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Edição de:
X CONGRESSO INTERNACIONAL A CERÂMICA MEDIEVAL NO MEDITERRÂNEO SILVES - MÉRTOLA, AUDITÓRIO DA FISSUL,
22 A 27 DE OUTUBRO DE 2012
10TH INTERNATIONAL CONGRESS ON MEDIEVAL POTTERY IN THE MEDITERRANEAN. SILVES & MÉRTOLA, 22-27 OCTOBER
2012
EDIÇÃO /// PUBLISHER: CÂMARA MUNICIPAL DE SILVES & CAMPO ARQUEOLÓGICO DE MÉRTOLA
COORDENAÇÃO EDITORIAL /// EDITOR: MARIA JOSÉ GONÇALVES E SUSANA GÓMEZ-MARTÍNEZ
DESIGN GRÁFICO /// GRAPHIC DESIGN: RUI MACHADO
IMPRESSÃO /// PRINTING: GRÁFICA COMERCIAL DE LOULÉ
ISBN 978-972-9375-48-4
DEPÓSITO LEGAL /// LEGAL DEPOT ??????
TIRAGEM /// PRINT RUN: 500
Não é bem como um texto escrito em belos caracteres góticos ou cúficos, contando a história de um milagre,
registando um contrato encomendado pelo príncipe, ou denunciando a ameaça do reino vizinho. Não é
como qualquer frase gravada na pedra ou pergaminho, que além de denunciar a sua origem de classe, porque
necessariamente produzida no seio de uma elite, esconde sempre nas suas entrelinhas uma carga ideológica,
quantas vezes indecifrável ou falaciosa. Ao contrário, os fragmentos de cerâmica arqueológica recolhidos
numa camada estratigraficamente reconhecível, embora não pareça, são mais fiáveis, autorizando uma mais
segura e escorreita informação histórica. Por vezes, quase sempre, são minúsculos ou mesmo insignificantes
os fragmentos. Por vezes, quase sempre, nem sequer a forma é reconhecível e muito menos reconstituível. E
no entanto a sua informação histórica é sempre preciosa. O simples perfil reclinado do lábio, a forma grácil
de arquear a asa, aquela pincelada rápida de traço avermelhado ou a pequena mancha de esmalte melado são
os indícios suficientes para reconstituir com verosimilhança a forma e a idade do jarro ou cântaro de água,
e, com ele, alguns gestos de trabalho da camponesa que o usou e até, sem errar muito, o seu local de fabrico.
Estes simples e informes fragmentos cerâmicos permitem aproximar-nos e mesmo compreender a história
daqueles a quem nunca foi dado o direito de ter história, daqueles que nunca comandaram exércitos, que
nunca decidiram da paz e da guerra, daqueles que nunca habitaram palácios ou castelos. À primeira vista a
gramática ornamental destas bilhas e tigelas sistematiza línguas estranhas e aparentemente indecifráveis. E
no entanto, os seus códigos, sem serem isotéricos, referem-se indirectamente a espaços culturais, a zonas de
influência que ao longo dos séculos marcaram o Mediterrâneo, na sua fantástica diversidade. As referências
mais antigas, ainda relacionadas com os entrançados romboidais da cestaria e da tecelagem, denunciam
origens neolíticas e sobretudo permanências das sociedades nómadas dos tuaregues, rifenhos e pastores
ibéricos. Na linguagem vegetalista com referências orientalizantes e sobretudo no que se refere à enorme e
variada simbologia da Flor de Lotus de época califal, destaca-se, como é natural, a memória dos jardins e
vergéis do Nilo, da Mesopotâmia e mesmo da Índia e da China. Nos encadeados de volutas de gavinhas com
folhas de videira, sentimos ainda perene a longínqua referência das festas dionisíacas e báquicas da cultura
greco-romana a que a Pérsia islamizada esbateu ou anulou o cacho de uva, transformando-o em inofensiva
pinha. Esta linguagem cifrada, estas referências decorativas, são sinais de civilização, são marcas indeléveis
que identificam formas de pensar, zonas de fabrico, caminhos de intercâmbio, que permitem folhear com
segurança as páginas da história.
TEMA: 1
AS CERÂMICAS NO SEU CONTEXTO
POTTERY WITHIN ITS CONTEXT
SUSANA GÓMEZ MARTÍNEZ | MARIA JOSÉ GONÇALVES | ISABEL INÁCIO | CONSTANÇA
DOS SANTOS | CATARINA COELHO | MARCO LIBERATO | ANA SOFIA GOMES | JACINTA
BUGALHÃO | HELENA CATARINO | SANDRA CAVACO | JAQUELINA COVANEIRO | ISABEL
CRISTINA FERNANDES
1. A cidade e o seu território no Gharb al-Andalus através da cerâmica 19
VANESSA FILIPE
5. Islamic pottery from the Évora Municipal Museum 84
MARCELLA GIORGIO
6. Ceramics and society in Pisa in Middle Ages 93
9(61$%,.,ü
9. Context, Character and Typology of Pottery from the Eleventh and Twelfth Century
Danube Fortresses: Case Studies from Morava and BraniČevo 125
VALENTINA VEZZOLI
10. The area of Bustan Nassif (Baalbek) between the 12th and the early 15th cent.: the
ceramic evidence 133
ELENA SALINAS
11. Uso y consumo de la cerámica almohade en Córdoba (España) 139
MARCELLO ROTILI
12. Aspetti della produzione in campania nel basso medioevo 148
ANDREIA AREZES
19. Formas cerâmicas e seu significado simbólico na Alta Idade Média 236
TEMA: 2
CERÂMICA E ALIMENTAÇÃO
POTTERY AND FOOD
JOANITA VROOM
40. The archaeology of consumption in the eastern Mediterranean: A ceramic perspective 359
JUAN ZOZAYA
43. Cacharros, fuegos, comidas, servicios, escrituras… 387
TEMA: 3
O MEDITERRÂNEO E O ATLÂNTICO
THE MEDITERRANEAN AND THE ATLANTIC
ANTÓNIO MANUEL S. P. SILVA | PEDRO PEREIRA | TERESA P. CARVALHO
45. Conjuntos cerâmicos do Castelo de Crestuma (Vila Nova de Gaia, N. Portugal). primeiros
elementos para uma sequência longa (sécs. Iv-xi) 401
JORGE DE JUAN ARES | YASMINA CÁCERES GUTIÉRREZ | MARÍA DEL CRISTO GONZÁLEZ
MARRERO | MIGUEL ÁNGEL HERVÁS HERRERA | JORGE ONRUBIA PINTADO
46. Objetos para un espacio y un tiempo de frontera: el material cerámico de fum asaca en
sbuya, provincia de sidi ifni, marruecos (ss. Xv-xvi) 420
KONSTANTINOS T. RAPTIS
54. Brick and tile producing workshops in the outskirts of thessaloniki from fifth to
fifteenth century: a study of the firing technology that has been diachronically
applied in the ceramic workshops of a large byzantine urban center 493
IBRAHIM SHADDOUD
57. Production de poterie chez les Nizarites de Syrie : l’atelier de Massyaf (milieu XIIe-
premier tiers du XIVe siècle) 525
JAUME COLL CONESA | JOSEP PÉREZ CAMPS | MARTA CAROSCIO | JUDIT MOLERA
TRINITAT PRADELL | GLORIA MOLINA
59. Arqueología, arqueometría y cadenas operativas de la cerámica de Manises localizada
en el solar Fábricas nº 1 (Barri d’Obradors, Manises, campaña 2011) 549
EVELINA TODOROVA
70. Policy and trade in the northern periphery of the eastern mediterranean: amphora
evidence from present-day bulgaria (7th–14th centuries) 637
GUERGANA GUIONOVA
73. Céramique d’importation du XIVe au XVIIe s. en Bulgarie 681
VASSILEIOS D. KOROSIS
75. Consumption and importation of ceramics in a fairly unknown site of late Roman
Greece. A case study from Megara, Attica, Greece 701
RAFFAELLA CARTA
79. La ceramica italiana indicatore del commercio tra il mediterraneo occidentale e
l’atlantico (secoli xv-xvii) 724
TEMA: 6
NOVAS DESCOBERTAS
NEW DISCOVERIES
RICARDO COSTEIRA DA SILVA
81. Medieval pottery from the forum of aeminium (Coimbra, Portugal) : a proposal of
chrono-typological evolution 739
ABDALLAH FILI
82. Le décor de la céramique de Fès à l’époque mérinide, typologie et statistiques 750
MARCO LIBERATO
84. A pintura a branco na Santarém medieval. Séculos XI a XVI 777
ELVANA METALLA
86. La céramique médiévale en Albanie : relations entre les productions byzantines
et italiennes 807
CRISTINA GONZALEZ
93. Quinta da Granja 1: cerâmica emiral de um povoado da Estremadura 866
CARLOS BOAVIDA
99. Medieval pottery from the castle of Castelo Branco (Portugal) 906
IRYNA TESLENKO
103. Crimean Local Glazed Pottery of the 15th century 928
O MEDITERRÂNEO E O ATLÂNTICO
THE MEDITERRANEAN AND THE ATLANTIC
Marco LIBERATO | Helena SANTOS
Resumen: Los aspectos técnicos e decorativos de la cultura material de Santarém en los momentos finales de la dominación islámica y en las décadas
posteriores derivaban claramente de soluciones meridionales, remetiendo para una estructura productiva de cariz urbano, denunciada por sus
producciones altamente estandarizadas. Sin embargo, en una porcentaje absolutamente residual, se han identificado algunos elementos que remeten
hacia a un universo productivo completamente diferente y sus mejores paralelos son cerámicas provenientes de los ambientes rurales del Norte
Peninsular. Corresponden seguramente al registro material de los movimientos poblacionales ocurridos después de la conquista cristiana de la ciudad,
cuando se verificaran importantes flujos migratorios hacia las zonas recién integradas en los dominios portucalenses.
1. A PRODUÇÃO CERÂMICA EM SANTARÉM NOS contextos que se formaram num momento imediatamente
SÉCULOS XII-XIII: UMA CIDADE MEDITERRÂNICA anterior à integração definitiva no reino de Castela e Leão
demonstram a presença de cerâmicas de consumo restrito
Santarém conta já com um significativo acervo de publicações de produção islâmica, em coexistência com soluções oleiras
sobre as cerâmicas que aí circulavam nos séculos finais do locais (CATARINO, FILIPE e SANTOS, 2009:347), que
domínio islâmico e nas décadas subsequentes (LIBERATO, não recorriam à «tecnologia mas exigente y [a] una maior
2011:120-145). Os paralelismos identificados demonstram especializacion y complejidad de la estrutura de produccion»
que os seus aspetos técnicos e decorativos se enquadram (GÓMEZ, 2005:216) observável nas cidades meridionais.
numa unidade geográfica-cultural, centrada no Baixo Tejo,
onde a matriz mediterrânica/islâmica se havia sobreposto 2. OS MATERIAIS SETENTRIONAIS
total e definitivamente às tradições oleiras anteriores. À
semelhança do observado para a antiga kora de Tudmir, No entanto, ainda que de forma absolutamente residual,
logo no século X, estaríamos à época «ante una sociedad surgem em Santarém algumas cerâmicas que remetem
plenamente islamizada con independencia de su origen.» para um universo cultural e técnico totalmente diverso,
(GUTIÉRREZ,1996:160). Precisamos de mais estudos sobre identificadas durante uma intervenção de carácter preventivo
as produções locais de forma a estabelecer rigorosamente a na Avenida 5 de Outubro, n.ºs 2 a 8. O primeiro elemento
diacronia deste processo, mas um desfasamento temporal que se enquadra nesse conjunto é um fragmento de panela
face à bacia mediterrânica é concebível à partida, condizente recuperado no interior de uma estrutura negativa tipo silo
com o seu posicionamento na periferia geográfica e política - [476] - que, aquando do seu abandono, foi colmatada
da rede urbana do Garb al-Andaluz (FERNANDES, com três depósitos cuja diferenciação decorreu sobretudo de
2002:48), que de resto se materializava num certo arcaísmo aspetos cromáticos, tendo sido registados como [469], [475]
das produções, verificando-se a circulação de alguns perfis e [571]. A pasta micácea e o tom muito escuro desta peça,
que se vão sucedendo temporalmente sem alterações formais relacionável com o processo de cozedura, em conjunto com os
assinaláveis (GÓMEZ, 2005: 216). puncionamentos que se observam na sua asa, afastam-na das
características técnicas e decorativas das restantes cerâmicas
Conservadorismo formal que não invalida que Santarém presentes no contexto mencionado. Estas integram-se antes
representasse o limite setentrional da islamização total na cultura material de matriz mediterrânica em circulação na
da cultura artefactual. Mesmo na área do Mondego, cuja cidade de Santarém no último século do domínio islâmico,
bacia facilitaria a integração comercial e cultural com o de que são exemplos as cerâmicas pintadas a branco ou a
mundo mediterrânico, aparentemente este processo não se vermelho, decoradas com corda seca ou uma asa de candil
completou. Por exemplo em Conímbriga, onde as funções vidrada.
urbanas asseguradas durante o período clássico e alto-
medieval se encontrariam fortemente decadentes, parece Verifica-se que as asas puncionadas têm uma dispersão
predominar, entre os séculos X-XI, uma tradição oleira onde geográfica e um âmbito cronológico bastante alargado, muito
as influências islâmicas praticamente não se fazem sentir embora a maioria dos autores que identificaram momentos
(MAN, 2006:157). Mesmo na medina de Coimbra, os de ocupação diferenciados a partir da estratigrafia registada,
apontem o período entre os séculos XII-XIII como o de e XII (MAN, 2006:158) ou em Arouca onde estão presentes
maior fulgor da sua circulação, sendo exemplo Conímbriga, com percentagens idênticas nas camadas 01 e 02, abrangendo
onde terão sido produzidas desde o século VII, mas com um espectro cronológico entre os séculos IX e XII (SILVA e
especial vitalidade no período assinalado. O mesmo em RIBEIRO 2006-2007:78).
Arouca, onde ocorrem em camadas dos séculos IX a X, mas
mais abundantemente em contextos da fase de abandono, Um outro exemplo destas produções exógenas ao ambiente
ocorrida no século XII (SILVA e RIBEIRO, 2006-2007:74). cultural dominante na cidade ribatejana corresponde ao
Na Guarda, alguns autores admitem a sua circulação fragmento [2244] – 15043, recuperado no enchimento do
nos séculos X-XI (OSÓRIO, 2004:9) enquanto outros a silo [2172]. Embora corresponda a uma pequena parte do
estendem até ao século XIII (PEREIRA, 2003:102). Estão recipiente, a pasta muito escura a par do intenso brunimento
vulgarizadas nas mesmas cronologias por todo o Nordeste da da sua face exterior, aproximam-no de exemplares nortenhos
Península, como nos demonstram os exemplares da província como os jarros com o mesmo tratamento de superfície e
de Navarra, enquadrados entre o século XI-XIV (TABAR e bordo trilobado – sugerido na peça escalabitana - frequentes
JUSUÉ, 1989:30) ou de Alava, onde eram comuns em sítios em Puente Castro, León, nos séculos XI-XII (PEÑIN,
ocupados entre os séculos IX e XII (SÁENZ de URTURI, 2007:105 e 162). As restantes cerâmicas presentes, uma vez
1989:58 – 60). mais filiáveis nos protótipos tardo-islâmicos de Santarém,
sugerem uma cronologia em torno do século XIII para a
A mesma solução decorativa foi identificada nos materiais colmatação da estrutura negativa.
recuperados aquando da escavação do depósito [750], que
parece corresponder ao piso de uma área de circulação. Esta Assinale-se, por último, um fragmento de panela que
realidade oferece menos garantias de estar livre de intrusões, apresenta características técnicas e formais semelhantes, por
uma vez que foi bastante perturbado por atividades exemplo, a peças recuperadas na Torre do Castelo de Aguiar
posteriores, sendo exemplo a abertura de uma estrutura de Sousa e datáveis dos seculos XIII-XIV (SILVA, 2008).
negativa para enterrar uma talha. Assim, não espanta que A datação contextual da peça de Santarém - obtida a partir
durante a intervenção arqueológica tenham sido recolhidos da restante amostra artefactual proveniente dos depósitos
[397] e [407], que foram depositados no interior de uma
materiais baixo-medievais e mesmo alguns perfis completos
estrutura negativa tipo silo [396] - coincide em absoluto
enquadráveis na segunda metade do seculo XV, certamente
com esse âmbito cronológico. No entanto, demonstra que
depositados no interior de uma pequena fossa detrítica que
o reportório cerâmico escalabitano tinha como referente
não foi detetada durante o processo de escavação. Mas a
evidente as produções islâmicas dos séculos anteriores e a
esmagadora maioria dos elementos cerâmicos recolhidos
cidade continuaria integrada no universo cultural de matriz
terão sido descartados durante o século XII, provavelmente
mediterrânica, volvido mais de um século da conquista pelos
já num período posterior à conquista cristã. Destaca-se de
cavaleiros cristãos, verificando-se uma evidente unidade
entre eles uma asa puncionada com dois traços de pintura
formal com as produções coevas de Lisboa (GASPAR e
a branco. Começam a ser relativamente frequentes os AMARO, 1997).
exemplos da utilização do pigmento branco no Norte
Peninsular - muito embora sem a exuberância reconhecida 3. A CONJUNTURA DO SÉCULO XII NO BAIXO
em contextos plenamente islamizados - nomeadamente na TEJO: O CONTACTO ENTRE DOIS UNIVERSOS
região de Coimbra, onde também foram recuperadas peças CULTURAIS
que fundem essa opção decorativa com os característicos
puncionamentos setentrionais. Os materiais que fomos apresentando foram certamente
produzidos em áreas peninsulares marcadas pela ausência de
Foram recenseadas outras formas cerâmicas integráveis pujantes núcleos urbanos. Exacerbada a tendência de dispersão
numa tradição definível como “setentrional”. No depósito do povoamento que se traduzia numa acentuada autarcia
[1437], que colmatou a estrutura negativa [1438] – cuja de muitas dessas comunidades (TENTE, p. 2007:110),
irregularidade planimétrica induz a interpretá-la como uma os aspetos formais e técnicos das suas produções cerâmicas
fossa detrítica – foram recuperados dois fundos de alguidar refletiam incontornavelmente limitações tecnológicas. De
em disco. À semelhança dos contextos anteriores, os restantes resto, para alguns autores, soluções como o puncionamento
perfis identificados, nomeadamente das panelas e jarras, a das asas poderão mesmo relacionar-se diretamente com as
par da profusão de elementos pintados a branco, denunciam mesmas, facilitando, neste caso específico, uma cozedura
uma influência meridional, sendo compagináveis com outras homogénea dos recipientes (MAN, 2006:162).
amostras recolhidas em Santarém com cronologias entre o
século XII e a centúria seguinte. Já os alguidares de fundo As discrepâncias entre o Norte ruralizado e as produções
em disco, correspondem a produções típicas de latitudes padronizadas, morfológica e tecnologicamente, das urbes
onde a islamização foi muito ténue ou não existiu de todo, islâmicas eram ainda uma realidade incontestável na época
como no atual concelho de Paredes, onde são datados do em que ocorreu a conquista de Santarém por D. Afonso
século XI-XII (SILVA, 2008:126), enquanto em Belmonte Henriques, como se observa no caso do Baldoeiro, um castelo
foram recuperados em unidades estratigráficas formadas roqueiro da região de Moncorvo, onde o recurso frequente
entre os séculos XII-XIII (MARQUES, 2000:261). Com à torneta até ao século XII demonstra que a «produção
uma cronologia eventualmente mais recuada, assinalem-se oleira deveria assentar portanto em pequenos artesãos não
os contextos de Conímbriga, onde correspondem à terceira especializados, com pequenas produções de âmbito muito
fase das produções cerâmicas enquadradas entre os séculos X local» (RODRIGUES, 1994:41).
POSTER 463
Na mesma área geográfica, as produções da vila de fundação que os monarcas pretendiam alçar a núcleos urbanos1.
de Santa Cruz da Vilariça apresentavam uma maior
uniformidade formal, bem como melhorias no acabamento Neste contexto, Leiria recebe foral em 1142, certamente com
das peças, anunciando uma maior especialização da produção o duplo propósito de defender Coimbra e preparar o assédio
(RODRIGUES, 1994:70), pelo que o puncionamento a Santarém (MATTOSO, 2003:96). Embora só se conheça
das asas aí verificado, mesmo que na sua génese tenha um documento homólogo para Torres Novas, outorgado em
correspondido a uma imposição técnica, permaneceu como 1190 no rescaldo da invasão almóada que transpôs o Tejo, a
um opção decorativa amplamente divulgada, decorrente referência em 1179 no testamento de D. Afonso Henriques
dos gostos e paradigmas culturais das gentes do Norte. O aos «pobres» desta vila, contemplados com uma doação do
mesmo pode ser induzido para as tonalidades negras obtidas monarca, permite perspetivar a existência de um documento
num ambiente redutor durante a pós-cocção. Assinala-se anterior, entretanto desaparecido. De resto, esta mesma
que, mau grado as produções de Santa Cruz da Vilariça referência foi já interpretada como uma demonstração
demonstrarem uma maior especialização no processo de de que o tecido social desta povoação se encontrava ainda
fabrico, apenas 8% dos fragmentos tiveram uma pós-cocção em reorganização, verificando-se uma forte componente
oxidante, enquanto nas cerâmicas do Baldoeiro, que como de contingentes populacionais instalados recentemente e
vimos correspondem a soluções de qualidade inferior, se deficientemente integrados na exploração económica do
verifica que metade do espólio recolhido foi cozido com essa território (COELHO, 1992:58). Realidade que, aliás, pode
técnica (RODRIGUES, 1994:71), pelo que a preferência ser induzida no próprio topónimo da vila.
pelas cores escuras seria agora mais uma questão de “gosto”
que uma imposição tecnológica. Independentemente de uma eventual ocupação islâmica
destes pontos estratégicos fundamentais para o controlo
Assim, a presença em Santarém de materiais que assumem da circulação entre Santarém e Coimbra, ainda não
aspectos formais, decorativos e tecnológicos típicos de caracterizada em extensão, todos os dados apontam para que
latitudes setentrionais estará intimamente relacionada com a sua transformação em centros de feição urbana só tenha
a conjuntura do século XII, em que o Vale do Tejo foi palco ocorrido num momento posterior à conquista cristã, escorada
de uma substituição de poderes, mas também de uma ampla na chegada de novos povoadores. A origem geográfica da
movimentação de contingentes populacionais prontos a maioria destes contingentes populacionais seriam as áreas
instalar-se nas cidades recém-conquistadas. Esta leitura ruralizadas do Norte da Península, onde a equação entre
compagina-se com a identificação de elementos semelhantes recursos disponíveis e densidade da população se traduziam,
nas “fundações” de cariz urbano que anteciparam o assalto em época medieval, numa reserva humana sempre pronta a
definitivo a Santarém por D. Afonso Henriques, como deslocar-se para paragens mais dinâmicas economicamente,
Leiria, ou que posteriormente estruturaram a defesa da processo demonstrado pelo recenseamento da antroponímia
Estremadura, como Torres Novas, povoações onde foram na Santarém pós-1147, onde surgem amiúde os referentes
já identificadas, respetivamente, asas puncionadas (LOPES, galego ou castelhano (BEIRANTE, 1992-1993:103-110;
2001:36) e alguidares de base em disco (COSTA, 2007:299). VIANA, 2007:169).
Assinale-se que a partir do século XII, D. Afonso Henriques As cerâmicas que vimos discutindo serão o registo material
e os monarcas subsequentes, com o objetivo final de da sua chegada. Se para as outras povoações mencionadas
maximizarem as suas prerrogativas militares face aos persistem algumas dúvidas2, no caso de Santarém é óbvio que
senhorios laicos e religiosos, nomeadamente atalhando a sua contactaram com um universo técnico e cultural totalmente
dependência da mobilização de mesnadas de tipo “feudal”, diferente, que anos antes se relacionava com uma área de
desenvolveram uma ativa política de estruturação de núcleos domínio político, mas essencialmente com questões como
urbanos em torno de fortalezas administradas por figuras a amplitude das relações comerciais, a estrutura económica-
diretamente dependentes do poder real. Maximizavam, assim, produtiva e a correlativa diferenciação ao nível das
as potencialidades de recrutamento dos habitantes locais modalidades de integração do território e da sua exploração.
que constituiriam a base da cavalaria vilã, corpo castrense Demonstram, portanto, que nos finais do domínio islâmico
amplamente representado nas campanhas ofensivas dos coexistiram duas tradições cerâmicas completamente
monarcas da primeira dinastia, mas que também assegurava a diferentes e que correspondiam a dois grupos populacionais
vigilância das fortalezas face às investidas dos beligerantes. Os distintos: indivíduos culturalmente islamizados,
documentos foralengos, normalizando as questões judiciais, independentemente do credo religioso, e populações cristãs
fiscais, económicas e atribuindo privilégios aos novos alógenas. No entanto, estes novéis habitantes rapidamente
povoadores, são o testemunho documental por excelência abandonaram as suas tradições artefactuais, substituindo-as
da política de atração de contingentes populacionais a locais pelas de matriz mediterrânica em voga na cidade, uma vez
1 O processo atingirá o seu auge com D. Afonso III, que após a conquista do Algarve concentrará os seus esforços junto da raia castelhana, tendo sido já analisado em profundidade
para a linha de defesa do extremo minhoto (ANDRADE, 1994) e, numa abordagem preliminar, para área do Alto Alentejo (LIBERATO, 2012).
2 Uma ocupação islâmica foi já sugerida para Leiria e Torres Novas. Ambos os estudos têm como principal argumento a identificação de cerâmica pintada a branco. Mas a sua presença
não impede que se tenham depositado no contexto da sua promoção a sítio urbano no século XII, acompanhando, por exemplo, colonos de Coimbra, onde a pintura a branco estava
vulgarizada. Se os dois fragmentos de Leiria surgem em unidades estratigráficas “revolvidas”, o exemplar de Torres Novas foi identificado no enchimento de um silo, no depósito [41],
que se terá depositado entre os séculos X-XI. A percentagem da pintura a branco (inferior a 1%), das peças que receberam uma pós-cocção redutora (cerca de 40%) e a frequência de
bordos triangulares, (LOURENÇO, 2002, pp. 122-123) convidam, na nossa opinião, a uma revisão cronológica.
464 O MEDITERRÂNEO E O ATLÂNTICO - THE MEDITERRANEAN AND THE ATLANTIC
que aparentemente nenhuma das características técnicas ou de Leiria. Leiria:Câmara Municipal de Leiria, pp. 31-37.
decorativas das cerâmicas setentrionais foram plasmadas nas
LOURENÇO, Sandra (2002) - A ocupação medieval na Rua
produções locais.
Tenente Valadim, nºs 1 e 3 (Torres Novas). Nova Augusta.
N.º 14, pp. 109 – 156.
Naturalmente a investigação carece de mais dados,
nomeadamente da publicação de outros conjuntos cerâmicos, MAN, Adriaan de (2006) - Conimbriga. Do Baixo Império à
para que se possa verificar da importância relativa destas Idade Média., Lisboa:Edições Silabo.
“contaminações” setentrionais e clarificar todo o âmbito
MARQUES, António Augusto da Cunha (2000) – Escavações
cronológico destes influxos que continuariam, ainda que em
arqueológicas no Castelo de Belmonte (1992-1995). Beira
menor escala, ao longo da Baixa Idade Média. Interior. História e Património. Actas das I Jornadas de
Património da Beira Interior. Guarda:Câmara Municipal da
Guarda, pp. 253-286.
BIBLIOGRAFIA
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medieval del Castro de los Judíos, Puente Castro (León).
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Campaña de 1999, Léon:Universidad de Léon/Secretariado
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um reino. Nova Augusta – Revista de Cultura. N.º 6, pp. 55-
OSÓRIO, Marcos (2004) - Novos contributos para o estudo dos
67
Castelos Velhos (Guarda). Praça Velha, N.º 15, pp. 5-15.
COSTA, Cláudia; et. al., (2007) – A intervenção arqueológica
no nº 121 da Rua Carlos Reis (Torres Novas). Primeiros PEREIRA, Vítor (2003) – Intervenção arqueológica no
Resultados. Nova Augusta. N.º 19, pp. 287-318. edifício dos antigos Paços do Concelho, Guarda. Actas
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