (n.Os
47 e 48).
E depois, para aprofundamento da problemática, entre tantos, SAINT GIRONS, Essai sur la séparation
des pouvoirs dans Pordre politique, administratif etjudiciaire, Paris, 1881; E. ART=, lISéparation des
pouvoirs, et separation des fonctions”, in Revue du droitpublic, XIII, 1900, págs. 214 e segs. e 470 e
segs., XIV, 1900, págs. 34 e segs. e 436 e segs.), XVII, 1902, págs. 78 e segs., 234 e segs. e 439 e
segs.,-XX, 1903, págs. 415 e segs.; J. J. CHEVALIER, ”De Ia distinction établie par Montesquieu.
entre Ia faculté de statuer et Ia faculte d’empêcher”, in Mélanges Maurice Hauriou, 1929, págs. 139 e
segs.; CHARLES EISENMANN, ”’L’Ésprit des Lois’ et Ia separation des pouvoirs”, in Mélanges R.
Carré de Malberg, Paris, 1933, págs. 163 e segs.; BALLADORE PALLIERI, ”Appunti sulia divisione
dei poteri nella
96
1 - Antes de MONTESQUIEU, pelo menos, outro grande autor’, LOCKE, já se tinha debruçado sobre a
problemática da
vigente Costituzione italiana”, in Rivista Tilmestrale di Diritto Pubblico, 1952, págs. 811 e segs.;
LOUIS ALTHUSSER, Montesquieti, la politique.et l’hístoire, Paris, 1959; M.C.J. VILE, Constitution
and the Separation of Powers, Oxónia, 1969; ROGÉRIO SOARES, Direito Público e
Sociedade Técnica, Coimbra, 1969, págs. 145 e segs.; MARQUES GUEDES, ”Separação de Poderes”,
in Verbo, XV, pág. 353; AFONSO QUEIRó, ”Poderes do Estado”, ibidem, págs. 353 e segs.;
REINHOLD ZIPPELIUS, op.cit., págs.
146 e segs.; GEORGES VLACHOS, La politique de Montesquieu, 1974; ARND MERKEL e GERD
MEYER, ”División de poderes”, in Marxismo y Democracia - Enciclopedia de Conceptos Basicos -
Política, 2, trad., Madrid,
1975, págs. 143 e segs.; MARCELLO CAETANO, op.cit., 1, págs. 232 e segs e 370 e segs.; PIERRE
LAVIGNE, ”L’unité du pouvoir d’État dans le doctrine constitutionnaliste socialiste contemporaine”, in
Mélanges offei-ts à Georges Burdeau, Paris, 1977, págs. 599 e segs.; AGOSTINO CARRINO, ”Uni
critica marxista alla ’divisione dei poteri”’, in Rivista Internazionale di Filosofia del Diritto, 1977,
págs. 904 e segs.; GAETANO SILVESTRI, La separazione dei poteri, 1, Milão, 1979; SOLOZABAL
ECHAVARRIA, ”Sobre el principio de Ia separación de poderes”, in Revista de Estudios Políticos,
NovembroDezembro de 1981, págs. 215 e segs.; PAULO BONAVIDES, op. cit., págs.
145 e segs.; SÉRVULO CORREIA, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos,
Lisboa, 1987, págs. 25 e segs.; JORGE REIS NOVAis, Contributo para uma teoria do Estado de
Direito, Coimbra, 1987, págs. 82 e segs.; NUNO PIÇARRA, A separação de poderes como doutrina e
princípio constitucional, Coimbra, 1989.
V. ainda os pareceres n.os 16/79 e 1/80 da Comissão Constitucional, de 21 de Janeiro -de 1979 e 8 de
Janeiro de 1980, in Pareceres, VIII, págs. 205 e segs., e M, págs. 23 e segs., respectivamente.
Mas o livro de LOCKE não teve o impacto do De 1’Esprit des Lois não só por causa
de uma menor difusão como por ter sido escrito ainda cedo (ainda no século XVII) e
demasiado voltado para a situação inglesa após 1688. De resto, ele não propugnava
uma completa divisão de poder, visto que entendia que o poder primordial no Estado
era o poder legislativo (o qual determinava
4 diferentes formas de governo).
98 ’
100
”Chamo faculté de statuer o direito de ordenar por si mesmo ou de corrigir aquilo que
tenha sido ordenado por outro. Chamo faculté d’emPêcher o direito de tomar nula ou
anular uma resolução tomada por quem quer que seja. Era nisto que consistia o poder
dos tribunos de Roma, embora aquele que tenha a faculdade de impedir possa ter
também o direito de aprovar, e a aprovação pão é outra coisa senão a declaração de
que não faz uso da sua faculdade de impedir e
0 órgão que tem o poder legislativo deve ter um poder positivo de estatuir leis, mas
deve ter também um poder negativo de impedir que os outros órgãos façam algo que
ponha em causa os interesses gerais. Da mesma maneira, o órgão que tem o poder
executivo deve ter não apenas o poder positivo de estatuir, de fazer a execução das
leis, mas deve ter também um poder negativo, de tal modo que não sejam feitas leis
contrárias aos interesses gerais. Somente, a respeito do poder judicial (que considera
um poder sem relevância política) é que MONTESQUIEU não faz a distinção
entrefaculté de statuer efaculté d’empêcher.
101
Neste capítulo 1 (sob a epígrafe ”Do governo em geral”) do Livro 111 do Contrato
Social, ROUSSEAU claramente vem opor-se à separação de poderes. ROUSSEAU
admite uma distinção de funções - legislativa e executiva. Mas considera que a função
legislativa é a única que é soberana, ao passo que a função executiva é uma função
intermediária, não soberana, que não tem nenhuma virtualidade de limitar o poder
legislativo.
Para MONTESQUIEU o poder legislativo deve ser limitado pelo executivo e vice-
versa. Para ROUSSEAU, pelo contrário, o único poder soberano é o poder legislativo.
0 poder executivo não é um verdadeiro poder soberano; não há mesmo em rigor um
poder executivo.
Há uma diferença essencial entre esses dois corpos - poder legislativo e executivo.
Este último não existe senão pelo soberano e para o soberano. A vontade dominante
do príncipe não e e não deve ser senão a vontade geral ou a lei. A sua força não é
senão a força pública concentrada nele de tal maneira que possa tirar dessa potência
soberana a força, através de qualquer acto absoluto independente.
102
SIEYÈS - tal como, quase ao mesmo tempo, HAMILTON no Federalist, nos Estados
Unidos - aponta a existência de um poder primário e originário dentro do Estado - o
poder de que deriva a Constituição, aquele que exprime mais directamente a soberania
ou que com ela se identifica, o poder constituinte; e este poder antecede, por
natureza, os demais poderes do Estado, os poderes constituídos.
103
Ao poder legislativo, um destes poderes, é vedado praticar actos que contrariem as
normas decretadas pelo poder constituinte.
Partindo da ideia de que os três poderes do Estado, como foram consagrados aquando
da Revolução Francesa, poderiam dar lugar a conflitos e paralisar-se, CONSTANT
preconiza um quarto poder, dirimidor de conflitos, um poder de equilíbrio que
arbitraria os litígios entre os outros poderes de Estado, que poria em funcionamento a
máquina estadual ou evitaria que ela ficasse paralisada. E ele seria a ”chave de toda a
organização política”, como declarava o art. 71.2 da Carta Constitucional.
Na realidade, porém, esse poder - neutro, moderador, real (porque atribuído ao Rei
também detentor do poder executivo) era um meio de o monarca recuperar parte do
poder que perdera com o constitucionalismo.
104
0 grande interesse desta visão das coisas encontra-se.no poder eleitoral, o qual
consiste em eleger e em nomear para os empregos tanto civis como políticos e em
designar os cidadãos que pelos seus serviços se tenham tomado dignos de
recompensas nacionais’.
105
Quanto ao poder conservador não é simplesmente paráfrase do poder moderador de
BENJAMIN CONSTANT, pois que lhe cabe não apenas manter a independência e harmonia
dos outros quatro poderes mas também fazer observar os direitos de cada cidadão. Os
órgãos dos diferentes poderes exerceriam atribuições de poder conservador e deveria haver
ainda uma autoridade especial: o Conselho de Inspecção e Censura Constitucional,
composta por cinco membros escolhidos nas eleições gerais nos graus mais elevados da
hierarquia civil .
Por seu lado, HAURIOU considera um poder de sufrágio, um poder deliberante (que é o das
Assembleias) e um poder de execução (que é o dos órgãos executivos).
106
fundamental, a sua execução e o seu controlo ou fiscalização. Nesta última função reside o
contributo original do autor.
Em França, em especial nas Constituições de 1791 e de 1795 (do ano 111) pareceu
prevalecer uma visão mecanicista, de apertada distribuição de poderes pelos diversos
órgãos e, ao longo de todas as Constituições até hoje, sempre, em nome da separação de
poderes, se recusou aos tribunais a fiscalização da constitucionalidade das leis.
107
Em contrapartida, nos Estados Unidos, o sistema de governo presidencial tem-se
traduzido numa separação orgânica muito mais nítida do que nos países europeus de
governo parlamentar ou aparentado, nos quais os Ministros fazem parte dos
Parlamentos e estes podem ser dissolvidos pelo Chefe do Estado.
Entre uma e outra posições extremas, situa-se a maior parte das concretizações
constitucionais da Europa oitocentista. E para provar que não eram demasiado
radicais, recordem-se a doutrina da lei formal e da lei material lançada por LABAND,
a atribuição ao Rei de um poder de sanção das leis (verdadeiro poder positivo, e não
meramente negativo como o poder de veto), ou o exercício da iniciativa legislativa
pelos Ministros.
108
doras - e afirma-se que em regime burgues a separação seria ilusória, porque, por
detrás das várias instituições formais de poder, se encontraria sempre a mesma classe
dominante. Nos regimes fascistas ou aparentados prevaleceria o culto da autoridade e
da ordem e a ideia de um Poder Executivo ”forte”. Nos regimes de muitos dos países
asiáticos e africanos saídos da descolonização seriam partidos únicos que deteriam
todo o poder.
2 - Que nem é isso infirmado por se reconhecer que não existe coincidência entre os
três poderes - legislativo, executivo e
110
111
CAPITULO Iii,
FORMAS E SISTEMAS
DE GOVERNO
22. AS OITO FORMAS DE GOVERNO MODERNAS
115
5) Monarquia limitada, que corresponde a uma primeira época da Restauraçao e a
monarquia que ira prevalecer na Alemanha e na Áustria no século XIX;
8) Governo fascista, que, não sendo uma forma tão homogénea como a do governo
leninista, é, mesmo assim, historicamente
bem demarcada.
Elas resultam, com mais ou menos nitidez, das diferentes respostas aos problemas
cardeais acabados de expor, da sua consideração como critérios taxonónicos. Mas
não pode, simultaneamente, deixar de se salientar a conexão histórica entre elas, bem
como a relatividade de alguns aspectos de distinção.
116
117
Repare-se como duas formas de democracia, duas formas de governo que tão
fortemente invocam a democracia, podem chegar a resultados aparentemente tão
diferentes - a democracia jacobina e o governo cesarista - ainda que não tão
antagónicos em termos de pluralismo político (pois uma e outro conduzem ao
monismo).
118
Esta forma de governo recusa a representação política (por causa, desde logo, dessa
visão classista), se bem que não adopte instituições puramente comissariais, como as
da forma de governo jacobina. E rejeita também o princípio da separação de poderes,
se bem que a concentração de poderes se venha a dar não tanto a
119
nível do Estado quanto a nível do partido. No fundo, o essencial ou específico da forma de
governo 1.eninista é o governo do Estado pelo partido comunista, pelo partido considerado
vanguarda da classe operária.
VIII - A forma de governo fascista é muito mais difícil de analisar ou caracterizar, porque
emerge de várias matrizes ideológicas e vai ter concretizações históricas extremamente
diversificadas. 0 seu paradigma é o governo do exactamente chamado Partido Fascista em
Itália, de 1922 a 1943; a sua expressão extrema é o nacional-socialismo alemão; e as suas
expressões mais atenuadas são (se se considerarem em rigor fascismos) o salazarismo
português e o franquismo espanhol.
120
121
E observe-se que pluralismo não equivale a pluricracia. Esta significa pluralidade de
centros de poder, como houve no Estado grego, no romano, na Idade Média e no
Estado estamental. Mas pluralismo (político e ideológico) é mais do que isso: é a
liberdade assumida como valor político com todas as suas consequências Oá o
dissemos).
FORMAS DE GOVERNO
Quanto à legitimidade
Legitimidade monárquica.
Monarquia.
República aristocrática.
Democracia directa.
Democrático.
122
Quanto ao pluralismo
Monismo: Monarquia:
Monocracia: Monarquia:
Oriental Absoluta Cesarista
República democrática
123
Podemos dizer (embora isto carecesse de um mais longo exame) que as formas de governo
pluricráticas, ou mesmo as pluricracias, tendem a uma pluralidade também de sistemas de governo e
que as formas de governo monistas ou monocráticas tendem a um número reduzido de sistemas de
governo. Mas não há correlação necessária.
pags. 235 e segs.; K. LOEWENSTEIN, op- cit., págs- 173 e segs.; MANUEL JIMENEZ DE PARGA,
op. cit., págs. 128 e segs.; MANUEL GARCIA PELAYO, Derecho Constitucional Comparado, 8. ed.,
Madrid, págs. 249 e segs.; Comparative Government, obra colectiva editada por Jean Blondel,
Londres, 1969; PAOLO BISCARETTI DI RUFFIA, Introduzione al Diritto Costituzionale Comparato,
Milão, 1969, págs. 51 e segs.; MAURICE DUVERGER, op. cit., 1, págs. 229 e segs.; COSTANTINO
MORTATI, op- cit., págs. 157 e segs.; THEO STAMMEN, Sistemas politicos actuales, trad. cast.,
Madrid, 1974; MARCELLO CAETANO, op. cit., 1, págs. 416 e segs.; JEAN-CLAUDE COLLIARD,
Les Regimes Politiques Contemporains, Paris, 1978; MARCEL PRÉLOT e JEAN BOULOIS,
Institutions Politiques et Droit Constitutionnel, 8.4 ed., Paris,
1980, págs. 49 e segs.; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, 0 semipresidencialismo em Portugal,
Lisboa, 1984; PAULO BONAVIDES, qp. cit., págs. 357 e segs; Les Régimes Semi-Presidentiels, obra
colectiva editada por Maurice Duverger, Paris, 1986; AREND LIJPHART, Las Democracias
Contemporaneas, trad., Barcelona, 1987; BERNARD CHANTEBOUT, Droit Constitutionnel et
Science Politique, 9.2 ed., Paris,
1989, págs. 297 e segs.; ARMANDO MARQUES GUEDES, Sistemas Políticos, Coimbra, 1990;
VITALINO CANAS, op. cit., págs. 129 e segs.; GIUSEPPE, DE VERGOTTINI, op. cit., págs. 542 e
segs.
124
Devemos partir da visão jurídica para a política. Em primeiro lugar, porque os sistemas de governo se
definem, antes de mais, com base num determinado enquadramento de órgãos e estes vão ser descritos
e depender, antes de mais, das normas constitucionais. Em segundo lugar, mesmo quando os factores de
ordem política prevalecem sobre os jurídicos, mesmo assim estes conseguem resistir com autonomia; e
em momentos de crise ou de ruptura, ainda é o factor jurídico que vai agir e permitir determinadas
formas de transição.
Por outras palavras: há um conceito jurídico de sistema de governo em que se atende às normas
constitucionais reguladoras dos órgãos govemativos e das suas posições recíprocas, e um conceito
peculiar de ciência política, em que se atende ao funcionamento, ao modo como na prática esses órgãos
desenvolvem as suas actividades e se relacionam entre si; e há, naturalmente, uma conexão entre
ambos, como se acaba de dizer.
111 - De seguida, faremos apenas algumas considerações muito gerais, porque a matéria dos sistemas
de governo não pode ser estendida senão a par de uma visão descritiva e comparativa e dela já
cuidamos no volume 1 do nosso Manual de Direito Constitucional.
125
26. A PERSPECTIVA JURíDICA DOS SISTEMAS
DE GOVERNO
126
De outra banda, acham-se os sistemas de governo em que, Pelo contrário, há divisão ou,
mesmo, separação de poderes; em que se verifica interdependência dos órgãos, ou em que se
consegue alcançar uma independência recíproca na base da pluralidade.
Pode ainda, porventura, autonomizar-se como quarto tipo o sistema de governo soviético.
128
111 - Quanto aos sistemas de governo com desconcentração de poderes, aos sistemas
de governo baseados num princípio de separação de poderes, eles são quatro:
1 0 sistema parlamentar;
2.’ - 0 sistema presidencial;
3.’ - 0 sistema directorial;
0 sistema presidencial diz-se, por seu turno, perfeito, quando o único órgão
constitucional do poder executivo e o Presidente, apenas coadjuvado por certos
colaboradores; e diz-se imperfeito, quando a Constituição prevê a existência de
Ministros com poderes próprios, ainda que totalmente dependentes do Presidente. A
primeira hipótese é a dos Estados Unidos, a segunda de alguns países da América
Latina.
130
131
Sistemas de concentração de poder:
1 - Monarquia limitada
B - governo de chanceler
3 - Sistema convencional
- Sistema parlamentar
imperfeito
Sistema directorial
semipresidencial.
132
133
111 - A diferença entre sistemas de governo parlamentar de gabinete e sistema de
governo parlamentar de assembleia decorre, exclusivamente, de condições extrínsecas
às normas constitucionais de repartição de competências. Decorre do sistema eleitoral
e do sistema de partidos.
1 - Tem ainda interesse - em plano totalmente diverso dos até aqui adoptados - referir
os tipos ou graus de interferência ou parti-
134
cipação das Forças Armadas no processo político (porque tal se tem verificado
com grande frequência um pouco por toda a parte, salvo nos países anglo-saxórticos e
na Europa setentrional), com a sua consequente projecção nos regimes políticos mais
ou menos caracterizados a que corresponderal.
Olhando para a experiência dos últimos dois séculos, talvez se possa propor a
consideração de quatro grandes tipos: governos puramente militares, governos
militares ideológicos, governos de base militar e governos de vigilância militar.
11 - Assim:
3) Governos de base militar, em que as Forças Armadas já não governam, mas são o
sustentáculo indispensável dos regimes e, assim, estes entram em compromissos com
elas para se conservarem no Poder. Trata-se de regimes autoritários ou totalitários,
136
nuns casos provenientes, a médio prazo, de revoluções militares (como sucedeu com o
salazarismo), noutros casos ligados a revoluções políticas e sociais (como foi o regime
soviético, apoiado no Exército Vermelho), noutros casos, ainda, saídos de guerras de
libertação nacional (como foram alguns dos regimes africanos, com os exércitos de
libertação a ocuparem um importante lugar na vida dos respectivos países).
137
TITULO 11
A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
CAPíTULO 1
PRINCIPIOS E PROBLEMAS
GERAIS
29. DEMOCRACIA E SOBERANIA DO POVO
Democracia exige exercício do poder pelo povo, pelos cidadãos com direitos
políticos, em conjunto com os govemantes; e esse exercício deve ser actual, e não
potencial, deve traduzir a capacidade dos cidadãos de formarem uma vontade política
143
autónoma perante os govemantes. Democracia significa que a vontade do povo,
quando manifestada nas formas constitucionais, deve ser o critério de acção dos
govemantesl.
11 - Numa análise puramente forinal, sem dúvida o poder, a soberania, não pode ser
senão um poder do Estado, tal como (mas por maioria de razão) o povo e o territorio
so são povo e território dentro do Estado. 0 poder não será o mesmo que o Estado,
mas somente o Estado tem poder ou soberania (soberania pessoal e soberania
territorial).
1. Cf. CARLO ESPOSITO (Ia Costituzione Italiana, Pádua, 1954, pág. 10): o
conteúdo da democracia não é que o povo constitua a fonte histórica ou ideal do
poder, mas que ele tenha o poder; não que ele tenha só o poder constituinte, mas que
lhe pertençam poderes constituídos; não que ele tenha a soberania nua, mas sim o
exercício da soberania.
144
A doutrina clássica alemã da soberania do Estado continua válida, desde que assim
entendida: a soberania é do Estado como entidade jurídica global e complexa, e não
dos órgãos do Estado, nem dos titulares dos órgãos, nem do povo, porque ligá-la aos
órgãos - meros centros institucionalizados de formação da vontade - ou aos
govemantes ou aos governados - indivíduos atomisticamente considerados -
representa fraccioná-la em visão unilateral’.
145
se incorporam podem ser objecto de direitos compreendidos na soberania ou, mais
rigorosamente, sujeitos de relações jurídicas com o Estado.
111 - 0 que acaba de ser recordado não esgota o exame do poder no Estado, porquanto
logo se vê que é imprescindível definir as posições relativas dos governantes e do
povo perante ele.
tituição lhes reserva , sem nenhuma interferência dos restantes cidadãos na sua
escolha ou nos seus actos de govemantes. Ou os govemantes governam em nome do
povo, por virtude de uma
146
Poderá talvez atalhar-se que esta distinção não deixa de ser ainda excessivamente
formal. A objecção, porém, não procede, porque, para qualificar qualquer sistema
político não basta ler as proclamações constitucionais, importa confrontá-las com as
consequencias que o Direito, decretado e vivido, extrai das mesmas; e se se recorrer a
uma investigação interdisciplinar para se procurar o suporte real do poder (Chefe do
Estado, Governo ou Parlamento, órgãos formais ou partidos, govemantes ou classes
dominantes, etc.), haverá sempre aí que concluir pela coincidência ou não
coincidência do efectivo exercício do poder com o título jurídico da sua atribuição ou
não ao povo
147
IV - Para designar o princípio democrático, a Revolução Francesa lançou as locuções ”soberania do
povo” e ”soberania nacional”, as quais persistem ainda em numerosas Constituições, na linguagem
doutrinal e na prática política’.
Trata-se de uma réplica ou de uma importação do conceito de soberania do príncipe ostentado pelas
monarquias absolutas. À ideia de que os reis eram soberanos nos seus Estados, de que não deviam
obediência a ninguém, de que eram até superiores a todas as leis, substituiu-se a ideia de que o povo era
o único soberano, de que toda a autoridade dele dimanava e que a lei devia ser a expressão da sua
vontade. Como tem sido tantas vezes acentuado: ao direito divino dos reis sucedeu o direito divino dos
povos.
1. Cfr., entre tantos, EDMOND VELLEY, ”La souveraineté national&’, in Revue de droit public, 1904,
págs. 5 e segs.; ÉMILE BOUTMY, ”À propos de Ia souveraineté du peuple”, in Études Polítiques,
Paris, 1907, págs. 31 e segs.; MAURICE HAURIOU, La souveraineté nationale, Paris, 1912; A.
ESMEIN, Éléments de Droit Constitutionnelfrancais et comparé, V ed., 1, Paris, 1921, págs. 284 e
segs.; VEZIO CRISAFULLI, ”La sovranità popolare nella Costituzione italiana”, in Scritti giuridici in
memoria di V.E. Orlando, obra colectiva, 1, Pádua, 1957, págs. 409 e segs.; EMILIO CROSA, ”
Variazioni su un tema di V.E. Orlando”, ibidem, págs. 479 e segs.; LE MONG NGUY1EN, ”
Contribution à Ia théorie de Ia constitution souveraine par le peuple”, in Revue du droit public, 197 1,
págs. 923 e segs.; COSTANTINO MORTATI, ”La Costituente”, in Scritti, 1, Milão, 1972, págs. 73 e
segs.; ANTONIO PÉREZ LUf40, «Aproximación analitico-linguistica al términe ”soberania popular”»,
in Derecho y Soberania Popular - Anales de la Catedra Francisco Suarez (Universidad de Granada),
n.2 16, 1976, págs. 137 e segs.; MARTIN KRIELLE, Introducción a la Teoria del Estado, trad.,
Buenos Aires, 1980, págs. 315 e segs.; GUILLAUME BACOT, Carré de Malberg et Vorigine de la
distinction entre souveraineté du peuple et souveraineté nationale, Paris, 1985.
148
Se se analisarem um pouco mais em pormenor essas expressões, ver-se-á quanto elas tem de incorrecto,
de equívoco ou mesmo de perigoso (na lógica da própria concepção democrática).
Com efeito, se a certa altura, no moderno Estado europeu, se pôde afirmar que os reis eram soberanos
foi apenas porque eram os orgãos unicos ou Supremos de Estados que já não dependiam do Papa ou do
Sacro Império, nem se compadeciam com autoridades feudais. É sabido que, aproveitando a
identificação entre poder central e poder real, os teóricos do absolutismo dos séculos XVI a XV111
quiseram ir mais além e afirmar uma soberania sem limites jurídicos. Mas isso mais não era que um
desvio, de que nem sempre se aperceberam os políticos e juristas quando supuseram transferir a
soberania dos govemantes para o povo.
Por isso, não pode entender-se, apesar da apontada transposição, que a soberania do povo deva ser
ilimitada, sob pena de se abrir a porta à democracia absoluta. Pois esta, nas suas principais
concretizações conhecidas oacobina, cesarista e soviética), encontra-se nos antípodas dos princípios
enformadores da democracia representativa, por ser tão negadora como a monarquia absoluta das
liberdades individuais e institucionais e tão contrária como ela aos processos jurídicos de limitação do
poder político que o constitucionalismo se esforçou por instituir.
Por outro lado, tomar a soberania do povo no sentido de supremacia do povo no Estado tem de ser
entendido em termos hábeis. Se tal supremacia significa a necessidade de os govemantes serem da
149
confiança política do povo que os elege, e se significa mesmo que ao povo incumbe
(ou deve incumbir) o poder de tomar certas decisões mais transcendentes para a vida
colectiva através de ou referendo, nenhuma ob ecção há a fazer. Se soberania ou
supremacia do povo j
Em primeiro lugar, poderia julgar-se que há uma soberania da nação ou uma soberania
da sociedade a par da soberania do Estado. Algumas correntes doutrinais e ideológicas
efectivamente chegaram a defendê-lo. Ora, o dualismo entre Estado e nação, no plano
jurídico-político, tem de ser rejeitado, por a colectividade humana, seja ela qual for,
correspondente ao Estado só - pode ganhar expressão política através do mesmo
Estado’.
1. Cfr. Manual de Direito Constitucional, 111, 3.! ed., Coimbra, 1994, págs. 50
e segs.
150
transtemporal, de cujos fins, valores e interesses não são senhoras as gerações actuais,
pois vêm do passado e estão virados para o futuro. Ainda que assim seja, na verdade,
não se descortina como pode essa comunidade transtemporal ter outra projecção
política que não seja no Estado e como pode haver outra vontade juridicamente
relevante que não seja a dos governantes e dos cidadãos, a de um povo de homens
vivos e actuais.
151
VI - A despeito de todas estas observações e advertências, as Constituições directa ou
indirectamente influenciadas pelo constitucionalismo francês têm falado e continuam
a falar em soberania do povo, soberania da nação, soberania popular, soberania
nacional. Mas as expressões não podem deixar de ser interpretadas nos respectivos
contextos sistemáticos (assim, nos arts. 2.2 e
3.9 da actual Constituição portuguesa, no contexto do Estado de Direito democrático).
0 carácter mais específico do sufrágio acha-se na forma por que é exercido. Sempre
que há eleição - ou referendo - todos os cidadãos com esse direito são chamados a
usá-lol - assim, a eleição ou o referendo é forçosamente geral, ainda quando de âmbito
local; e são chamados a intervir simultaneamente num mesmo acto ou pluraiidade de
actos jurídicos. Trata-se, portanto, de um direito político que, ao contrário da petição,
da acção popular ou mesmo da iniciativa popular, é de exercício conjunto por todos os
seus titulares.
152
Daí que se exprima sempre por um resultado global, embora possa analisar-se em
resultados parciais. Cada cidadão vota por si, segundo a sua situação e as suas
aspirações, mas o seu voto somente tem valor somado aos dos restantes eleitores’ e
enquanto exibe uma posição do conjunto dos eleitores ou de parte considerável destes.
2. Por isso, a validade do acto de sufrágio não depende da validade do voto de cada
eleitor, mas da validade das operações que possam afectar o resultado fmal.
153
Por isso, os cidadãos com direito de voto denominam-se cidadãos optimojure (na
expressão romana) ou cidadãos activos (na expressão devida, ao que parece, a
SIEYÈS); e o conjunto dos cidadãos activos forma o povo activo.
Mas diz-se também, numa acepção algo diversa, povo activo o povo em que, não
apenas uma minoria de pessoas, mas sim o maior número de cidadãos possível tem
acesso à vida política com o exercício do direito de sufrágio’. A quantidade de
cidadãos eleitores permite aqui qualificar a situação da comunidade política’.
0 povo activo no segundo sentido (em que se olha ao complexo de todos os cidadãos,
activos e não activos) é à imagem do povo activo no primeiro sentido (mera fracção
daquele); será o que este for. E isso porque - desde que o sufrágio funcione - são os
titulares do sufrágio que moldam a sociedade e o Estado. 0 conceito burguês de povo
conduz ao sufrágio censitário, o conceito democrático ao sufrágio universal.
1. E haveria ainda que distinguir: cidadãos com direito de sufrágio, cidadãos com
direito de sufrágio inscritos no recenseamento eleitoral e cidadãos inscritos que
efectivamente exercem o suftágio. A percentagem de qualquer destas categorias em
relação ao número total de cidadãos indica o estádio de participação política atingido
no país.
2. Num determinado povo pode faltar a atribuição do direito de sufrágio, mas dar-se a
atribuição dos outros direitos políticos (direitos políticos menores), assim como pode
acontecer que uns cidadãos tenham direito de sufrágio e outros apenas os restantes.
154
De onde ainda, o papel do sufrágio nas grandes transformações sociais ocorridas nos
séculos XIX e XX. Ao passo que a participação política no Estado estamental (do alto
e baixo clero, da nobreza, das universidades, dos mosteiros, do povo dos concelhos ou
comunas) se destinava, essencialmente, a garantia da conservação de direitos e
privilégios adquiridos numa ordem social estática, a participação política realizada
através do sufrágio
- decerto não apenas por causa do sufrágio, também pelas características dinâmicas
dos novos tempos - mexe com todas as estruturas do poder e da sociedade.
se tivesse feito não sem lutas e não sem mudanças de concepções políticas e sociais,
ele revelou-se um dos mais influentes meios de promover reformas económicas e
sociais, por terem obtido o sufrágio aqueles
1. Por isso, já ALEXIS DE TOCQUEVILLE (De Ia Démocratie en Amétique, 1,
183 5, na ed. de 195 1, pág. 90) considerava irresistivel a extensão do sufrágio.
155
que as reclamavam, mas, do mesmo passo, ele mostrou ser igualmente um veículo
de integração desses mesmos homens (os operários, as mulheres, os jovens e até os
cidadãos de territórios ultramarinos) na ordem política e social
Por uma banda, a eleição não se reduz à escolha dos candidatos mais capazes ou
mais aptos. É também a escolha de progra-
156
mas e partidos em concorrencia e, por aí, a escolha da política que o povo pretende
que o país siga. Não raro, aliás, a eleição geral realizada em certas circunstâncias
(vg., dissolução antecipada do Parlamento por causa de crise política) equipara-se
substancialmente a acto de referendo.
3 1. 0 PRINCíPIO DA MAIORIA
1. Sobre o princípio da maioria, cfr. KELSEN, Von Wesen und Wert der Demokratie,
trad. fi-ancesa La démocratie - sa nature, sa valeur, Paris, 1932, págs. 5 e segs. e 63 e
segs.; HENRY B. MAYO, An Introduction to Democratic Theory, Nova Iorque, 1960,
págs. 67 e segs. e 166 e segs.; ROGÉRIO SOARES, Direito Público e Sociedade
Técnica, Coimbra, 1969, pág. 72;
157
0 povo vota para eleger os seus representantes e elege-os na base de um princípio de maioria (o que não
inculca, de per si, um único sistema eleitoral stricto sensu), assim como os eleitos, uma vez convertidos
em governantes, decidem à pluralidade de votos, por maioria.
158
111 - Por que motivo deve ser a maioria o critério da democracia? Por que devem governar os
que recebem mais votos? Por que deve ser a lei a expressão da maioria?
Não é pacífica a resposta. Há quem sustente que se trata de simples ficção ou convenção jurídica, de
mera regra técnica ou instrumental. Assim como há quem afirme que lhe subjaz um Princípio
substantivo ou axiológico, seja o princípio da igualdade, seja o princípio da liberdade, seja ainda
(porventura) um princípio diverso.
De acordo com a ideia de igualdade (que remonta a ROUSSEAU e, de certo modo, a ARISTóTELES),
é porque todos os cidadãos têm os mesmos direitos e o mesmo grau de participação na vida pública que
deve prevalecer a maioria; a vontade política do maior número entre iguais converte-se em vontade
geral; e esta fica sendo juridicamente imputada ao Estado.
De acordo com a ideia de liberdade (sobretudo enfatizada por KELSEN), a maioria resulta da
autodeterminação dos membros da comunidade política; qualquer decisão imposta deve ser reduzida
159
ao mínimo; tendo de haver uma ordem social, esta não pode estar em contradição senão com
a vontade do menor número possível de indivíduos’.
Quanto a nós, entendemos que a regra da maioria tem de assentar num fundamento
axiológiC02: sem ele não se explicam nem o consentimento, nem a própria obrigatoriedade
da decisão decorrente do voto. E entendemos que ele se encontra na conjugação da igualdade
e da liberdade. Não uma presunção puramente negativa, de que ninguém conta mais do que
os outros’, mas o reconhecimento da dignidade cívica de todos os homens. Não uma
liberdade com separação de uns dos outros, mas. uma liberdade com integração numa
sociedade de todos.
IV - A maioria, naturalmente, não é critério de verdade, é apenas critério de acção. Tem por
objecto decisões políticas, não decisões de foro não polítiCo4. Nem sequer todas as matérias
160
políticas a ela estão sujeitas, porque a maioria não pode afectar limites transcendentes do
poder político e, por maioria de razão, limites do poder político democrático; e, além disso,
há casos em que a regra da maioria não se afigura suficiente, ou suficientemente adequada.
A maioria não é critério de verdade. Não há, nem deixa de haver verdade nesta ou naquela
opção política; há só (ou tem de se pressupor que haja) referência ao’bem comum. Pelo
contrário, quando se suscitem problemas de verdade, sejam quais forem
- religiosos, morais, filosóficos, e até científicos ou técnicos - não cabe decisão por maioria.
A decisão por maioria versa sobre quaisquer questões políticas, inclusive as que se reportam
à estrutura do regime e do Estado - abrangendo, portanto, as que se prendem com limites de
revisão constitucional e com alguns dos limites imanentes do poder constituinte (originário)’.
1. 0 que pode acontecer é, para decisões sobre estas questões e sobre outras de maior
relevância (entre as quais as decisões irreversíveis - v.g. as que afectam a independência
nacional ou o património cultural e natural), requererem-se maiorias agravadas ou
qualificadas. Isso depende, porém, de cada Direito constitucional positivo.
Algo de semelhante se verifica nas hipóteses em que a maioria cede perante o exercício de
um poder de veto (de um pouvoir dempêcher).
161
De fora têm, contudo, de ficar os limites transcendentes do poder constituinte,
como sejam os respeitantes aos mais fundamentais dos direitos fundamentais
(direito à vida e à integridade pessoal e outros constantes do art. 19.2, n.2 6, da
Constituição); e os limites imanentes traduzidos no pluralismo e na existência da
oposição. Para que a democracia subsista a maioria não pode pôr em causa os
direitos das minorias.
Por último, na sociedade complexa e Plural dos nossos dias, nem sempre a
decisão de maioria tem força suficiente para se impor ou se mostra idónea para a
prossecução dos objectivos comunitários. Designadamente em questões atinentes
a salários, outros rendimentos e preços, a tendência é para a complementar ou
até para a substituir por métodos contratuais: é a chamada concertação social no
domínio das relações colectivas de trabalho e de outras relaçõeS2.
1. Por isso, escreve KELSEN (op. cit., págs. 65 e segs.): no princípio maioritário, o
fulcro não reside na maiona numenca, mas na força de integração social; e seria até
preferível falar em princípio maioritário-minoritário, porque a democracia
parlamentar, ao organizar os indivíduos em dois campos (maioria e minoria), toma
possível um compromisso na formação da vontade geral.
2. Cfr., por todos, BOBBIO, Contratto sociale, oggi, Nápoles, 1980; ou BARBOSA
DE NELO, ”Introdução às formas de concertação sociar’, in Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, 1983, págs. 18 e segs.
162
Não vale qualquer vontade maioritária, somente vale a que se forma e manifesta no
respeito das normas - constitucionais, regimentais, estatutárias, legais - que regulam o
processo de tomada de decisão. De onde, limites formais ou procedimentais a acrescer
aos limites materiais.
VI - Tudo quanto assim se diz está pensado para a democracia e para a esfera do
político. Mas a regra da maioria não se esgota (nem nasceu) na democracia e na esfera
do político.
Não quer isto dizer que a divergência entre uma ou outra seja de natureza afectiva ou
simbólica, que apenas tenha que ver com tradições de cultura política ou com efeitos de
imagem interna ou externa decorrentes da instituição de Chefia do Estado ou de outras
conexas. Ela também acarreta consequências importantes a nível de sistema de governo,
conforme se depreende do quadro classificatório exposto no capítulo anterior.
164
E, por aqui também mais uma vez se confirma o interesse das distinções conceituais
enunciadas desde o início.
11 - Para além deste aspecto, pode ainda, contudo, encarar-se a república numa perspectiva
algo diversa - na perspectiva de uma democracia mais exigente e qualificada. Sendo nela o
poder do povo e constituindo o povo cidadãos livres e iguais, procura-se levar esta ideia até
ao fim, em total coerência. Pois, se a proscrição da hereditariedade se justifica por isso, então
outras consequências poderão e deverão estar-lhe ligadas, em nome do mesmo princípio
- do Princípio repubficano.
Não se trata apenas de eleger, e de eleger periodicamente; trata-se de eleger todos os titulares
de todos os órgãos políticos; e trata-se também, desde logo, de banir quaisquer
desigualdades, designadamente quaisquer privilégios de nascimento. Não se trata apenas de
eleger, directa ou indirectamente, o Chefe do Estado; trata-se ainda de qualquer cidadão
activo poder vir a ser eleito e de poder vir a ascender a qualquer magistratura.
165
111 - Mas, mais, o princípio republicano postula:
166
f) Após o exercício dos cargos, a não conservação ou a não atribuição aos antigos
titulares de direitos não conferidos aos cidadãos em geral (e que redundariam em
privilégios);
167
n.2 l)I. Significa isto que regra semelhante se não possa decretar ou aplicar a titulares
de outros órgãos do Estado, das regiões autónomas e do poder local?
3. Arts. 156.Q a 161% a respeito dos Deputados; art. 199.2, quanto aos membros do
Governo; art. 146.2, quanto aos Conselheiros de Estado; art. 224.2, quanto aos juizes
do Tribunal Constitucional.
4. Embora de jure condendo tal pudesse ser aconselhável, em nome ainda do princípio
republicano (conforme propusemos no nosso Projecto de Constituição, art. 259.2).
168
A Constituição não a imporá, mas tão pouco a impedirá: não a impedirá - desde que
observados os critérios gerais de proporcionalidade - enquanto lugar paralelo da
norma sobre reeleição do Presidente da República e enquanto decorrência do princípio
constitucional da renovação.
Nem procede contra este entendimento o regime das restrições de direitos, liberdades
e garantias, invocando-se que se estaria a abrir caminho a restrições ao direito de
eleger e ao de ser eleito (arts. 49..’ e 50.9) não previstas na Lei Fundamental (art. 18.o
, n.’ 2). Não seria assim, primo, porque a restrição se fundaria, em última análise, em
norma constitucional - o referido princípio do art.
12 I.L> - e, depois, porque é o próprio art. 5 V, n.2 3, da Constituição (introduzido em
1989) que dispõe ”no acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as
inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a
isenção e independência do exercício dos respectivos cargos”.
169
A Constituição actual não encerra preceito análogo, por força (mais uma vez) do princípio republicano
- da igualdade. Apenas circunstâncias históricas associadas à recente proclamação da república poderão
ter explicado os preceitos de 1911 e de 1933.
E DEMOCRACIA PARTICIPATIVA
1 - Assim como o referendo não afecta o essencial da democracia representativa, tão pouco a afecta
aquilo a que se vem chamando (por exemplo, no art. 2.2, in fine da Constituição desde
1982) democracia pafflcipativa.
Esta destina-se, sim, a complementá-la, a servir de estímulo crítico (contrariando até certas tendências
oligocráticas ou aristocratizantes dos govemantes, mesmo eleitos, e, em geral, da classe política) ou a
limitar o âmbito de decisão dos órgãos representativos do poder político. Só em alguns casos contados
vai um pouco mais além’ .
E no mesmo sentido, alargando a regra a todos os cargos politicos, iarn 0 art. 260.2 do nosso Projecto
de Constituição de 1975 e proposta que apresentámos (mas foi rejeitada) na Assembleia Constituinte (v.
Diário, cit.).
1. Cfr., além da bibliografia já citada sobre participação em geral, por exemplo, PIER LUIGI
ZAMPETTI, ”Demoerazia rappresentativa e democrazia partecipativa”, in Studi in memoria di Carlo
EspositO, obra colectiva, III, Pádua,
1973, págs. 1473 e segs.; J.R. LUCAS, Democracy and participation,
170
Londres, 1976; PIETRO CIARLO, ”La participazione dei lavoratori alla determinazione dell’indirizzo
político”, in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, 1977, págs. 1648 e segs.; MARIO P.
CHITI, Partecipazione popolare e pubblica amministrazione, Pisa, 1977; GOMES CANOTILHO e
VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada,
1. ed., Coimbra, 1978, págs. 459 e segs.; JORGE MI1LkNDA, A Constituição de 1976 - Formação,
estrutura, princípiosfundamentais, Lisboa, 1978, págs.
459 e segs.; MANUEL SANCHEZ MORAN, Laparticipación del ciudadano en la administración
publica, Madrid, 1980; JEANNE LEMASURIER, ”Vers une démocratie administrative: du refus
d’infonner au droit d’être informé”, in Revue du droit public, 1980, págs. 1239 e segs.; JOÃO
BAPTISTA MACHADO, Participação .... cit., págs. 69 e segs. e 95 e segs.; ARYEH BOTWINTER e
PETER BACHRACH, ”Democracy and Scarcity - Toward a Theory of Participatory Democracy”, in
International Political Science Review, 1983, pags. 361 e segs.; Citoyen et Administration, obra
colectiva ed. por Francis DeIpérée, Lovaina, 1985; GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional,
cit., págs. 428-429; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 1, 2.` ed., Coimbra,
1994, págs. 726-727.
172
III - Com a segunda dimensão, é uma mudança radical das relações entre
Administração pública e administrados que se realiza; é uma passagem da
Administração tradicional autoritária e burocrática para uma Administração aberta e
tendencialmente desencontrada e descentralizada que se regista; é a democracia
administrativa - a democracia estendida da função legislativa e da govemativa à
função administrativa - que se recorta.
174
176
177
parcelares - vindas dessas organizações; teria de o ser a título de presunção ou ficção
de vontade popular ou mesmo de representação, e não a título de governo directo pelo
povo.
Nas sociedades modernas para que haja liberdade política o único poder popular
parece ser o poder democrático de todos os trabalhadores e moradores do país, por
sufrágio universal, directo e secreto.
178
1. Sobre o assunto, cfr-, entre tantos, HARRY ECKSTEIN, ”Group Theory and the
Comparative Study of Pressure Group”, in Comparative Politics, obra colectiva, Nova
lorque, 1963, págs. 339 e segs.; K. LOEWENSTEIN, Teotia .... cit., págs. 422 e segs.;
JORGE ESTEBÁN, ”La representación de interesses Y su institucionalización: los
diferentes modelos existentes-, in Revista de Estudios Políticos, Set.-Out. de 1967,
págs. 43 e segs.; ROGÉRIO SOARES, Direito Público e Sociedade Técnica,
Coimbra, 1969, págs. 86 e segs.: G. LEIBHOLZ, Problemas fundamentales de la
democracia moderna, trad., Madrid, 1971, págs. 97 e segs.; G. BURDEAU, Traité...,
cit., 2.! ed., VII, Paris,
1972, págs. 559 e segs.; R. ZIPPELIUS, op. cit., págs. 111 e segs.; E. FORSTHOFF,
El Estado de Ia Sóciedad Industrial, trad., Madrid, 1975, págs.
199 e scgs.; KLAUS VON BEYME, ”Organizaciones sociales. Grupos de interesses.
Associaciones-, in Marxismo Y Democracia Politica, VI, trad., Madrid,
1975, págs. 1 e segs.; RAINER. EISFELD, Il pluralismo tra liberalismo e
179
11 - Sem embargo de algumas semelhanças entre este pluralismo social e o
corporativismo dos anos 30, 40 e 50 do século XX, não deixam de ser nítidas as
diferenças.
180
1. Cfr., sobre o assunto, KELSEN, La démocratie ..., cit., págs. 104 e segs.;
GEORGES BURDEAU, Traité .... VII, 2.<1 ed., Paris, 1973, págs. 459 e segs.;
CARL COHEN, op. cit., págs. 79 e segs.; JUAN FERRANDO BADíA,
182
Acrescente-se, para além de tudo, que não parece exacto qualificar a democracia
representativa como simplesmente formal, sem conteúdo. Ela tem um conteúdo:
precisamente o que é dado
e segs.
183
pela legitimidade, pela participação, pelo pluralismo e pela divisão de poder-
II - Coisas diferentes são as posturas que se adoptem ou que até sejam consagradas em
determinadas Constituições acerca da correlação da democracia representativa com
intenções e instituições de democracia social.
equivale a Estado sujeito ao Direito, porque não há Estado sem sujeição ao Direito no
duplo sentido de Estado que age segundo processos jurídicos e que realiza uma ideia
de Direito, seja ela qual for. Estado de Direitosó existe quando esses processos se
encontram diferenciados por diversos órgãos, de harmonia com um princípio de
divisão do poder, e quando o Estado aceita a sua
inaçao a crit
Sem entrar na análise quer da formação e evolução das instituições quer dos
problemas actuais que suscitam, devem figurar-se como postulados ou requisitos do
Estado de Direito (passíveis de graduação e de conformação específicas consoante os
sistemas políticos) os seguintes:
186
187
do cerne da democracia moderna à luz das respectivas pré-compreensões filosóficas e teóricas’.
1. Além das grandes obras clássicas, como as de ROUSSEAU (Du Contrat Social) ou de ALEXIS DE
TOCQUEVILLE (De Ia Déniocratie en Amerique), v., dentre autores dos últimos cinquenta anos,
CABRAL DE MONCADA, ”Valor e sentido da democracia”, 1930, in Estudos Filosóficos e
Históricos, 1, Coirabra, 1958, págs. 1 e segs.; DOMINGOS MONTEIRO, Bases da organização
política dos regimes democráticos - I - A organização da vontade popular e a criação da vontade
legislativa, Lisboa, 193 1; KELSEN, La démocratie - sa nature, sa valeur, cit., e General Theory of
Law and State, 1945, trad. portuguesa Teoria Geral do Direito e do Estado, Brasília, 1990, págs. 278 e
segs.; RUDOLPH LAUN, La démocratie - essai sociologique, juridique et de politique morale, Paris,
1933; JOSEPH SCHUMPETER, Capitalisni, Sócialisni and Democracy, 1942, trad. fi-ancesa
Capitalisme, Socialisme et Déniocratie, Paris, 1972, maxime págs. 354 e segs.; ALF ROSS, Why
Democracy?, trad. castelhana Por que democracia?; HENRY B. MAYO, An Introduction to
Democratic Theory, cit.; GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, 4. ed. portuguesa, 1, Coimbra,
1961, págs. 170 e segs.; GEORGES BURDEAU, La Déniocratie - Essai Synthétique, trad. portuguesa
A Democracia, Lisboa, 1962; HERBERT TINGSTEN, The Problems of Democracy, trad., Nova
lorque,
1965; C.J. FRIEDRICH, La Democracia comoforma politica y comoforma de vida, 2.L’ed. castelhana,
Madrid, 1966; JEAN LACROIX, Crise da democracia, crise da civilização, trad. portuguesa, Lisboa,
1968; CAROLE PATEMAN, Participation and Democratic Theory, cit., págs. 1 e segs.; PONTES DE
MIRANDA, Democracia, Liberdade, Igualdade, 2.9 ed., São Paulo, 1979, págs.
135 e segs.; DOROTHY PICKLES, Democracy, Londres, 1970; GlOVANNI SARTORI, Democrazia e
Definizioni, trad. fi-ancesa Théorie de la Démocratie, Paris, 1973 e ”Democrazia”, in Elementi di
Teoria Política, Bolonha, 1990, págs. 25 e segs.; BARRY HOLDEN, The Nature of Democracy,
Londres,
1974; CARL COBEN, Democracy, cit.; C.B. MACPIlERSON, ne Life and Times of Liberal
Democracy, 1977, trad. castelhana La Democracia Liberal y su Época, Madrid, 1991; BARBOSA DE
MELO, Democracia e Utopia, cit.; JUAN FERRANDO BADíA, Democracia frente a autocracia, cit.;
NORBERTO BOBBIO, C. OFF e LOMBARDINI, Democrazia, maggioranza e
188
Vamos resumir algumas (só algumas) das mais paradigmáticas ou significativas que foram propostas
nas últimas décadas: as de KELSEN, RUDOLPH LAUN, SCHUMPETER, ALF ROSS, RENÉ
CAPITANT, KARL POPPER e NORBERTO BOBBIO.
11 - Para KELSEN, a ideia de liberdade é o núcleo da democracia. A igualdade entra também, mas de
maneira negativa, formal e secundária: cada um deve ser o mais livre possível, logo todos devem-no ser
igualmente; cada um deve participar na formação da vontade geral, logo todos devem participar de
forma igual’. E existe uma relação entre a posição metafisica-absolutista do mundo e a autocracia e
entre a posição crítico-relativista e a democracia.
minoranze, cit.; RENE CAPITANT, Études Constitutionnelles, Paris, 1982, págs. 19 e segs.; GOMES
CANOTILHO, Constituição diligente e vinculação do legislador, cit., págs. 462 e segs.; Teorias de ia
Democracia, obra colectiva editada por M. GONZÁLEZ GARCíA e FERNANDO QUESADA
CASTRO, Barcelona, 1988; NORBERTO BOBBIO, Liberalismo e Democracia, trad. portuguesa,
Brasília, 1988, e ”Democracia e Paz”, in Balanço do Século, obra colectiva, Lisboa, 1990, págs. 25 e
segs,: KARL POPPER, Em busca de um mundo melhor, trad., Lisboa, 1989, págs. 141 e segs., e ”
Alguns problemas práticos da democracia”, in Balanço do Século, págs. 75 e segs.; RAMóN
COTARELO, En torno a Ia teoria de la democracia, Madrid, 1990; JOHN S. DRYZEK e JEI7FREY
BERERIKJAN, ---Reconstructive democratic theory”, in American Political Science Review, Março
1993, págs. 48 e segs.; ENZO SCIAIA, Interpretacióli de la democracia, trad. Madrid, 1994.
1. La Démocratie ..., cit., pág. 104. Em Teoria Geral do Direito e do Estado, KELSEN fala, porém,
numa síntese das ideias de liberdade e igualdade (págs.
278 e segs.)
189
LAUN define a democracia como o Estado cuja Constituição positiva não repousa sobre
direitos suprapositivos que possuam determinadas pessoas ou determinados grupos de
pessoas à competência da soberania ou a uma parte da competência da soberania. A
democracia é um Estado livre de direitos dogmáticos de domínio’ .
Para ALF ROSS, o tipo ideal de democracia corresponde à forma de governo em que as
funções políticas são exercidas pelo povo com um máximo de intensidade, efectividade e
latitude de acordo com os métodos parlamentareS3.
a) o princípio da autonomia, segundo o qual qualquer obrigação deve ser aceite por aquele
que lhe está adstrito;
b) 0 princípio da igualdade, segundo o qual ninguém pode obrigar outrem sem se obrigar
também a si mesmo a uma obrigação idêntica ou equivalente;
190
Por sua vez, KARL POPPER contrapõe àquilo a que chama a teoria clássica da democracia
uma teoria realista. Ela há-de ser o sistema em que os govemantes podem ser afastados do
poder sem violência, pacificamente, através do voto da maioria2.
E BOBBIO sustenta que a democracia é a forma de governo em que vigoram regras gerais (as
chamadas regras de jogo) que permitem aos cidadãos (como jogadores) resolver, sem recorrer
à violência, os conflitos que nascem inevitavelmente numa sociedade em que se formam
grupos cujos valores e interesses são contrastanteS3,4.
2. Alguns problemas práticos ..., cit, loc.cit., págs. 79-80. V. também H. MARCUSE e KARL
POPPER, Revolução ou Reforma? Uma Confrontação, Lisboa, 1974, págs. 33, 34 e 42.
191
111 - Seguindo o pensamento de KELSEN poderia quicá depreender-se que a
democracia não se carregaria de quaisquer valores. 0 relativismo dir-se-ia o seu
cunho próprio, o que não
seria correcto.
É porque todos os seres humanos são livres e iguais que devem ser titulares de
direitos políticos e, assim, interferir conjuntamente, uns com os outros, na definição
dos rumos do Estado e da sociedade em que têm de viver. É porque todos são dotados
de razã
o e de consciência (como proclama, por seu lado, a Declaração Universal) que eles
são igualmente chamados à participação cívica, capazes de resolver os seus problemas
não pela força, mas pelo confronto de ideias e - à falta de critério transcendente - pelo
seu sufrágio pessoal e livre.
193
A liberdade revela-se, portanto, do mesmo passo, fundamento e limite de democracia.
Revela-se fundamento, visto que a participação na condução dos destinos comuns
pressupoe a liberdade. E revela-se limite, visto que a democracia (insistimos ainda)
não pode pôr em causa a liberdade, e a maioria é sempre maioria de conjuntura, não
maioria definitiva, pronta a esmagar os direitos da
minoria’.
194
CAPITULO II
A ELEIÇÃO
E 0 REFERENDO
§ 1.2
A ELEIÇÃO
Por certo, quase todos os Estados europeus foram erguidos por dinastias que com eles
se identificavam e só no caso de uma dinastia se extinguir se recorria à eleição (que,
de todo o modo, nunca era considerada a fonte de autoridade do novo rei). Em
compensação, ainda muito depois de terminado o período estamental ou da
197
monarquia limitada pelas ordens subsistiram instituições municipais, de mesteres, de
universidades ou de ordens religiosas, em que o modo normal de selecção dos
dirigentes era a eleição.
Nada disto resiste, porém, a qualquer cotejo com o papel nuclear da eleição no
constitucionalismo moderno. Por outro lado, enquanto que as práticas e as normas
eleitorais antes se ofereciam extremamente heterogéneas, olhando para os dois
últimos séculos não custa divisar uma larga coincidência de regras e de técnicas
- mesmo se nem sempre (muito longe disso) traduzem opções pluralistas e um
autêntico alcance substantivo’.
198
11 - A estrutura de cada colégio eleitoral político espelha, como não podia deixar de
ser, o princípio representativo em que se apoia e determina, consequentemente, uma
regulamentação específica do processo de eleição (ou, por analogia, de referendo).
200
Assim, o sufrágio directo e individual traduz-se num colégio eleitoral homogéneo que
engloba a massa dos eleitores, geograficamente, porém, repartido em colégíos simples
(as assembleias ou secções de voto) e colégios já complexos (os círculos eleitorais).
As operações de voto desenrolam-se ao mesmo tempo em todo o país, mas é só nas
assembleias eleitorais, correspondentes de regra às menores circunscrições
administrativas, que os eleitores se encontram fisicamente congregados’.
Definir a relação entre colégio eleitoral e povo vem a ser, todavia, também questão
altamente problemática. 0 colégio eleitoral é órgão do povo? Representa o povo?
Deve considerar-se gestor de negócios do povo? Seja qual for a resposta a esta ou a
outras interrogações’, se os eleitos representam o povo todo - e não apenas os
cidadãos que os elegem ou os cidadãos com direitos políticos - parece indiscutível a
necessidade de explicar o acto de sufrágio como tendo a sua base nesse mesmo povo.
Não significa isto, porém, que a eleição valha como acto do povo, sem poder ser
tomada como acto do Estado. Há quem o sus-
202
Na realidade, a eleição, podendo ser acto do povo, tem de ser necessariamente - até
por isso mesmo - acto do Estado. Pois o povo, repita-se o que em diversas ocasiões se
disse, só se concebe dentro do Estado e mal se compreenderia que a designação de
titulares de órgãos do Estado ficasse estranha ou exterior ao Estado (o que se verifica,
muito pelo contrário, é o Estado organizar e disciplinar, através das suas leis e como
actividade que assume como sua, toda a actividade dos colégios eleitorais).
1912; LEÃO AZEDO, A questão eleitoral, Lisboa, 1915; F. A. HERMES, Democracy or anarchy?
A Study of the Proportional Representation, Indiana,
1941; M. DUVERGER, Linfluence des systèmes électoraux sur Ia vie politique, Paris, 1950;
CARLO LAVAGNA, -II sistema elettorale nella Costituzione italiana”, in Rivista Trimestrale di
Di),Itto Pubblico, 1952, págs.
849 e segs.; Comparative Politics, obra colectiva editada por Harry Eckstein e David E. Apter,
Nova Iorque, 1963, págs. 247 e segs.; DOUGLAS W. RAE, The Political Consequences of
Electoral Laws, New Haven, 1967 e 1971; A.J. MILNOR, Elections and Political Stability, Boston,
1969; ENID LAKEMAN, How Democracies Vote. A Study of Maiority and Proportional Electoral
Systems, Londres, 1970; J.M. COTTERET e CLAUDE EMERI, Les Systèmes Eléctoraux, Paris,
1970; DOMENICO FISICHELLA, Sviluppo democratico e sistemi elettorali, Florença, 1970;
NILS DIEDERICH, ”Elecciones. Sistemas electorales”, in Marxismo y Democracia, Politica 3,
Madrid, 1975, págs. 1 e segs.; DIETER NOI1LEN, Sistemas electorales del Mundo, cit.;
WILLIAM RIKER, ”The Two-party System and Duverger Law”, in The American Political
Science Review, 1982, págs. 753 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Os partidos políticos
no Direito Constitucional português, Braga, 1983, págs. 121 e segs. e 516 e segs.; RICARDO
LEITE PINTO, ”Democracia Pluralista Consensual”, in Revista da Ordem dos Advogados, 1984,
págs. 266 e segs.; PAULO BONAVIDES, op. cit., págs. 293 e segs.; ANDRÉ GONÇALVES
PEREIRA, Sistema eleitoral e sistema de governo, Lisboa, 1986; GlOVANNI SARTORI, ”Sistemi
elettoraW, in Elementi ..., págs. 237 e segs. e Ingegnaria costituzionale comparata, 2. ed., Bolonha,
1995, págs. 17 e segs.; Sistema elettorali e governo locale, obra colectiva editada por SILVIO
GAMBINO, Roma, 1991; ANDREW REEVE e ALAN WARE, Electorale Systems - A
comparative and theoretical introduction, Londres e Nova Iorque, 1992; LUíS SÁ, Eleições e
igualdade de oportunidades, Lisboa, 1992, págs. 85 e segs.
V. também o Projecto de Código Eleitoral publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.2 364
(de que há separata, Lisboa, 1987).
204
Em sentido restrito, é a forma de expressão da vontade eleitoral, o modo como a vontade dos eleitores
de escolher este ou aquele candidato, esta ou aquela lista, se traduz num resultado global final, o modo
como a vontade (psicológica) de cada eleitor ou do conjunto dos eleitores é interpretada ou
transformada na vontade eleitoral (vontade jurídica que se traduz, nomeadamente, na
distribuição dos mandatos ou lugares no Parlamento).
entação política.
Para qualquer tipo de eleição - geral ou local, política ou não política, do Presidente da República ou do
Parlamento - tem de ser definido o respectivo sistema eleitoral, mas esta definição tem-se tomado
sobretudo objecto de análise e discussao a respeito da eleição dos membros das assembleias políticas.
Pois, embora os deputados representem todo o povo, pode haver diferentes valorações jurídicas das
Correntes políticas que se manifestam através do sufrágio.
205
0 que é a vontade eleitoral? Ela identifica-se matematicamente com a vontade da
maioria ou, independentemente da distinção entre maioria e minoria, o
eleitorado pode entender-se cindido em tantos colégios eleitorais ideais ou
abstractos quantos os partidos ou tendencias que, de harmonia com a lei
eleitoral, conseguem estar presentes no Parlamento?
III - Antes de mais, um sistema eleitoral (em sentido restrito) assente num
determinado colégio eleitoral: devem os deputados ser eleitos por um colégio
único nacional ou por uma pluralidade de colégios, recortados, em regra, numa
base territorial (círculos eleitorais)?
Reporta-se, depois, ao objecto da eleição: por cada colégio deve ser eleito um ou
mais deputados?
206
1 - Se o sufrágio for uninominal (um deputado por colégio) o sistema será sempre de
representação maioritária. E considerar-se-á eleito o candidato com maior número de
votos, quer seja suficiente, desde logo, a maioria relativa - é o sistema britânico
(thefirst-past-the-post system) - quer se exija a maioria absoluta e, consequentemente,
se tenha de proceder a segunda volta ou segundo turno se ela não se verificar na
primeira volta - é o sistema da 111 e da V Repúblicas francesa (ou se não existir o
chamado voto alternativo ou preferencial como sucede na Austrália).
Se, porém, o sufrágio for plurinominal (vários deputados por colégio), já terá de se
escolher entre um destes sistemas fundamentais - representação maioritária, de
minorias ou proporcional - ou de se encontrar um sistema misto.
1. Nos Estados Unidos é adoptada para a eleição dos eleitores presidenciais, mas aí
por uma razão: por causa da estrutura federal, para no colégio eleitoral presidencial se
manifestar a representação dos Estados. Nem por isso se evitam desequilíbrios.
207
111 - A representação de minorias assume as seguintes modalidades:
b) Voto único não transferível, em que cada eleitor vota num único candidato e são
eleitos os candidatos que, no conjunto do colégio, obtiverem maior número de votos;
c) Voto cumulativo, em que cada eleitor tem tantos votos quantos os mandatos
correspondentes ao colégio e em que pode conferi-los a um mesmo candidato, e, deste
modo, a minoria irá concentrar os seus votos nos candidatos que calcula poder eleger.
Como se vê, estes sistemas eleitorais têm de comum a sua natureza empírica e
probabilística. 0 sistema de voto limitado atribui à minoria certa representação a
priori, sem indagar do seu exacto peso e, quando a maioria for considerável, esta
poderá até desdobrar-se para lograr também a representação concedida à minoria. Os
outros dois sistemas eleitorais requerem, para fancionar, a efectiva realização do
comportamento dos eleitores que pressupoem.
208
Não admira, pois, que, salvo o sistema de voto único vigente no Japão, a
representação das minorias esteja por toda a parte abandonada.
IV - Pelo contrário, a representação proporcional possui (ou julga possuir) uma índole
científica e orgânica, com base no princípio, aliás muito simples, da correspondência
entre o número de sufrágios obtido por cada lista (ou partido) e o número de mandatos
no Parlamento de que dispõe.
No critério do divisor comum (cuja melhor expressão é o sistema da média mais alta
de Hondt), as cifras de votos obtidos por
209
cada lista são sucessivamente divididas por 1, 2, 3, ... (ou por 1, 1,5,
2, etc.) e os quocientes apurados dispostos por ordem decrescente; os mandatos do
círculo caberão então às listas a que pertencerem os quocientes mais elevados das
divisões assim efectuadas.
210
0 sistema propicia, no entanto, um mais directo contacto entre eleitores e eleitos, uma
maior responsabilização destes e, sobretudo, a simpificação da vida política do país
com a inerente vantagem da estabilidade governamental.
211
111 - Por seu turno, só a representação proporcional leva à constituição de uma assembleia à
imagem do eleitorado, na qual tomem assento todas as tendências políticas significativas do
país.
Ao pa .sso que a representação maioritária, diz-se, não confere aos cidadãos senão o direito
de votar, a representação proporcional concede-lhes também o direito de eleger, o de eleger
os candidatos do grupo ou partido da sua escolha, assegurando uma igualdade de facto entre
todos eles. Mas foi sustentado pelos teóricos do governo representativo clássico que assim
acaba por se dar uma representação de cada cidadão (ou partido) contrária ao princípio da
soberania nacional.
212
É difícil dizer em geral qual destas funções há-de prevalecer. Importa situá-las em cada
ordenamento em concreto.
11 - Em 1951 MAURICE DUVERGERI formulou três ”leis”, que ficariam célebres e que
assim podem ser resumidas: UI) a representação maioritária a uma volta provoca o dualismo
de
1. Em Les Partis Politiques. Na 6.4 ed., Paris, 1967, pág. 237 e segs.
213
partidos rígidos; 2.!) a representação proporcional provoca partidos múltiplos e
independentes; 3.2) a representação maioritária a duas voltas leva ao
multipartidarismo temperado por alianças eleitorais.
Em especial, DOUGLAS RAE mostraria que a maior parte dos sistemas eleitorais
favorece os grandes partidos e penaliza os menores, embora sem pôr em causa os
diferentes efeitos de representação maioritária e de representação proporcional.
Por’outro lado, chamaria a atenção para a dimensão dos círculos’, para o contraste
entre os sistemas com círculos pequenos (sistemas uninominais ou com número
restrito de eleitos) e os demais sistemas: a proporcionalidade aumenta com a
magnitude dos círculos eleitoraiS2.
4. Entre nós, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA (op. cit., pág. 11) adianta várias
hipóteses de trabalho, entre as quais as que se prendem com o funcionamento
214
111 - Desde que tomadas em termos não deterministas e não mecanicistasl, as leis de
DUVERGER, com as correcções e os complementos acabados de indicar (e outros,
porventura) oferecem o maior interesse. Mas os sistemas eleitorais influenciam tanto
os sistemas de partidos e os sistemas políticos em geral quanto são por eles
influenciados e, em última análise, têm de ser compreendidos à luz da cultura
cívica dominante em cada país.
1. Basta lembrar países com sistemas maioritários e com mais de dois partidos
significativos (assim, várias vezes, o Canadá) e países com sistemas proporcionais e
tendência para o bipartidarismo (assim, a Alemanha Federal e, entre 1987 e 1995,
Portugal).
215
espírito compromissório. Não por acaso, ao longo deste século, tem dominado na maior parte
dos países do Continente europeu e tem sido sempre adoptada por novas democracias.
A meio, de certa maneira, fica a representação maioritária a duas voltas ou dois turnos, à
francesa.
E) As Constituintes de 1911 foram eleitas com um sistema misto: nos círculos de Lisboa e
Porto, representação proporcional de harmonia com o método de Hondt; no Ultramar,
sufrágio uninominal; nos restantes círculos, sufrágio plurinominal com listas incompletas.
216
218
”Uma das características essenciais desta alternativa consiste na divisão dos círculos
eleitorais parciais em tantas circunscrições de candidatura, quantos os mandatos que
lhe caibam, as quais correspondem a áreas de autarquias locais ou seus ajuntamentos,
de modo a abranger um número de eleitores o mais aproximado possível entre si; o
mapa das circunscrições é elaborado pela Comissão Nacional de Eleições; e os
mandatos são conferidos aos candidatos segundo a ordem decrescente das
percentagens sobre o número total de votos validamente expressos por eles obtidos
nas respectivas circunscrições.
”Este processo permite um contacto mais estreito entre eleitores e eleitos e aumenta,
de forma significativa, o poder de escolha dos cidadãos. Em compensação, e para
permitir que os partidos políticos mantenham uma certa margem de previsão da
composição dos respectivos grupos parlamentares, no círculo eleitoral nacional os
mandatos (sessenta e seis) continuam a ser atribuídos segundo a ordem de precedência
na lista.
219
”Por cada círculo eleitoral local, é eleito um só Deputado mas não se quebra o
princípio da proporcionalidade, visto que:
1 - nenhum partido pode apresentar candidaturas nos círculos eleitorais locais se não
apresentar, simultaneamente, candidaturas no círculo eleitoral nacional;
2 - os mandatos obtidos pelas diversas candidaturas nos círculos eleitorais locais não
podem exceder o número de mandatos que caberiam às mesmas candidaturas no
conjunto daqueles círculos por aplicação do método de Hondt, sendo-lhes subtraídos,
se tal se verificar, os mandatos correspondentes aos círculos eleitorais locais em que
tenham obtido menor percentagem relativamente ao número total de votos
validamente expressos.
220
”Assim, o território de cada uma das regiões autónomas constitui um único círculo
eleitoral, que se divide em circunscrições de candidatura em número igual ao dos
Deputados a eleger; este é fixado em cinquenta.”
Estas propostas não tiveram seguimento até agora, se bem que no contraditório
político e em debates acadêmicos a questão da refonna do sistema eleitoral da
Assembleia da República apareça frequentemente, inclusive em projectos de revisão
constitucional.
1 - A matéria das eleições (das eleições das Cortes) teve largo desenvolvimento nas
Constituições de 1822, 1826 e 1838, em capítulos próprios (arts. 32.2 a 74.2, 63.2 a
70.L> e 71.2 a 79.2, respectivamente). Já não nas Constituições de 1911 e 1933, que,
afora certas normas sobre a eleição do Presidente da República (arts. 38.2 e segs. e
72.L’ e segs.), remeteram para lei especial a organização dos colégios eleitorais e o
processo de eleição dos membros do Parlamento (art. 8.2, § único e art. 85.2, § 1.9).
3. V., por exemplo, Que reforma eleitoral?, obra colectiva ed. pela Comissão
Nacional de Eleições, Lisboa, 1992.
221
A Constituição de 1976 não se limita a contemplar de novo aspectos versados nas
Constituições do século XIX. Vai muito além, quer no plano dos preceitos, quer na
tentativa de explicitação de princípios gerais; e isto quer por considerações de ordem
técnico-jurídica, quer por considerações de ordem política, ligadas a uma mais clara
afirmação das regras de democracia representativa e à defesa contra as
desvalorizações do voto que se deram durante o Estado Novo e por parte de certos
sectores político-militares, em 1975.
0 exercício do sufrágio é pessoal (art. 49.9, n.9 2) - o que exclui qualquer tipo de
representação ou procuração, conquanto
222
111 - Regras gerais sobre as eleições políticas, em termos institucionais, são as que
estipulam:
- 0 carácter oficioso, permanente e único para todas as eleições por sufrágio directo e
universal do recenseamento eleitoral (art. 116.% n.2 2).
224
- Os titulares dos órgãos colegiais representam toda a colectividade - todo o país, toda
a região autónoma, toda a autarquia - e não os círculos por que são eleitos, quando por
eles sejam eleitos (art. 152.9, n.2 3).
c) Eleições das comissões de trabalhadores (art. 54.% n.2 2), dos dirigentes
sindicais (art. 56.9, n.2 3) e das comissões de moradores (art. 264.% nY 3) e,
implicitamente, por força da adopção do princípio da democraticidade interna,
eleições para os órgãos dos partidos (art. 51.2, n.2 1), das cooperativas (art. 61.2,
n.9 2) e das associações públicas (art. 267.2, n? 3).
Fácil é de ver que estas eleições possuem natureza diversa das eleições para os
órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local. Se as eleições
mencionadas em a) e b) são também políticas, enquanto se reportam a interesses
gerais, elas não constituem vínculos de representação política: por exemplo, os
juizes do Tribunal Constitucional não representam o Parlamento; são, por
definição, independentes dele, e o mesmo se diga dos presidentes eleitos pelos
titulares de qualquer órgão (quer dizer, a eleição esgota-se na mera designação).
Quanto às eleições mencionadas em c), elas decorrem em grupos existentes na
sociedade civil, ainda que em contacto com o Estado, e só vêm a ser políticas
pelas implicações que adquirem.
226
1) marcação de eleições;
2) apresentação de candidaturas
3) campanha eleitoral; 5
227
São regras tradicionais do nosso contencioso eleitoral duas: que as
irregularidades ocorridas no decurso da votação e do apuramento apenas podem
ser apreciadas em recurso, desde que hajam sido objecto de reclamação ou
protesto apresentado no acto em que se tenham verificado (assim, por toda a
legislação actual, o art.
117.9 da Lei ri.!’ 14/79, de 16 de Maio); e que a votação em qualquer assembleia
de voto (ou em qualquer círculo eleitoral) só é julgada nula, implicando a sua
repetição, quando as irregularidades possam influir no resultado geral da eleição
(art. 119.2 da mesma Lei n.2 14/79).
228
VIII - A par dos tribunais existe desde 1974 (salvo durante um pequeno lapso de
tempo) a Comissão Nacional de Eleições.
Nem por isso o nosso sistema se converte num sistema misto. Pode falar-se, sim,
num sistema complexo, com um duplo controlo dos procedimentos eleitorais -
jurisdicional e administrativo. A separação afigura-se clara e, se não é completa,
é apenas porque os tribunais ainda possuem certas competências materialmente
administrativas (as atinentes à apresentação das candidaturas) - ao passo que a
Comissão Nacional de Eleições deixou de exercer, em 1982, o poder de suspensão
do direito de antena dos partidos, por se reconhecer que ele era de natureza
jurisdicional. Aliás, das decisões da Comissão Nacional de Eleições há recurso -
ainda um contencioso administrativo constitucional - para o Tribunal
Constitucional [art.
9.!’, alíneaj) da Lei nY 28/82, de 15 de Novembro].
229
IX - 0 Direito eleitoral político constante da Constituição e da lei serve de direito
subsidiário da regulamentação de quaisquer outras eleições, públicas ou
privadas, que decorram no âmbito da ordem jurídica portuguesa. E há alguns
princípios constitucionais tão essenciais que se lhes aplicam directamente.
São tais princípios, pelo menos: o do sufrágio universal e igual relativamente aos
membros da categoria ou comunidade a que se reporte a eleição; o do sufrágio
secreto (como, de resto, a Constituição explícita para as eleições em grupos que
regula, as das comissões de trabalhadores, das associações sindicais e das
comissões de moradores); o princípio de sufrágio periódico; o da liberdade e da
igualdade de propaganda; o da jUnsdicionalidade da apreciação (ou da última
apreciação) dos recursos eleitorais, e, talvez, o da representação proporcional
para efeito de eleições de assembleias.
230
§ 2.2
0 REFERENDO
”Le référendum et de système parlementaire”, in Revue politique et parlementaire, 193 1, págs. 304 e
segs.; CARRÉ DE MALBERG, ”Considérations théoriques sur Ia question de Ia combinaison du
référendwn et du parlementarisme”, in Revue du droit publie, 193 1, págs. 225 e segs.; MAURICE
BATELLI, Les institutions de démocratie directe en droit suisse et comparé moderne, Paris, 1931;
AFONSO COSTA, FILHO, Parlamentarismo, Dissolução, Referendum, Lisboa, 1936; GEORGES
FERRIÈRE, ”Dissolution et référendum”, in Revue du droit public, 1946, págs. 411 e segs.;
TEMISTOCLE ~TINES, Il referendum negli ordinamenti particolari, Milão, 1960; JEAN-MARIE
GARRIGOU-LAGRANGE, ”Le dédoublement constitutionnel - Essai de rationalisation de Ia pratique
référendaire de Ia V.è1e République”, in Revue du droitpublic, 1969, págs. 641 e segs.; BERVÉ
DUVAL, LEBLANC- DECHO1SAY e PATRICK MINOU, Référendum et P1ébiscite, Paris, 1970;
CIRO LIPARTITI, ”Plebisciti”, in Novissimo Digesto Italiano, XII1, págs. 133 e segs.; CARMELO
CARBONE, ”Referendun’, in Novissimo Digesto Italiano, XIV, págs. 106 e segs.; JULIAN
SANTAMARíA, ”Participación politica y democracia directa”, in Estudios de Ciencia Politica y
Sociologia - Rómenaje al Profesor Carlos Ollero, Madrid,
1972, págs. 743 e segs.; EUGENIO DE MARCO, Contributo allo studio del referendum nel diritto
publico italiano, Pádua, 1974; JEAN-MARIE DENQUIN, Référendum et P1ébiscite, Paris, 1976;
PETER SALADIN, ”Le référendum populaire en Suisse”, in Revue internationale de droit comparé,
1976, págs. 331 e segs.; JEAN-FRANÇOIS PRÉVOST, ”Le droit référendaire dans 1’ordonnancement
juridique de Ia Constitution de 1958”, in Revue du droit Public, 1977, págs. 5 e segs.; Referendums -A
Comparative Study of Practice and Theory, obra colectiva editada por DAVII) BUTLER e AUSTIN
RAUNNEY, Washington, 1978; ANGELO MATTIONI, ”Considerazioni sul referendum nella
organizzazione costituzionale”, in Il Politico, 1979, págs.
232
quer patrícios. Por seu lado, na Idade Média, os procuradores do povo, quando chamados a participar
em decisões para além dos seus poderes ou instruções, faziam-no sob reserva de confinnação, ou seja,
ad referendum (e esta expressão subsiste na prática internacional, na conclusão de tratados).
496 e segs.; PEDRO CRUZ VILLALON, ”El referendura consultivo como modelo de racionalización
constitucional”, in Revista de Estudios Politicos, n.9 13, Janeiro-Fevereiro de 1980, págs. 145 e segs.;
MICHELE GUILLAUME-HOFNUNG, ”L’expérience italienne du référendum abrogatif’, in Revue
internationale de droit comparé, 1983, págs. 108 e segs.; ACHILLE CHIAPTETTI, ”Plebiscito”, in
Enciclopedia del Diritto, XXXIII, págs. 945 e segs.; ÁLVARO MARQUES e THOMAS B. SMITH, ”
Referendums in the Third World”, in Electoral Studies, 1984, págs. 85 e segs.; Référendum, obra
colectiva sob a direcção de Francis DeIpérée, Bruxelas, 1985; JEAN-LOUIS QUERMONE, ”Le
référendum: essai de typologie prospective”, in Revue du droitpublic, 1985, págs. 577 e segs.; ERNST-
WOLFANG BõCKENFõRDE, ”Democrazia e rappresentanza”, in Quaderni Costituzionali, 1985,
págs. 227 e segs.; RICARDO LEITE PINTO, Referendo local e descentralizaçâo política, Coimbra,
1988; Referendum e Democrazia e Referendum, obras colectivas, Roma-Bari, 1992 e 1994; LUíS
BARBOSA RODRIGUES, 0 referendo português a nível nacional, Lisboa, 1993, págs. 19 e segs.;
FRANCIS HAMON, Le référendum - Étude comparative, Paris, 1995.
233
111 - Entre estas, apontem-se:
Satisfatório não julgamos nenhum destes critérios. E como o acto do povo é, em si,
sempre o mesmo, tão-pouco divisamos
234
grande interesse na dicotomia. Por isso e porque é este o termo hoje mais divulgado,
preferimos falar aqui apenas em referendo.
0 instituto do referendo só existe quando os cidadãos não podem - pelo seu número,
pela extensão do território, pela complexidade dos problemas ou por outros factores -
estar fisicamente todos presentes, ao mesmo tempo, numa assembleia para deliberar
ou emitir um juizo; só existe quando, não podendo
235
haver assembleias orgânicas de cidadãos, se tem de recorrer ao sufrágio em múltiplas
assembleias de voto simultâneas.
236
237
cados certos pressupostos constitucionais ou legais, e referendo dependente de uma
livre iniciativa de certos órgãos ou sujeitos);
li) Referendo suspensivo e resolutivo (ou seja, referendo de cujo resultado positivo
depende a perfeição ou a eficácia de um acto ou de que depende a cessação dessa
eficácia ou da vigencia das normas seu conteúdo).
e 1780), mas foi em França um pouco depois que surgiram as suas primeiras - e
contraditórias - elaborações político-constitucionais específicas.
riúiria para que, por reacção nos países influenciados pelo constitucionaliSmo francês,
durante muitas décadas, ele fosse repudiado. Por motivos diferentes (ligados ao bom
funcionamento das suas instituições), algo de semelhante ocorreria nos países
pertencentes às famílias constitucionais britânica e norte-americana.
Entretanto, no século XIX (tal como já sucedera em finais do século anterior) recorre-
se a votações populares, a plebiscitos, não tanto em nome do princípio democrático
quanto em nome do princípio das nacionalidades, para a formalização de mutações
territoriais: assim a anexação das ilhas Jónicas pela Grécia, a do Eslésvigo do Norte
pela Prússia e alguns momentos da unificação italiana.
111 - Na passagem do século XIX para o século XX, o avanço das ideias
democráticas, a extensão do suftágio e algum desencanto
240
Mais recentemente, ele consta da Constituição sueca de 1974, da espanhola de 1978 (com
referendo consultivo político e referendo obrigatório para revisão de princípios
constitucionaios fundamentais), da equatoriana de 1979, da brasileira de 1988 (com
referendo legislativo e, em 1993, plebiscito para escolha entre república e monarquia e entre
presidencialismo e parlamentarismo) ou da santomense de 19901.
242
Tal como a eleição, o referendo, em sistemas não pluralistas, não pode traduzir uma opção
livre e aberta as diversas correntes de opinião - o que não significa que não possa
desempenhar um papel de relevo ao serviço de finalidades precisas (afirmação da unidade
política, legitimação e reforço do poder dos govemantes, superação de
antagonismos culturais, religiosos ou etnicos, efeitos para o exterior).
243
A sua antenticidade tem sido, contudo, bastante variável, em face das circunstâncias,
dos estádios de desenvolvimento sociocultural e dos sistemas políticos envolventes,
mais ou menos pluralistas.
e segs.
2. Esta ideia, segundo o autor, poderia interessar o país na manutenção das suas
instituições políticas e daria a estas a força da opinião e o prestígio do sufrágio
popular. Seria de admitir a delegação ordinária dos interesses comuns, mas para
alterar a Constituição (em virtude da qual existem os poderes do Estado), pacto
fundamental (que estipula os direitos da nação e as atribuições do poder) só pelo
expresso consenso da nação se deveria julgar perfeita a reforma. ”A soberania popular
é inalienável. Deixaria de o ser se por uma delegação especial e sem ratificação,
pudesse ser alterada nestes pontos a sua Constituição política.
244
iria a obt .er, nessa altura, consagração no nosso Direito. Numa perspectiva
descentralizadora e municiplalista, o rta. 66.2, n.2 4. da Constituição de 1911
instituiu-o, embora nos termos que a lei determinasse.
veu
0 referendo, escre então MARNOCO E SOUSA, permitiria ao povo disciplinar
e orientar a administração local. E, assim, a Lei nY 88 de 7 de Agosto de 1913 previu
a intervenção obrigatória dos eleitores da paróquia relativamente a certas deliberações
das respectivas juntas e a intervenção facultativa dos eleitores do município a pedido
de 1/10 deles para se tomarem executórias Certas deliberações das respectivas
câmaras; e a Lei n.9 621, de 23 de Junho de 1916, estabeleceu o referendo obrigatório
para a criação de novas freguesias ou concelhos.
Contudo, essa mesma Lei n.2 88 e outras, mais restritivas, admitiram igualmente a
simples intervenção dos corpos administrativos de escalão inferior para confirmação
de actos de outros corpos administrativos.
245
Ill - 0 regime sa;do da revolução de 1926 não convocou uma assembleia constituinte
para a feitura da sua Constituição. Ao invés, foi o Govermo (na realidade, Oliveira
Salazar) que elaborou um projecto e que o apresentou, primeiro, a discussão pública
em
1932 e, depois, a ”plebiscito nacional” em 1933.
caminho do referendo.
0 instituto introduzido nestes termos era harmónico não apenas com a origem
plebiscitária da Constituição (como salientou a Câmara Corporativa, em parecer
relatado por Fezas Vital) como, sobretudo, com a postura antiparlamentarista do
regime e com o intuito de concentração de poderes. Compadecia-se ainda com um
entendimento latíssimo da intervenção e da iniciativa presidencial.
247
0 intuito de não fazer da’Assembleua Nacional um corpo político de posição superior a dos
outros corpos políticos (porque nenhum outro feria as suas prerrogativas) ganharia maior
força diante de proposta de alteração constitucional que reduzisse, se rejeitada por ela, ou
diante de projecto de alteração que as aumentasse, aprovado por ela. Neste segundo caso, a
oposição Chefe do Estado, em vez de revestir a forma recusa de promulgação com o
consequente reenvio decreto com as alterações a Câmara, viria revestir a forma de veto
translativo, na medida que transferia para o eleitorado a decisão
Este referendo nunca foi regulamentado, nem aplicado. Nem houve necessidade de o pôr em
prática.
248
249
Eram: o referendo a nível local, de que poderiam ficar dependentes, por força da lei, as
deliberações dos órgãos representativos das autarquias e das regiões (art. 149.2, n.2 2, do
projecto do Partido Popular Democrático); o referendo sobre leis já aprovadas, excepto em
matéria de impostos, por deliberação da Assembleia Legislativa por maioria de dois terços
(art. 93.2 do projecto do Centro Democrático Social); o direito de 50.000 eleitores
apresentarem um projecto de lei perante o Parlamento (art. 92.2 do projecto do Partido
Socialista); e a iniciativa legislativa e o parecer das organizações populares (arts. 103 e 104.
£’ do projecto do Partido Comunista Português)’.
Meses depois, aquando das negociações com vista a 2Y Plataforma de Acordo Constitucional
entre os Partidos e o Movimento
das Forsas Armadas, um dos partidoS2 chegou ainda a propor que a Constituição fosse
submetida a referendo nos 15 dias imediatos ao decreto de aprovação da Assembleia
Constituinte; em caso de rejeição, continuariam em vigor as leis constitucionais vigentes,
tendo o Parlamento a eleger até 25 de Abril de 1976, poderes constituintes 3.
111 - A questão do referendo voltaria a ser discutida - muito mais intensa e dramaticamente -
a propósito das alterações a fazer na Constituição de 1976, sobretudo em 1980, no termo da
L! legislatura e do 1.2 mandato presidencial.
1. Projecto de Lei n.!’ 501-1, e Proposta de Lei &’ 365-1, in Diário da Assembleia da
República, 2. série, U legislatura, 4. sessão legislativa, n.05 69 e 74, respectivamente.
251
0 referendo serviria para enfrentar a questão dos limites materiais da revisão
constitucional, pois só o povo, titular da soberania, os poderia ultrapassar; ou para
vencer o bloqueamento ideológico que a Constituição traria consigo; ou para eliminar
a regra da maioria qualificada de dois terços para a aprovação de alterações a
Constituição; ou, ainda, na hipótese de não se formar na Assembleia da República a
maioria qualificada exigida no art. 286.2 para viabilizar a própria revisão. Sendo,
embora, diversas as funções esperadas do referendo, era comum a fundamentação: o
princípio democrático - por o povo, por direito natural (segundo alguns), estar acima
da Constituição e esta mesma apelar para a participação directa e activa dos cidadãos
na vida pública (arts. 48.2 e 112.2).
Mas a fraqueza jurídica dos argumentos era notória, a face dos cânones gerais de
interpretação e das regras básicas do constitucionalismo ocidental (em que todo o
poder público tem de estar previsto e contido em regras jurídicas e em que prevalecem
os mecanismos representativos e pluralistas sobre os de democracia directa).
252
E percebe-se porque:
Previa também o projecto, para o novo art. 142.L, referendo sobre ”questão de
relevante interesse nacional-, se e nos termos em que isso fosse solicitado ao
Presidente da República pelo Governo e pela Assembleia da República com
deliberação aprovada por maioria de deputados em efectividade de funções.
253
2.2 - por se considerar mais prudente começar pelo referendo a nível local, sobre
matérias mais concretas e imediatas, antes de se passar ao referendo a nível nacional -
e, efectivamente, a Assembleia consagrou-o’.
2. Vindo dos projectos de revisão dos deputados dos partidos da Aliança Democrática
e da Frente Republicana e Socialista.
254
1 - 0 referendo político nacional tem a sua sede constitucional básica no art. 118.2,
que se situa nos Princípios Gerais da Organização do Poder Político (título 1 da parte
111 da Lei Fundamental).
0 novo preceito substitui - o que se entremostra bem significativo do desenvolvimento
constitucional operado desde 1976 - outro, sobre organizações populares de base
territorial (de resto, aí mal colocado, porquanto essas organizações, doravante
chamadas organizações de moradores, apenas participavam e participam no exercício
do poder local).
255
11 - A esta luz, são os seguintes os traços essenciais do regime do referendo político
nacional:
b) 0 referendo tem por objecto questões que devam ser decididas pela Assembleia da
República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de
acto legislativo (art. 118.9, n.2 2, 2. parte); não tem por objecto, directamente, essa
aprovação;
256
258
259
Enfim, por isso mesmo, o referendo encontra-se na dependência da maioria
parlamentar - embora não de modo absoluto, visto que só pode efectuar-se se o
Presidente da República concordar. E, ainda que o Presidente políticamente
esteja em sintonia com a maioria parlamentar, e de supor que a sua postura
independente dentro do sistema o leve a impedir que o referendo se converta em
meio de reforço da maioria ou do Governo em detrimento do equilíbrio geral.
dade. Para que não parece que possa servir e para arma da minoria contra a
maioria; a minoria, a oposição terá de buscar noutras instâncias a forma de
garantir os seus direitos ou de se afirmar como alternativa.
260
b) Tem de haver uma deliberação, não exite um direito potestativo de qualquer titular
ou grupo de titulares do órgão da autarquia local de favorecer a realização do
referendo;
c) Essa deliberação pode resultar tanto de iniciativa interna no seio do órgão como de
iniciativa popular (embora a Lei n.9 49/90 não preveja esta, nada impediria que o
fizesse quer pela letra do art. 241 -9, n.Q 3, quer, sobretudo, por força de cláusula
aberta de direitos fundamentais do art. 16.9, n.2 1 da Constituição;
261
e) Um órgão deliberativo não pode promover um referendo sobre matérias da
competência de um órgão executivo, ou vice-versa;
j) Apesar do nome, a votação popular tanto pode revestir eficácia consultiva quanto
deliberativa; a lei é que a fixa e pode estabelecê-la diversamente consoante os casos
ou atribuir aos órgãos autárquicos competentes o poder de a definir no momento da
correspondente deliberação.
0 art. 5.2 da Lei n.2 49/90 fixa, porém, eficácia deliberativa sempre.
262
CAPíTULO 111
PARTIDOS POLITICOS
53. NOÇÃO DE PARTIDOS POUTICOS
1. Sobre os partidos em geral, em perspectiva de Ciência Política, v., por exemplo, MOISEI
OSTROGORSKI, La démocratie et les partis politiques,
1902; ROBERTO MICHELS, Zur Soziologie der Parteiwesens in der Modernen Dernokratie, 1911
(consultámos a edição francesa Les Partis Politiques, Paris, 197 1); MAURICE DUVERGER, Les
Partis Politiques, cit.; IVOR JENNINGS, Partiy Politics, 2 vols., Cambridge, 1960 e 1961; GUIDO
VESTUTI, II Partito Politico - Uma introduzione critica, Milão, 1962; E.E. SCHATTSCI1NEIDER,
Party Government, trad. castelhana Regimen de Partidos, Madrid, 1964; Modern Political Parties,
obra colectiva ed. por SIGMUND NEUMANN, trad. castelhana Partidos Polhicos Modernos, Madrid,
1965; PIER LUIGI ZAMPETTI, Dello Stato liberale allo Stato der partiti, Milão, 1965; Political
arties and Political Development, obra colectiva editada por JO§EPH LA PALOMBARA e MYRON
WE1NER, reimpressão, Princeton, 1972; PABLO LUCAS VERDU, Principios de Ciência Politica,
111, 2.` ed., Madrid, 1974; GlOVANNI SARTORI, Parties
265
Em sentido amplo, o partido vem a ser qualquer agrupamento de indivíduos destinado
a conquistar, exercer ou conservar o poder político. Em sentido restrito pode definir-se
(sem excessivo rigor) como a associação de carácter permanente organizada para a
intervenção no exercício do poder político, procurando, com o apoio popular, a
realização de um programa de fins gerais.
266
A noção restrita corresponde a um espécie deste gênero tão fluído e tão variável. É a
espécie de partidos própria dos séculos XIX e XX - com o progresso da educação e da
consciência cívica, por um lado, e maiores tensões ideológicas e sociais, por outro
lado e da democracia liberal e representativa - em que se institucionaliza a luta
pacífica pelo acesso aos cargos govemativos. Mas a fórmula seria igualmente
adoptada por regimes não liberais, com alcance e contexto diversos.
- 1.
267
d) Serviço do interesse geral à luz das concepções perfilhadas pelos seus membros, ou
capacidade de definição de objectivos de política geral (o partido pode servir
interesses sectoriais, profissionais ou regionais, mas tem sempre de os enquadrar
numa visão dos interesses gerais; não é partido o grupo de pressão);
No tempo da Revolução Francesa, por exemplo, não terá havido senão clubes
políticos (girondinos, jacobinos e outros). Precursores dos partidos são, todavia, já os
tories e os whigs, na Inglaterra, dos séculos XV11-XVIII e os grupos de federalistas e
de republicanos surgidos aquando da formação dos Estados Unidos.
268
De um modo geral, o advento dos partidos europeus vem conexo com a extensão do
direito de sufrágio na segunda metade do século XIX. Os partidos tomam-se
necessários para enquadrar um número crescente de eleitores e para estabelecer as
relações entre estes e os Deputados, e resultam, o mais das vezes, da integração de
comissões eleitorais com grupos parlamentares (noutros casos têm origem
extraparlamentar, fundados por sindicatos, Igrejas, associações secretas, grupos
económicos, etc.).
11 - Não surpreende, por isso, que se diga que é o sistema de partidos - ou forma e
modalidade da existência ou coexistência dos partidos’ - que melhor ou mais
ostensivamente, na nossa época, permite captar o sistema político de um qualquer país
271
Continuam a dominar os esquemas interpretativos a partir do número de partidos: sistemas
monopartidários, bipartidários (perfeitos e imperfeitos) e multipartidários (atomizados ou não). Mas
não parece que o critério numérico baste: é necessário atender ainda à força relativa dos partidos, ao
seu grau de aproximação ou distanciamento e ao papel que efectivamente desempenham’.
1. A mais brilhante análise nesta linha é talvez a de SARTORI (Parties and Party systems, cit., págs.
119 e segs.), para quem o número não é importante só por si (só o é enquanto afecta a mecânica ou o
funcionamento do sistema) e que considera também os conceitos de pólo, polaridade (estado do
sistema) e polarização (processo).
SARTORI começa por discernir sete sistemas de partidos, segundo um critério numérico: 1.2) de
partido único; 2.2) de partido hegemónico; 3.9) de partido predominante; 4.) de bipartidarismo; 5.L) de
pluralismo (multipartidarismo) limitado; 6.9) de pluralismo (multipartidarismo) extremo; e, 7.2) de
atomização.
Unipartidarismo/Sistemas unipolares/Monopartidarismo
Bipartidarismo - sistemas -
bipolares
sistemas multipolares J
272
A diversidade de sistemas de partidos depende, por seu turno, de múltiplos factores: das estruturas
sociais de cada país, das suas tradições e cultura política, das normas constitucionais e legais. Muito
importante é, como vimos, a relação entre sistema eleitoral e sistema de partidos relação recíproca, e
não só num sentido, pois a escolha deste ou daquele sistema eleitoral faz-se em função do sistema de
partidos que preexiste ou que se pretende constituir’.
DOS PARTIDOS
I - 0 Direito público do século XIX, naturalmente, ignorava os partidos políticos - quer por causa do
seu menor relevo então, quer por causa de uma postura menos favorável às associaçoes em geral ou da
concepção, dominante no liberalismo, de uma ordem político-social tanto mais idónea quanto menos
sujeita a intervençao ou regulação pelo Estado.
Pelo contrário, as leis e, muitas vezes, também as Constituições do século XX, cuidam dos partidos sob
múltiplos aspectos, seja no âmbito dos direitos fundamentais, seja no da organização do poder político
ou num e noutro; e conferem-lhe um estatuto
1. Cfr., por todos, DOMENICO FISICHELLA, Sviluppo democratico e sistemi elettorali, cit., págs.
109 e segs.; DIETER NOBLEN, Sistemas electorales del mundo, cit., págs. 161 e segs.
273
peculiar, mesmo se não os conformam como pessoas colectivas públicas ou (muito menos) como
órgãos do Estado’. Constem ou não da Constituição forinal, eles inscrevem-se, necessariamente,
1. Sobre o tratamento constitucional dos partidos políticos, cfr., entre tantos, ROBERT PELLOUX, ”
Les partis politiques dans les Constitutions d’après-guerre”, in Revue du droit public, 1934, págs. 238 e
segs.; SEGUNDO LINARES QUINTANA, Los Partidos Políticos Instrumentos de Gobierno, Buenos
Aires, 1945; PIETRO VIRGA, Il partito nelVordinamento giuridico, Milão, 1948; PASCAL
ARRIGHI, Le Statut des Partis Politiques, Paris,
1948; CARLO ESPOSITO, ”I partiti nella Costituzione italiana”, in La Costituzione italiana - Saggi,
Pádua, 1954, págs. 215 e segs.; C. MORTATI, ”Note introdutive a uno studio sui partiti politici
nell’ordinamento costituzionale italiano”, in Studi in memoria di V E. Orlando, II, Pádua,
1957, págs. 111 e segs.; GUSTAVE PEISER, ”L’institutionnalisation des partis politiques en
République Fédérale Allemande”, in Revue du droit public, 1959, págs. 639 e segs.; FRANCISCO
LEONI, ”A regulamentação do partido político nos países democráticos do Ocidente”, in Revista
Forense,
1966, págs. 43 e segs.; FRANCISCO RUIZ MASSIEU, Normación constitucional de los partidos
políticos en America Latina, México, 1984; GIUSEPPE UGO RESCIGNO, ”Alcune considerazioni sul
rapporto partito-statocittadino”, in Séritti in onore di Costantino Mortati, 111, Milão, 1977, págs. 957 e
segs.; OTTO BACHOF, 0 direito eleitoral e o direito dos partidos políticos na República Federal da
Alemanha, Coimbra, 1982; PAOLO RIDOLA, ”Partiti politici”, in Enciclopedia del Diritto, XXX11,
1982, págs. 66 e segs.; CESARE PINELLI, Discipline e controlli sulla Vemocrazia interna” dei partiti,
Pádua, 1984; PILAR DEL CASTILLO VERA, La financiación de partidos y candidatos en las
democracias occidentales, Madrid, 1985; n.2 3 do ano VIII, Dezembro de 1988, de Quaderni
Costituzionali; Derecho de partidos, obra colectiva coordenada por JOSt JUAN GONZALEZ
ENCINAR, Madrid, 1992; ALESSANDRO SOMMA, Aspetti della disciplina dei partiti
nell’ordinamento tedesco: dal BGB al Parteiengesetz, in Política del Diritto, 1993, págs. 67 e segs.
274
11 - Não se trata apenas do reconhecimento dos partidos, de uma garantia institucional da existência
dos partidos políticos. Trata-se, por imperativos de liberdade, igualdade e transparência da vida política
(ou, se se quiser, do mercado político) ou por decorrência de determinados princípios constitucionais,
de regras mais ou menos numerosas e minuciosas sobre requisitos de formação e registo, sobre
condição dos membros, sobre relações com outras entidades, sobre financiamento e fiscalização de
receitas e despesas, sobre intervenção nos processos eleitorais (desde o recenseamento e a apresentação
de candidaturas às campanhas eleitorais e às operações de apuramento), sobre outros direitos de
participação política, sobre inserção nos órgãos constitucionais.
Se a regulamentação externa (da actividade dos partidos) não levanta dificuldades de maior, já a
regulamentação interna tem por limite o respeito pela autonomia de cada partido e, portanto, a própria
garantia da liberdade de associação partidária. Não se afigura fácil compatibilizar aí duas exigências:
por um lado, a coerência com o princípio democrático - de onde, a transposição para a estrutura interna
de cada partido, para a formação da sua vontade e para a garantia dos direitos dos militantes, das regras
básicas que pautam a dinâmica da comunidade estatal; por outro lado, a coerência com o princípio
liberal, que tende a deixar a cada partido a livre
275
organização da sua vida interna e a adequação aos fins (desde que não sejam
penalmente ilícitos) que se propõem’.
2. Para maior desenvolvimento, v. JORGE MIRANDA, op. cit., IV, págs. 277 e segs.,
e autores citados.
276
de direito público, nem, muito menos, em órgãos do Estado. Serão, sim, associações
de Direito constitucional, pessoas colectivas de direito privado (porque fundadas no
princípio da liberdade de associação e desprovidos de poderes de autoridade) mas com
estatuto específico constante de normas constitucionais’.
cia Política e Direito Constitucional, II, cit., págs. 443 e segs.; MARCELO REBELO
DE SOUSA, Os partidos.--- cit., págs. 147 e segs. e 157 e segs.; JORGE MIRANDA,
Manual.... cit., pág. 278.
1. Cfr., por todos, MARCELO REBELO DE SOUSA, op. cit., págs. 167 e segs. (fala
em multipartidarismo de partido dominante).
4. Cfr., por todos, MARCELLO CAETANO, Direito Constitucional, 1, cit., págs. 450
e segs.
278
Poderia falar-se num verdadeiro costume constitucional contra legem (ou, pelo
menos, praeter legem), estribado na convicção Jurídica e política ligada à ideologia e
exibido numa constante prática legal, jurisprudencial e administrativa3.
0 regime teve, porém, necessidade de criar uma associação cívica de apoio, cujo
papel mais significativo viria a ser o de apresentar Ou patrocinar candidatos às
eleições - presidenciais,
1 . Cuja fonte terá sido o art. 130.2 da Constituição de Weimar, de resto habitualmente
considerado (a par do art. 124.1’, 2.a parte) um dos primeiros preceitos constitucionais
que procederam à institucionalização dos partidos políticos.
3. Contra: MARCELO REBELO DE SOUSA, op. cit., págs. 223 e segs., maxime
págs. 231-232.
279
parlamentares e locais - que realizou com toda a regularidade (embora sem valor
substantivo): foi a União Nacional, depois Acção Nacional Popular, tendo sempre
como presidente de comissão central, salvo entre 1968 e 1970, o Presidente do
Conselho de Ministros (que também por essa via, como se verificou especialmente em
1958, dominava o Presidente da República). A fraquíssima consistência desta
organização, a sua criação pelo próprio poder político e a sua reduzidíssima actividade
não permitem qualificá-la como partido
1. Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual .... cit., 1, 1970, págs. 389-390, nota;
MARCELO REBELO DE SOUSA, op. cit., págs. 180 e segs.; ARLINDO M.
CALDEIRA, ”A União Nacional: antecedentes, organização e funções”, in Análise
Social, n.2 94, 1986, págs. 343 e segs.; MANUEL BRAGA DA CRUZ, Opartido e o
Estado no salazarismo, Lisboa, 1988, maxime págs. 127
e segs.
280
11 - 0 sistema até agora tem funcionado a partir de três partidos que participaram nos
Governos provisórios - o Partido Socialista, o Partido Popular Democrático (hoje
Social-Democrata) e o Partido Comunista - e ainda do Centro Democrático Social
(hoje Partido Popular); e tem girado, desde 1976, sobretudo à volta dos dois
primeiros, os partidos centrais e maiores do espectro político. Outros partidos, de
muito menos vulto (excepto o Partido Renovador Democrático entre 1985 e 1987), só
episodicamente têm conseguido representação parlamentar.
Houve até hoje treze Governos constitucionais, com diversas incidências partidárias:
281
2.2 - Governos maioritários do Partido Social-Democrata (o décimo primeiro e o
décimo segundo);
282
amaras e que
283
As primeiras normas de força constitucional que se lhes reportaram viriam a ser o art.
1.9 da Lei n.2 4/75, de 13 de Março, ao prever a suspensão da actividade de partidos ”
cujo programa seja contrário ao Programa do Movimento das Forças Armadas ou cujo
comportamento se caracterize pelo incitamento à violência ou pelo seu uso perturbe a
disciplina das forças armadas”, e o art. 4.2, n.2 2, da Lei n.Q 6/75, de 26 de Março, ao
instituir um Conselho de Ministros restrito de que faziam parte os Ministros sem
pasta, ”representativos de cada um dos partidos da coligação governamental”.
284
1 - Do ângulo dos direitos, liberdades e garantias, o regime dos partidos é, antes de mais, o da
liberdade de associação, positiva e negativa (art. 46.2, n.`s 1 e 3), individual e institucional
(art. 46.P, n.2s 1 e 2).
Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de um partido nem coagido por qualquer meio a
permanecer nele ( art. 46.2, ri.!’ 3), ou privado do exercício de um direito por estar ou deixar
de estar inscrito em partido legalmente constituído (arts. 51.2, ri.!’ 2,
2. parte, 59.2, n.L> 1, e 269.2, ri.!> 2).
Os partidos prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e
não podem ser dissolvidos ou
286
ter suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial
(art. 46.2, n.2 2).
Não podem constituir-se partidos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos
programáticos, tenham índole ou âmbito regional (art. 51.% ri.9 4). Os partidos não podem,
sem prejuízo da filosofia ou ideologia inspiradora do seu programa, usar denominação que
contenha expressões directamente relacionadas com quaisquer religiões ou igrejas, bem como
emblemas confundíveis com símbolos nacionais ou religiosos (arts. 51.2, n.Q
3,e295.2).
Ninguém pode estar inscrito, simultaneamente, em mais de um partido político ( art. 5 l.1’,
n.L’ 2, 1.1 parte).
1. V. Lei n.Q 28/82, de 15 de Novembro, alterada pelas Leis n.9 143/85, de 29 de Novembro,
e 85/89, de 7 de Setembro.
287
Finalmente, a lei impõe um duplo condicionamento: a inscrição de um partido requer
um número mínimo de cinco mil cidadãos eleitores (art. 5.2, n.2 3, do Decreto-Lei
n.-’ 595/74)1 e um partido é extinto quando o número dos seus filiados se tornar
inferior a quatro mil (art. 2 L9, alínea a»2.
Garantias de liberdade de filiação partidária são: a informática não pode ser utilizada
para o tratamento de dados referentes a convicções políticas ou a filiação partidária
(art. 35.% n.2 3) e não pode haver despedimentos por motivos políticos ou
ideológicos (art. 51% 2.1 parte).
Garantias de isenção e, portanto, limites à intervenção dos partidos são: o Estado não
pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer
directrizes políticas e ideológicas (art. 43.2, nY 2); as Forças Armadas são
rigorosamente
1. Já foi posta em causa esta exigência de um número mínimo de cinco mil cidadãos,
mas o Tribunal Constitucional decidiu pela não inconstitucionalidade: acórdãos n.os
367/91 e 368/91, de 28 de Agosto e de 18 de Setembro de 1991, in Diário da
República, 2. série, nY 218, de 21 de Setembro de
1991, e n.2 230, de 17 de Outubro de 1991, respectivamente.
2. Esta segunda regra não tem tido até agora aplicação prática, até porque a lei não
prevê nenhuma forma de verificação.
288
2. V. art. 28.2 da Lei n.2 28/82, de 15 de Novembro, e art. 11 .5?, n.9 1, da Lei n.L>
21/85, de 30 de Julho.
289
n.2 1, que os partidos teêm o direito de apresentar candidatos a todas as eleições por sufrágio
directo, salvo quando a Constituição disponha o contrário como sucede com a eleição do
Presidente da República (art. 127Y); esse direito é-lhes reservado quanto à Assembleia da
República, o que não impede que as listas integrem cidadãos não inscritos nos respectivos
partidos (art. 154.2, n.2 1); nas eleições das assembleias de freguesia, a Constituição garante
o direito de apresentação também a grupos de cidadãos eleitores (art. 246.% n.2 2); nas
demais eleições a lei pode ou não estabelecer o exclusivo dos partidos’, 2. Por seu turno,
perde o mandato o Deputado que se inscreva em partido diverso daquele pelo qual foi
apresentado a sufrágio (art. 163.2, n.2 1, alínea c)
1. Não seria legítimo extrair a contrario do art. 246.9, n.> 2, qualquer conclusão negativa
sobre a possibilidade de outro grupo de cidadãos, além dos partidos, apresentarem
candidaturas nas demais eleições. 0 debate travado na Assembleia Constituinte sobre os
órgãos das autarquias locais em geral apenas demonstra que o legislador constituinte não quis
resolver, ele, nesse sentido o problema: v. 1)iàrio n.11 104 e 105, de 15 e 16 de Janeiro de
1976, respectivamente, pág- 33-,,,, 3416 e segs. e 3431-3432.
3. A lei (mas só a lei) poderia estender esta regra às demais eleições para assembleias
representativas.
290
2. Sobre grupos parlamentares, v., por todos, JORGE MIRANDA, ”Grupo parlamentar”, in
Polis, IV, págs. 131 e segs., e autores citados.
291
São, todavia, os partidos representados na Assembleia, e não especificamente os
grupos parlamentares, que devem ser ouvidos pelo Presidente da República
aquando da nomeação do Primeiro-Ministro (art. 190.2, n.> 1) ou da dissolução
da própria Assembleia da República (art. 136.2, alínea b». E todos os partidos
representados em quaisquer assembleias que não façam parte dos respectivos
executivos têm o direito de ser informados, regular e directamente, sobre o
andamento dos principais assuntos públicos (art. 117.9, n.9 2).
292
1. Assim, designadamente:
a) Prescrição de voto exclusivamente individual, e não mais de voto por célula, secção
ou organização;
294
Que relação deve haver, porém, entre deputados e partidos? Qual o grau de autonomia
de cada Deputado enquanto membro do Parlamento? Como inserir os Deputados
eleitos pelos diversos partidos uns em face dos outros, formando todos uma mesma
câmara? E como proceder em caso de conflito’9
Il - Uma tese radical tenderia a afirmar que a representação política se converteu em
representação partidária, que o mandato verdadeiramente é conferido aos Partidos e
não aos deputados e
295
que os sujeitos da acção parlamentar acabam por ser não os deputados, mas os
partidos ou quem aja em nome destes. Por conseguinte, deveriam ser os órgãos dos
partidos a decidir, com maior ou menor democraticidade ou com maior ou menor
centralismo democrático, sobre as orientações de voto dos deputados, sujeitos estes a
uma obrigação de fidelidade a que não poderiam escusar-se senão em casos-limite de
consciência.
Esta concepção ignora que, embora propostos pelos partidos, os deputados são eleitos
por todos os cidadãos e não apenas pelos militantes ou pelas bases activistas dos
partidos, que neles avultam uma dimensão sócio-profissional e uma dimensão
regional e que juridicamente representam todo o povo. Levada às últimas
consequências, com as comissões políticas ou os secretariados, exteriores ao
Parlamento, a dizer como os deputados haveriam de votar, essa concepção
transformaria a assembleia política em câmara corporativa de partidos e retirar-lhe-ia
a própria qualidade de órgão de soberania, por afinal deixar de ter capacidade de livre
decisão. Somente regimes totalitários ou p .artidos totalitários, e não aqueles que se
reclamam da democracia representativa e pluralista, a poderiam, aliás, adoptar:
porque, se a democracia assenta na liberdade política e na participação, como admitir
que nos órgãos dela mais expressivos, os Parlamentos, os Deputados ficassem
privados de uma e outra coisa?
0 entendimento mais correcto, dentro do espírito do sistema, parece dever ser outro. A
representação política hoje não pode deixar de estar ligada aos partidos, mas não
converte os Deputa-
dos em meros porta-vozes dos seus aparelhos. Pode dizer-se que o mandato
parlamentar é (salvo em situações marginais) conferido tanto aos Deputados como aos
partidos; não é aceitável substituir a representação dos eleitores através dos eleitos
pela representação através dos dirigentes partidários, seja qual for o modo por que
estes são escolhidos. E, se em partidos fortemente ideológicos correspondentes a bem
identificadas minorias políticas como os colocados em extremos do espectro
político, não será muito grande o desfasamento entre eleitores e militantes, já nos
restantes partidos ele será acentuado; e cabe perguntar se os Deputados eleitos pelas
listas de um partido estão mais vinculados aos militantes do que aos cidadãos
eleitores, ou se têm mais base de apoio os órgãos representativos de 100.000 ou os
Deputados votados por 1 milhão.
296
297
relhos ou as bases se sobrepusessem aos deputados e aos seus eleitores.
298
111 - É esta maneira de encarar o mandato dos deputados a que talvez melhor se
hannoniza com as regras que sobre o assunto, directa ou indirectamente, constam da
Constituição portuguesa’.
Por outra banda, sem esquecer a regra da apresentação de candidatos só pelos partidos
(citado art. 154.2, n.9 1), como a Constituição autoriza a existência de deputados não
inscritos em nenhum partido - quer porque desde logo assim tenham sido propostos
como candidatos (art. 154.2, n.’ 1), quer porque, tendo saído do partido por que foram
eleitos, não tenham entrado para outro (art. 163.2, n.2 1, alínea c» - ressalta a distinção
entre a função dos partidos e a dos deputados e concede-se mesmo que, em caso de
ruptura, o deputado prevalece sobre o partido (se bem que outras razões possam impor
a renúncia ao mandato). Tão pouco têm os partidos qualquer meio de substituir os
deputados durante a legislatura: tal substituição faz-se nos termos da lei
1. Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, Os partidos .... cit., págs. 512 e segs.; ou
ANTóNIO COSTA, ”A natureza jurídica do mandato parlamentar”, in Revista
Jurídica, n.2 5, Janeiro-Março de 1986, pág. 156.
299
eleitoral e, quando temporária, é um direito dos deputados, e não dos partidos
(art. 156.2, nY 2).
A Lei Fundamental define os poderes dos partidos, dos Deputados e dos grupos
parlamentares; e, ao passo que os poderes constitucionais dos partidos - há
Pouco indicados - são exteriores à Assembleia, os poderes da interferência na
actividade desta ou são dos deputados individualmente considerados (art. 159.1’)
ou são dos grupos parlamentares (art. 183.9). Sem os deputados e os grupos
parlamentares os partidos não podem agir no Parlamento.
300
Formulada a pergunta nestes termos, antolha-se que a resposta não pode ser senão
uma: desigualdades, ou algumas desigualdades, são inelutáveis, na medida em que
não se descortina (e tem-se procurado, por vezes, em vão) nenhum mecanismo que
evite ou que desempenhe melhor a tarefa cometida aos partidos de formação e
expressão de opções políticas (tanto mais necessariamente simplificadas quanto mais
complexas se tomam as sociedades). Assim como é legítimo entender que, implicando
igualdade o tratamento adequado ou proporcional à diferença de situações, se justifica
reconhecer aos militantes de partidos um grau maior de intervenção constitucional
porque eles mostram também um grau mais elevado de interesse, iniciativa e
participação política.
puloso com os direitos dos cidadãos em geral e ficar indiferente perante as violações dos
direitos fundamentais de cidadãos dentro dos partidos’ (embora não possa exceder os limites,
atrás aflorados, de não interferência na autonomia interna dos partidos); e é de supor que
quanto maior for tal garantia maior será a abertura da sociedade aos partidos e maior o
número de cidadãos que neles entrarão ou com eles colaborarão.
Tudo estará ainda, como resulta óbvio (mas não é fácil de alcançar), em que os direitos e as
interferências dos partidos não extravasem da esfera político -constitucional para outras
áreas, como a função pública, a da economia ou a das escolas.
11 - Apesar de todo o relevo que confere aos partidos, a Constituição portuguesa deixa
abertas formas muito significativas e ricas de arejamento do sistema político.
1. Estamos aqui perante um caso especial, e mais grave, do problema da vinculação de todas
as entidades, inclusive as privadas, ao respeito dos direitos, liberdades e garantias (art. 18.0.
n.Q 1, da Constituição): efr. JORGE MIRANDA, Manual .... IV, págs. 223-224 e 284 e segs.
2. Cft. supra.
302
A experiência das eleições presidenciais desde 1980 corrobora-o perfeitamente e, por isso, a
manutenção do sufrágio directo não se torna apenas indispensável para a subsistência do
sistema de governo semipresidencial; é, sobretudo, fundamental para a divisão de poder entre
os partidos e os cidadãos; é indispensável para que não se perca uma via, já comprovada, de
comunicação entre o aparelho político e a comunidade.
111 - Numa óptica de jure condendo podem ser encaradas algumas reformas ou melhorias do
Direito eleitoral, umas mais viáveis, outras menos; assim como reformas no sentido de
democracia semidirecta.
A primeira dessas reformas (à volta de cuja vantagem se vai fazendo um consenso alargado)
consiste na possibilidade de candidaturas independentes nas eleições para os órgãos dos
municípios e das futuras regiões administrativas. Se nas eleições parlamentares - em que
prevalecem linhas de orientação ideoló-
303
gico-programáticas - os partidos são as entidades naturalmente vocacionadas para a
propositura de candidatos’, já nas eleições locais - nas quais avultam questões
concretas - os candidatos independentes podem desempenhar uma função
valiosíssima; podem-na desempenhar ainda mais na própria lógica do princípio da
descentralização2.
304
305
iNDICE
TíTULO 1
CAPITULO 1
1. Preliminares ..................................... 11
2. As tipologias de formas políticas em geral ............. 12 i
CAPíTULO 11
§ 2.2 Participação
§ 3.9 Pluralismo
47
50
55
55
59
63
70
75
80
83
83
85
88
93
93
97
103
CAPíTULO Ill
308
TITULO 11
A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
CAPíTULO 1
CAPíTULO II
A ELEIÇÃO E 0 REFERENDO
309
39. Sufrágio e colégio eleitoral ........................ 199
40. Os sistemas eleitorais ............................. 203
41. Tipos de sistemas eleitorais ........................ 207
42. Representação majoritária e representação proporcional . . 211
43. Sistemas eleitorais e sistemas políticos ............... 213
44. Os sistemas eleitorais em Portugal ................... 216
45. 0 regime jurídico da eleição política ................. 221
CAPíTULO 111
311