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Idoc - Pub James R Edwards o Comentario de Marcos
Idoc - Pub James R Edwards o Comentario de Marcos
de
MARCOS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Edwards, James R.
O comentário de Marcos / James R. Edwards; tradução de Helena
Aranha. — São Paulo : Shedd Publicações, 2018.
632 p.
Bibliografia
ISBN: 978-85-8038-071-2
Título original: The Gospel According to Mark
1. Bíblia N.T. Marcos - Comentários 2. Jesus 3 .1. Título II. Aranha, Helena
18-1763 CDD-226.307
MARCOS
Tradução
Helena Aranha
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SHEDD
C o p y rig h t © 2002 W m . B. E e rd m a n s P ub lish in g Co.
2140 O a k In d u strial D riv e N . E .
G ra n d R apids, M ichigan 49505
A ll rights reserved.
I a E d içã o - N o v e m b ro de 2018
C o m p ras online
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m eios (m ecânicos, eletrô n ico s, xerográficos,
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d ad o s, etc.), a n ã o ser em citações breves
c o m in d icação d e fonte.
IS B N 978-85-8038-071-2
T r a d u ç ã o - H elen a A ran h a
R e v isã o - R egina A ra n h a
D ia g r a m a ç ã o & C apa - E d m ilso n F razão B izerra
P ara m in h a m ãe,
M ary E le a n o r C allison E dw ards,
que, d e ac o rd o c o m H e b reu s 13.7,
foi q u em p rim eiro falou p ara m im a palavra de D eu s,
e cuja vida te m sid o u m a in sp iração p a ra m in h a fé.
Sumário
INTRODUÇÃO..................................................................... 27
1. HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DE MARCOS...................... 27
2. AUTORIA E LOCAL DA COMPOSIÇÃO..................................... 29
3. DATA................................................................................................ 33
4. CONTEXTO HISTÓRICO............................................................37
5. CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS ESPECÍFICAS....................37
5.1 E s tilo ......................................................................................................................... 37
5.2 T écnica de s a n d u íc h e .............................................................................................39
5.3 Ir o n ia ......................................................................................................................... 39
6 . JESUS NO EVANGELHO DE MARCOS......................................40
6.1 A au to rid ad e d e J e s u s ............................................................................................ 40
6.2 O serv o d o S e n h o r................................................................................................. 42
6.3 O Filho d e D e u s ......................................................................................................43
7. TEMAS CARACTERÍSTICOS....................................................... 44
7.1 O d isc ip u la d o .......................................................................................................... 44
7.2 A f é .............................................................................................................................44
7.3 O s que p erte n cem ao g ru p o ín tim o e os d e f o r a .............................................45
7.4 O s g e n tio s ................................................................................................................46
7.5 A o rd e m p ara silen ciar.......................................................................................... 46
7.6 A jo rn a d a ..................................................................................................................47
8 . A ESTRUTURANARRATIVA.................................................... 48
e m atu rid ad e teológica; habilidade para trab alh ar c o m diversos gên ero s literá-
rios; co m p re e n sã o m eticu lo sa d o c o n te x to judaico e g reco -ro m an o ; d o m ín io
da vasta literatu ra secu nd ária sem p e rm itir q u e essa literatura d ite a agenda
o u faça c o m q u e o leito r m erg u lh e em detalhes p eriféricos sem -fim . Jam es
E dw ard s re ú n e ad m irav elm en te essas qualidades. Seu co m en tá rio reflete o
estu d o de u m a v id a to d a, a qualidade d e ju lg am en to inteligente e c o m capa-
cidade de d iscern im en to , c o m o ta m b é m equilibrado. A lém disso tu d o , ele
acrescen ta u m a reverência seren a p elo texto, atitu de ap ro p riad a e edificante.
E u m p ra z e r e u m a h o n ra incluir seu co m e n tá rio n e sta série.
D. A. C arso n
Prefácio do autor
lC r 1Crônicas
1Ciem. / Clemente
IC o 1C orintios
lEnoque lEnoque
lE d lE sd ra s
IJo ljo ã o
lR s IReis
IM ac IM acabeus
lP e 1Pedro
lQ F lo r Florilegium da Caverna U m , M anuscrito do M ar M o rto (MMM)
1QM Manuscrito deguerra, MMM
lQ p H a b Pesher on Habakkuk [Comentário sobre Habacuque], M MM
1QS Regra da comunidade, M anual de disciplina, M M M
lQ S a A pêndice A (Regra da congregação) até 1QS, M M M
ISm 1Samuel
lT s ITessalonicenses
lT m 1T im óteo
2Apoc. Bar. G rego, Apocalipse de Baruque
2Apoc. Tg 2Apocalipse de Tiago
2Bar. Siríaco Apocalipse de Baruque
2Cr 2Crônicas
2Clem. 2Clemente
2Co 2C oríntios
2Ed 2Esdras
2Jo 2João
2Rs 2Reis
2Mac 2M acabeus
2Pe 2Pedro
A b re v ia ç õ e s 16
2Sm 2Samuel
2Ts 2Tessalonicenses
2Tm 2T im óteo
3Jo 3João
4E d 4 E sdras
4M ac 4M acabeus
4Q N ah 4Q N au m , M M M
4 Q P rN a b 4Q Oração de Nabonido, M M M
4Q 175 Antologia messiânica, M M M
11Q T Manuscrito do templo, M M M
AB A n ch o r Bible
AB D Anchor Bible Dictionary [Dicionário Anchor Bible], 6 vols.,
ed. D. Freedm an
A tos A tos dos A póstolos
Atos deJoão Atos deJoão
Atos de Pedro Atos de Pedro
Atos de Pilatos Atos de Pilatos
Atos de Tomé Atos de Tomé
Adv. Haer. Ireneu, Contra as heredas
Ag.Ap. Josefo, Contra Apião
AnBib A nalecta bíblica
Ann. Tácito, Anais
Ant. Josefo, Antiguidades dosjudeus
Ap. Platão, Apologia
Ap. Tg. Apócrijo de Tiago
Apoc. Ab. Apocalipse deAbraão
Apoc. Elias Apocalipse de Elias
Apoc. Pe. Apocalipse de Pedro
Apol. Justino M ártir, Primeira Apologia
Aram. A ram aico
art. artigo
Ase. Isa. Ascensão de Isaías
AsiaJournTheol AsianJournal of Theology
As. Mos. Assunção de Moisés
A SN U A cta seminarii neotestam entica upsaliensis
ATANT A bhandlungen zu r Theologie des A lten und
N eu en T estam ents
BA BiblicalArchaeologist [.Arqueólogo bíblico]
BAG A Greek-English lexicon of the New Testament and
Other Early Christian Literature,
ed. W Bauer, rev. W A rn d t e F. G ingrich, 1967
17 A b re v ia ç õ e s
CD Documento de Damasco, M M M
sec. século
cf. com pare
cap(s). capítulo(s)
Cl C olossenses
Com. Comentário
ConB C oniectanea bíblica
Contra Celsum O rígenes, Contra Celso
C R IN T C om pendia R erum Iudaicarum ad N ovum Testam entum
m. m o rto
Dn D aniel
Dt D eu tero n ô m io
Dial. Sav. Diálogo do Salvador
Dial. Trif. Justino M ártir, Diálogo com Trifio
Did. Didaquê
diss. dissertação
MMM M anuscritos d o M ar M o rto
Ec Eclesiastes
ed. editado
ED NT Exegetical Dictionary of the New Testament, 3 vols.,
ed. H. Balz e G. Schneider
Eg. Pap. Evangelho de Egerton ou Papiro de Egerton
EKKNT E vangelish-katholischer K om m entar zum
N eu en T estam ent Ench. Enchiridion
Encjud. EncyclopaediaJudaica, 1971
Ing. Inglês
Port. Português
Ep. Ap. Epistula Apostolorum [Epístola dos apóstolos]
Ef Efésios
Disc. Epict. Discursos de Epicteto, organizadopor Arriano,
Ep.Jer. Epístola deJeremias
Ep. Pe. Fil. Carta de Pedro a Filipe
Ep. Pol. Fp. Epístola de Policarpo aosfilipenses
esp. especialm ente
EstBih Estudios Bíblicos
Et Ester
ETL Ephemerides theologicae Lovanienses
ETR Etudes théologiques et religieuses
E vT Evangelische Theologie
Ex E xodo
19 A b re v ia ç õ e s
pi. plural
P.Ox. Papiros de O xirrinco
O r A zar O ração de Azarias
O r M an O ração de M anassés
Prot. Tg. Protoevangelho de Tiago
Pv Provérbios
SI Salmos
SI. Sol. Salmos de Salomão
Quest. Bart. A s questões de Bartimeu
Rab. Exod. Êxodo de Rabá
RB Revue Biblique
Refut. Om. Haer.: H ipólito, Refutação de todas as heresias
reimpr. reim pressão
ResQ Restoration Quarterly
Ap A pocalipse
rev. revisado
RevBib Revue biblique
RevistB Revista Bíblica
RevQ Revue deQumran
RIDA Revue Internationale des droits de Fantiquité
Rm R om anos
Rt Rute
SBLDS Society o f Biblical L iterature D issertation Series
SBLSS Society o f Biblical Literature Semeia Studies
SBT Studies in Biblical T heology
ScEs Science et Esprit
Sib. Or. Oráculos Sibilinos
Sir Eclesiástico ou Sabedoria de Jesus B en Sirac
SJLA Studies in Judaism in Late A ntiquity
SJT ScottishJournal of Theology
SNTSMS Society for N ew T estam ent Studies M onograph Series
SNT(SU) Studien zum N eu en T estam ent (und seiner Umwelt)
Spec. Leg. Fílon, Leis especiais
Str-B Kommentar tçumNeuen Testament aus dem TalmudundMidrasch,
6 vols., eds. H. Strack e P. Billerbeck
Suz Suzana
T.Adão Testamento deAdão
TBei Theologische Beitrãge
T. Benj. Testamento de Benjamim
t. Ber. Berakhot, Toseftá
A b re v ia ç õ e s 24
1. H IS T Ó R IA D A IN T E R P R E T A Ç Ã O D E M A R C O S
2. A U T O R IA E L O C A L D A C O M P O S IÇ Ã O
5 H.-H. Stoldt, History and Criticism of the Marcan Hypothesis (Macon, Ga.: Mercer
University Press/E dinburgh: T. & T. Clark, 1980), p. 1: “A análise crítica das fon-
tes do evangelho é justificavelmente considerada um dos problemas de pesquisa
mais difíceis na história das ideias. [...] É possível afirmar que nenhum outro
empreendimento na historia das ideias foi sujeito a um escrutínio acadêmico tão
amplo e profundo quanto esse” .
6 M. Hengel, Studies in the Gospel of Mark, trad. J. Bowden (Philadelphia: Fortress
Press, 1985), p. 64-69; M. Hengel, TheFour Gospels and the One Gospeloffesus Christ,
trad. J. Bowden (Harrisburg: Trinity Press International, 2000), p. 34-115.
Introdução 30
9 O p rólogo antim arcionita; Ju stin o M ártir, D ial. T rif.p. 106; Iren eu , A dv. Haer.
3.1.1; H ipólito, sobre lP e 5.:13; C lem ente de Alexandria (citado em E u séb io H ist.
Ecl. 6.14.6; O rígenes (citado em E usébio, H ist. Ecl. 6.25.5); Jerónim o, Com. deM t,
Prooemium 6). Veja mais, Eusébio, H ist. Ecl. 2.15; 5.8.2. Veja o m aterial reunido em
V. Taylor, The GospelAccording to St. M ark,p. 1-8; W. G ru n d m an n , D as Evangelium nach
Markus, p. 22-23; e H. Y íoestet, Ancient Christian Gospels: Their History and Development
(Philadelphia: Trinity Press International, 1992), p. 289-90. A os testem u n h o s
acima, tam bém poderia ser acrescentado o C ânone M uratório que co n tém um a
lista de livros reconhecidos p o r sua autoridade em R om a n o p erío d o de 170-190.
A parte inicial d o C ânone M uratório foi perdida, e a porção sobrevivente co n tém
apenas um fragm ento da afirm ação final sobre M arcos (“ na qual, n o entanto, ele
estava presente e assim a escreveu”). A afirm ação acima, em b o ra incom pleta, é
razoavelm ente explicada, com o nas tradições preservadas p o r Papias, Iren eu e
Introdução 32
3. DATA
A d ata d o evangelho de M arcos é tão o b sc u ra q u a n to seu autor. E m ne-
n h u m tre c h o o evangelho d e M arcos, n em q u aisq uer do s o u tro s evangelhos
canônicos, fo rn ece in fo rm aç õ es específicas p o r m eio das quais p o ssam ser
datados. U m a d ata ap ro x im ad a da co m p o siçã o d e p e n d e de u m a com b in a-
ção d e relato s d e fo n tes ex tern as e n o q u e a evidência in te rn a n o p ró p rio
evangelho su g ere c o m re sp eito à datação. E m a m b o s os casos, a evidência é
lim itada, e, p o r conseguinte, as conclusões so b re a data d o segundo evangelho
têm d e ser tentativas.
Iren eu , co m resp eito à evidência ex tern a, relata q u e M arcos só escreveu
o evangelho d ep o is d o “ êx o d o ” (gr. êxodos) d o s a p ó sto lo s P ed ro e Paulo em
R om a (Adv. Haer. 3.1.1). O u so d o te rm o “ êx o d o ” na passagem significa
a m o rte d e P ed ro e P aulo (co m o ta m b é m o u so d a palavra em 2P e 1.15; e
E usébio, Hist. Ecl. 5.8.2). Isso é co n firm a d o p elo te ste m u n h o d o P ró lo g o
antim arcio n ita — u m a fo n te c o n te m p o râ n e a d e Ire n e u , se n ão an terio r —
que m e n cio n a de fo rm a explícita a m o rte de P e d ro antes d a com posição
do evangelho p o r M arcos (lat. post exceáonem ipsius Petri). E ssa tradição não
é u nânim e, n o en tan to , p o r causa d e dois pais d o século III, C lem en te de
A lexandria (E usébio, Hist. Ecl. 6.14.6-7; 2.15.2) e O ríg e n e s (Flusébio, Hist. Ed.
6.25.5), en q u a n to ela silencia co m resp eito a Paulo, relata que M arcos co m p ô s
o evangelho em R o m a durante o p e río d o d e vida de P edro. N ã o é m ais p os-
sível julgar quais dessas duas trad içõ es é c o rreta, m as as evidências externas
com binadas, d e q u alq u er m o d o , localizam a co m p o sição de M arcos p e rto
do fim da vida de P ed ro o u lo g o d ep o is dela. A trad ição da igreja prim itiva é1
11Taylor, The GospelAccording to St. Mark, p. 7, conclui a análise crítica completa dos
antigos testem unhos do evangelho de Marcos, portanto: “ Em suma, podemos
dizer que, desde o início do século II, a evidência externa concorda em atribuir a
autoria do evangelho de Marcos, ‘o intérprete de Pedro’, e [...] em designar o local
de sua composição em Roma” . D a mesma forma, J. Wenham, Reading Matthew,
Mark and Luke (Downers Grove: InterVarsitv Press, 1992), p. 142: “Todos esses
testemunhos apontam para um cerne sólido da tradição, o que torna Marcos o
autor do evangelho e também um cooperador de Pedro, e isso torna seu livro um
registro fiel do que o apóstolo ensinou em Roma.
Introdução 34
12 Veja ainda a discussão dessa questão em 13.14, e tam bém H engel, Studies in the
Gospel o f M ark, p. 18.
13 “N o n m ultum praestant, sed cito; n o n subest uera uis nec penitus inmissis ra-
dicibus nidtur, u t quae sum m o solo sparsa sund sem ina celerius se effundunt et
imitatae spicas herbulae inanibus aristis ante m essem flauescunt. Placent haec
annis com parata; deinde stat profectus, adm irado decrescit” (Institutio Oratorio
1.3.5). H. E. B utler (LCL; 1963) traduz o texto acim a desta form a: “ Eles não
Introdução 36
têm poder de fato, e o que você tem não passa de um crescimento raso: é como
quando lançamos a sem ente na superfície do solo: ela nasce com rapidez, a folha
imita a espiga com grãos, e os amarelos anunciam o tem po da colheita, mas não
há grãos. Essas trapaças nos agradam quando as contrastamos com a idade do
executor, mas o progresso logo é interrompido, e nossa admiração murcha” . Sobre
a similaridade do texto acima com a versão de Marcos da parábola do semeador,
H. J. Rose, “ Quintilian, T he Gospels and Corned}'” , Classical Review 39 (1925), p.
17, escreve que “essa passagem nos apresenta um paralelo mais próximo do texto
original que conheço, não apenas pela tendência geral da parábola do semeador,
mas graças à form a com o se desenvolve um detalhe dela. [...] Aqui, detalhamos
um paralelismo que se estende até mesmo às palavras usadas, quando levamos em
consideração as diferenças entre o estilo simples de Marcos e o estilo elaborado
de Quintiliano”.
14 F. H. Colson, “Quintilian, the Gospels and Christianity,” ClassicalReview?>9 (1925),
p. 167.
15 Ibid.,p. 169: “N ão hesitaria em dizer que a explicação natural era [...] que Quin-
tiliano tinha, quer por interm édio de Domitila quer pela leitura direta do texto,
em prestado do evangelista, e que temos aqui a primeira adaptação dos evangelhos
em um escritor pagão e talvez o primeiro em qualquer escritor” .
16 Wenham, ReadingMatthew, M ark and Cuke, p. 146-72, argumenta que Pedro visitou
Roma no início do reinado de Cláudio (em 42-44), e que Marcos foi escrito logo
depois disso em c. 45. Apesar dos argumentos corajosos de Wenham e outros
37 C aracterísticas literárias específicas
4. C O N T E X T O H I S T Ó R I C O
D e ta lh e s relevantes n o se g u n d o evangelho c o rro b o ra m a reco n stru çã o
histórica p re c e d e n te d e q ue a in ten çã o d o evangelho d e M arcos era retratar
a p esso a e m issão d e Jesu s C risto p ara os cristão s ro m a n o s en fren tan d o
perseguição so b N e ro . N ã o resta a m e n o r d ú v id a d e q u e M arcos escreveu
para os leitores g entios, e o s g en tio s ro m a n o s e m particular. M arcos cita com
relativa p o u c a frequência o A n tig o T e sta m e n to e explica os co stu m es judai-
cos p o u c o s fam iliares a seus leitores (7.3,4; 12.18; 14.12; 15.42). E le traduz
frases aram aicas e hebraicas p o r seus equivalentes greg o s (3.17; 5.41; 7.11,34;
10.46; 14.36; 15.22,34).17 E le ta m b é m in c o rp o ra u m a série d e latinism os ao
transliterar ex p ressõ es latinas fam iliares p ara os caracteres g re g o s.18 P o r fim,
M arcos ap re se n ta os ro m a n o s em u m a luz n e u tra (12.17; 15.1,2,21,22) e al-
gum as vezes favorável (15.39). E sses d ad o s in d icam que M arcos escreve para
leitores g re g o s cuja e stru tu ra p rim ária d e referên cia era o Im p ério R om ano,
cuja língua nativa era ev id en te m e n te o latim , e p a ra os quais a te rra e o éthos
judaico de Jesu s n ã o lhes eram fam iliares. M ais u m a vez, R om a p arece ser o
lugar o n d e e p ara o qual o seg u n d o evangelho foi c o m p o sto .
5 .2 Técnica de sanduíche
O se g u n d o ev an g elh o in te rro m p e c o m fre q u ê n c ia u m a h istó ria ou
p eríc o p e ao in serir ali u m a seg u n d a h istó ria a p a re n tem e n te sem qualquer
relação co m a prim eira. P o r exem plo, n o cap ítu lo 5, Jairo, u m dirigente da
sinagoga, p ed e a Jesu s p ara cu rar sua filha (w . 21 -24). U m a m u lh er c o m u m a
h em o rrag ia in te rro m p e Jesu s q u a n d o este estava a cam in h o para a casa de
Jairo (w . 25-34) e só ap ó s o reg istro d a cu ra d a m u lh er é q u e M arcos re to m a
de fato a ressu rreição da filha d e Jairo q ue m o rre ra n esse ín terim (w . 35-43).
E sse sand u ích e em p articu lar é so b re a fé, m as o u tro s sanduíches, co m nove
o co rrên cias n o evangelho,20 en fatizam tem as co n c o m itan tes de discipulado,
testem u n h o s o u perig o s d a apostasia. O s sanduíches, p o r conseguinte, são
co nv ençõ es literárias co m p ro p ó sito s teológicos. C ada unidade de sanduíche
co nsiste d a sequência A ’-B -A 2, em que o c o m p o n e n te -B fu n cio n a co m o
um a chave teológica p ara as m etad es q u e o ladeiam . P o d e haver ru d im en to s
da técnica d e san d u ích e nas trad içõ es q u e M arcos recebeu, m as u m a com -
paração d e M arco s c o m os o u tro s sin ó tico s revela q ue ele em p reg a a técnica
sanduíche de u m a fo rm a p ro n u n c ia d a e única p ara salientar os principais
tem as d o evangelho.21
5.3 Ironia
M arcos é o m estre d o inesperado. O seg u n d o evangelho, além desse
estilo n arrativ o vivaz e da técnica de sanduíche, é caracterizado pela ironia. O
uso da iro n ia é im p o rta n te p ara o se g u n d o evangelista que, ao lo n g o de to d o
o evangelho, d escreve Jesu s c o m o aquele q u e desafia, c o n fu n d e e algum as
vezes q ueb ra os estereó tip o s convencionais, q u er religiosos, q u er sociais, quer
políticos. A re sp o sta de Jesu s a várias pessoas e situações — e a resp o sta delas
a ele — n ão é de fo rm a algum a o q u e o leito r antecipa. O s líderes religiosos
e m orais, c o n fo rm e re p re se n ta d o s pelos escribas e Sinédrio, p o r exem plo,
estão em incessante co m b ate co m Jesu s ao lo n g o d o evangelho, ao p asso que
a m ulh er g en tia siro-fenícia sem n e n h u m a re p u ta ção é elogiada p o r sua fé
(7.29). D a m esm a fo rm a, aqueles m ais p ró x im o s de Jesus — seus discípulos
(8.14-21,33; 10.35-45) e até m esm o sua p ró p ria fam ília (3.21,31-35; 6.1-6) —
perceb em sua m issão e ser apenas g ra d u alm en te e c o m dificuldade, ao passo
que os de fora, c o m o o cego B artim eu (10.46-52) e o cen tu rião g entio (15.39)
20 3.20-35; 4.1-20; 5.21-43; 6.7-30; 11.12-21; 14.1-11; 14.17-31; 14.53-72; 15.40— 16.8.
21 VejaJ. R. E dw ards, “ M arkan Sandwiches: T h e Significance o f In terp o latio n s in
M arkan N arratives”, N opT 31 (1989), p. 193-216.
Introdução 40
Is 43.16) e designa Jesu s pela m esm a ex p ressão (egõ eimi; “ E u S ou”) usada
p o r D e u s q u an d o ele se revela a M oisés (E x 3.14, LX X ). O u tra s exibições
d a au to rid a d e divina de Jesu s incluem seu a m arrar d e Satanás, o “ h o m e m
fo rte ” (3.27); sua afirm ação de p e rd o a r p ec ad o s (2.10) e sua su b stituição d o
tem p lo em Jeru salém c o m o o locus Dei, o lugar o n d e D e u s se e n c o n tra co m
a h u m an id ad e (15.38,39). Sua fala p ara D e u s e c o m ele é única e n tre os rabis
judaicos: ao p refaciar as declarações c o m Amén (“D ig o a v erd ad e” o u “ E m
v erd ad e” [ARA, A R C ]), ele o u sa falar co m a au to rid a d e d e D eu s; e sua re-
ferência a D e u s c o m o “A b d ’ (14.36) exibe u m a intim idade filial co m D eus,
algo sem paralelos n o judaísm o. Jesus, q u an d o q u e stio n ad o so b re a fo n te de
sua au to rid ad e, a p o n ta para seu b atism o p o r Jo ão , m o m e n to em q u e a voz o
d eclarou F ilh o d e D e u s, e o E sp írito q ue lhe d á p o d e r c o m o serv o d e D e u s
lhe co n fere a exousia d e D e u s (11.27-33).22
7. T E M A S C A R A C T E R Í S T I C O S
7 .1 Discipulado
H á em M arcos u m rela cio n am en to causai en tre o m inistério de Jesu s e o
dos discípulos. A ssim c o m o Jesus está co m o Pai, tam bém os discípulos têm de
estar c o m ele (3.13). Jesu s o u to rg a p o d e r aos discípulos p ara em p re en d erem
o m in istério d o m estre de p ro clam ação e p o d e r so b re as forças d o m al (3.14;
6.7-13). A ssim c o m o o F ilh o d o h o m e m serv e em h um ildade sem co n sid erar
a si m esm o e até m e sm o co m so frim en to , assim ta m b é m devem agir os dis-
cípulos (10.42-45). “ Se alguém quiser acom panhar-m e, negue-se a si m esm o,
tom e a sua cruz e siga-m e” (8.34). Iro nicam ente, n o entanto, q u an d o alguém
p erd e a vida p o r C risto acaba a e n c o n tran d o em C risto (8.35). O discipulado é
definido repetidas vezes em M arcos pela sim ples proxim idade co m Jesus: estar
co m ele (3.13), sentar-se em volta dele (3.34; 4.10), ouvi-lo (4.1-20) e segui-lo
“pelo c a m in h o ” (1.16-20; 10.52). O ato sim ples, m as im p o rtan tíssim o , de
o u v ir e seguir Jesu s an teced e e é m ais im p o rta n te q u e a co m p re en são total
dele p o r p a rte d o s discípulos. O s discípulos, e em especial os D o z e , são
m o stra d o s co m freq u ên cia c o m o indivíduos a q u em falta co m p re en são e até
m esm o c o m co ração d u ro (8.14-26). É su rp re e n d e n te o b serv ar que isso não
co m p ro m e te o d iscipulado deles. O q u e Jesu s tem de en sin ar só p o d e ser
en sin ad o em u m re la cio n am en to de ap ren d iz q u e re q u er q u e os discípulos
estejam co m ele m ais d o que ten h am a plena co m p reen são de quem realm ente
é o m estre. N a verd ad e, a c o m p re e n sã o deles só p o d e vir d a p erspectiva da
cru z, q u a n d o a c o rtin a d o tem p lo é rasg ad a e o sen tid o da filiação divina de
Jesu s é final e to ta lm e n te revelada (15.38,39).
7.2 Fé
P ara M arcos, fé e d iscip u lad o n ão têm sen tid o à p a rte d e seguir o F ilho
so fre d o r de D eu s. A fé, p o r co n seg u in te, n ã o é u m a fó rm u la m ágica, m as
d ep e n d e d o o u v ir re p etid as vezes sua palavra e p articipação n a m issão. M ar-
cos m o stra d o is tip o s d istin to s d e resp o stas de fé em relação a Jesus. P o r um
lado, vários ind iv íd u o s d e m o n stra m p erc e p ç ã o e ato s d e fé notáveis p o r sua
rapidez e ausência d e p reced en te. Iro n ic am en te, essas p essoas via d e regra
são p ro v e n ie n tes d e fo ra d o círculo im ed iato d o s seguidores d e Jesu s e são
em geral m ulheres o u gentios. Q u a tro c o m p an h e iro s de u m paralítico, sem
qualqu er m e n ç ã o ao n o m e deles, são elogiados p o r sua fé (2.5), c o m o tam -
b ém o é u m lep ro so (1.40-42), u m a m u lh e r im p u ra q u e so fre d e hem o rrag ia
(5.34), u m a m u lh er siro-fenícia (7.24-30), o pai de u m g a ro to epilético (9.24),
45 T em as c a ra c te rís tic o s
7 .4 Gentios
O evangelho d e M arcos n ão só é escrito para um a audiência gen tia (veja
4 . Contexto histórico), c o m o ta m b é m re trata Jesus m in istran d o aos gentios
e aos judeus. O Jesu s d e M arcos é o Jesu s “ d o n o rte ” , o rien ta d o para as re-
giões além d a ó rb ita d o judaísm o d efin id o p o r Jeru salém . A G alileia, o ce n tro
d o m in istério inicial e fo rm a tiv o d e Jesus, fica n o ex trem o n o rte d a nação,
m as ainda na jurisdição d e Jeru sa lém , de o n d e re p resen ta n te s eram enviados
p ara esp io n ar o m in istério d e Jesu s (3.8,22; 7.1). A G alileia, n ão o b stan te,
tin h a um a relev an te p o p u laçã o g en tia (daí “ G alileia d o s g e n tio s” , Is 9.1; M t
4.15). Jesus, d e a c o rd o co m M arcos, deixa c o m frequência a G alileia para
ad e n tra r nas regiões d o s g en tio s: em D ecap ó lis n o leste d o m ar d a G alileia
ele cu ra u m h o m e m p o ssesso (5.1-20) e alim enta q u a tro mil pessoas (8.1-10),
d e m o n stra n d o o m esm o p o d e r em m eio ao s g entios q u e d em o n stra ra antes
en tre os judeus (6.31-44). E le em p re e n d e u m a jo rn ad a longa e to rtu o s a na
direção n o rte até T iro e S idom na Fenicia, o n d e, em m eio aos g ran d es rivais
pagãos de Israel, e n c o n tra u m a m u lh er de fé infatigável (7.24-30) e m ais tar-
d e cura u m su rd o -m u d o (7.31-37). D e ac o rd o c o m M arcos, Jesus, p o r p arte
d o s g entio s e nas regiões d o s g en tio s, e n c o n tra m aio r receptividade que nas
regiões judaicas. A s d u as g ra n d es co n fissõ es cristológicas d e M arcos são
relacionadas aos gentios: em C esareia d e Filipe, Jesus foi d eclarado o C risto
(8.27-30); e n a cru z, o c e n tu rião declara q u e Jesu s é o F ilho de D e u s (15.39).
7 .6 A jornada
O tem a final n o evangelho é o d a jornada. U m a citação d e Isaías n o início
descreve o evangelho d e Jesu s C risto c o m o “ o c a m in h o ” (1.2,3). N a prim eira
m etade d o evangelho, o ca m in h o é in d e te rm in a d o e está desfocado. Jesus
cruza c o m freq u ência o m a r da G alileia e, em u m a ocasião, faz um a longa e
sinuosa jo rn a d a p ara as regiões gentias a n o rte e a leste d a Galileia. E le está
co n tin u am en te em m o v im e n to , m as n ã o h á d estin o ap a ren te p ara seus m o-
vim entos. Só n o s lim ites m ais lo n g ín q u o s d e C esareia de Filipe (8.27) é que
as andanças na G alileia se fu n d e m em u m objetivo fo cad o que d eterm in a a
estru tu ra d o re sta n te d o evangelho. Ali P ed ro declara q u e Jesu s é o M essias,
e Jesus, daí e m d iante, v o lta sua face p ara Jeru sa lém e dirige seus passo s p ara
essa cidade. “ N o c a m in h o ” to rn a -se o refrão tem ático d a seg u n d a m etad e
8. A E S T R U T U R A N A R R A T IV A
A C H A V E P A R A M A R C O S (1.1)
Je s u s , c u jo n o m e e m h e b ra ic o é u m a v a ria n te d e “ Y e h o s h u a ” (p o rt.
“J o s u é ”) e cu jo s e n tid o é “ D e u s é salvação” , é d e fin id o n o p ró lo g o d e M a rc o s
c o m o o “ C risto ” e o “ F ilh o d e D e u s ” . (Veja os e x c u rso s s o b re Cristo e m 8.29
e s o b re Filho de Deus e m 15.39.) O F ilh o d e D e u s é u m títu lo m ais c o m p le to
p a ra a p e s s o a e m issã o d e Je su s q u e M essias, e é o títu lo d e p rim e ira o rd e m p a ra
Je su s d a d o p o r M a rc o s, a p rin c ip a l a rté ria d o ev an g elh o .8 A frase “ P rin c íp io
d o ev a n g e lh o d e Je s u s C risto , o F ilh o d e D e u s ” (1.1) é o p ró lo g o , n a v e rd a d e a
se n te n ç a tó p ic o , d o e v a n g e lh o d e M arco s. P o d e se r até m e s m o c o n sid e ra d o o
títu lo d o ev an g elh o , d e s d e q u e n ã o esteja d isso c ia d o d o q u e se seg u e, c o m o a
c o n e x ã o c o m J o ã o B a tista n o v e rsíc u lo 2 ev id en cia. N o v e rsíc u lo 1, M a rc o s
d e c la ra o c o n te ú d o e sse n c ia l d e euangelion, c o m o “ b o a s -n o v a s ” . O e v a n g e lh o
d e M a rc o s, p o r ta n to , n ã o é u m a h is tó ria d e m is té rio e m q u e o s le ito re s tê m
d e ju n ta r as p e ç a s aq u i e ali p a ra d e s c o b r ir se u s e n tid o ; n e m é u m a c rô n ic a
e n f a d o n h a d e d a ta s e lu g a re s se m p r o p ó s ito o u re le v â n c ia, n e m ta m p o u c o é
re d u z ív e l a u m m e r o siste m a d e p e n s a m e n to . A n te s , M a rc o s, d e s d e o in ício ,
a n u n c ia q u e o c o n te ú d o d o e v a n g e lh o é a p e s s o a d e Je su s, o C ris to e F ilh o
J O Ã O B A T IS T A : O P R E C U R S O R D E J E S U S (1.2 -8 )
13 Ml 3.1; Sir 48.10; P seudofílon, Bib. A n t. 48:1; 4 E d 6.26; Sib. O r 2:187-89; Apoc.
E lias 5.32,33; 4Q 558.
14 M. Ò hler, “T h e Expectation o f Elijah and the Presence o f the K ingdom o f G o d ”,
J B L \\% (1 9 9 9 ),p. 641-76.
57 M a rc o s 1.4
15 Marcus, The Way of lhe Lord, p. 31-41, vê corretam ente a importação cristológica
da abertura mosaica do Antigo Testamento. “O caminho para o Senhor” não é
basicamente uma referência ao com portam ento ético, mas à presente irrupção
de Deus em Jesus. Marcos, portanto, assinala que onde Deus agiu anteriormente,
Jesus age agora.
16A tradição manuscrita está dividida quanto ao v. 4, se baptism (“batizando”) deve
ser com artigo definid() ou sem artigo definido, ou seja, se é um título de João 0
M a rc o s 1.4 58
211\ ׳eja Lohm eyer, D as Evangelium des M arkus, p. 13-15; e M arcus, The W a jo f theLord,
p. 18-31, que argum enta que, n o N o v o T estam ento, o o b jeto do verb o kêryssein
(“ proclam ar”) é um a ação de D eus.
21 Metanoia e metanoeõ não oco rrem com frequência na L X X , em geral co m o um a
tradução de naham , “lam entar” o u “sentir rem o rso ” . As condições da pregação
para o a rrep en d im en to de Jo ã o B atista, em particular co m o p reservadas p o r
M ateus 3.7-10 e Lucas 3.7-9, revelam um padrão mais rem iniscente d o hebraico
J'hub, “voltar” , que o co rre m ais de mil vezes n o TM .
22 H . M erklein, “metanoia’’, E D N T 2 A \5 -\9 ■ J. B ehm , “metanoeõ”, 7 D A T 4 .1 .0 0 0 -
1.001.
61 M a rc o s 1.5-6
24 Veja M. Hengel, The CharismaticLeader and His Followers, trad. J. Greig (New York:
Crossroad, 1981), p. 35-37.
25 Veja Str-B 2.557.
26 A tradição do manuscrito do versículo 8 é dividida se João Batista batizava “na
água” ou apenas “por meio da água”. A primeira opção sugere imersão, ao passo
que a segunda é mais ambígua. E m bora um campo um tanto mais robusto do
manuscrito traga “na água” , apenas bydati (“por meio da água”) é preferível (1) por
causa do apoio dos principais manuscritos alexandrinos ( אB Δ) e (2) porque os
escribas tendiam a acrescentar en (“em ”) antes de bydati (“água”) para concordar
com passagens como Mateus 3.11 e jo ã o 1.26. Veja Metzger, TCGNT, p. 74.
63 M a rc o s 1.7-8
O B A T IS M O D E J E S U S (1.9 -11)
28 1.5: exepereueto [ . . .] .
pasa héloudaia chõra k a i hot Ierousolymitaipantes
k a i ebapti^onto hyp' autou en tç Jordan!! potamç
1.9: Uthen
Ièsous apo Nadaret tês Galilaias
k a i ebaptisthê eis ton Iordanèn.
Veja L ohm eyer, D as Evangelimn des M arkus, p. 20.
65 M a rc o s 1.9-10
29 Salmos 74.9; T. Benj. 9.2; 2Apoc. Bar. 85.3; IM ac 4.46; 9.27; 14.41; Josefo, A g . A p .
1.41. VejaJ. Jerem ias, N ew Testament Theology, trad.J. Bow den (N ew York: Scribner’s,
1971), p. 80-81. Veja Str-B 1.125-34 para mais evidencia de que o E spírito Santo
(o E spírito de profecia), após a m o rte dos últim os profetas Ageu, Zacarias e Ma-
laquias, desapareceu de Israel e, desse m o m en to cm diante, passou a se com unicar
apenas ocasionalm ente p o r interm edio do inferior B ath-Q o l (veja ainda, Str-B
2.128-34). C unrã, não obstante, era um a exceção a essa crença. Para um a visão
contraria de que os rabis não negavam a presença do E spírito Santo no judaísm o
do segundo tem plo, mas que eram indiferentes a ele, cm p arte devido ao desejo
deles de defender a autoridade deles do desafio do cristianism o nascente, veja F.
G reenspahn, “W hy P rophecy C eased” , J B L 108 (1989), p. 17-35.
M a rc o s 1.9-10 66
3(1 G. D alm an, TheWords o f Jesus, trad. D. M. K ay (Edinburgh: T. & T. Clark, 1909),
p. 203.
31 lEnoque 49.3; 62.2; 1Q S 4.6; para um a discussão detalhada, vejaJ. R. Edw ards, “T he
Baptism o f Jesus A ccording to the G ospel o f M ark” ,J E T S 34 (1991), p. 46-47.
32 Veja o m aterial reunido em E . Schweizer, “pneuma”, T D N T , 6.384.
33 O b serv e o julgam ento de R. B ultm ann: “N ã o existe um a palavra so b re a experi-
ência íntim a de Jesus. [...] M ateus e Lucas estão m uito co rreto s em co n sid erar a
67 M a rc o s 1.11
O F IL H O D E D E U S S E E N C O N T R A C O M O A D V E R S Á R I O D E
D E U S (1.12 ,13 )
dade. O E sp írito “im pei[e]” Jesu s o u “ e m p u rra p ara fo ra” (gr. ekballem) para
c o n fro n ta r Satanás. A im ag em é rem in iscen te d o b o d e expiatório carregado
co m os p ec ad o s d e Israel e expulso p ara o d e se rto (Lv 16.21). A v o z passiva
(“ sen d o te n ta d o p o r S atanás”), co m o as palavras usadas em 1.9 acim a, esta-
belecem m ais u m a vez Jesus c o m o o sujeito o u assun to inconteste. O E sp írito
qu e em p o d e ra o F ilh o p ara o m in istério o testa agora p ara d e te rm in a r se ele
usará sua filiação divina p ara sua p ró p ria van tag em o u se ele se su b m eterá
em ob ed iên cia a D eus.
A ten taç ão de Jesu s n ão é ap resen tad a co m o u m a circunstância infeliz
o u u m a dificuldade resu ltan te de u m lap so o u falha p o r p a rte de Jesus. O
qu e aco n tece co m Jesu s n o d e se rto é o rq u e stra d o d ivinam ente co m o o que
aco n te ceu co m ele n o Jo rd ão . O b atism o , c o n fo rm e o b serv am o s, é algo que
D e u s fez p ara Jesus; a ten tação , da m esm a fo rm a , é seu co rolário necessário,
p ara q u e Jesu s n ão seja im aginado co m o u m clone d ivino n em u m au tô m ato
que n ã o te m esco lha n e m desejo p ró p rio . A ten taç ão estabelece a ação sobe-
ran a e livre d e Jesu s que, c o m o to d o s os agentes h u m an o s, tem de escolher
fazer c o m q ue a v o n ta d e d e D e u s seja sua p ró p ria escolha. A relevância
daquela esco lh a p o d e ser efetu ad a n o co n te x to d e u m a alternativa e escolha
o p o sta ap resen tad a p elo adversário de D eus. Jesus, p o r conseguinte, tem de
ser “ te n ta d o p o r S atanás” .
38 Para um a exposição dos animais selvagens com o u m sím bolo d o reino messiânico
de paz inaugurado p o r Jesus, veja R. B auckham , “Jesus and the W ild Animals
(Mark 1.13): A C hristological Im age for an Ecological A ge” , em Jesus o f Nazareth
Lord and Christ. Essays on the HistoricalJesus and N ew Testament Christology, eds. J.
G reen e M. T u rner (G rand Rapids: E erdm ans/C arlisle: Paternoster, 1994), p. 3-21.
Bauckham , n o entanto, não m ostra de form a bem -sucedida que esse é o sentido
do conceito em M arcos 1.13. T am pouco, seu argum ento convincente de que a
preposição “ com ” (e.g., ‘'1com os anim ais selvagens” ; grifo d o autor) “ não pode
p o r si m esm a transm itir hostilidade” , mas apenas proxim idade física amigável e
positiva (p. 5). E m M arcos 3.4,6, p o r exem plo, meta (“ com ”) é usado para a raiva
e para a tram a para m atar Jesus co n fo rm e planejada pelos herodianos.
M a rc o s 1.13 72
O E V A N G E L H O E M P O U C A S P A L A V R A S (1 .1 4 ,1 5 )
C o m o é notável o fato de Jesu s esco lh er a G alileia para iniciar seu mi-
nistério. “ E le n ão se p re p a ro u p ara u m a ca m p a n h a m issionária, p rim eiro em
6 R. H . Fuller, The Mission and Message o f Jesus (L ondon, 1954), p. 20-25. As três
ocorrências de engi^ein em M arcos (1.15; 11.1; 14.42) acontecem em relação à
proxim idade espacial; p o rtan to , “ com o aparecim ento de Jesus, o R eino de D eus
está se aproximando” (D. D orm eyer, “engibo”, E D N T \3 1 \) .
7 D. F lusser,yír»r (Jerusalem: M agnes Press, H ebrew University, 1997), p. 110-11,
observa que “ [Jesus] é o único judeu dos tem pos antigos que conhecem os que
pregava não só que as pessoas estavam próxim as d o fim dos dias, m as tam bém
que a nova era da salvação já com eçara. [...] Para Jesus, o reino d o céu não é só
o gov ern o escatológica de D eus que já alvorecera, m as um m ovim ento divino e
voluntário que se dissem ina p o r toda a terra. O reino do céu não é apenas um a
questão da m ajestade de D eus, m as tam bém diz respeito ao dom ínio de seu go-
verno, um reino em expansão abraçando cada vez mais pessoas, u m reino no qual
alguém pode entrar e encontrar sua herança, um reino ond e há grandes e pequenos.
E ssa é a razão p o r que Jesus cham ou os D o z e para que fossem pescadores de homens
e tam bém curassem e pregassem em to d o s os lugares” .
M a rc o s 1.15 78
O C H A M A D O D O S P R IM E I R O S D I S C Í P U L O S (1.1 6 -2 0 )
12 A transposição de euthys do cham ado de Jesus em M arcos 1.20 (“L ogo jjesus]
os cham ou”) até a resposta dos irm ãos Z ebedeu em M ateus 4.21,22 (“ deixando
m e d ia ta m e n te seu pai e o b arco”) é um refinam ento sintático que argum enta pelo
uso de M arcos p o r M ateus.
13 E . Schweizer, Lordship and Discipleship, SBT 28 (L ondon: SCM Press, 1960), p.
12-13.
14 E ssa é a tese de J. D. C rossan (The HistoricalJesus: The L ife o f a Mediterranean Jewish
Peasant [Edinburgh: T. & T. Clark 1991], ρ. 345-48) de que Jesus era um repre-
sentante de um “ reino sem interm ediários” , um preg ad o r itinerante radical do
“igualitarism o sem interm ediários” que se o p unha a qualquer “in term ediação” de
sua m ensagem ou m inistério p o r Pedro e os D oze. C ontra essa concepção de Jesus,
deve-se observar que a escolha de M arcos para com eçar seu relato d o m inistério
público de Jesus com o cham ado dos discípulos sugere claram ente que Jesus tinha
planos além daqueles de cura, mágica e operação de m ilagres (co n fo rm e C rossan
caracteriza seu m inistério). Se esses últim os aspectos citados fossem a som a do
plano de Jesus, então ele, co m o A polônio de Tiana ou vários o u tro s pregadores
itinerantes n o m u n d o greco-rom ano, realizaria seus in ten to s m elh o r sozinho que
em com unidade. N o entanto, Jesus, p o r todos os relatos d o E vangelho, cham ou
seus discípulos e os investiu com sua m issão e autoridade (apenas em Mc, veja,
e.g., 6.7-13,41; 8.6; 9.38-40!), com o a expressão-chave “pescadores de h o m e n s”
(1.17) indica.
83 M a rc o s 1.21
A A U T O R ID A D E D E J E S U S (1.2 1-2 8 )
16 Sobre as sinagogas, veja S. J. D. C ohen, From the Maccabees to the Mishnah, L E C , ed.
geral W. M eeks (Philadelphia: W estm inster Press, 1987), p. 111 -15; G. F. M . M oore,
Judaism in the F irst Centuries o f the Christian E ra (N ew York: Schocken, 1971), 1.29-
36, 281-307; Str-B I V /1 .115-88; E. Schiirer, Flistory o f theJewish People, p. 423-53.
M a rc o s 1.22 86
18 M asbal e sbalai.
’ייSobre exousia, veja ainda: ‘T h e A uthority o f Jesus” , Introdução 6.1; e J. R. Edw ards,
“T h e A uthority o f Jesus in the G o sp el o f M ark” , J E T S 37 (1994), p. 2 1 7 2 2 ־.
2l) “T odas as ações e palavras [de Jesus] estão conectadas co m Jo ão e rem o n tam ao
espírito da descida de D eu s sobre ele após te r aceitado o batism o pelas m ãos de
João B atista” (B. Μ. E van Iersel, Reading M ark [Edinburgh: T. & Τ . Clark, 1989],
ρ.148).
21 D. D au b e (”exousia in M ark 1 22 and 27” , /7 3 '3 9 [1938], p. 45-59) ten ta explicar a
oposição dos m estres da lei a Jesus argum entando que havia duas classes d e m estres
da lei na época de Jesus, um a classe inferior de m estres elem entares, cham ada em
hebraico de sopherim (gr. grammateis), e um g ru p o m e n o r d e m estres da lei da elite
que ensinavam com reshut {exousia). Jesus, de acordo co m a percepção de D aube,
pertencia ao últim o grupo, e esse relato sobre o m aravilham ento das m ultidões
ocorre na rem ota Galileia o n d e apenas os m estres da lei m enores eram em geral
encontrados. N o entanto, contra a tese de D aube, é preciso dizer que o N o v o
T estam ento não m ostra nen h u m a consciência de classe d o s superm estres da lei,
nem que Jesus pertencia a esse grupo. U m a vez que os m estres da lei não são
m encionados nem e m jo s e fo nem em Filón, o testem u nh o do N o v o T estam en to
M a rc o s 1.22 88
24 LXX: Juizes 11.12; 2Samuel 16.10; 19.23; IReis 17.17; 2Reis 3.13; 9.18; 2Crôni-
cas 16.3; 35.21; N T : M arcos 5.7 par.; M ateus 27.19; Lucas 4.34; Jo ão 2.4.
M a rc o s 1.27-28 90
U M D I A N A V I D A D E J E S U S (1.2 9 -3 4 )
M arcos levanta perguntas n a m ente dos leitores que se questionam p o r que Jesus
não curou todos os doentes. É mais razoável su po r que M ateus m u d o u o texto
de M arcos e, co m isso, livrou-o de um a possível dim inuição do p o d e r de Jesus,
do que M arcos tenha introduzido essa dim inuição n o texto de M ateus, de resto
bastante feliz.
34 N a literatura talm údica, harabbim designa consistentem ente “ to d a a com unidade” .
E m Cunrã, da m esm a form a, o term o designa a associação de m em bros totalm ente
capacitados. E m R om anos 5.15, o texto grego hoipolloi (“ os m u ito s”) transm ite
um sentido inclusivo e igualm ente universal. O adjedvo anartro, sem artigo, p o d e
transm idr a m esm a conotação (e.g., lEnoque 62.3,5). Veja J. Jerem ias, The Eucharistic
Words o f Jesus, trad. N. P errin (London: SCM Press, 1964), p. 179-82.
35 U m a série de m anuscritos gregos (B L W Θ C, mais correções para ) אtrazem que
os dem ônios reconheceram Jesus com o o M essias {Christos). Parece im provável,
p ortanto, que M arcos ten h a incluído Christos, com pouquíssim as ocorrências (sete
apenas) no segundo evangelho. A inclusão do título é explicada mais provavelm ente
com o um a assim ilação de Lucas 4.41. Se o título fosse original de M arcos, ficaria
difícil im aginar um escriba o om itíndo.
95 M a rc o s 1.32-34
37 W W rede, The Messianic Secret, trad. J. G reig (C am b rid g e/L o n d o n : Clarke, 1971).
38Já em 1926 Geerhardus Vos expôs e refutou as falhas na tese de Wrede (TheSelf-Disclosure
of Jesus [Grand Rapids: Eerdm ans, reimpr. em 1954]). Veja tam bém V Taylor, The
GospelAccording to St. M ark, p. 122-24; O. Betz, “D ie Frage nach dem messianischen
Bew usstsein Jesu” , N o vT 6 (1963), p. 28-48; G. E . L add, Λ Theology o f the N ew Tes-
tament (G rand Rapids: E erdm ans, 1974), p. 169-71; R. P. M artin, M ark, Evangelist
and Theologian (G rand Rapids: Z o n d erv an , 1972), p. 148-50; N. T. W right, The N ew
Testament and the People o f God (London: SPC K , 1992), p. 391.
39 “E m últim o recurso, o segredo messiânico rem onta à misteriosa autoridade messiâ-
nica de Jesus. Portanto, não é invenção d o evangelho da com unidade prc-m arcana,
E x c u rs o : o m o tiv o d o se g re d o 98
A J O R N A D A IN T E R N A , A J O R N A D A E X T E R N A (1.3 5 3 9 )־
M arcos se m ove agora d o particular para o geral. A cura da sogra d e P edro
em 1.30,31 d á lu g ar a u m re su m o geral da m issão de Jesu s n o s versículos 35-
39, sem d etalh es de localização n e m duração. O efeito d o re su m o é m o strar
4u “A errância de Israel sob a liderança de Moisés foi uma marcha sob a orientação
do Espírito de Deus (Is 63.11), e o Espírito deu às pessoas descanso (Is 63.14).
Como o primeiro êxodo foi uma jornada sob a liderança do Espírito de Deus, não
é de surpreender que o profeta [Isaías] espere um novo derram am ento na época
do segundo êxodo” (U. Mauser, Christin the Wilderness [London: SCM Press, 1963],
p. 52; veja tam bém p. 105-8).
M a rc o s 1.36-37 100
41J. Crossan (The HistoricalJesus, p. 346-47), com correção, reconhece o conflito entre
Pedro e Jesus em 1.36, mas não há nenhum a sugestão, nem aqui nem na rejeição
de Jesus em Nazaré (6.1-6), de que esse conflito resultou, conform e argumentou
Crossan, da esperança dos discípulos e família de Jesus colherem os benefícios de
sua fama e dádivas. O problem a não é de “comissão ou corretagem ”, para citar
Crossan, mas de descrença e com preensão equivocada.
42 A ocorrência final de %êtein em 16.6 é menos pejorativa, mas aqui, também, ela
parece questionar as mulheres que buscam Jesus. E provavelmente muito especu-
lativo sugerir que Marcos, com essa referência final mais positiva, pretende sugerir
que só é possível buscar Jesus após a ressurreição.
101 M a rc o s 1.38-39
J E S U S T R O C A D E L U G A R C O M U M L E P R O S O ( 1 .4 0 - 4 5 )
40 “U m lep ro so aproxim ou-se dele” n ão faz jus a esse en co n tro altam ente
p ro v o c a d o r e ofensivo. A le p ra era u m a d o en ç a d issem inada n a Palestina.
Isso fica ap a re n te n ã o só pelos vários lep ro so s q ue Jesu s e n c o n tro u em seu
m inistério, m as tam b ém pelo excesso de in stru çõ es so b re a d o en ça n a M ishná.
A lepra, naquela é p o c a c o m o agora, era u m m o tiv o de su p erstição e m edo. A
lepra é u m a d o e n ç a d a p ele e, c o m o to d as as d o enças da pele, é difícil d e ser
diagn osticad a e curada. A s co n d içõ es dessa d o en ç a são discutidas em dois
lo n g o s capítulos em L evítico 13— 14 q u e se assem elham a u m antigo m anual
so b re d erm ato lo g ia. O te rm o h eb raico tsara‘at c o b re ou tras d o en ças d a pele
além da lepra, incluindo a ferida p u ru len ta (Lv 13.18), queim aduras (Lv 13.24),
coceiras, m ico se e co n d içõ es d o co u ro cabeludo. O s escribas co n taram até
72 d o en ç as d istin tas definidas c o m o lepra. N o A n tig o T estam en to , a lepra
era em geral co n sid erad a c o m o u m a p u n ição divina, cuja cura só p o d eria ser
efetu ad a p o r D e u s (N m 12.10; 2Rs 5.1,2). O p av o r de ser c o n tam in ad o é
refletido na seguinte passagem : “ Q u e m ficar leproso, a p resen tan d o quaisquer
desses sintom as, u sará ro u p a s rasgadas, an d ará descabelado, co b rirá a p arte
in ferio r d o ro s to e gritará: ‘Im p u ro ! Im p u ro !’ E n q u a n to tiver a d o en ça, estará
im puro. V iverá sep arad o, fo ra d o a c a m p a m e n to ” (Lv 13.45,46).
Isso n ã o é apenas a descrição d e u m a d oença. E u m a sentença, cujo p ro -
p ó sito era p ro te g e r a saúde d a co m u n id ad e de um co n tag io apavorante. O
trata d o Negaim (“ P rag as”) d a M ish n á, e lab o ran d o so b re L evítico 13— 14,
discute a d issem in ação d a lep ra n ã o só em m eio às pessoas, m as tam b ém em
relação às vestes (m. Neg. 3.7; 11.1-12) e casas {m. Neg. 3.8; 12-13). O s leprosos
eram vítim as d e m u ito m ais além d a d o en ça. A d o e n ç a lhes roubava a saúde,
e a sen ten ça im p o sta a eles em razão d a d o e n ç a lhes ro u b av a o n o m e, a o cu -
pação, os h áb ito s, a família, o convívio social e a c o m u n id ad e de adoração.
O s lep ro so s, p ara evitar o c o n ta to co m a sociedade, tin h am de to rn a r sua
aparência o m ais re p u g n a n te possível. J o se fo fala d o b a n im en to d o s lep ro so s
co m o aqueles q u e “ n ão se d istin g u em d e fo rm a algum a d e u m cadáver” (Ant.
103 M a rc o s 1.41-42
d o sac erd o te g aran tir a p u reza ritual de Israel, a in sp eção de alegados casos
de lepra d ese m p e n h av a u m p ap el n atu ral em seu trabalho. Se um a n o ta de
saúde fosse em itid a e certificada p o r escrito {m. Neg. 8.10), a p esso a curada
era in stru íd a a a p resen tar d u as aves, u m a das quais era m o rta n o tem p lo em
Jerusalém . A o u tra ave era m erg u lh ad a n o sangue d a ave m o rta e libertada.
A p ó s esp e rar p o r u m p e río d o d e o ito dias, a p esso a cu rad a ainda trazia três
co rd eiro s p ara o sacerdo te, um pela o fe rta p elo p ecado, u m pela o fe rta de
culpa e u m p ara o h o lo cau sto o u o fe rta queim ada (Lv 14.10,11; m. Neg. 14.7).
Se o suplicante fosse m uito p o b re para ap resen tar três cordeiros, u m a redução
na o fe rta era p erm itida.
A A U T O R ID A D E D O F I L H O D O H O M E M (2 .1 -1 2 )
3 Oikos: 2.1; 7.17; oikia: 7.24; 9.33; 10.10; kata monas: 4.10; katidian: 4.34; 6.31,32;
7.33; 9.2,28; 13.3.
4 O fato dessa frase em grego ser um tanto inábil, e que tanto Mateus 9.2 quanto
Lucas 5.18 a melhorarem, argumenta pela prioridade marcana.
M a rc o s 2.5 110
12 K losterm ann tenta minimizar o fato de Jesus perdoar o pecado argum entando que ele,
com o um sacerdote, apenas media o perdão de D eus para o paralítico: “O uso passivo
de aphientai significa: ‘D eus perdoa você!’Jesus, p o r conseguinte, não perdoa p o r si
m esm o, mas, antes, arrisca estender de si m esm o o perdão divino para aquele cuja
doença o m arcou com o ‘pecador contra D eus’ ” (Das Markusevangelium, p. 23). Essa
afirm ação não faz justiça à autoridade radical de Jesus no versículo 5. Jesus não diz,
por exemplo, com o o fez N atã falando com Davi, “ O S enhor perdoou o seu pecado”
(2Sm 12.13). Jesus afirm a que ele m esm o afasta os pecados, assum indo claramente,
portanto, o lugar de Deus. Além do mais, Jesus não afirm a perdoar pecados contra
si m esm o (o que estaria em seu poder hum ano fazer); mas, sim, perdoar pecados
contra o outro (w. 5,10). J. D. G. D u n n observa corretam ente: “é impossível suavizar
a força cristológica de 2.7,10: Jesus é capaz de perdoar pecados e tem autoridade para
isso, não apenas para declará-los perdoados” (Jesus, Paul, and the Law: Studies in M ark
and Galatians [Louisville: W estm inister/John K nox, 1990], p. 27).
13 U m texto de C unrã publicado recentem ente correlaciona a cura de um a úlcera
com o perdão dos pecados (4Q P rN ab). E m b o ra esse seja um texto notável, o
divinador judaico perd oa os pecados em nom e de D eus, ao passo que Jesus profere
o perd ão p o r sua própria autoridade. Veja R. G undry, M ark, p. 116.
113 M a rc o s 2.8-9
14Str-B 1.495.
15O livro apócrifo Atos dePilatosdeixa passar a autoridade de Jesus para perdoar pecados
e apresenta a cura do paralítico com o um exemplo de violação do sábado: “Então
um dos judeus veio para a frente e perguntou ao governador [Pilatos] se podia falar
uma palavra. O governador disse: ‘Se deseja falar algo, diga’. E o judeu disse: ‘Por
38 anos fiquei em uma cama, angustiado e com dores, e quando Jesus veio, muitos
demoníacos e aqueles doentes com várias doenças foram curados por ele. E um
jovem se apiedou de mim e me carregou com cama e m e trouxe até ele. E quando
Jesus me viu, sentiu compaixão e disse-me: ‘Pegue sua cama e ande’. E peguei minha
cama e andei. O judeu disse a Pilatos: ‘Pergunte a ele que dia da semana era quando
ele me curou’. O hom em curado disse: ‘Era sábado’ ” (Acts Pil. 6:1; citado dej. K.
Elliott, TheApocryphalNew Testament [Oxford: Clarendon Press, 1993], p. 175).
1Í' O medo da blasfêmia levou os judeus a evitar proferir o nom e divino sempre que
possível. Seguindo Núm eros 15.30, a Mishná decreta a expulsão da comunidade
E x c u rs o : O F ilh o d o hom em 114
com o punição por tom ar o nom e de Deus em vão (m. Ker. 1.1-2; m. Sanh. 7.5). A
mesma punição foi decretada em Cunrã por proferir o nom e de Deus frivolamente
(1QS 7).
115 E x c u rs o : O F ilh o d o hom em
O E S C Â N D A L O D A G R A Ç A (2 .13 -17 )
23 Um bom núm ero de manuscritos gregos expandem a pergunta para: “Por que ele
co m eífcfeco m publícanos e pecadores?” (v. 16). A leitura mais breve, no entanto,
é preferível. Ela tem apoio de manuscritos mais robustos, e a adição de “e bebe”
pode ser explicada com o um acréscimo dos escribas, talvez em conformidade
com Lucas 5.30 (veja Metzger, TCGNP, ρ. 67).
24 Sobre os mestres da lei, veja em 1.22. O s copistas gregos aparentemente alteraram
o texto hoigrammateis tõn Pharisaiõn (também B אL) de Marcos para se conform ar
aos “mestres da lei” e “fariseus” mais tradicionais (Metzger, TCGN'P, p. 67). Para
uma discussão de fariseus, veja em 2.18).
121 M a rc o s 2.15-16
com Jesus viola a co n v en ção religiosa e social, em vez de prom ovê-la. E ssa
história, n o en tan to , ilustra a v erd ad e d e 2.1-12: ali Jesu s p ro fe re o p erd ão
dos pecados, e aqui ele p e rd o a pecadores, e n tra n d o em suas casas em co m u n h ão
com eles e se reclin an d o à m esa co m eles.
O fato de p ec ad o re s e p u b lícan o s se reclinarem c o m Jesus sugere que
ele — e n ã o L evi — é o v erd ad eiro anfitrião d o g ru p o . O fu n d a m e n to p ara
a co m u n h ão à m esa é o p erd ã o q u e Jesu s o fe rec e c o m o M essias, e esse per-
dão antecipa o b a n q u e te m essiânico n o fim d o s tem p o s.25 A c o m u n h ão de
Jesus co m os p u b lícan o s e p ecad o res — e sua co n d e n a ç ã o pelo s m estres da
lei — ilustra a n a tu re z a radical d a graça. A “ trad ição d o s an cião s” justifica o
status quo das d istin çõ es e erige barreiras en tre as p essoas; o evangelho busca
transfo rm ar e reconciliar essa co n d ição c o n stru in d o u m a p o n te en tre Jesus
e a necessidade h u m an a. O ch a m a d o de L evi e o fato d e Jesu s fazer u m a
refeição c o m aqueles c o m o ele são d escrições vividas d e R o m an o s 9.30,31:
a justiça d e D e u s n ã o alcança aqueles q ue b u sca m estabelecer sua p ró p ria
justiça; ao p asso q u e a justiça d e D e u s é g ra cio sam en te esten d id a àqueles que
estão m u ito d istan tes p ara esp e rar p o r ela.
E lugar c o m u m q u e os m estres d a lei e os fariseus se o p õ e m a Jesu s p o r
ele com er co m “ pecadores e publícanos” . M as o que exatam ente na associação
de Jesus co m essas pessoas é q u e os ofendia? S erá q u e Jesu s fazia a refeição
com os p ec ad o re s co m a co n d içã o d e q u e eles m u d assem o ru m o d a vida?
Essa associação co m os p u b lícan o s, p ro stitu ta s e ré p ro b o s fu n d am en tav a-se
no fato de eles ab an d o n arem sua perversidade e se to rn arem pessoas piedosas?
Jesus c e rtam en te ficaria feliz se esse fosse o resu ltad o. C o n tu d o , se essa fosse
sua in ten ção , p o d eria m o s esp e rar q ue os líderes religiosos o aplaudissem , e
não o o p o sto . S abem os, n o e n ta n to , q u e eles se o p u n h a m a ele — sem p re e
em tod os os locais. A o p o sição deles é m ais explicável seg u n d o o fu n d am en to
de que a re fo rm a n ã o era o p re ssu p o sto fu n d a m e n tal d o m in istério de Jesu s,
com o, p o r ex em p lo , a co n teceu c o m o m in istério d e J o ã o B atista. N ã o existe
nenhum a m en çã o n o ch am ad o d e L evi e n o jan tar c o m p ecad o res so b re o
arrependim ento. N a v erd ad e, o a rre p e n d im e n to está cu rio sam en te ausente
da proclam ação d e Jesu s em M arcos.26 O escân d alo dessa histó ria é que Jesus
25Veja W. Lane, The Gospel According to M ark (G rand Rapids: E erdm ans, 1974), p.
106.
26 Há apenas duas ocorrências do verbo “arrepender” (metanoein) proferido p o r Jesus
em M arcos (1.15; 6.12), e não há nenhum a ocorrência do substantivo. A penas
em Lucas, A tos e A pocalipse é que o arrependim en to desem penha um papel
proem inente na proclam ação do evangelho.
M a rc o s 2.17 122
27 Veja E . P. Sanders, The Historical Figure o f Jesus (L ondon: Penguin Press, 1993), p.
230-37.
123 M a rc o s 2.18
ção pela graça de D eus. “A Lei foi in tro d u z id a p ara q ue a tran sg ressão fosse
ressaltada. M as o n d e a u m en to u o p e c a d o tra n s b o rd o u a graça” (Rm 5.20).
J E J U M E F E S T A S ( 2 . 1 8 2 2 )־
28Mt 11.2; 14.12; Lucas 7.18; l l.l;J o ã o 1.35,37; 3.25. D ois dos discípulos dejesus,
de acordo com o evangelho de João, pertenciam originalmente aos seguidores de
João Batista (Jo 1.35-42). A fama e os seguidores de João Batista sobreviveram à
morte dele, talvez, em alguns setores e em alguma medida, até mesmo competindo
com o m ovim ento d ejesu s (Jo 1.19-23; A t 19.1-7;Josefo, Ant. 18.116-19).
M a rc o s 2.18 124
29 Sobre os fariseus, veja Str-B 4/1.334-52; Schürer, History of the Jewish People,
2.381-403; S. J. D. Cohen, From the Maccabees to the Mishnah, LEC (Philadelphia:
W estminster Press, 1987), p. 143-64; G. E M. M oor e.,Judaism in the First Centuries
of the Christian Era (Cambridge, Mass.: H arvard University Press, 1927), 1.56-71.
125 M a rc o s 2.18
32 N o Evangelho de Tomé, p. 104, Jesus instrui seus ouvintes a jejuar e orar quando o
virem saindo do quarto nupcial. Esse dito une dois conjuntos de imagens e parece
subordinar Jesus ao jejum, ao passo que, de acordo com Marcos, Jesus subordina
o jejum a si mesmo.
127 M a rc o s 2.20
33A Midrash judaica sobre Ê xodo 12.2 afirma: “N os dias do Messias, o casamento
acontecerá” (Exodus Rabbah 15 [79b]). O N ovo Testamento, é claro, emprega a
imagem do noivo messianicamente (Ap 19.7-9).
34Por exemplo, Nineham, The Gospel of St Mark, p. 103.
35W. Eichrodt, Theology of the Old Testament, trad. J. Baker (London: SCM Press, 1961),
p. 250-58; J. Jeremias, “nymphè”, TDNT 4.1,101-3.
36No texto gnóstico Tripartite Tractate de Nag Hammadi, a imagem do noivo perde
o poder de seu relacionamento com Deus e com o ministério terreno de Jesus,
sendo espiritualizada com o a união da alma com Cristo no quarto nupcial da
eleição (122:14-30).
M a rc o s 2.21-22 128
S E N H O R D O S Á B A D O (2 .2 3 -2 8 )
41 Sobre o sábado, veja Schürer, History o f theJewish People, 2.467-75; Str-B 1.610-22.
M a rc o s 2.25-26 132
42 O problem a com A biatar em 2.26 não parece ter sido resolvido ao sim plesm ente
atribuir um erro a Jesus o u M arcos. P or um lado, o fato de que D avi apareceu
diante de A im eleque em 1Samuel 21.1-6, com o tam bém o fato adicional de que
tanto M ateus 12.4 q u anto Lucas 6.4 o m item a referência a A biatar em seus textos
paralelos, parecem argum entar em favor de um erro. E sse erro p oderia facilm ente
ser explicado com o um a falha da m em ória, em especial considerando-se o fato
133 M a rc o s 2.25-26
de que os m anuscritos com pletos do A ntigo T estam ento eram raros c de difícil
m anuseio (tam bém Schweizer, The Good N e m According 10 M ark, p. 72). C ontu-
do, o p ro blem a é mais com plexo que isso. As discussões mais úteis da questão
são aquelas de L agrange (Evangile selon Saint Marc, p. 53-54) e E . L ohm eyer {Das
Evangelium des M arkus, p. 64). J á n o A ntigo T estam en to , A biatar e Aim eleque
parecem ser confundidos. E m 1Samuel 22.20, afirm a-se que A im eleque c filho
de A itube e pai de A biatar, m as, em 2Sam uel 8.17 e 1C rônicas 18.16, afirm a-sc
que Z ad o q u e é filho de A itue e A im eleque é filho de Abiatar! E m 1C rônicas 24.6,
Aimeleque tam bém é cham ado de filho de A biatar. A genealogia da família é
ostensivam ente: A itube, pai de A im eleque, pai de A biatar, pai de A im eleque
(lC r 24.3,6,31). Parece haver dois A im eleques, o avô e o n eto , com A biatar entre
eles; n o entanto, conform e observado acima, o segundo e o terceiro m em bros da
linhagem sào algumas vezes invertidos. A biatar, de acordo com a opinião geral,
o m em bro dom inante da genealogia p o r ter sobrevivido ao m assacre de seu pai
por D ocguc e fugiu para ficar com D avi. Ali se to rn o u sum o sacerdote durante
todo o reinado de D avi (tam bém Josefo, A n t. 6.269-70), o que po d e explicar a
associação de D avi com ele em M arcos 2.26. M arcos com as palavras, epiAbiathar
archiereõs, em prega epi tecnicam ente para significar “n o tem p o d e” (tam bém IM ac
13.42; Lc 3.2; A t 11.28; Martírio de Policarpo, p. 21). A N V I traduz por: “N o s dias
do sum o sacerdote A biatar”, parecendo, p o rtan to , traduzir o sentido pretendido
por M arcos. E m b o ra D avi tenha de fato com ido os “pães da Presença” sob Ai-
meleque, o evento parece ter sido lem brado e transm itido em associação com o
sum o sacerdócio dom inante de Abiatar.
M a rc o s 2.27-28 134
2 7 ,2 8 M a rco s c o n c lu i a c o n tro v é rs ia s o b re o c a m p o d e g rã o s co m
duas falas d e Jesus. E m 2.27, fica esclarecido o re la cio n am en to en tre a vida
h u m an a e o sábado: as p esso as n ão foram feitas p ara as regras d o sábado,
m as o sáb a d o foi in stitu íd o a fim d e ab e n ç o a r a h u m an id ad e e fortalecer seu
bem -estar. E ssa reg ra expressa u m p rin cíp io n o tav elm en te sim ilar àquele
d o v in h o e das vasilhas d e co u ro em 2.22: assim c o m o as vasilhas de co u ro
têm d e se c o n fo rm a r ao v in h o , ta m b é m a lei co n firm a a vida hum ana. Jesus
corrige u m a in terp retação equivocada q u e to rn a a T orá u m jugo p esado sobre
a existência h u m a n a e re cu p era sua verdadeira in ten ção c o m o u m a ajuda e
gu ardiã d a vida. A regra d e Jesu s so b re o sáb ado tin h a algum a analogia no
judaísm o. U m rabi d o final d o século II, em essência, co n c o rd o u : “ O sábado
foi d a d o p ara você; v ocê n ão foi d a d o p ara o sáb a d o ” (Mek. Exod. 31.13).
C o n tu d o , co m q u e au to rid a d e Jesu s tran sg rid e a co n v en ção d o sábado
e o u sa redefini-la? A re sp o sta é d ad a n o p ro n u n c ia m en to p ro m ete ic o do
versículo 28. O v erd ad eiro sen h o rio so b re o sábado está investido n o F ilho
d o h o m em . A lguns estu d io so s arg u m en tam que o F ilho d o h o m e m n o ver-
sículo 28 é em essência u m a circu n lo cu ção para “ h o m e m ” n o versículo 27;
assim , se o sáb ad o foi feito p ara a h u m an id ad e , e n tão a h u m an id ad e é aquela
que g o v e rn a esse dia.43 E sse arg u m e n to p o d e ser atra en te em fu n d am en to s
43 P or exem plo, R. Funk, R. H o o v er e o Jesus Sem inar, The Five Gospels: W hat D id
Jesus Really Saj? (San Francisco: H arperSanFrancisco, 1997), p. 49, traduz M arcos
135 M a rc o s 2.27-28
2.27,28 desta forma: “ Ό sábado foi criado para Adão e Eva, e não Adão e Eva
para o sábado. Assim, o filho de Adão governa até mesm o o sábado”’. Por “Adão
e Eva” e “ filho de Adão” , o Jesus Seminar quer dizer qualquer m em bro da raça
humana. Veja a discussão e crítica dessa leitura em R. Guelich, Mark 1-8:26, p.
125-27.
44F. W. Beare, “T he Sabbath Was Made for Man” ,/A L 79 (1960), p. 130-36; Nine-
ham, The Gospel of St Mark, p. 108.
45Moule, “ T h e Son o f Man’: Some o f the Facts” , N TS 41 (1995), p. 277-79.
M a rc o s 2.27-28 136
U M A Q U E S T Ã O D E V I D A E M O R T E (3 .1-6 )
intenções daqueles q ue seguiram esse evento (2.8; J o 2.28), e talvez até tenham
planejado isso. A segunda p a rte da q u estão n ão se refere m ais ao h o m em com
a m ão atro fiad a, m as ao p ró p rio Jesus. E sse h o m e m é apenas u m joguete.
Se Jesus to rn a r a violação d o sáb ad o u m h áb ito ,49 as au to rid ad es terão razão
para m atá-lo. O e n q u a d ra m e n to da p e rg u n ta n o versículo 4, d e fo rm a sutil
e p o d ero sa, liga o d estin o de Jesu s in ex trin cav elm en te c o m o d o h o m em
com a m ã o atrofiada. F azer “ o b em o u o m al” refere-se à re sp o sta d e Jesus
ao h o m e m d esa fo rtu n a d o ; “ salvar a vida o u m a ta r” refere-se à re sp o sta dos
observadores a Jesus. A re sp o sta d e Jesu s p ara o h o m em co m a m ão atrofiada
determ inará a re sp o sta deles a ele. “M as eles p erm a n ece ram em silêncio.”
D essa vez, u m a rg u m e n to d o silêncio é conclusivo.
52 Rowley o bserva que a Peshita siríaca entende os herodianos dessa m aneira, tradu-
zindo 3.6 com o “ aqueles da casa de H ero d es” (“T h e H erodians in the G o sp els” ,
J T S 41 (1940), p.23. C. D aniel, “Les ‘H ero d ien s’ du N o u veau T estam en t sont-ils
des E sseniens?” RevQ 6 (1967), p. 31-53, faz a p ro p o sta altam ente insustentável
de que os herodianos eram essênios que ganharam o apelido de “ h ero d ian o s” dos
inimigos de H erodes que se ressentiam do fato deste p ro teg er e apoiar os essênios.
A clara ausência de dados objetivos sobre os herodianos p õ e em dúvida a tese de
Daniel e seus apoios conjecturais. Veja a refutação de W. B raun, “W ere the N ew
T estam ent H erodians E ssenes? A C ritique o f an H ypothesis” , RevQ 14 (1989),
p. 75-88.
53 Sanders, The HistoricalFigure ofJesus, p. 1 3 0 3 2 ־, considera a m enção dos herodianos
anacronistica em 3.6. E le considera os conflitos em 2.1— 3.6 co m o “razoavelm en-
tc m enores” e duvida da oposição herodiana em um m o m en to m uito inicial do
m inistério de Jesus. E le explica a m enção desse g ru p o aqui ao su p o r que 2.1— 3.6
era originalm ente u m prefácio para o relato da paixão que M arcos tran sp ô s para
o início de seu evangelho! E ssa é um a hipótese extrem ada e n ão com provada. O s
conflitos em 2.1— 3.6 dificilmente podem ser considerados “m enores” ; a blasfêmia
(2.7) já lança o fund am ento para um caso capital c o n trajesu s. A suposição de que
2.1— 3.6 já funcionou com o um prefácio para a narrativa da paixão é totalm ente
conjectural. P o r fim, as sugestões dogm áticas sobre os hero d ian o s são surpreen-
dentes, considerando-se a obscuridade destes. Sabem os que H erodes, o G rande,
governou inicialm ente a Galileia antes de desalojar seu irm ão Fasael em jerusalém .
E totalm ente razoável su p o r que seus apoiadores continuaram a constituir um a
presença política relevante na Galileia, e que os fariseus, p ercebendo a am eaça
de Jesus a sua hegem onia religiosa, perceberam que deveríam se aliar com os
herodianos, politicam ente astutos, para tram ar a m orte de Jesus.
M a rc o s 3.7-8 142
O P R E G A D O R A O A R L IV R E ( 3 - 7 1 2 )־
54 O texto grego dos versículos 7,8 é incom um ente diferente em detalhes e ordem
das palavras, talvez devido ao resumo prolixo dos locais em Marcos. Veja Metzger,
TCGNT , p. 68.
M a rc o s 3.9-12 144
quada da palavra g rega.55 A palavra g reg a u sad a p ara descrever a visão deles
d e Jesu s é theorem, u m a palavra u sad a co m frequência n o evangelho de Jo ão
e a qual indica a c o m p re e n sã o in tern a , n a verd ad e quase fé. Seu sentido, no
entan to , fica aq u ém d esse sen tid o em M arcos. N a s sete o co rrên cias d o term o
em M arcos, ele indica u m a o b serv açã o u m ta n to im parcial, sem qualquer
senso de co n v icção n o qu e é o b serv ad o . O s esp írito s m alignos, c o m o forças
espirituais, re c o n h e c em aquele ch eio c o m o E sp írito d e D eu s, m as n ão par-
ticipam n o o b je to d e su a visão (veja m ais so b re theorem em 15.40,41). E les
declaram a p len a id en tid ad e divina de Jesus: “T u és o F ilh o d e D e u s ” (veja
Filho de Deus em 1.1; 15.39). A lém d o Pai (1.11), os d em ô n io s são, até esse
p o n to da narrativa, o ú n ico o u tro g ru p o em M arcos a co n fessar a filiação
divina de Jesu s (1.24; 3.11; 5.7). O fato d e eles, n essa ocasião, fazerem isso
n a p re sen ça d o s discípulos, ac en tu a a in co m p letu d e d o c o n h e cim en to que
estes tin h am de Jesus. A lguns estu d io so s su g erem q ue os d em ô n io s expu-
seram a id en tid ad e d e Jesu s a fim d e escap ar d a au to rid ad e deste so b re eles,
e até m e sm o p ara ro u b a r-lh e a fo rça e prevalecer so b re ele.56 Todavia, essa
passagem , c o m o em 5.7, sugere u m ev e n to sem con testação, rem in iscen te de
T iag o 2.19: “A té m e sm o os d em ô n io s creem [que D e u s existe] — e tremem!”
(grifo d o autor). A ên fase n ã o está n a expulsão d o s d em ô n io s per se, m as
em Jesus su b ju g an d o o m u n d o d em o n íac o a sua au to rid ad e (veja A ordem
para silenciar em 1.34). A característica d a au to rid a d e divina d e Jesu s so b re
o m al é p assa d a p elo te rm o g re g o epitiman (“ ele lhes dava o rd e n s severas”).
A palavra epitimian, u sad a n o A n tig o T e sta m e n to p ara se referir à Palavra de
D e u s q u e so b re p u ja as fo rças d a n atu re za (SI 106.9) e das forças dem oníacas
(Zc 3.2), re p re se n ta a o rd e m so b eran a de D e u s p ara re p re e n d e r e subjugar
o m al (1.25; 4.39; 9.25). A au to rid a d e d e Jesu s so b re o rein o d em o n íac o é
total. A s forças d em o níacas n ã o tê m o u tra esco lha a n ã o ser co n fessar sua
so b eran ia p o r m eio d a sujeição a ele.
E m b o ra p o rç õ es d a p re se n te narrativa apareçam em M ateus 4.24,25;
12.15,16; e L ucas 6.17-19, n e n h u m a destas inclui a co nfissão d e Jesus co m o
benfeitor público. Ele, com o um rei filósofo, afirma ter o direito de determ inar
ele mesmo o critério para a conduta correta ou errada ( HCNT, p. 86).
38 L. Keck argumenta que as histórias de milagre em 3.7-12; 4.35— 5.43; 6.31-52; e
6.53-56 brotam das fontes helenistas uma vez que são desprovidas de referências
aos conflitos com o judaísmo, debates sobre o sábado ou a autoridade de Jesus,
não tendo nenhum a conexão com o Reino de D eus nem com o perdão dos
pecados. Ele conclui que “o poder sobrenatural reside em Jesus de uma forma a
torná-lo diferente dos outros homens. [...] São manifestações do Filho de Deus
e, de uma form a particular, o theios anêr (“Mark 3:7-12 and Mark’s Christology” ,
JBL 84 [1965], p. 341-58).
59 Veja P. Achtemeier, “Gospel Miracle Tradition and the Divine Man”, Inf26 (1972),
p. 174.
60 Sobre “salvador” e “benfeitores”, veja A. D. Nock, “Soter and Euergetes”, em
Essays on Religion and theAncient World, ed. Z. Stewart (Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, 1972), 1.720-35.
147 E x c u rs o : O hom em d iv in o
61 Veja D. L. Tiede, The Charismatic Figure as Miracle Worker, SBLDS (Missoula: Scholars
Press, 1070), p. 289; W. von M artitz, “huios”, 7Ϊ9Λ Τ 8 .33 9.
42 E. Schweizer, Jesus Christus im vielfàltigen Zeugnis des Neuen Testaments (M iin ch en /
H am burg: S iebenstern T aschenbuch Verlag, 1968), p. 127.
63Veja o m aterial reunido em H . D. B etz, F ukian von Samosata und das Neue Testament
(Berlin: Akadem ie-Verlag, 1961). B etz, que de o u tra form a aprova o m otivo “ho-
m em divino” , adm ite que há urna pro fu n d a diferença entre os relatos de L uciano
sobre exorcism os e aqueles do N o v o T estam ento em que Jesus expulsa dem ônios.
E x c u rs o : O hom em d iv in o 148
64 G. P. Wetter, Der Cotíes Sohn (Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1916), p. 64-
65.
65 Apolônio de Tiana, o mais famoso dos operadores de milagres da Antiguidade,
é uma analogia distante a Jesus. Filóstrato produziu esse relato de Apolônio
150 anos depois de Jesus, com o objetivo de reabilitar Apolônio da acusação de
charlatanismo. A obra Vida de Apolônio não tem proximidade com seu sujeito,
uma característica dos relatos do evangelho sobre Jesus, e tam bém é muitíssimo
lendária. Apolônio conhece todas as línguas (até mesmo dos pássaros e animais)
sem tê-las aprendido previamente, conhece os eventos futuros e passados e até
mesmo se lembra das encarnações anteriores. Os 21 milagres relatados como
feitos por ele têm a intenção de evidenciar sua posição preternatural. N o Egito,
ele era considerado um deus, as pessoas de todos os lugares se maravilhavam com
sua bondade. Apolônio, no entanto, não reivindicou o título de deus para si mes-
mo, nem Filóstrato o chama de filhei de deus. Filóstrato equivoca-se ao registrar
uma série de seus milagres, relatando que Apolônio “parecia” efetuar curas, etc.
Filóstrato tam bém é um tanto nebuloso sobre a m orte de Apolônio, referindo-se
vagamente a ele com o “passando” desta vida. Apolônio, em suma, é o clássico
sábio ou profeta helenista que é assim idolatrado.
66 Atanásio (século IV), que conheceu em primeira mão os operadores de milagres
helenistas, diferenciava Jesus da seguinte maneira: “Bem, se eles perguntarem:
Por que, então, [Deus] não apareceu por outros meios e em partes mais nobres
da criação e não usou algum outro instrum ento mais nobre, como o sol, a lua, as
estrelas, o fogo ou o ar em vez de um mero homem? Que essas pessoas saibam
que o Senhor não veio para fazer uma exibição de poder, mas veio para curar e
ensinar os que sofrem. Pois o caminho daquele que busca fazer uma demonstra-
ção de poder seria, só para aparecer, deixar perplexos os observadores; mas para
aquele que busca curar e ensinar o caminho, e não apenas residir temporariamente
aqui, é dar a si m esm o para ajudar aqueles necessitados e aparecer de uma forma
que aqueles que necessitam dele possam suportar; que ele não possa, ao exceder
às demandas dos sofredores, perturbar as mesmas pessoas que precisam dele,
tornando inútil a aparição de D eus para elas” {On the Incarnation, ρ. 43).
149 E x c u rs o : O hom em d iv in o
61Achtem eier, “ G osp el M iracle T radition and the D ivine M an”, In t 26 (1972), p.
174-97.
68 Sobre o “ h o m em divino” , veja J. R. E dw ards, ‘T h e Son o f G od: Its A ntecedents
in Judaism and H ellenism and Its U se in the E arliest G o sp el” (dissertação de
doutorado, Fuller T heological Seminary, 1978), p. 48-81,1 2 5 -3 5 . E n tre aqueles
que, co rretam ente, resistem ao canto da sereia do conceito d o “ h o m em divino”
estão O. Betz, “T h e C oncept o f the So-called ‘D ivine M an’ in M ark’s Christology” ,
em Studies in N ew Testament and Early Christian Literature: Essays in Honor o f A llen
P. Wikgren (Leiden: Brill, 1972); C. H . Holladay, Theios A n êr in Hellenistic Judaism:
A Critique o f the Use o f This Category in N ew Testament Christology, trad. J. B ow den
(Philadelphia: F ortress Press, 1976); W Liefeld, “T h e Hellenistic ‘D ivine M an’ and
the Figure o f Jesus in the G ospels” , J E T S \ 6 (1973), p. 195-205; E . Schweizer,
“N euere M arkus-Forschung in USA” , EvT2>3 (1973), p. 533-37; J. D. Kingsbury,
‘T h e ‘D ivine M an’ as the Key to M ark’s Christology— T h e Find o f an E ra?” In t
35 (1981), p. 243-57.
capítulo quatro
A N O V A I S R A E L (3 .13 -19 )
8 “E Belial será am arrado pelo [sumo sacerdote da era messiânica] e ele (o sumo
sacerdote) deverá dar poder a seus filhos para pisotear os espíritos malignos” (/.'
L m 18.12).
9 Mais uma vez é difícil decidir qual a m elhor reconstrução textual do versículo 16.
A evidência do manuscrito para kai epoiêsen tons dõdeka não é melhor do que o era
para a leitura variante no versículo 14 (veja n. 5 acima). Contrário a B. M etzger
( TC G N l\ p. 69), a omissão da frase não prejudica o sentido do texto.
10 Epifânio {Pan. 30.13.2-3) apresenta uma lista separada de discípulos que ele afirma
derivar do Evangelho dos ebionitas. “E [Jesus], quando entrou em Cafarnaum na casa
de Simão, chamado de Pedro, abriu sua boca e disse: ‘enquanto andava ao longo
157 M a rc o s 3.16-19
A Q U E L E Q U E A M A R R O U O H O M E M F O R T E ( 3 -2 0 3 5 )־
“ Q u a n d o seus fam iliares o u viram falar disso, saíram para trazê-lo à força,
pois diziam : ‘E le está fo ra d e si’. ” E ssa afirm ação su rp re e n d e n te é om itida
pelos paralelos em M ateu s 12.22 e L ucas 11.14. A s palavras gregas usadas
são ainda m ais explícitas: “ eles fo ram p ren d ê-lo , ac red itan d o q u e Jesus estava
incontrolável” (Jo 10.20). A palavra g reg a p ara “ a p reen d ê -lo ” (gr. krateiri) é
regularm ente u sad a em M arco s co m esse sen tid o d e te n ta r am arrar Jesus
e privá-lo d a lib erd ade, o q ue faz sen tid o aqui.20 H á o b v iam en te m ais em
relação a esse in cid ente d o q u e M arcos relata. E x ata m e n te quem am eaça Jesus
não fica to ta lm e n te claro. A s trad u ç õ es em p o rtu g u ê s m en cio n am os “ seus
parentes” (ARA; A R C ) o u “ os seu s” (A C F), m as a frase grega p ro p o sicio n al
é sim ples e am bígua, “ aqueles dele” (hoi par autoü), q u e p o d eria significar
associados, p a ren tes o u seguidores, b em c o m o am igos o u fam ília.21 A m ãe e
irm ãos d e Jesus, d e ac o rd o c o m Jo ã o 2.12, visitaram Jesu s e seus discípulos
em C afarn au m n o início de seu m inistério. T alvez haja u m a co n e x ão en tre
essa visita e a ten tativ a de in terv e n ção aqui. O u talvez te n h a m in terv in d o
lá de N azaré. D e q u alq u er m o d o , os m ais p ró x im o s d e Jesu s acreditam que
seus con flito s c o m as au to rid ad es é u m e rro e vieram p ara buscá-lo, talvez até
m esm o “ esfaque[á-lo]” o u can celar seu p ro g ra m a (Z c 13.3!).22 A referência
d esconcertan te d e q ue Jesu s está “ fo ra d e si” traz à lem b ran ça d os leitores
de M arcos q u e as au to rid ad es religiosas n ão estão sós em suas apreensões
equivocadas em relação a Jesus. A o p o sição deles fica m ais explicável, pois,
com o os d e fora, p o d e m ser vítim as d a ignorância, relatos falsos, ciúm es o u
zelo m al o rien tad o . A o p o sição d o s q ue p e rte n c e m ao círculo m ais ín tim o é
mais p ro b lem á tica , p o is os associados d e Jesu s tê m d e ser advogados, e não
adversários. A p ró p ria am biguidade das palavras d e M arcos, “ os seus” (ACF),
é um lem b re te calculado d e q u e os m ais p ró x im o s a Jesu s p o d e m de fato se
que Jesu s estava sen d o acu sad o de estar p o ssu íd o p o r u m espírito m aligno (v.
30). A palavra p ara “p e c ad o s” n o s versículos 28,29 n ã o é u m a palavra grega
n o rm a l p ara “p e c a d o ” {harmaüa), m as u m derivativo (hamartlmà). E ssa últim a
palavra carreg a u m a nu an ça u m p o u q u in h o d iferen te d e p ecad o s c o m o atos
pecam in oso s e ações ofensivas em o p o sição à natureza e m otivos d o pecado.27
E sse p ec a d o é ch a m a d o de “ p e c a d o e te rn o ” (v. 29), o u seja, u m p ec ad o com
co n se q u ên cia etern a.28 “ B lasfem ar” , co m o sen tid o de caluniar o u difam ar,
é u sad o p re d o m in a n te m e n te n o N o v o T esta m e n to p ara as infrações co n tra
o D e u s verdadeiro.
O p ec a d o c o n tra o E sp írito S an to tem d e ser en te n d id o à luz d o teste-
m u n h o inicial d e J o ã o B atista. E s te an u n cio u a era m essiânica ao p ro fetizar
a v in d a d o m ais p o d e ro s o q u e batizaria co m o E sp írito S an to (1.7,8). A qui,
Jesus se descreve co m o o m ais p o d e ro so que, pelo p o d e r d o E sp írito de D eus
am arra S atanás e d e rro ta seus su b o rd in a d o s (v. 27). A gravidade da ofensa
d o s escribas, c o n fo rm e M arcos declara n o versículo 30, é que eles acusam
Jesu s d e te r u m esp írito im u n d o o u m aligno. O p ec a d o c o n tra o E sp írito
Santo, p o rta n to , n ã o é u m a o fe n sa n ã o identificável c o n tra D eu s,29 m as um
ju lgam en to eq u iv o cad o específico d e q u e Jesus é m o tiv ad o pelo m al, em vez
de pelo b em ; d e q u e ele é e m p o d e ra d o p elo d em ô n io , e n ão p o r D eus.
Jesus c o m o o F ilh o d e D e u s, d e seu b atism o em dian te, foi au to rizad o
pelo E sp írito d e D eus. Q u e m , c o m o fizeram os m estres d a lei, p o d e o lhar
p ara ele e dizer: “ E sse é o d e m ô n io ” ; o u , d e m o d o inverso, q u em p o d e o lhar
p ara o d e m ô n io e ch am á-lo F ilh o d e D e u s, c o m o o faz o Satanás de J o h n
M ilton, q u e “ sen tiu o q u a n to a b o n d a d e é h o rrív el” e disse: “M al, sejas tu
m eu B em ” ,30 essa p esso a está d ese sp erad a m en te perdida. E sse é u m “p ecad o
e te rn o ” (v. 29) u m a vez q u e q u alq u er p esso a que, d e fo rm a v o luntária ou
não, n ã o co n sig a d istin g uir o m al d o b e m e o b e m d o m al, as trevas d a luz e
a luz das trevas, está m u ito d istan te d e u m pálido a rrep en d im en to . “A i dos
31 N ão é de surpreender que a igreja prim itiva tenha sido fulm inada pela condenação
pelos líderes judeus de exatam ente daquele a quem esperavam co m o o Messias.
O bserve o alerta que Lucas atribui a Paulo em A tos 13.27: “O p o v o de Jerusalém
e seus governantes não reconheceram Jesus, mas, ao condená-lo, cum priram as
palavras d os profetas, que são lidas todos os sábados” .
32 As palavras de Cranfield sobre o versículo 29 ainda continuam válidas: “A queles
que mais particularm ente deveríam prestar atenção a esse versículo (29) são os
professores de teologia e os líderes oficiais da igreja” (The GospelAccording to Saint
M ark, p.143).
M a rc o s 3.31-35 168
3 1 ,3 2 M arcos conclui a u n id ad e de sanduíche re to rn a n d o aos seguidores
d e Jesu s em 3.31-35, os quais já n ã o são m ais apenas aqueles assen tad o s “ ao
seu re d o r” (v. 32), m as sua “m ã e ” e “irm ã o s” . O cen ário co n tin u a a ser a casa
cheia de pessoas d o versículo 20. A m en sag em , em algum p o n to d o coloquio,
é passada p ara Jesus: “T u a m ãe e teu s irm ão s estão lá fora e te p ro c u ra m ” . A
cena n ão c o n té m detalhes, exceto p o r alguns indícios. F icam os sab e n d o p o r
duas vezes q ue a m ãe e irm ão s d e Jesu s estão d o lado d e fo ra (w . 31,32) e
que a m u ltid ão está lá d e n tro co m Jesus. Isso é irô n ico u m a vez que as casas
em geral têm m e m b ro s d a fam ília em seu in terio r e as m ultidões d o lad o de
fora. C o n tu d o , aqui a o rd e m é reversa: a família de Jesu s está fo ra e m an d am
“ ch am á-lo ” (gr. kalein, v.31). E m o u tra passagem de M arcos, Jesu s é o sujeito
d o verb o “ ch am ar” (1.20; 2.17), m as aqui sua família te n ta declarar seu direito
so b re ele. E les tam b ém o “ p ro c u ra m ” . O te rm o g re g o tçêtein o c o rre dez vezes
em M arcos, e, em cada u m a dessas o co rrên cias, d escreve u m a tentativ a de
d elim itar Jesu s e ad q u irir c o n tro le so b re ele (veja a discussão d o te rm o em
1.37). Sua fam ília, c o m o seus seguidores d o s versículos 20,21, assum e que
tem d ireito s q u e Jesu s é o b rig ad o a h o n rar.
a v erd ad eira fam ília de Jesus.35 O s falsos discípulos ten tam rep rim ir Jesus
im p ed in d o -o de seguir c o m sua m issão o u red irecioná-lo p ara outra. E sse é
um en g a n o p erig o so e p o te n cia lm en te tão b lasfem o q u a n to c o n fu n d ir Jesus
co m Satanás. B u scar d esviar Jesu s de sua m issão é satânico, c o n fo rm e , mais
tarde, a re p re e n sã o de P ed ro p o r Jesu s indica: “ Para trás de m im , Satanás!
V ocê n ã o p e n sa nas coisas d e D e u s, m as nas d o s h o m e n s” (8.33).
A P A R Á B O L A D O S E M E A D O R E O M I S T É R I O D O R E IN O
( 4 . 1 ־2 0 )
A p e n as dois cap ítu lo s n o evangelho d e M arcos afastam -se d o fo rm a to
d e narrativa p ara incluir consideráveis b lo co s d o ensin o de Jesus; um deles é
a coleção das p aráb o las n o ca p ítu lo 4, e o o u tro é u m discu rso so b re o fim
dos te m p o s n o cap ítu lo 13. E m 4.1-20, h á o u tro san du íche m arc an o em que
a paráb o la d o sem ea d o r (w . 3-9) e sua explicação (vv. 14-20) são divididos
pela in stru ç ã o p articu la r p o r Jesu s so b re o m istério d o R eino de D eus. A
c o n stru ç ã o d o san d u ích e significa q u e M arco s tem a in ten ção q u e o to d o seja
co m p re e n d id o c o m o u m a unidade. O c e n tro d o sand uíche n o s versículos 10-
13 é a chave p ara a c o m p re e n sã o d o to d o — d e q u e apenas em co m u n h ão
c o m Jesu s é q ue as paráb olas d e sc o rtin a m o sen tid o d o R eino d e D eus.
35 O b serv e o dito preservado n o Evangelho dos egípcios 9.11: “ Pois o S en h o r tam bém
diz: ‘M eus irm ãos são aqueles que fazem a vontade de m eu Pai’ ” .
36 Veja B. C. Crisler, “T h e A coustics and C row d Capacity o f N atural T heaters in
Palestine” , B A 39 (1976), p. 137. Sobre a localização da Baía das Parábolas, veja
Pixner, Wege des Messias und Stãtten der Urkirche, p. 88-89; o m esm o autor, W ith Jesus
Through Galilee, p. 41-42.
171 M a rc o s 4.2
37As parábolas são encontradas apenas em m eio aos rabis palestinos, e não em meio
aos rabis babilônios. O assunto dessas parábolas é invariavelm ente a T orá, e não o
Reino de D eus. D e acordo com Str-B 1.654, a única parábola rabínica conhecida
por ser an terior a Jesus é de Hillel (c. 20 a.C.). Para exem plos das histórias hele-
nistas que se assem elham a parábolas, veja H C N T , p. 89-92. As diferenças nessas
últimas, todavia, são dignas de nota. As “parábolas” helenistas não são sobre o
Reino de D eus, elas quase invariavelm ente têm um com p lem en to m oral e não é
preciso “ entrar” nelas para serem com preendidas.
M a rc o s 4.3-9 172
wJ. Jerem ias, The Parables o f Jesus, ed. rev., trad. S. H . H oo ke (L ondon: SCM Press,
1963), p. 11, afirm a que, “ na Palestina, a sem eadura preced e o arar da terra” .
K. D. W hite refuta de fo rm a veem ente essa afirm ação em “T h e Parable o f the
Sower” ,/ 7 3 Ί 5 (1964), p. 300-307. E ssa questão foi reexam inada p o r P. B. Payne,
“T he O rd e r o f Sow ing and Ploughing in th e Parable o f th e Sow er” , N T S 25
(1978), p. 123-29. Payne é capaz de sustentar sua conclusão d e que “o arar da
terra regularm ente acontece depois da sem eadura a fim de en terrar a sem ente” (p.
127), adm itindo apenas que o arar da terra na prim avera precede a sem eadura do
ou ton o na Palestina. O arar a terra, co n fo rm e indicam Isaías 28.24, O seias 10.12,
Jeremias 4.3 e ou tro s textos d o A ntigo T estam ento, precede n o rm alm en te a se-
m eadura e, algum as vezes, é feito após a sem eadura a fim de co b rir a sem ente.
Veja J. D rury, The Parables in the Gospels (London: SPC K , 1985), p. 57-58.
40 O po d er e o p ropósito do sem eador são perdidos no apócrifo Memoria Apostolorum,
em que os discípulos acusam Jesus de ser um péssim o fazendeiro p o r ter lançado
a sem ente o n d e ela não consegue crescer (veja N T A poc 1.376).
41 Os inim igos da colheita são inúm eros. Veja G. E . M. Suess, “E nem ies o f the
H arvest” , JerusalemPersp 53 (1997), p. 18-23, que enum era cerca de 125 espécies
de cardo na Palestina que sufocam o produto. D o m esm o m odo, M. P. K nowles,
“A bram and the Birds in Jubilees 11: A Subtext for th e Parable o f th e Sower?”
N T S 41 (1995), p. 145-51, cham a atenção para as sim ilaridades en tre os corvos
arrebatadores em Jubileus 11.10 e o papel das aves na parábola d o sem eador. E m
Jubileus, os corvos são enviados p o r M astem a/Satanás, príncipe dos dem onios. Isso
pode p ro ver um a ligação possível da parábola d o sem ead or co m a controvérsia
precedente de Belzebu.
M a rc o s 4.3-9 174
45VejaJ. Marcus, “Blanks and Gaps in the Markan Parable”, Biblnt5 (1997), p. 255.
M a rc o s 4.11 176
46 Nessa presente passagem e no N ovo Testam ento com o um todo mystêrion (“mis-
tério”) não se refere ao conhecim ento esotérico reservado a iniciados seletos,
como acontece com jâm blico Vida de Pitágoras 23.104-5; nem, como nas histórias
modernas de detetives, a inform ações desconhecidas que têm de ser espionadas
com discrição e astúcia. Antes, “mistério” significa a verdade de Deus disponível
apenas com o um a revelação de Deus. N ão existe nenhum a pesquisa que possa
revelar o mistério de Deus, pois no N ovo Testamento, com o no judaísmo, o
mistério tem de ser revelado do céu a fim de ser conhecido e, por isso, é recebido
pela fé com o o resultado do ouvir. O propósito do mistério não é apenas reduzir a
ignorância, mas produzir maravilhamento e reverenda. E m especial, em Marcos 4.11,
tanto o mistério quanto o Reino de Deus estão inescapavelmente presentes e cum-
pridos nas palavras e obras dejesus. Sobre “mistério”, veja H. Kràmer, “mystêrion”,
177 M a rc o s 4.11
48J. D o n ah u e, S.J., The Gospel in Parable (M inneapolis: F ortress Press, 1990), p. 42-44,
observa corretam ente que os que pertencem ao círculo ín tim o e os de fora não
se referem aos discípulos versus m ultidões nem aos discípulos versus judeus hostis,
m as se refere a todas as categorias e depende apenas d o ouvir.
49 M ateus 3.12 transpõe esse versículo em sua explicação do p ro p ó sito das pará-
bolas, salientando, p o r conseguinte, a necessidade da fé para a co m preensão das
parábolas.
179 M a rc o s 4.12
511Paráfrases aram aicas dos textos do A ntigo T estam ento usados nas leituras da
sinagoga.
51 Isso se to rn a aparente pelo uso de M arcos da terceira pessoa do plural, em vez
da segunda pessoa do plural, em Isaías 6.9; seu uso de “ p erd o ad o s” , em vez de
“curados” em Isaías 6.10; e a voz passiva “ ser p e rd o ad o s” . Sobre esses pontos,
Marcos e o T argum concordam e se o p õ em às form as gregas e hebraicas de Isaías.
52M uitos estudiosos aceitam a p ro p o sta de T. W. M anso n de que os ditos aram aicos
de Jesus refletem o T argum e trazem : “ Para vocês é dad o o segredo do Reino de
Deus; m as todas as coisas vêm nas parábolas para os de fora que
Veem de fato mas não percebem ,
E ouvem de fato, mas não com preendem
Para que não se arrep endam e recebam o p erdão” .
Veja T. W. M anson, The Teaching o f Jesus: Studies in Its Form and Content (Cam bridge:
C am bridge U niversity Press, 1963), p. 75-81; tam bém J. Jerem ias, D ie Gleichnisse
/« * 7(G ottingen: V andenhoeck & R uprecht, 1965), p. 9-14.
53 Mateus, em particular, atribui o fracasso de receber o m istério à dureza de coração
do povo, co n fo rm e evidenciado pela longa citação de Isaías em M ateus 13.14,15
que fala sobre o coração d u ro das pessoas. A lém disso, im ediatam ente antes da
citação, M ateus fala de “ um a geração perversa e adúltera” (12.39,45) que fica sob
julgam ento mais severo que o de N ínive (12.41).
M a rc o s 4.12 180
Por mais atraente que seja essa solução, é improvável por vários motivos.
Primeiro, e mais importante, não existe evidência textual de uma tradução
equivocada em 4.12. Se Marcos entendeu de forma equivocada ou traduziu
erroneamente uma fala de Jesus nesse ponto de sua narrativa, esperaríamos
variantes e emendas na tradição textual. Todavia, não há nenhuma delas; de
fato, há notável concordância na evidência manuscrita nos versículos 10-12.54
Além disso, até mesmo as versões de Mateus e Lucas, com mais nuanças, não
estão totalmente livres da correspondência misteriosa do coração duro com
a vontade de Deus. Por fim, a citação de Isaías 6.9,10 ocorre seis vezes no
Novo Testamento, sempre em contextos de descrença e dureza de coração.
O versículo 12 no texto recebido, apesar de suas dificuldades, merece nossa
atenção. O sentido de 4.11,12 é que as parábolas dejesus confirmam o estado
do coração das pessoas: os que pertencem ao círculo íntimo que estão com
Jesus receberão a compreensão do mistério, e os de fora que não estão com
Jesus serão confirmados em sua descrença.55
Marcos não demonstra nenhuma disposição de relaxar a tensão entre a
soberania divina e o livre-arbítrio humano na realização da vontade de Deus.56
Antes, ele p õ e esses dois asp ecto s em justaposição. A ten são já estava p resen te
em Isaías 6, em q u e D e u s en v io u seu p ro fe ta p ara u m p o v o q u e n ão resp o n -
deu a ele. F ic o u ev id en te n a d u re z a d o faraó, atrib u íd a altern ativ am en te a sua
própria esco lh a (Ê x 7.14,22; 8.15,19,32; 9.7,35; 13.15) e à v o n tad e de D eu s
(Êx 4.21; 7.3; 9.12; 10.1,20; 11.10). Fica ev id en te n a p aráb o la d o sem ead o r
em que u m fazen d eiro sem eia em u m so lo q u e n ão p o d e p ro d u z ir frutos. A
tensão é p re serv ad a n a reflexão d e M arcos so b re a d ese rção d e Judas, u m dos
escolhidos d e Jesu s q u e o traiu: “ O F ilh o d o h o m e m vai, c o m o está escrito
a seu respeito. M as ai daquele q u e trai o F ilh o d o h om em ! M elh o r lhe seria
não h aver n asc id o ” (14.21). A d escren ça e a rejeição ex p erim en tad as p o r
Jesus ta m b é m fo ram ex p erim en tad as m ais tard e pela igreja prim itiva, e mais
uma vez Isaías 6.9,10 (junto co m J r 5.21) falou so b re o p ro b le m a d o coração
endurecido (A t 28.26,27; J o 12.40).
N a in tera ção inescrutáv el e n tre os p ro p ó sito s ex p ressos d e D e u s e os
fatos co n trá rio s d a h istória, M arcos e a igreja p rim itiva v iam m ais q u e u m a
luta decisiva en tre iguais e forças o p o stas. A n tes, a sob eran ia de D e u s estava
exercitando u m p ro p ó s ito teológico. O D e u s q ue d á o m istério (v. 11) tam -
bém cega os o lh o s d aqueles n ã o disp o sto s. A s p arábo las, c o m o ó p ró p rio
m inistério d e Jesus, são veladas e m isterio sas, e só d essa fo rm a é que p o d em
revelar p ara aqueles q u e realm en te o u v em .57Jesu s ap resen ta o R eino d e D eu s
no p erío do patrístico, mas falha em levar o texto a sério. M arcus, p o r sua vez, em
“M ark 4:10-12 an d M arcan E pistem ology” , J B L 103 (1984), p. 566, argum enta
totalm ente pela predestinação: “Algum as pessoas são solo bo m , mas outras são o
solo à beira d o cam inho, outras ainda o terreno pedregoso ou cheio de espinhos;
o prim eiro g ru p o p o d e receber a palavra, mas os últim os não. N ã o há sugestão
de que o indivíduo possa alterar o tipo de solo que é” . Tal determ in ism o falha
em levar a sério o cham ado de Jesus para ouvir (4.3,9) e fazer a v o n tad e de D eus
(3.35). O sanduíche m arcano de 4.1-20 evita esses dois extrem os. O m istério da
providência divina, m anifestada no m inistério de Jesus, é dad o para aqueles que
estão com Jesus (3.14,34) e que ouvem (4.3,9) sua palavra.
57 O bserve a percepção de M. Hengel: “ O que tem os [em parábolas] é o que eu
gostaria de cham ar um ‘encobrim ento revelador’. A revelação p o d e encobrir, e
o enco brim ento p o d e revelar. [...] H á circunstâncias que só p o d em ser expres-
sadas adequadam ente na fo rm a de um a revelação q ue encobre, e acredito que
os ‘m istérios’ de Jesus são um a dessas circunstâncias. N ã o p o rq u e o indivíduo
que fala sobre tais circunstâncias q u er ser m isterioso, [...] mas p o rq u e a natureza
dessas circunstâncias não p erm ite qualquer o u tro tipo de linguagem com o um a
expressão adequada” {Studies in the Gospel o f M ark, trad. J. B ow den [London: SCM
Press, 1985], p. 95-96).
M a rc o s 4.13-20 182
8 יL. R am aroson, “Jesus sem eur de parole et de peuple en M c 4:3-9 et par.” , ScEs
47 (1995), p. 287-94, exam ina nove passagens em q ue D eu s sem eia as pessoas de
seu reino e argum enta que a explicação da parábola do sem eador em 4.14-20 é
fiel ao p ensam ento de Jesus.
183 M a rc o s 4.13-20
59 C. H. D o d d , The Parables o f the Kingdom (London: Collins, 1965),p. 14-15, ejerem ias,
The Parables o f Jesus, ed. rev., p. 78, apresentam um a lista com binada de quatorze
palavras únicas para a explicação da parábola do sem eador. E ssa é um a contagem
muito im precisa. N a realidade, há apenas cinco term o s que o co rrem apenas aqui
em M arcos e em n en h u m o u tro texto dos sinóticos fora d a explanação da pará-
bola: akarpos (“infrutífera”), apafe (“ enganador”), paradechomai (“ aceitar”), ploutos
(“riqueza”) e proskairos (“p o r um breve m o m e n to ”). M arcos 4.14-20 consiste de
cem palavras em grego; cinco palavras únicas entre as outras são insuficientes
para provar a proveniência tardia da passagem .
60 Drury, The Parables in the Gospels, p. 51.
61A discussão sensível de C ranfield dos versículos 14-20 em The GospelAccording to
Saint M ark, p. 158-61, é evidência de que o caso contra a autenticidade de 4.14-20
está longe de ser estabelecida.
M a rc o s 4.13-20 184
0 E N C O B R IM E N T O Q U E R E V E L A (4 .2 1-2 5 )
“ Versículo 21: M ateus 5.15; Lucas 8.16; Evangelho de Tomé 33; versículo 22: Ma-
teus 10.26; Evangelho de Tomé 5— 6; P. Oxy. p. 654, n° 4; versículo 23: M ateus 11.15;
Atos de Tomé, p. 82; versículo 24: M ateus 7.2; 1Clemente 13.2; P 0L Fp. 2.3; versículo 25:
Mateus 13.12; Evangelho de Tomé 41; 4E sdras 7.25?
M a rc o s 4.21 186
DO IN S I G N I F I C A N T E A O I N C O M P R E E N S Í V E L ( 4 .2 6 3 4 )־
das pessoas. O fazen d eiro esp era n o ite e dia pelas sem entes;71 “ e stan d o ele
d o rm in d o o u ac o rd a d o ” , e a vida c o n tin u a c o m o sem pre. C o n tu d o , sim ulta-
n ea m e n te e co m in d ep en d ê n cia d o fazendeiro, o u tro p ro c esso está em ação.
C o m vagar e d e m o d o im perceptível, “a sem ente g erm ina e cresce” . A sem ente
é to talm e n te distinta d a b u sca m undial p elo po d er, c o m o na p arábola de Jotão
d o esp in h eiro (Jz 9.7-15), a am b ição em seu estad o n atural assegura u m lugar
p ara si m esm a pela violência e revolução. Jesus, m ais tarde, alertará contra
essa b u sca e te n taç ão (10.42-45). A sem en te, de ce rta fo rm a , é tão inofensiva
e insignificante q u e o fazen d eiro de início p o d e n em tomar c o n h e c im e n to de
seu crescim ento. E le “ n ã o sa[be] [nem m esm o] c o m o ” isso acontece. N o
en tan to , ap esar d a ausência e ig n o rân cia d o fazendeiro, a te rra p ro d u z “ por
si p ró p ria ” (gr. automatè), te rm o d o qual deriva n o ssa palavra “ au to m ático ” .72
A sem en te c o n té m em si m e sm a u m p o d e r d e g erar e u m p ro c esso o rd en ad o
de crescim en to — “p rim eiro o talo, d ep o is a espiga e, então, o g rão cheio na
espiga” — q u e se revela à p a rte d e q u alq u er ação d o fazendeiro.73
U m a teo lo g ia a n te rio r ten d ia a en fatizar o papel da atividade hum ana
p ara in tro d u z ir o R eino d e D eus.
׳l A ordem dos eventos no versículo 27, “N oite e dia, estando ele dorm indo ou
acordado”, reflete o costum e judaico de reconhecer o novo dia no pôr do sol.
'2 Veja G. Theissen, “D er Bauer und die von selbst Frucht bringende E rde”, ZNW
85 (1994), p. 167-82, que localiza o cerne da parábola em automates (“por si pró-
יpria”).
73 Uma ordem de crescimento similar aparece em 1Clemente 23.4,5 e 2Clemente 11.3.
O Apócrifo de Tiago 12.20-30, um texto gnóstico do século III, muda o ponto da
parábola do Reino de Deus com o obra de Deus para a responsabilidade da hu-
manidade de colher e de se apropriar do processo: “Pois o reino dos céus é como
urna espiga de grão depois que brota em um campo. E quando ela amadurece,
espalha seus frutos e mais uma vez enche o campo com espigas para o ano seguinte.
Vocês também: apressem-se para colher uma espiga de vida para si mesmos para
que possam ser enchidos com o reino” .
74 Mais recentemente, J. D. M. D errett escreve: “A parábola do crescimento secreto
da semente indica que as boas obras e as boas intenções são meritórias, embora o
‘semeador’ (o homem) não esteja ciente de sua eventual participação nos lucros”
(“Ambivalence: Sowing and Reaping at Mark 4:26-29”, EstBib 48 [1990], p. 489-
510). Com o essa interpretação hum anista deriva-se de 4.26-29 é surpreendente.
O versículo 27, em particular, relega a humanidade a um papel totalmente passivo
na realização da colheita. A parábola tem três sujeitos (o semeador, a semente, a
terra), e a responsabilidade do único sujeito hum ano é apenas esperar em fé.
191 M a rc o s 4.29
"Quem é este?"
M A R C O S 4 .3 5 — 6 .6 a
JE S U S — O T R A N Q U IL IZ A D O R D A S T E M P E S T A D E S (4 .3 5 -4 1 )
várias figuras artísticas d a A ntiguidade. U m b arco sim ilar levou Jesus e seus
discípulos n a travessia d o m a r da G alileia.3
8 Êxodo 14.21 ss.; Jó 12.15; 28.25; Salmos 33.7; 65.7; 77.16; 107.23-30; 147.18;
Provérbios 30.4; Amós 4.13; N aum 1.3ss.
5 Em uma investigação perceptiva da linguagem de 4.35-41, Gisela Kittel, “ ־Wer
1st der?’ Markus 4,35-41 und der mehrfache Sinn der Schrift”, em Jesus Christus
ais die Mitte der Schrift. Studien ψΓ Hermeneutik des Evangeliums, Herausgegeben von
Ch. Landmesser, H.-J. Eckstein e H. Lichtenberger, B Z N W (Berlin: Walter de
Gruyter, 1997), ρ. 517-42, chama a atenção para as proporções míticas da lingua-
gem de Marcos nessa história. N o Antigo Testamento, só Deus pode salvar as
pessoas das tempestades do caos (SI 33.7; 65.8; 89.11; 104.7; Jó 26.12; 38.8). Por
conseguinte, isso não é apenas uma história de milagre de salvação; antes, é uma
história de Jesus com o a Epifanía de Deus que faz só o que Deus pode fazer. Kittel
faz perguntas provocadoras feitas pela história: “Q uem é este que, no meio da
tempestade, se levanta na mesma hora com os seus e tam bém ao lado de Deus?
Quem é este, em quem o poder redentor e criativo de D eus invade o m undo do
caos e tira as pessoas da força destrutiva desse mundo? Essa pergunta, agora, tem
que acompanhar os discípulos”.
M a rc o s 4.40-41 200
C R IA Ç Ã O A P A R T I R D O C A O S (5 .1-2 0 )
15 S obre a identificação d e K ursi com G ergesa, veja V. Tzaferis, “A Pilgrim age to the
Site o f th e Swine M iracle”, BARev 1 5 /2 (1989), p. 45-51; B. Pixner, WegedesMessias
und Stãtten der Urkirche, H erausgegeben von R. R iesner (G iessen/B asel: B ru n n en
Verlag, 1991), p. 142-48. E m um a longa discussão, M.-J. L agrange, Evangile selon
SaintMarc, p. 132-38, argum enta com veem ência que O rígenes estava equivocado
ao localizar G ergesa ao longo da costa oriental do lago. A citação da M idrash Zuta,
n o entanto, e a subsequente descoberta d o vilarejo de K ursi, parecem mitigar
a crítica de Lagrange e reabilitar a credibilidade de O rígenes e E usébio sobre a
questão. A referência Zuta vem de Z . Safrai, “ G ergesa, G erasa, o r G adara?” /«;»־
salemPersp 51 (1996), p. 16-19. A explicação de Safrai para as leituras variantes de
G erasa e G adara em 5.1 não é implausível. E le p ro p õ e que a m enção de G ergesa
p o r O rígenes com o “ um a cidade antiga” indica que, já em sua época, ela estava
em declínio. Q u an d o G ergesa se to rn o u desconhecida, o term o foi alterado para
“gerasenos” , m ais conhecido. A grande distância de G erasa do m ar, no entanto,
convida à alteração para “gadarenos” (m oderna U m m Q eis), mais próxim a do
lag o /m ar.
M a rc o s 5.2-5 204
16 Para as regras da M ishná com relação aos sepulcros, veja m. Kel. 23.4 e m. Ohalot
17— 18. A cidade de T iberíades foi construída so b re sepulcros, e isso, declara
Josefo, “ era contrário à lei e à tradição dos judeus po rq u e ela foi construída em
local de sepulcros, [...] e n ossa lei declara que tais m oradores são im undos p o r
sete dias” (A nt. 18.38).
17 O Testamento de Salomão, um texto dem onológico judaico-cristão datando dos séculos
I a I II d.C., apresenta um arsenal de dem ônios na form a de histórias folclóricas.
A expulsão de dem ônios do geraseno possesso fascinou seu au to r e p roveu um a
sem ente para vários episódios contidos ali (veja T. Sol. 1.13; 11.1-7; 17.2-3).
M a rc o s 5.8-10 206
18 Veja fórm ulas similares reunidas em B A G D , p. 581, e A. D eissm ann, Bible Studies,
trad. A. G rieve (E dinburgh: T. & T. Clark, 1901), p. 281-83: horkitçõ se, daimonion
pneuma, ton theon tou Abraam (“A djuro você, espírito dem oníaco, pelo D eu s de
A braão”).
19 G ênesis 14.18; N úm eros 24.16; Isaías 14.14; D aniel 3.26; Lucas 1.32, 3 5 ,75; 6.35;
A tos 7.48; 16.17; H ebreus 7.1 ·,Atos de Tomé45. O hebraico ,el‘elyon (“D eu s Altíssi-
m o”) é encontrado quinze vezes nos M M M e raras vezes n a literatura rabínica. H á
31 ocorrências n o A ntigo T estam ento, e a frequência aum enta após M acabeus a
fim de m ostrar a suprem acia do D eus de Israel sobre os deuses e deusas pagãos. G.
B ertram , “hypsos”, 7ΡΑΓΓ8.602-20; E. Lohm eyer, Das Evangelium des Markus, p. 95.
20 Veja HCNT, p. 69-72,331-32.
207 M a rc o s 5.8-10
Jesus sair eram provavelm ente pastores de suínos que queriam se defen d er da
culpa pela p erd a dos suínos.
26 Soren K ierkegaard, com o aconteceu com a história da o rdem de D eus para A braão
sacrificar Isaque no m o n te M oriá (G n 22), pode ter co ntado esse incidente com o
um exem plo da “ suspensão teológica do ético” , ou seja, um a instância em que o
bem su prem o ou ordem de D eu s sobrepuja todos os ou tro s bens.
M a rc o s 5.18-20 210
A F É Q U E D E S A F I A A D E R R O T A (5 .2 1-4 3 )
32J. Frazer, em The Golden Bough, argum enta pela evolução da mágica para a religião,
e da religião para a ciência. N esse caso, no entanto, M arcos apresenta u m fluxo-
gram a alternativo d a ciência para a religião!
33 lQ S a 2:2-4; Bib. A n t. 7; Spec. Leg. 3.32-33. O sangue m enstrual, co m o tam bém
o u tro s “ fluxos” (sêm en, escarro, urina e pus), fazem co m que a pessoa fique
im unda, um %ab, de acordo com a tradição rabínica (m. Zavim 1— 5).
215 M a rc o s 5.25-29
tocavam seus joelhos; o u tro s, sua v este” n a esp eran ça d e serem batizados
com a aura e p o d e r d esse g o v ern an te.34 A ab o rd ag em era feita algum as vezes
com u m a in te n ç ã o m ais específica, p ara a cu ra o u o c u m p rim e n to de um a
solicitação.35 A m u lh e r p o d e te r se ap ro x im a d o d e Jesu s co m u m a intenção
similar, talvez m istu rad a c o m superstição. E possível, n o en tan to , q u e ten h a
visto em Jesu s algo m ais q u e a aura de u m g o v ern an te. Q u e m sabe ten h a
visto e m Jesu s u m re p re se n ta n te de D e u s que, c o m o o altar n o tabernáculo,
to rn aria sa n to to d o s os q u e o to cassem (E x 29.37). O fato de ela p ro c u rar
tocar a v este d e Jesu s p o d e indicar q u e o associava co m o D e u s de Israel,
pois a referên cia à veste p ro v av elm en te refere-se à franja d e seu m a n to n o
canto de sua v este exterior, u sad a p o r to d o s os ju deu s q u e guardavam a lei
(N m 15.38,39; D t 22.12).36 M arcos, n o en tan to , n ã o tece n e n h u m julgam en-
to so b re a o rto d o x ia, o u ausência dela. A n tes, ele relata q u e ela faz a única
coisa im p o rta n te p ara u m discípulo fazer: ela “ o u v iu ” , “ ch e g o u ” p e rto dele
e o “ to c o u ” (v. 27).37 E m M arcos, agir c o n fo rm e o q u e ouv iu so b re Jesus
é sem p re u m sinal de u m discípulo, e é isso q u e a m u lh er faz. M arcos, em
m arcan te c o n tra s te co m seu esta d o d ep lo ráv el n o versículo 26, n arra de
form a co n c re ta e vivida o re su ltad o d a ação d essa m u lh e r n o versículo 29, o
que p o d e ser literalm ente trad u z id o d esta fo rm a: “ Im ed ia ta m e n te cessou sua
hem o rrag ia e ela sen tiu em seu c o rp o q u e estava livre d o seu so frim en to ” .
C om o n a h istó ria d o h o m e m co m a m ão atro fiada (3.1-6), ela, ao trazer sua
3 0 Je su s, n o m e s m o in s ta n te , ta m b é m sa b e “ e m se u in te rio r” , p a ra tra d u -
z ir o g re g o lite ra lm e n te , q u e a c u ra sa íra d e si.39 U m a to d e fé o c o r r e u a n te s
d e a m u lh e r c o m p r e e n d e r to ta lm e n te se u se n tid o . C o n s id e ra n d o o e stig m a
so cial d a m u lh e r, a r e s p o s ta d e J e s u s a ela é n o tá v e l. O fa to d e ela e s ta r e m
lo cal p ú b lic o e te r to c a d o e m Je su s, a m b a s as a titu d e s e ra m v io la ç õ e s d a T o rá ,
n ã o sã o o m o tiv o d a re p r im e n d a d e Je su s.40 A n te s, ela é a p e r s o n a g e m c e n tra l
d a h is tó ria e c o n ta “ to d a a v e r d a d e ” (v. 33), to r n a n d o - s e , p o r c o n s e g u in te , o
m o d e lo d e fé p a ra Ja iro !41
3 1 -3 4 M a rc o s e s c o lh e a m u lh e r n a m u ltid ã o , talv ez p a ra in d ic a r q u e u m
e n c o n tr o v e rd a d e iro c o m J e s u s d istin g u e o in d iv íd u o c o m o u m in d iv íd u o
47 Str-B 1.521-23.
48 H. E. G. Paulus, D asLeben Jesus ais Grunálage einer reinen Geschichte des Urchistentums
(Heidelberg: C. F. Winter, 1828). Paulus, racionalista detalhista, acreditava na im-
possibilidade de milagres e considerava as leis da natureza com o coexistentes com
Deus. Veja a discussão de seu trabalho em A. Schweitzer, The Q uest o f the Historical
Jesus, trad. W. M ontgomery (London: Adam and Charles Black, 1911), p. 48-57. Para
Paulus, a realização de Jesus nessa presente história foi o pressentim ento de saber
que a menina estava em estado comatoso, e não morta. Nisso, Paulus segue em
essência uma hermenêutica antiga que se estende desde Celso {De medicina, 2.6) até
Apuleio de Madaura {Flórida, 19.2-6) e, por fim, de volta até Plínio {História natural,
7.37), que aplaudiu o médico grego Asclepíades p o r reconhecer, por intermédio
da observação cuidadosa, que um hom em carregado em uma procissão funeral
estava de fato vivo. N o entanto, a tradição de Asclepíades é apenas um paralelo
distante para a presente história. Seu propósito é elogiar um médico sábio, em vez
de apelar para a fé nele; na realidade, não há nenhum papel nem necessidade para
a fé na tradição de Asclepíades. O levantar da filha de Jairo, ao contrário, é sobre
uma criança m orta trazida de volta à vida. A tradição de Apolônio de levantar a
menina de sua “m orte aparente” provavelmente pertence a uma categoria similar
de ressurreições heroicas (Filóstrato, Vida deA p o l 4.45; citado em H C N T , p. 203-
4). As tradições de Apolônio, produzidas por Filóstrato no século III d.C., foram
influenciadas pelo menos em alguma medida pelos evangelhos.
M a rc o s 5.41-42 220
ch eg ar a Jesus. A cura e a palavra lib ertad o ra vêm p ara essa m ulher: “ Filha,
a sua fé a cu ro u !” Q u a n d o Jesu s diz: “ N ã o te n h a m ed o ; tão so m en te creia” ,
co m o vo cê acha q ue Jairo deveria e n te n d e r o c o m a n d o p ara crer? Q u e tipo
de fé deveria ter? A re sp o sta é q ue ele deve te r o m e sm o tipo de fé d a m u lh er
co m h em o rrag ia (v. 34)! A m u lh er exem plifica e define a fé para Jairo, o que
significa co n fiar em Jesu s ap esar d e to d as as circunstâncias em contrário.
A quela fé q ue n ão c o n h ece lim ites — n em m esm o o levantar da m o rte u m a
m en in a m o rta!50
O P R O F E T A S E M H O N R A ( 6 . i 6 ־a)
54 N ão estudar com rabi naquela época equivalia a não ter um diplom a universitá-
rio. “ M esm o que um h o m em tenha lido a E scritura e aprendido a M ishná, m as
não serviu com o talmidai hakamim (‘aprendiz de um m estre’), ele é u m am-ha’aret^
(‘co m u m ’)” {b. Ber. 4 7 b). Veja tam bém K . H . R engstorf, “mathêtês”, T D N T 4.434.
55 R. G undry, M ark, p. 290, explora o to m desd en h o so dos p ro n o m es n o s versícu-
los 2,3: “ ‘D e o n d e lhe vêm estas coisas?’, perguntavam eles. ‘Q u e sabedoria é esta
que lhe foi dada? E estes milagres que ele faz? N ã o é este o carpinteiro, filho de
M a ria [...]” ’.
56 Lucas 4.22 traz: “N ão é este o filho de José?” (veja tam bém Jo 6.42). Existem
tentativas esporádicas de assimilar o texto de M arcos 6.3 com as palavras de Ma-
teus 13.55, m as o peso da evidência textual, incluindo “todas as uncíais, m uitas
minúsculas e im portantes versões antigas” , apoia a leitura de 6.3 co n fo rm e impres-
sa (veja M etzger, T C G N T , p. 88-89). A tendência de refinar as palavras de M arcos
argum enta em favor da prioridade de M arcos, pois p odem o s explicar p o r que, se
M ateus e Lucas seguem M arcos, eles se esforçariam para aliviar possíveis ofensas
aos leitores alterando as palavras de M arcos, ao passo que n ão p o d em o s explicar
p o r que M arcos, se este segue M ateus e Lucas, alteraria um a leitura aceitável para
torná-la ofensiva.
M a rc o s 6.2-3 224
57Justin o M ártir, Dial. Trypho 88.8, n o entanto, afirm a que Jesus fazia “ arados e
jugos” , com preen dendo, p o rtan to , tektõn n o sentido de carpinteiro.
58 Str-B 2.10-11.
59 O d etrato r sincero do cristianism o n o século II, Celso, z o m b o u dizendo que o
fu ndador da nova religião não era nada, só um “carpinteiro p o r ofício” (O rígenes,
Contra Celsum 6.34,36). R. M acM ullen, Roman SocialRelations: 50 B. C. toA.D. 584
(N ew H a v e n /L o n d o n : Yale U niversity Press, 1974), p. 107-8,138-41, m o stra que
as ocupações com o as de tecelões e carpinteiros traíam as origens plebeias e eram
com o grãos para serem m oídos pelo “preconceito sentido pelas classes superiores
e letradas em relação às classes baixas” . E sse julgam ento, n o entanto, n ão deve ser
forçado indevidam ente. O esnobism o da elite minoritária dos aristocratas não pode
ser pressuposta na m aioria do p ovo com o um todo, a m aioria dos quais, com o
presum ivelm ente os leitores de M arcos, tam bém eram da classe trabalhadora.
60 Veja Tal lian, “ ‘M an B o rn o f W om an...’ (Job 14:1): T h e P h en o m en o n o f M en
Bearing M etronym es at the T im e o f Jesus”, NovT34 (1992), p. 23-45. T am bém , P.
H ead, Christology andthe SynopticProblem:An Argumentfor Markan Priority, SNTSM S
94 (Cam bridge: C am bridge U niversity Press, 1997), p. 66-83.
225 M a rc o s 6.2-3
61 “Pode haver m ais aqui que apenas um vínculo narrativo com D avi.” T am bém , P.
L. M cC arter, SecondSamuel, AB (G arden City, N.Y.: D oubleday, 1984), p. 96.
62 E. K lo sterm an n , DasMatthdusevangeliurrP■, H N T 4 (Tübingen: J. C. B. M o h r, 1927),
p. 126; E . Stauffer, “Jeschu ben Mirjam: K ontroversgeschichtliche A n m erkungen
zu M k 6,3” , em Neotestamentica et Semítica: Studies in Honour of Matthew Black, eds.
E. Ellis e M. W ilcox (E dinburgh: T. & T. Clark, 1969), p. 19-28; F. W. Beare, The
GospelAccording to Matthew: Λ Commentary (O xford: Basil Blackwell, 1981), p. 319.
63Encjud (1971), 10.14-17. Veja tam bém R. T. H erfo rd , Christianity in Talmud and
Midrash (L ondon: W illiams and N orgate, 1903), p. 112-15.
64 “ [Jesus] era considerado (nomi^ein) filho d e jo s é ” (Le 3.23). Ju stin o M ártir, da mes-
m a form a, Dial. Trypho 88.8: “ Q u an d o Jesus veio ao Jordão , sendo considerado
(nomi^eiri) ser o filho d e jo s é , o carpinteiro [...]” .
M a rc o s 6.2-3 226
65 Tiago: M ateus 13.55; Lucas 5.16; A tos 12.17; 15.13; 21.18; IC oríntios 15.7;G álatas
1.19; 2.9,12; T iago 1.1 ;Ju d a s l;J o s e f o ,A n t. 20.200.Ju d as:Ju d as 1(?).
66 Prot. Tg. 9:2; e o Evangelho de Pedro, co n fo rm e citados em O rígenes, Comentário sobre
M ateus 10.17. R. B auckham , “T h e B rothers and Sisters o f Jesus: A n E piphanian
R esponse to J o h n P. M eier” , C B Q 56 (1994), p. 686-700, sugere q ue “ filho de
M aria” p o d e te r a intenção de distinguir Jesus dos filhos de Jo sé de um casam ento
anterior. E ssa sugestão interessante, no entanto, é co n trapo sta pelo co n tex to dos
versículos 2,3 que desonram Jesus. O sentido sugerido p o r B auckham sugere que
dificilm ente essa era um a razão para “se ofen d er” .
67 A lém das referências acim a a T iago, o N o v o T estam ento m enciona os irm ãos
de Jesus em 3.32; M ateus 13.55,56; João 2.12; 7.5. O argum ento que adelphos, no
versículo 3, significa “p rim o ” não é sustentável. O grego tem um a palavra distinta
para “ prim o ” (anepsios; e.g., em Cl 4.10). E m b o ra nem o hebraico nem o aram aico
tenham um a palavra para “prim o” , essas duas línguas costum eiram ente se referiam
ao prim o com o “um filho de u m tio” (heb. ben doá, aram . bardad). A lém disso, a
L X X nunca traduz essas duas expressões com o “irm ão ” o u “irm ã” . É verdade
que adelphos algumas vezes significa mais que irm ão de sangue, com o, p o r exemplo,
em G ênesis 29.12; R om anos 9.3 (“ p arente” , “m eus irm ãos, os de m inha raça”);
M ateus 5.22,23 (próxim o); M arcos 6.17,18 (m eio-irm ão o u filho do p ad rasto ou
m adrasta). N esses casos, o co n tex to tem de d eterm inar o sentido, m as, em 6.3,
não há indício de que adelphos deveria ser traduzido de o utra fo rm a que seu sentido
natural, “irm ão de sangue” . Vários argum entos foram p ro p o sto s para sugerir que
T iago e jo s é , m encionados em 15.40 não são os m esm os irm ãos m encionados
em 6.3, nem a M aria ali m encionada é a m ãe de Jesus. Veja M. B arnouin, ‘“M arie,
m ere d e Jacques et d e jó s e ’ [Marc 15.40]” , N T S 42 [1996], p. 472-74; R. B row n,
Responses to 101 Questions on the Bible (N ew York: Paulist Press, 1990), 92-97; e J.
Fitzm yer, BRev 7 /5 (1991), p. 43. E ssa últim a pergunta não p o d e ser respondida
com certeza, mas, em m eu julgam ento, o contexto favorece a visão de que a Maria,
o T iago e o Jo sé d e 15.40,47; 16.1 são os m esm os indivíduos m encionados em
6.3. Veja mais sobre a discussão desse assunto em 15.40.
227 M a rc o s 6.4-6a
O C U S T O D O D IS C IP U L A D O ( 6 . 6 b 3 0 )־
A m issão d o s D o z e é o tem a d efin id o r de 6.6b-30. Isso é com u n icad o
p o r o u tro san d u ích e m arcan o , em q ue o m artírio de J o ã o B atista (6.14-29) é
p o sto en tre o envio d o s D o z e (6.6b-13) e o re to rn o deles (6.30). Jo ã o B atista
foi m e n c io n a d o pela ú ltim a vez em 1.14, q u a n d o M arcos an u n cio u o início
M a rc o s 6.6b-7 230
O e n v io d o s D o z e p a re c e s e r u m a a titu d e p r e m a tu r a e p o d e n o s p e g a r
d e s u rp re s a , p o is o q u e o b s e rv a m o s d o s d isc íp u lo s a té o m o m e n to n ã o foi
tra n q u iliz a d o r. A té aq u i, eles p r o c u r a r a m im p e d ir a m is s ã o d e Je s u s (1.36-
39), e x a s p e ra ra m -s e c o m ele (4.38; 5.31) e a té se o p u s e r a m a ele (3.21). A
p e rc e p ç ã o d eles d e J e s u s é — e c o n tin u a rá a s e r — m a rc a d a p e la c o m p re e n -
são e q u iv o c a d a (8 .14 -2 1). A d is p o s iç ã o d e J e s u s p a ra to le r a r a n a tu re z a e
c o m p o r ta m e n to in tra tá v e is d e se u s s e g u id o re s é o u tr o te s te m u n h o d e su a
h u m ild a d e d iv in a. O e n v io d e s s e s in d iv íd u o s e m p a rtic u la r — e, n e s s e es-
tágio, d a c o m p r e e n s ã o d e le s d e J e s u s — te stific a d o s c re n te s c a u s a d o re s d e
p ro b le m a s n a ig re ja d e M a rc o s, n a v e rd a d e d o s c re n te s d e to d o s o s te m p o s ,
d e q u e o c u m p r im e n to d a P a la v ra d e D e u s n ã o d e p e n d e d a p e rfe iç ã o n e m
d o m é r ito d o s m issio n á rio s, m a s d o c h a m a d o a u to rita tiv o p o r J e s u s e d o fa to
d e ele o s e q u ip a r p a r a o m in isté rio .2
E n v ia r o s d isc íp u lo s e m d u p la s se a ju sta v a a o c o s tu m e ju d a ic o (e.g., E c
4 .9 ,1 0), c o s tu m e e sse q u e c o n tin u o u n a ig re ja p rim itiv a .3 V ia ja r e m p a re s e ra
v a n ta jo s o e m v á rio s a sp e c to s : fo rn e c ia c o m p a n h ia e a c o n s e lh a m e n to e n tre
o s p a re s, f o r ta le c e n d o c a d a u m d o s d o is c o m o s d o n s c o m p le m e n ta re s u m
d o o u tro . T a m b é m b e n e fic ia v a o s o u v in te s, p o is n o m u n d o ju d a ic o “ q u a lq u e r
2 O apóstolo Paulo reflete mais tarde sobre esse mesmo paradoxo: “Irmãos, pensem
no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os
padrões hum anos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento.
Mas Deus escolheu o que para o m undo é loucura para envergonhar os sábios
e escolheu o que para o m undo é fraqueza para envergonhar o que é forte. Ele
escolheu o que para o m undo é insignificante, desprezado e o que nada é, para
reduzir a nada o que é [...]. E, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo
Jesus” (IC o 1.26-30).
3 Atos 3.1ss.; 8.14ss.; 11.30; 12.25; 13.2; 15.39,40; ICoríntios 9.6. J. Crossan, The
HistoricalJesus: The Ufe of a MediterraneanJewish Peasant (Edinburgh: T. & T. Clark,
1991), ρ. 335, sugere que “de dois em dois” significa um hom em solteiro e uma
mulher viajando juntos em uma missão cristã. Crossan praticamente nega essa
sugestão ao confessar: ‘T en h o plena consciência de quanto essa sugestão tem de
continuar experimental” . N ão só experimental, mas de fato dificilmente concebí-
vel. N ão há nenhum a evidência para essa sugestão (IC o 9.5 significa esposas, e não
acompanhantes femininas); mulheres solteiras viajando com parceiros homens
não só mancharia o caráter da mulher, em particular, mas tam bém comprometería
de form a irremediável o evangelho. Para uma refutação sólida e de leitura fácil do
perfil de Jesus proposto por Crossan e Jesus Seminar, veja G. A. Boyd, Cynic Sage
orSon of Cod? (Chicago: Victor Books, 1995).
M a rc o s 6.8-9 232
4 E sse m esm o princípio é presum ivelm ente a razão p o r q ue duas testem unhas,
M oisés e Elias, aparecem para Jesus n o m o n te da transfiguração (9.4).
רE . L ohm eyer, D as Evangelium des M arkus, p. 113.
233 M a rc o s 6.8-9
10Veja N eem ias 5.13; A tos 18.6. Para outras referências da M ishná e do Talm ude,
veja Str-B 1.571.
M a rc o s 6.12-13 236
13 O azeite de oliva era prescrito para dor no quadril, doenças de pele, dores de
cabeça e feridas. Veja Str-B 2.11-12; e H. Schlier, “aleiphÕ\ TD N T 1.229-32.
14 E. Schweizer, Das Evangelium nach Markus, p. 73.
15Compare 6.17 e 14.46,15.1; 6.19 e 14.1; 6.29 e 15.45ss.
16A m orte de João Batista é narrada no tempo verbal aoristo simples em vez de
no tem po preferido de Marcos, o presente histórico, e há várias hapax legomena
M a rc o s 6.14-17 238
Antipas, após sua derrota para Aretas de Nabateia, foi incitado por Herodias a ir
por via marítima para Roma e receber do imperador, Caio Caligula, fortunas iguais
àquelas recebidas pelo irm ão dela, Agripa I. “Ela nunca esmoreceu até triunfar e
tornou [Herodes Antipas] seu apoiador relutante, pois não havia nenhum a forma
de escapar depois de ela ter tom ado a decisão sobre esse assunto” , afirma Josefo.
Contudo, o tiro saiu pela culatra, e Caligula baniu Herodes Antipas para Lião, na
Gália. N o entanto, Herodias, para sermos justos com ela, escolheu o exílio com
Herodes Antipas, em vez da clemência de Caligula (Ant. 18.240-54).
25 E. Schürer, History of theJewish People, 1.346-48 tem uma longa nota de rodapé,
com três páginas de extensão (η. 26) discutindo o sentido de genesia.
26 Salomé, com o o símbolo da atração sexual e da m orte, inflama a imaginação (dos
homens?) tanto na arte quanto na literatura. Veja A. Bach, “ Calling the Shots:
Directing Salome’s D ance o f D eath” , Semeia 74 (1996), p. 103-26.
27 Marcos refere-se a Salomé apenas com o “jovem” (to korasion). A m esma palavra
usada por Jesus para se referira à m enina em 5.41, cujo sentido é jovem mulher
de beleza majestosa. O s relacionamentos desconcertantes na familia herodiana
vem à tona nas palavras utilizadas no versículo 22 no texto grego. Em bora não
fique aparente na N V I, vários manuscritos uncíais gregos e de peso ( S B D L
Δ) identificam a jovem com o thygatros autou Hêrçdiados (“sua [de Herodes] filha
Herodias”). E m bora essa seja um a leitura mais difícil, e, portanto, teoricamente
243 M a rc o s 6.24-29
24-29 T oda a cena exala traição. O poder de H erodias sobre H erodes Antipas
na tram a da m o rte d e Jo ão Batista é similar ao p o d er de Jezabel sobre o rei A cabe
na perseguição d e Elias e tram ando a m o rte de N a b o te (lR s 19; 21). O s assuntos
de família na linhagem herodiana podiam fornecer a m atéria-prim a p ara um a
lo n g a novela. C o n sid e ran d o -se a decad ên cia d issem in ada d o estilo d e vida
h ero d ia n o , fica-se u m tan to su rp re so p elo fato d e Jo ã o B atista se im p o rta r
em desafiar esse g o v ern an te. Será q ue ele n ã o deveria ter u sad o suas cartas
em u m jo g o m ais im p o rta n te ? Jo ã o B atista, n o en tan to , era u m p ro fe ta sem
p re ç o cujo ch a m a d o estro n d o so ex p u n h a a injustiça em to d as as situações.
Jo ão B atista, c o m o os co rajo so s p ro fetas antes dele, co m p re en d ia q u e a p ro -
clam ação d a Palavra d e D e u s incluía a resp o n sab ilid ad e m oral. N ã o existem
vacas sagradas em seu re b a n h o ; ele n ã o co n su lto u o ib o p e an tes de falar e
agir; ele n ã o p ro teg ia in teresses especiais; n e m floreava o q u e dizia o u fazia
so bre as o p o rtu n id a d e s d e sucesso. J o ã o B atista tin h a u m a co rag em custosa.
29 N em , tam pouco, o faz Ju stin o M ártir, Diálogo com Trifão, 49.4-5, que tam b ém
resum e o m artírio de Jo ão Batista.
10 H erodes, o G rande, con struiu e /o u expandiu um a série de fortalezas em to rn o da
costa n o rte d o m ar M o rto para refúgio, caso a população se revoltasse c o n tra ele.
Elas incluíam (de n o rte a sul) A lexândrio, C hipre, H ircânia, H eródio, M aquero e
M assada. M aquero era a única fortaleza a leste d o vale d o Jordão.
31 E m um jogo de palavras co m “cabeça” , o texto gnóstico Apócrifo de Tiago 6.30 (c.
século III d.C.) afirm a: “a cabeça da profecia foi cortad a co m Jo ã o ” .
245 M a rc o s 6.30-32
A L IM E N T A N D O O S C IN C O M I L ( 6 .3 1 4 4 )־
M arcos, ap ó s o relato d o b an q u e te de H e ro d es, ap resen ta u m b an q u ete
de u m tip o m u ito diferente. N e sse b a n q u e te , Jesus preside. N ã o aco n tece em
um a fo rtaleza n e m em u m palácio, m as ao ar livre e n o s m o n te s da Galileia,
e os con vites n ã o se restrin g em às p esso as im p o rtan tes. D e fo rm a distin ta
do b a n q u e te de H ero d es, o b a n q u e te de Jesus, cujo p rincipal p ro p ó sito não
era re fo rç a r sua p o sição co m as m ultidões, m as, sim , m in istrar à necessidade
destas, ta n ta as ap a ren tes q u a n to as outras. A co m p aix ão de Jesu s em relação
às m ultidõ es e a fo rm a c o m o ele su p re as necessidades delas co n trastam
de fo rm a d ra m á tica co m a festa m o rta l e em causa p ró p ria d e H erodes. O
b an q u e te d e Jesu s é ainda m ais re n o m a d o e fa m o so n a m em ó ria d a igreja
prim itiva q ue o b an q u ete d e H erodes. É o ú nico m ilagre registrado n os q uatro
evangelhos, e sua relevância é assinalada p o r u m a sequela em 8.1-10, duas
reflexões su b seq u en tes em 6.52 e 8.17-21, e u m b an q u e te final n a ú ltim a ceia,
da qual a alim en tação d o s cin co m il é u m p re n ú n cio (cf. 6.41 c o m 14.22).
cinco mil, o b serv a a distância e o iso lam en to das circunvizinhanças (gr. eremos,
w . 31,32,35). A teologia de Jesu s e os in stin to s p rático s d o s discípulos p ara as
co n te n d a s (Lc 10.38-41). O s discípulos fazem o que p arece ser u m a sugestão
im in en te m en te razoável: m a n d a r e m b o ra o p o v o p ara que se d ispersassem
em m eio aos p o v o a d o s v izin h o s p ara c o m p ra r alim en tos e provisões. A té
m esm o essa sugestão, co n sid e ra n d o -se a h o ra tardia e o n ú m ero d e pessoas,
tinha seus lim ites, m as, p ara os discípulos, essa solução parece preferível a n ão
fazer n ad a e p e rm itir q u e u m a n ecessid ad e au m en ta sse e se tran sfo rm asse
em u m a crise.
37 Jesus, em vez d e aliviar a crise, a intensifica: “D eem -lh e vocês algo para
co m e r” , o rd e n a ele. E ssa o rd e m , p ara a m en te deles é d esarrazo ad a, senão
im possível. N o en tan to, eles, c o m o n o caso d e to d as as o rd en s d o Senhor, aca-
b am p o r fazer ex a tam en te o q u e ele diz, e m b o ra n ão p o ssam im aginar agora
co m o fazê-lo. O s discípu lo s co n sid eram c o m p ra r alim entos p ara a m ultidão,
m as se tin h am o u n ã o d in h eiro p ara p ag a r d u z e n to s d en ário s em co m p ra s é
u m a q u e stã o d ig n a d e ser co n sid erad a.37 O s discípulos são arreb a ta d o s pela
m agnitude d o p ro b lem a, assim c o m o M oisés o fora q u an d o co n fro n ta d o com
a necessidade d e alim en tar os israelitas n o d e se rto (N m 11.13,22).
39Str-B 1.685.
4.1EpistulaApostolorum, p. 5, do século II, em um a tentativa de responder às afirmações
do gnosticism o, espiritualiza o pão, to rn an d o -o um a m etáfora para as doutrinas
do credo — o Pai, Jesus Cristo, o E spírito Santo, a igreja e o perdão.
41 BAG, p. 448, descreve a cesta (kophinos) com o “um a cesta g ran d e e pesada para
carregar coisas” . Josefo (Guerra 3.95) usa a palavra para o tipo de cesta em que os
soldados rom anos carregavam as rações diárias.
M a rc o s 6 . 4 1 2 5 0
42 Sobre as origens e ideais dos zelotes, veja M. H engel, The Zealots: Investigations
into theJewish FreedomMovement in the Period of HerodI until 70 A .D , trad. D. Sm ith
(E dinburgh: T. & T. Clark, 1989), p. 56-59; e S. G. F. B randon, Jesus and the Zea-
lots: Λ Study of the Political Factor in Primitive Christianity (M anchester: M anchester
U niversity Press, 1967), p. 26-64.
43 V ejaM anson, The Servant-Messiah, p. 70-71; em a is recen tem en te,J. B. Fuliga, “T h e
M an W h o R efused to be K ing (M atthew 14:13-21)”, AsiajournTheol 11 (1997), p.
140-53.
44 A alim entação dos cinco m il é um texto crucial para aqueles que creem que Jesus
tinha a intenção de ser um Messias p o lítico-m ^tarista. P o r exem plo, B randon,
Jesus and the Zealots, em especial os capítulos 5-7, argum enta em g ran d e parte fun-
dam entado em evidência circunstancial que Jesus era um sim patizante dos zelotes
e foi crucificado com o tal p o r Roma. A evidência da tese de B ran d o n , no entanto,
está conspicuam ente ausente. Se Jesus tivesse aspirações militares e políticas, a
alim entação dos cinco mil era um a o p ortunidade de o u ro para expressá-las, pois
a m ultidão parece preparada e p ro n ta para a ação para recrutá-lo co m o líder mi-
litar messiânico. O fato de Jesus recusar a sondagem deles é um a forte evidência
da negação d o m odelo zelote de libertação. N ão é de surp reen d er que B randon
jamais se refere a essa passagem da Bíblia!
M a rc o s 6.41-44 252
O “E U S O U ” E M M E IO A U M T E M P E S T A D E ( 6 . 4 5 5 2 )־
30Str-B 1.688-89. Marcos nomeia as quatro vigílias: tarde, meia-noite, cantar do galo
e amanhecer (13.35).
51Jó 9.8; 38.16; Salmos 77.19; Isaías 43.16; Eclesiástico (Siríaco) 24.5,6; Odes de
Salomão 39.10.
52Em especial, Êxodo 3.14, mas tam bém Êxodo 6.6; Isaías 41.4; 43.10,11; 48.12.
M a rc o s 6.47-50 256
53 P.J. M adden, Walking on the Sea: A n Investigation o f the Origin o f the Narrative Account,
BZNW , p. 81 (B erlin /N ew York: de G ruyter, 1997), argum enta que a historia de
Jesus an dando sobre as águas é um relato pós-ressurreição que foi retro p ro jetad o
no m inistério de Jesus. A tese da retroprojeção pós-ressurreição na vida de Jesus
é mais fácil de afirm ar (ou pressupor) que provar, e não sigo M adden nesse par-
acular de sua tese. Ele, n o entanto, está correto ao observar que o que acontece
no m ar da Galileia é im possível de ser explicado em categorias naturalistas, e que
várias narrativas de andar sobre as águas de fontes pagãs, helenistas e judaicas
em palidecem em com paração com esse relato.
54 R. B u ltm an n /D . L ü hrm ann, uphantasm d\ T D N T 9 .6 .
55 C on tra J. J. Pilch, “W alking o n the Sea”, BibTodaj 36 (1998), p. 117-23, que afirm a
que a experiência de um a realidade alternadva era com um nas culturas m editer-
râneas. E ssa generalização não é apoiada pelo m aterial bíblico com o um todo, em
que os fantasm as e as aparições são raros e incom uns, e até m esm o a aparição de
anjos não é particularm ente com um .
M a rc o s 6.51-52 258
O H O M E M P A R A O S O U T R O S ( 6 - 5 3 5 6 )־
58 C. P. T hiede, The Earliest Gospel Manuscript? The Q um ran Fragment 7 0 5 and Its Sig-
nificance fo r N ew Testament Studies (G uernsey: P aterno ster Press, 1992), p. 25-41,
argum enta que o fragm ento de C unrã m encionado acima preserva um a leitura de
M arcos 6.52,53 no grego. Se isso for verdade, exigiría a datação de M arcos antes
da guerra de Jerusalém (66-70 d .C ), quando a com unidade de C unrã foi aniquilada
pela D écim a Legião rom ana. Infelizm ente, o fragm ento tem apenas vinte letras
gregas em quatro o u cinco linhas, e apenas dez dessas letras p o d e m ser lidas com
segurança. A reconstrução de T hiede, considerando-se a ilegibilidade de várias
letras, é excessivam ente otim ista. H á ainda dúvida significativa se o texto p ro p o sto
é de fato M arcos 6.52,53. Veja as refutações de G. S tanton , “A G o sp el A m ong
the Scrolls?” BRev 1 1 /6 (1995), p. 36-42; e M .-E. B oism ard, “A p ro p o s de 7Q 5 et
Me 6,52-53” , RevBih 102 (1995), p. 585-88.
M a rc o s 6.53 260
54-56 G e n esaré (heb. Gennesar) era u m a planície fértil d e 4,8 quilôm etros
p o r 1,6 d e largura na co sta o este d o m a r en tre C afa rn au m e T ibério. E sse
era o n o m e d e u m a cidade e ta m b é m d e u m a região d en sa m e n te p o pulosa.
Sem pre q ue Jesu s p õ e seu p é em “p o v o ad o s, cidades o u c a m p o s” , os d o en tes
e necessitad o s clam am p o r sua atenção. A palavra g reg a krabbatos (N V I, “ em
m acas”) refere-se aos colchões o u catres q u e as p esso as p o b re s tin h am e
indica q u e a influência d e Jesu s se esten d e até am-ha’aretes às pessoas com u n s
e pobres.
E ssa h istó ria, d e fo rm a d istin ta d e o u tra s h istó rias em M arcos, não
co n tém n e n h u m e n sin am e n to d e Jesus, n e n h u m d iálogo co m os d oentes,
na v erd ad e n e n h u m a palavra dele. A ên fase recai nas m u ltid õ es de pessoas
se dirigindo a Jesu s (veja ta m b é m 3.7-12; 3.20; 4.1; 5.21-31; 6.34). O único
p o n to d e c o n ta d o deles co m ele é q u e suplicavam p a ra q u e “p u d essem pelo
m enos to c a r na b o rd a d e seu m a n to ” . M ais u m a vez, a “ b o rd a d e seu m an-
to” ind ica q u e Jesu s era u m ju d eu p ra tic an te (tam b ém 1.44; 5.28), pois se
refere às franjas d e q u e os judeus, c o n fo rm e eram o rd en ad o s, costuravam
nos q u a tro c a n to s d o m a n to e x tern o e q ue serv iam c o m o u m lem b rete dos
m an d am e n to s de D e u s (veja em 5.28).
“ E to d o s os q u e nele tocavam eram cu rad o s.” E ssa é u m a conclusão
apropriada p ara o m in istério d e Jesu s em m eio às m u ltidões d e 6.31-56, pois
a últim a palavra, “ c u ra d o s” (gr. sç^p), p o d e significar “ cu rad o s” o u “ salvos” .
A co m p aix ã o d e Jesu s alim en to u , a te n d e u e c u ro u as m u ltid õ es, m as as
bênçãos d e sua co m p aix ão levantam a q u estão d errad eira se aqueles que
experim entaram essas b ên ç ão s avançarão p ara e n tra r n o p ro p ó sito salvífico
de Jesus. A s b ên ç ão s físicas de Jesu s n ão são u m fim em si m esm as, m as um a
encruzilhada n a estrad a em q ue u m lad o leva ao p ro p ó s ito salvífico de Jesus,
e o o u tro p ara u m a falsa co m p re en são de Jesu s c o m o apenas u m o p e ra d o r
de m aravilhas. S ch latter o b serv a co rre ta m e n te o seguinte: “R eco n h ecem o s,
no zelo c o m q ue as p esso as trazem os d o en tes para Jesus, n ão só co m o a
bondade incansável d e Jesu s tocava tão p ro fu n d a m e n te Israel, m as tam b ém
o q uanto Israel c o n tin u o u d istan te de Jesus, p o is buscava nele apenas a cura
de seus d o e n te s ” .61
R E C U P E R A N D O A V E R D A D E I R A IN T E N Ç Ã O D A L E I (7 .1-2 3 )
62 O b serv e o julgam ento de M aim ônides de que as leis talm údicas de p u reza “ estão
incluídas nos decretos arbitrários” . Veja Mishnah Torah: The Book o f Cleanness, V IH .
Immersion Pools 11:12, trad. H . D anby, The Code o f Maimonides, Book Ten: The Book
o f Cleanness (N ew H aven: Yale U niversity Press, 1954), p. 535.
63J. N eusner, The Idea o f Purity in A n à e n tfudaism , SJLA1 (Leiden: Brill, 1973), p. 1,
co m en tando sobre a distinção entre pureza e ¿mundicia, escreve: “ Se você toca em
um réptil, você p o d e não ficar sujo, m as fica im puro. Se você se su b m eter a um
ritual de im ersão, você p o d e não se livrar da sujeira, m as fica puro. U m cadáver
p o d e torná-lo im puro, em b o ra possa não deixá-lo sujo. U m ritual de purificação
envolvendo o b o rrifo de água m isturada com cinzas d e um a novilha verm elha
provavelm ente não rem overá um a grande quantidade de sujeira, m as rem overá a
im pureza” .
64 Sobre lim po e im undo n o século I d .C , veja N eusner, The Idea o f Purity in A n à en t
fudaism , p. 32-71.
265 M a rc o s 7.1-5
go. E ssa é a única in stân cia n a literatu ra g reg a e cristã existente de lavar os
pulsos, e seu sen tid o é p a rtic u la rm e n te indefinível.65 V árias sugestões foram
p ro p o sta s p ara explicar isso, in clu in d o o lavar c o m u m p u n h a d o d e água, o
lavar as m ão s co m p u n h o cerrad o o u o esfreg ar d o p u n h o d e u m a m ão co m
a palm a d a o u tra m ão . E só p o d e m o s co n je c tu ra r quais dessas possibilidades
(se é que algum a delas) é a co rreta. A p rim eira h ip ó te se p o d e ser levem ente
preferível fu n d a m e n ta d o n o fato de q u e m ão s im p u ras são consideradas
“im p u rez a d e p rim eiro g rau ” (e.g., m. Yad. 3.1), o u seja, aquela q u e p o d e ser
p urificada c o m a q u an tid ad e m ín im a de água — talvez a q u an tid ad e co n tid a
nas “ m ão s em c o n c h a” (m. Yad. 2.1).
“ Im p u re z a s de se g u n d o g ra u ” , m ais graves, só p o d iam ser purificadas
p o r m eio d e im ersão c o m p leta na água. O re to rn a r d o “ m e rc a d o ” in co rrería
o sten siv am en te na im p u reza d e se g u n d o g rau , o n d e o c o n ta to co m várias
p esso a s e coisas im u n d as to rn a ria m o in d iv íd u o im u n d o . E sse p o d e ser
o sen tid o in c o m u m da palavra “ lavarem ” n o versículo 4 (gr. bapti^esthai/
baptismos), significa literalm ente “ b atiz a n d o ” .66 A im p u reza de seg u n d o g rau
exige u m a purificação m ais co m p leta, daí a im ersão, talvez co m o esfregar.
O co n c e ito d e tran sferên cia da im p u rez a de um o b je to p ara u m a p esso a em
co n tato c o m o o b jeto g o v ern a o p en sa m e n to d o versículo 4, “ o lavar de copos,
jarros e vasilhas d e m etal” . V ários fato res c o n trib u íam p ara d ecidir se u m
o b jeto era lim p o o u im u n d o . U m a superfície cu rv a o u cô n cav a que p o d eria
c o n te r algo d e n tro — c o m o os o b jeto s acim a — p o d e se to rn a r contam inada
74 A M ishná registra um a regra similar à dos versículos 10-12 (em bora revertendo
os papéis d o pai e do filho): “ Se um h o m e m disse a seu filho, ‘Konam seja de seu
benefício para você com o o foi para m im !’, quando m orrer, o filho p o d e h erd ar a
pro priedade dele; [mas se, além disso, ele disse] ‘tanto duran te m in h a vida quanto
em m in h a m orte!’, q u ando ele m orrer, o filho não p o d e h erd ar o bem em ques-
tão e tem de restituir [o que recebeu de seu pai em qualquer m o m en to durante
a vida deste] aos filhos o u irm ãos do pai; e se ele não tem nada [com que pagar]
ele tem de pedir em prestado, e os credores vêm e exigem o pag am en to ” (m. B.
Qam. 9.10). S obre a questão do C orbã, veja Str-B 1.711-17. O tratado Nedarim da
M ishná está repleto de exem plos similares aos dos versículos 10-12, em que as
pessoas e propriedade estão isentas de suas funções usuais apenas pelo proferir
“Κ οηαηί’ (um substituto respeitado para “ C orbã”).
75 3.13,23; 6.7; 7.14; 8.1,34; 10.42; 12.43; 15.44. Todos, m en os o últim o, são p ro n u n -
ciam entos de Jesus.
271 M a rc o s 7 .1 7 1 9 ־
76 E sse pro n u n ciam en to é preservado no Evangelho de Tomé 14: “ Pois o que entra em
sua boca não contam ina você, m as o que sai de sua boca, é isso que o contam ina” .
77 C om relação aos vasilham es, m. Kel. 2.1-7 expõe a teoria geral de que um a super-
fície é n o rm alm en te lim pa, ao passo que as superfícies côncavas o u receptáculos
são suscetíveis de se tornarem im undas. Veja Schürer, H istory o f the Jewish People,
2.476-77.
78 A m aioria dos m anuscritos gregos incluem o versículo 16 depois d o versículo 15:
“Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça” , em b o ra o versículo seja om itido pe-
los m anuscritos da tradição alexandrina ( אB L Δ). A evidência dos m anuscritos,
p o rtan to , argum enta em favor de incluir o versículo. N ã o ob stan te, a decisão de
om itir o versículo 16 é provavelm ente justificada com base no p ressu p o sto de que
o versículo era um a interpretação dos escribas dos versículos 9 e 23. Veja M etzger,
T C G N T , p. 94-95.
7'J Sobre as sim ilaridades entre 7.14-23 e M arcos 4, veja E. S. M albon, “ E choes and
Foreshadow ings in M ark 4 -8 : R eading and Rereading”, JB L 112 (1993), p. 218.
M a rc o s 7 .1 7 1 9 ־ 272
80 B. Pixner, W ith Jesus Through Galilee, p. 77, sugere que a in terp retação editorial
do versículo 19 foi acrescentada depois “porque Jesus estava planejando sair da
Galileia, a fim de passar um p eríodo de tem p o mais lo n g o co m os discípulos em
m eio aos gentios” . E ssa com preensão é recom endável p o r sua tentativa de loca-
lizar essa fala no m inistério histórico de Jesus, m as parece relegar a interpretação
a um a simples estratégia p o r p arte de Jesus e, talvez, reduzi-la a ter um a validade
apenas tem porária. A o contrário, as palavras e a localização d o versículo 19 dão
ao p ro n unciam ento de Jesus autoridade final e definitiva so b re as leis dietárias.
273 M a rc o s 7 .1 7 1 9 ־
antes, para a recu p eração da v erd ad eira in ten çã o da T orá. A “im p u rez a” não
p o d e m ais ser co n sid erad a u m a p ro p rie d a d e d o s o bjetos, m as, antes, um a
descrição das atitu d es in tern as, u m a co n d ição d o coração. A b o n d a d e da
ação d e p e n d e n ão apenas d e sua p rática, m as p rin cip alm en te d e sua intenção.
O ju lg am en to d e Jesu s co n trastav a n itid a m e n te co m aquele d o s essênios,
para q u em a p u re za era d ete rm in a d a pela aliança à co m u n id ad e; e tam bém
con trastav a co m os fariseus, p a ra q u e m a p u re za consistia de u m d iretó rio de
observâncias e pro ib içõ es. A s ab o rd ag en s d o s essênios e fariseus lim pavam
a lei d o p ro p ó s ito in te n c io n a d o e resultavam em tentativas d e estabelecer
su b stitu to s h u m a n o s p ara o ju lg am en to e graça divinos (R m 10.3). Jesus,
ao co n trário , é capaz de d eclarar o q ue ag rad a a D e u s, e n ão as “ tradições
dos h o m e n s ” . M arco s re trata Jesu s c o m o aquele que, em co n tra ste co m a
tradição oral, é o v erd ad eiro re v elad o r d e D e u s, p ois Jesu s p o d e p ro d u z ir a
tran sfo rm aç ã o in te rn a q u e a lei exige, m as n ão p o d e efetuar.
capítulo sete
1 Veja tam bém B. Pixner, Wege des Messias undStàtten der Urkirche. Jesus und dasJuden-
christentum im Licht neuer archàologischerErkenntnisse, Herausgegeben von R. Riesner
(Giessen/Basel: Brunnen Verlag, 1991), p. 68-71.
M a rc o s 7.24 276
U M A G E N T I A Q U E E R A U M A “V E R D A D E I R A I S R A E L I T A ”
(7.24־30 )
O e n c o n tro en tre Jesu s e a m u lh e r siro-fenícia re p resen ta u m co n tra ste
m arcante co m a controvérsia co m os fariseus na história precedente. A história
anterio r girava em to rn o de h o m en s judeus p reo cu p ad o s co m a lei. A presente
h istória diz resp eito a m u lh e r n ã o judia q ue n ão tin h a a lei. A tradição dos
líderes religiosos p re ssu p õ e q ue n ã o p o d e ría h aver salvação à p a rte da lei. N a
p resen te história, M arco s m o stra q u e u m a g en tia pagã p o d e e n c o n tra r em
Jesus o que a trad ição d o s líderes religiosos co nsiderava equivocadam ente
q ue só p o d ería ser en c o n tra d a na Torá.
24 “Jesu s saiu daquele lugar e foi p ara os a rred o res de T iro.” 3 M arcos
deixa vago qual foi o p o n to de p artid a de Jesus. O ú ltim o local m en cio n ad o
pelo n o m e foi G e n esaré (6.53), o q u e p re ssu p õ e u m a viagem iniciando na
Galileia. O v e rb o p ara “ fo i” (gr. apêltheti) é d e algum a fo rm a m ais v ig o ro so
que o v e rb o g re g o n o rm a l erchesthai e, em M arcos, esse v e rb o ten d e a sina-
lizar u m a p artid a decisiva. Seu u so p o d e ser o u tro in dício de que Jesus está
p artin d o da G alileia em razão d a o p o sição d o s fariseus e de H e ro d es A ntipas.
T iro (L íbano m o d e rn o ), localizada d ireta m e n te a o este e a n o rte d a G a-
lileia, era um a região g en tia co m u m a lo n g a h istó ria de a n tag o n ism o a Israel.
A região de T iro (antigam ente, a Fenicia) era o local d e n ascim en to de Jezabel
que, na ép o ca de Elias, quase su b v erteu o R eino d o N o r te co m seus p ro fetas
e práticas p ag ão s (lR s 16.31,32). T iro, d u ra n te a revo lta d o s m acabeus n o
século I I a.C., ju n to co m P to lem aid a e S idom , lu to u ao lado do s selêucidas
contra os judeus (IM a c 5.15ss.). O s p ro fe ta s c o n d e n ara m a riq u eza e te rro r
de T iro (E z 26.17; Z c 9.3). Jo sefo concluiu de m aneira em b araço sa q u e os
habitantes de T iro eram “ n o to ria m e n te n o sso s m ais fe rren h o s in im ig o s”
(A g.A p.lA 3).
O p ag a n ism o de T iro , n o en tan to , n ão era to ta lm e n te d esco n h ecid o em
Israel. A té m esm o o p ag an ism o d o século I floresceu em p arte s de Israel, em
especial em B ete-S eã (C itópolis), n o m o n te C arm elo e em Jafa, o n d e havia
o cu lto a A n d ró m e d a. O s judeus n a Palestina viviam em m eio aos pagãos,
algum as vezes ao lad o deles, e Jesu s p o d ia p re s su p o r algum a fam iliaridade
com as o ra çõ es pagãs em m eio a sua audiência judaica (M t 6.7).4 T iro, n ão
obstante, rep resen ta v a a ex p ressão m ais ex tre m ad a d o paganism o, real e
sim bolicam ente, co m a qual u m judeu esperaria se deparar. O M essias, de
acordo co m Salmos de Salomão 1 7 .2 3 3 0 ־, seria o rd e n a d o a expulsar os g en tio s e
subjugá-los, e n ã o os visitar e os abraçar. Jesus, ao viajar p ara “ os arred o res de
T iro” e, em particular, ao re ceb e r a m u lh er siro-fenícia, ex p an d e o esc o p o de
seu m inistério além de q u alq u er coisa concebível para o M essias. A visita de
Jesus a T iro, d a perspectiva sociorreligiosa, universaliza o co n ceito d o M essias
3 U m cam po de peso dos m anuscritos traz “T iro e Sidom ״. E m b o ra o apoio m anus-
arito para essa leitura suplante a leitura mais breve, B. M etzger, T C C N T , p. 95,
provavelm ente está correto em julgar Sidom um a assimilação tardia a M ateus 15.21
e M arcos 7.31.
4 Sobre a exposição judaica ao paganism o, veja D. Flusser, “Paganism in Palestine”,
em The Jewish People in the First Century: Historical Geography, Political History, Social,
Cultural and Religious L ife and Institution, ed. S. Safrai e M. Stern, C R IN T (Amster-
dam: Van F orcum , A ssen, 1976), p. 1.065-1.100.
M a rc o s 7.25-26 278
o encontro, pedindo para Jesus m andá-la em bora; e Jesus defende sua restrição
ao declarar que foi enviado apenas “ às ovelhas perdidas de Israel” .
7 J. G undry-V olf, “ Spirit, Mercy, and th e O th e r” , TTodaj 51 (1995), p. 508-23, ob-
serva que a m isericordia de D eus responde à necessidade hum ana de tal fo rm a
que acaba p o r quebrar os padrões sociais de exclusão.
8 A história d o en co n tro de Elias com a viúva de Sarepta (lR s 17.7-24) apresenta
muitas sim ilaridades com nossa história: tanto Jesus q u an to Elias se enco n tram
com m ulheres (viúvas?) passando p o r grande necessidade, os dois curam respec-
tivam ente a filha e o filho delas; e am bas as histórias acontecem na Síria Fenicia.
9 R. G undry, M ark, p. 374.
M a rc o s 7.27-28 280
17Veja M. Hengel, Studies in the Gospelof Mark, trad. J. Bowden (London: SCM Press,
1985), p.97,98.
1SO grego exelélythen (“o dem onio [já] saiu”) no versículo 29 indica que o demônio
deixou a filha dessa mulher antes mesmo do m om ento da fala. A história intrépida
da mulher siro-fenícia parece ter dado form a à história posterior de “T he Life
o f St. Pelagia the H arlot” [“A vida de santa Pelágia, a prostituta”]. Veja The Desert
Fathers, trad, e ed. H. Waddell (New York: Vintage Books, 1998), p. 181-96.
19R. Bainton, Here I Stand, A Life of Martin Luther (Nashville: Abingdon, 1950), ρ.
362.
20 Algumas interpretações feministas de Marcos 7.24-30 veem jesus como um vilão,
e a mulher siro-fenícia como uma heroína, indicando com frequência que a palavra
da salvação vem de fora de Cristo ou em contraste com ele (e.g., J. Perkinson, “A
Canaanitic Word in the Logos o f Christ; or T he Difference the Syro-Phoenician
W'oman Makes to Jesus” , Semeia 75 [1996], p. 61-85). Em bora seja verdade que a
mulher luta pela bênção de Jesus que ele, de outra forma, podería não ter dado a
M a rc o s 7.31 284
Isso traz à lem b ran ça dos leitores de M arcos, c o m o tam b ém faz hoje, que a
salvação é o ferecid a ao m u n d o , ta n to p ara os judeus q u a n to p ara os gentios
afastados, co m o essa m ulher, p o r in term éd io d e Jesus q u e cu m p re a revelação
de D e u s p ara Israel.
[ ״E L E S ] V E R Ã O A G L Ó R I A D O S E N H O R ” ( 7 . 3 1 3 7 )־
ela, não é verdade que a bênção deriva de uma fonte distinta da de Jesus. A bên-
ção vem de dentro da parábola de Jesus, e a expulsão do demônio resulta de sua
palavra autoritativa. Q ue a mulher responde a Jesus “de dentro” da parábola que
ele profere indica que ela afirma plenamente as condições indicadas na parábola,
ou seja, que Jesus trouxe a salvação para Israel, e de cuja abundância os gentios
podem partilhar.
21 A tradição textual reflete um a incerteza similar sobre essa jornada com rodeios do
versículo 3 1 .Três manuscritos mais antigos (P45A W )e vários minúsculos trazem
que Jesus “ saiu das regiões de Tiro e Sidom e veio para o mar da Galileia” (em vez
de indo atravessando Sidom; com o na NIVI). N o entanto, uma jornada através de
Sidom é preferível porque afirma o apoio mais forte de manuscritos ( אB D L Δ Θ)
e porque é a leitura mais difícil, ou seja, menos provável de ter sido acrescentada
po r um escriba. Veja B. Metzger, TCGNT, p. 95-96.
285 M a rc o s 7.32
A A L IM E N T A Ç Ã O D O S Q U A TR O M IL ( 8 . 1 9 )־
34 P or exem plo, S. Legasse, LE vangile de Marc, p. 463, abre sua discussão de 8.1-10
com pronunciam entos, e n ão com evidência: “ O segundo relato da m ultiplicação
dos pães é o u tra narrativa da prim eira, e as duas versões desse um relato estavam
disponíveis antes de M arcos” .
35 M. N u n , The Sea o f Galilee and Its Fishermen in the N ew Testament (K ibbutz E in Gev:
K in nereth Sailing Com pany, 1989), p. 51. T am bém , A. Schlatter, D er Evangelist
Matthaus, p. 494-95.
36 U m a distinção precisa en tre as duas palavras para “cestos” não é clara. O term o
kophinos da prim eira alim entação em 6.43 podia se referir a cestos m enores, talvez
feitos com vim e m ais forte, ao passo que spyris em 8.8 é de u m m aterial mais fle-
xível e maior. E sse últim o cesto era grande o suficiente para descer Paulo através
da abertura n o m uro da cidade de D am asco (At 9.25). Veja G undry, M ark, p. 398.
291 M a rc o s 8.1-3
pessoa, o que c o rre sp o n d e a sua fala na ú ltim a ceia (14.22-26).37 N a alim enta-
ção d o s cinco m il, os discípulos d e se m p e n h a m u m papel m ais p ro em in en te,
e as palavras d e Jesu s são n arrad as n a terceira p esso a, sen d o , p o rta n to , um a
narrativa sobre ele, e n ão p a rtin d o dele. O d iálo g o n a prim eira p esso a n a se-
gunda narrativ a te m o efeito de declarar a co m p aix ã o d e Jesu s d iretam en te
para a m u ltid ão g en tia — e, p o r extensão, aos leitores ro m an o s de M arcos.
Será q ue a alim entação d o s q u a tro m il é o u tra versão de u m m esm o
evento h istó rico o u u m o u tro ev en to d istin to ? A s co n co rd ân cias en tre as
duas alim entações são d e fato consideráveis, e u m a razão legítim a p o d e ser
suprida p ara a criação d e o u tra v ersão de u m só ev en to, a saber, m o stra r que
Jesus “ c o n v e n c e ” os g en tio s e tam b ém os judeus. Isso pode in d icar o u tra
versão d e u m m e sm o ev en to histórico, m as é m e n o s g aran tid o d o que se
supõe c o m frequência. A co n c o rd ân c ia en tre os dois relatos — até m esm o
concordância substancial — não é p ro v a d e dependência. C o m relação às duas
alim entações, as diferenças específicas em n ú m ero s e detalhes arg u m en tam a
favor de ev en to s separados, c o m o tam b ém o faz a reflexão sub seq u en te sobre
os dois ev e n to s em 8.18-20. T a m p o u c o , o esq u ecim en to dos discípulos na
segunda alim en tação é u m a rg u m e n to n ecessariam en te atrativ o p ara a teo ria
de o u tra versão d e u m m esm o ev e n to h istó rico .38 N o fluxo d a n arrativ a de
M arcos, a alim en tação d o s q u a tro m il n ão é intrusiva, n em é exigida pelo
contexto. A evidência, to m a d a em sua totalidade, p arece p e n d e r n a direção
de um seg u n d o m ilagre d a m ultiplicação d o s pães.
37A sequência de “dar graças, parti [r] e [...] entregfarj aos seus discípulos” (8.6)
tam bém co rresp o n d e mais intim am ente ao “d[ar] graças, parti [r|, e [_] d[ar] aos
discípulos” da últim a ceia (14.22,23).
38 O argum ento de que a perplexidade dos discípulos em 8.4 seria impossível depois
de testem unharem a alimentação dos cinco mil é digno de nota, m as não conclusi-
vo. C. E . B. Cranfield, The GospelAccording to Saint M ark, p. 205, observa com razão
que até m esm o cristãos m aduros (o que os discípulos ainda não são) duvidam com
frequência d o p o d er de D eus após tê-lo experim entado; e, além disso, que tem po
suficiente pode ter se passado a ponto de em botar a m em ória deles. M.-J. Lagrange,
Evangile selon Saint Marc, p. 202, quanto à razão p o r que os discípulos sim plesmente
não pedem a Jesus para repetir aqui o milagre que fizera para alim entar os cinco
mil, faz um com entário perceptivo de que a questão do versículo 4 repousa m enos
na impossibilidade de Jesus fazer tal milagre que n o em baraço dos discípulos de
pedir para que ele faça um milagre. O argum ento mais rigoroso para os dois eventos
históricos separados é apresentado p o r G undry, M ark, p. 398-401, em que afirma
que evidência e argum entos têm de ser contrapostos antes que a teoria de um a outra
versão de um m esm o evento histórico possa ser assumida.
M a rc o s 8.1-3 292
A remoção ão véu
M A R C O S 8 .10 — 9.29
A h istó ria d e Jesu s p o r M arcos alcança seu ápice n o capítulo 8, n o cen tro
do qual está a declaração de P ed ro de q ue Jesu s era o M essias (8.29). A de-
claração d e P e d ro em C esareia de Filipe fica ap ro x im a d am en te a m eio p o n to
do evangelho e, c o m o u m a divisão co n tin en tal, sep ara o evangelho em dois
principais divisores de água. N a prim eira m etad e d o evangelho, Jesus atravessa
de cá para lá e d e lá p ara cá o m ar da G alileia sem p ro p ó sito ap aren te, m as
ele, d ep o is d a co n fissão de P edro, passa, co m firm eza, a seguir o “ c a m in h o ”
para Jerusalém . Jesus, antes de C esareia d e F ilipe, dirige seu en sin am en to às
m assas d a G alileia, m as, d ep o is d a co n fissão d e P edro, ele deixa a G alileia
e in stru i d elib erad am en te seus discípulos n a jo rn a d a p ara Jerusalém . Sua
resolução didática é re p resen ta d a p elo fato d e q u e só u m a vez na prim eira
m etade d o ev an g elh o é q u e Jesu s prefacia u m e n sin o co m a solene fórm ula:
“E u digo a v e rd ad e” (gr. Amen legõ hymin, 3.28), ao p asso que, n a segunda
m etade d o evangelho, a fó rm u la o c o rre d o z e vezes. N a p rim eira m etad e d o
evangelho, Jesu s p ro íb e as pessoas de an u n ciar sua id en tid ad e e trava co m
frequência c o m b a te co m a p o ssessão d em o n íaca, m as, d ep o is d e 9.29, não
há o u tras o rd e n s p ara silenciar e n e n h u m a o u tra m en ção aos d em ô n io s ou
à expulsão d e d em ô n ios. N a prim eira m e tad e d o evangelho, os discípulos
falham co m p letam en te em sua co m p reen são d e je su s, ao passo que, depois de
Cesareia de Filipe, a c o m p re en são in cip ien te deles é expressa nessa confissão
do m essiado d e je s u s , e m b o ra lutem co m o fato de u m M essias sofredor, em
vez d e u m M essias real. A p rim eira m etad e d o evangelho leva Jesus para fora
de Israel, ch e g an d o a T iro , S idom , C esareia d e Filipe e D ecápolis; a segunda
m etade o traz p ara Jerusalém , o âm ago de Israel. A prim eira m etade de M arcos
é um a jo rn a d a p ara fora na qual Jesus se lança am p lam ente; a segunda m etad e
M a rc o s 8.10 298
U M S I N A L D E D E S C R E N Ç A (8 .10 -13 )
O IN IM IG O D E N T R O (8.14-21)
18 D e acordo com Lucas 23.8, H erodes A ntipas “esperava vê-lo [Jesus] realizar algum
m ilagre” , m as esse pedido não se en contra em M arcos. É verdade que H erodes
A ntipas considerava os m ilagres de Jesus com o um sinal de que Jo ã o Batista re-
to rn ara à vida (6.14), m as essa era um a superstição, e não teste para Jesus.
19 E . H aenchen, D er Wegjesu, p. 288, está co rreto ao n o ta r o elo co m u m en tre os
fariseus e H erodes A ntipas em sua “ hostilidade” a Jesus, m as G uelich, M ark
1— 8:26, p. 422-24, está ainda m ais co rreto ao considerar a “ descrença” co m o o
perigo que pairava sobre os discípulos.
20 2.6,8 (2x); 8.16,17; 9.33; 11.31.
305 M a rc o s 8.16-21
O TO Q U E Q U E D Á A V IS Ã O (8.22-26)
J e s u s e o s d isc íp u lo s, a p ó s c h e g a re m a B e tsa id a p o r b a rc o , sã o re c e b id o s
p o r p e s s o a s p e d in d o a c u ra d e u m h o m e m ceg o . E s s e m ila g re e o m ila g re d a
c u ra d o s u r d o - m u d o e m 7 .3 1 -3 7 sã o sim ilares e sã o o s d o is ú n ic o s m ila g re s
o m itid o s e m M a te u s e L u cas.22 F ic a m o s im p re s s io n a d o s d e im e d ia to p e la
26 O re la to c o n c lu i c o m Je s u s e n v ia n d o o h o m e m c u ra d o p a r a casa, e
n ã o d e v o lta p a r a o vilarejo. A tra d iç ã o te x tu a l se d iv id e q u a n to a se Je su s
o r d e n o u o h o m e m a sile n c ia r s o b re a c u ra ,30 m a s fica c la ro q u e J e s u s n ão
latino traz: “N ão fale com ninguém no povoado” , e essa leitura parece se fundir
com a versão anterior para produzir uma leitura mais longa que era seguida com
frequência na tradição manuscrita. “N ão entre no povoado e não fale com ninguém
no povoado” . Veja Metzger, TCGNT, p. 98-99.
51 Veja A. Kuby, “ Z ur Konzeption des Markus-Evangeliums”, Z N W 49 (1958), p.
52-64.
M a rc o s 8.27 312
Excurso: Cristo
A palavra g re g a “ C risto ” trad u z o h eb raico “M essias” , cujo sen tid o é
“ u n g ir” . N o A n d g o T estam e n to , três classes d e pessoas recebiam a unção:
o s p ro fetas, o s sac erd o tes e os reis. A terceira classe, os reis, influenciava o
d ese n v o lv im en to d o co n c eito d o M essias n o judaísm o (e.g., 2Sm 7; SI 2). E m
especial, q u a n d o a m o n arq u ia falh o u e, p o r fim , caiu d iante de N ab u co d o -
n o s o r em 586 a.C., surgiu u m a expectativa em Israel de que D e u s levantaria
u m nov o , e m aio r, rei, co m o D avi. “ ‘D ias v irã o ’, declara o S e n h o r , ‘um
R en o v o ju sto , u m rei que reinará co m sab ed o ria e fará o que é ju sto e certo
n a te rra ’ ” (Jr 23.5).36 O A n tig o T esta m e n to n ão u sa “ o M essias” em sentido
ab so lu to , n e m ta m p o u co desenvolve o u ap resen ta u m a d o u trin a fo rm al do
M essias. Isso ta m b é m co n tin u a em geral v erd ad eiro p ara o p erío d o intertes-
tam e n tá rio su b seq u e n te, q u a n d o o c o n c eito d e M essias é m en o s freq u en te e
desen v o lv id o d o que m uitas vezes se supõe. A in stância m ais antiga d o uso
(S i Sol 1 7 .2 1 -3 0 J9
E s s e e ra o c o n c e ito p o p u la r d o M essias n a é p o c a d e Je su s. P o d e n ã o se r
u m a m e ra c o in c id ê n c ia o fa to d e q u e P e d ro c h e g u e a e ssa c o n c lu s ã o n e sse
m o m e n to e lu g a r, e q u e “J e s u s o s a d v e rtiu p a ra q u e n ã o fa la sse m a n in g u é m
a se u re s p e ito ” (S o b re A ordem de silenciar, v eja e m 1.34.). N o c a m in h o
p a ra C e sa re ia d e F ilip e , o s d isc íp u lo s p a s s a ra m p a ra o o e s te d o p in á c u lo d e
G a m a la , a c id a d e d e ju d a s , o G alileu , c u jo s filhos, te n ta n d o c u m p rir a p ro fe c ia
d e Salm os de Salomão 17, p e g a ra m e m a rm a s c o n tr a R o m a e m 66 d .C ., lev an -
d o a n a ç ã o a u m a d e r r o ta c a ta stró fic a p e lo s e x é rc ito s d e V e sp a sia n o e T ito .
J o s e f o re fe re -s e a J u d a s c o m o o fu n d a d o r d a “ q u a rta filo so fia ” d o s ju d e u s
(além d a d o s fariseu s, sa d u c e u s e e ssê n io s), o s sicarii (sicário s), “ cu ja p a ix ã o
p o r lib e rd a d e é q u a s e in c o n q u istá v e l, u m a v e z q u e a c h a m q u e só D e u s é o
líd e r e m e s tr e d e le s ” (A n t. 18.23). J u d a s f u n d o u o m o v im e n to e m o p o s iç ã o
a o c e n s o d e Q u ir in o e m 6 d .C ., e o s sicarii (= h o m e n s d o p u n h a l, a ssa ssin o s),
n o s a n o s s e g u in te s, re u n ira m fo rç a s c o m o s z e lo te s a fim d e lib e rta r a C id a d e *
M E S S IA D O E D IS C IP U L A D O (8 .31-9.1)
43 Isaías 42.1-4; 49.1-6; 50.4-1 la ; 52.13— 53.12.0 Targum o f Jonathan associa de fato
o Servo de lavé com o M essias em Isaías 53, m as in terp reta os versículos que se
referem ao sofrim ento com o não se referindo ao Messias! (Veja Schürer, History
o f the Jewish People, 2.547-49.) E ssa tradição de interpretação continua em geral
nas in terpretações judaicas até hoje. C om o, p o r exem plo, a excelente discussão de
A. H eschel sobre a profecia ignora as passagens ao respeito do Servo Sofredor,
silenciando sobre elas e nunca levanta a questão do M essias (The Prophets, 2 vols.
[New York: H a rp e r T orchbooks, 1962], 1.145-58).
44 D as Evangelium nach M arkus, p. 98 (tradução do autor). C om pare com um pensa-
m ento similar da hum ildade divina em D ante:
O h o m em não podia, de indigente,
A s dívidas solver: nunca pudera
Curvar-se tanto, hum ilde e reverente,
Q u an to rebelde, se elevar quisera. (Paraíso, C anto 7, linhas 97-100)
M a rc o s 8.32 322
46 IReis 11.14 afirm a que H adade, o edom ita, era um adversário {safari) de Salomão.
M a rc o s 8.34 324
3 6 ,3 7 A s e g u n d a e te rc e ira d e c la ra ç õ e s n o s v e rsíc u lo s 3 6 ,3 7 f o r m a m u m
c o n ju n to . Pilas p õ e m a q u e s tã o d o d isc ip u la d o n o c o n te x to d a s re a lid a d e s
d e rra d e ira s d a vid a: a alm a e o m u n d o . Im a g in e q u e a lg u é m fo sse “ g a n h a r *lo
53 W Rebell, “ ‘Sein Leben vertieren’ (Mark 8.35 parr.) ais Strukturm om ent vorund
nachõsterlichen Glaubens” , NTS35 (1989), p. 202-18, aplica corretam ente o cri-
tério da dissimilaridade e atestação múltipla para fazer o versículo 35 retroceder
a Jesus. N o entanto, Rebell parece estar errado em afirmar que perder a alma no
contexto presente se refere ao Reino de Deus e só depois da Páscoa, a Jesus. O
texto de 8.27— 9.1 não é sobre o Reino de Deus perse , mas sobre Jesus como o
Messias sofredor e o Filho do hom em , correlacionando de forma bem íntima o
discipulado com o destino iminente de Jesus. Veja C. Breytenbach, “Christologie,
N achfolge/A postolat”, BTZ8 (1991), p. 183-98, para uma discussão da relação
entre discipulado/apostolado e cristologia.
,4 Uma verdade eterna transmitida em um lema de Jim £ 0 ^ שque m orreu como
mártir nas mãos dos índios aucas na América do Sul: “Aquele que abre mão do
que não pode m anter a fim de ganhar o que não pode perder não é tolo” .
■
’5 Dois manuscritos im portantes (P45 D) om item a referência a Jesus no versícu-
lo 35, trazendo “quem perde a vida pelo evangelho a salvará” . Um campo muito
superior de testemunhos, no entanto, inclui essa referência a Jesus no versículo,
conform e seguido pela tradução da NVI. A leitura da N V I deve ser privilegiada
(veja Metzger, TCGNT, p. 99), em especial uma vez que os copistas tendem a
omitir a referência a fim de produzir o paralelismo no versículo.
327 M a rc o s 8.38
56 Uma ilustração esclarecedora dos versículos 34-37 aparece nos arquivos Stasi
— os volumosos arquivos da polícia secreta da antiga Alemanha Oriental. “Um
contato [que foi contato para se tornar um informante] escreve: A pós um exame
intenso e detalhado de minhas convicções religiosas com o cristão, tenho de lhe
dizer que não posso fazer concessões aos fundamentos em que acredito para fazer
o que me pede. N ão posso justificar tal com portam ento com aquilo que o N ovo
Testam ento exige de mim: Mateus 16.26, ‘Pois, que adiantará ao hom em ganhar
o m undo inteiro e perder a sua alma?’ ” 0. Gauck, Die Stasi-Akten. Das unheimliche
ErbederDDR [Hamburg: Rowolt, 1991], p. 59).
57 Dois manuscritos im portantes (P45 W) omitem “palavras” do versículo 38, dei-
xando a leitura desta forma: “Se alguém se envergonhar de mim e [dos meus
seguidores]” . Isso não só resulta em uma leitura incom um, mas a grande maioria
dos manuscritos incluem “palavras” , unindo, dessa form a (como no versículo 35
acima), Jesus e o evangelho. Os mesmos dois manuscritos (P4SW) alteram o fim do
versículo 38 para: “ Q uando [o Filho do homem] vier na glória de seu Pai e [glória
dos] [...] anjos”. O pensamento de Jesus vindo na glória dos anjos, em vez de
comeles, pode refletir Lucas 9.26. D e qualquer forma, a tradição textual favorece
a leitura da N VI, “com os santos anjos” . Veja Metzger, TCGNT, p. 99-100.
M a rc o s 9.1 328
assim q u an d o ele faz isso, eles z o m b a m d a glória que aparece na única form a
em que ela p o d e ria ser c o n h e cid a — in có g n ita em Jesus C risto. A situação
deles é d ese sp erad o ra d e u m a o u tra fo rm a , pois a m en o s que Jesus seja re-
cebido “ n esta g eração ” , o F ilh o d o h o m e m n ão os receberá em sua glória
futura. O fu tu ro co m eça agora.
58 13.26; 14.61; IT essalonicenses 4.15— 5.3; IC oríntio s 15.51; 16.22; Filipenses 4.5.
59 Veja a discussão em T. W. M anson, The Teaching o fJesus: Studies in Its Form and Content
(Cam bridge: C am bridge U niversity Press, 1963), p. 277-84. M an so n revê várias
interpretações de 9.1, p o r exem plo, de que se refere à transfiguração, o u à queda
de Jerusalém , o u ainda à vinda do E spírito Santo em Pentecoste. Ele, n o entanto,
rejeita essas possibilidades, concluindo que “Jesus esperava que a consum ação do
reino acontecesse em algum m o m en to no futuro im ediato, e que essa expectativa
n ão foi realizada” (p. 282). M an so n acredita que Jesus estava errado em relação
a esse assunto, com o tam bém acreditava que Jesus estava equivocado em relação
à crença em dem ônios, à autoria davídica d o saltério, à historicidade do livro de
Jonas.
329 M a rc o s 9.1
ção q ue M arco s recebeu. A lém disso, o versículo 1 está apenas vagam ente
relacio nad o aos versículos anteriores. E ssas d u as o b serv açõ es sugerem que
M arcos p e g o u liv rem en te um logion [dito o u ex p ressão atrib u íd o a C risto, n ão
registrado n o s E v an g elh o s, m as co n se rv ad o p ela tradição oral] d a tradição
e o c o m b in o u n o p re sen te local. A in serção p arece ser g o v ern ad a p o r duas
razões: (1) é com patível co m o tem a d a g ló ria e anjos n o versículo 38; e,
ainda m ais im p o rta n te , (2) a fala in tro d u z a n arrativ a su b seq u e n te da trans-
figuração. T o d o s o s três evangelhos sinóticos, d e fato, prefaciam o relato da
transfiguração co m essa fala (M t 16.28; M c 9.1; L c 9.27).
A relevância d o versículo 1 é assinalada p o r u m p refácio solen e carac-
terístico d e Jesus: “ G a ra n to ” (ARA, “E m v e rd ad e”). O s p ro fetas d o A ntigo
T e sta m e n to p refaciav am c o stu m e ira m e n te suas falas com : “A ssim diz o
S e n h o r ” , c o m o u m a g aran tia d a au to rid ad e d e lav é, m as Jesu s assum e ele
m esm o essa autoridade, pro n u n cian d o co m gravidade: “ G a ran to ” (ARA, “ E m
v erd ad e”). O u so p o r Jesu s d o Amen c o m o u m a fó rm u la in tro d u tó ria, e não
co m o u m a re sp o sta de u m a oração d e co n clu são (c o n fo rm e era o co stu m e
no judaísm o) é, nas palavras de Jo ach im Jerem ias, “ sem qualquer paralelo em
tod a a literatu ra judaica e o restan te d o N o v o T e s ta m e n to ” .60
O c o n te x to d e 9.1, c o n fo rm e estab elecid o em 8.31, n ão é a parú sia
co m o e m g eral se su p õ e, m as a m o rte e re ssu rreiçã o d e Jesus, que o co rreu
no p e río d o d e v ida d o s ouvintes. A in te rp re ta ç ã o d e 9.1 co m referência à
ressurreição afirm a u m a longa história de apoio q ue retrocede a m uitos pais da
igreja prim itiva. A ssim , “ o R eino de D e u s v in d o c o m p o d e r” p arece a p o n tar
para a re ssu rreiçã o de Jesu s d en tre os m o rto s , e a h istó ria su b seq u e n te da
transfiguração é u m a p ro lep se.61
60J. Jerem ias, N ew Testament Theology, trad. J. B ow den (N ew York: Scribner’s, 1971),
p. 35-36; veja tam bém , H.-W. K uhn, “arnêii', E D N T X . 69-70; H . Schlier, “amén”,
T D N T X .335-38.A m en, do hebraico 1ãmèn (“é verdade o u fiel”), oco rre treze vezes
em M arcos (3.28; 8.12; 9.1,41; 10.15,29; 11.23; 12.43; 13.30; 14.9,18,25,30), todas
essas ocorrências, com exceção de duas delas que aparecem na últim a m etade do
evangelho, e todas, exceto um a delas (8.12), apresen tam a fórm ula A m én legõ bymin
(“ E m verdade” ; ARA).
61 Assim , tam bém , o tratado de N ag H am m adi, Tratado sobre a ressurreição 48.9,10, que
correlaciona a transfiguração com a ressurreição. A interpretação de que o “ Reino
de D eus vindo com po d er” se refere à transfiguração foi discutida co m habilidade
p o r G. H . B oobyer, S t M ark and the Transfiguration Story (E dinburgh: T & T Clark,
1942), e, desde então, é seguida, entre outros, p o r Taylor, The GospelAccording to St.
M ark, ρ. 385-86; Cranfield, The GospelAccording to Saint M ark, p. 287-88; Pesch, D as
Markusevangelium, 2.67; J. G nilka, D as Evangelium nach M arkus, 2.2; e D. W enham e
M a rc o s 9.1 330
M arcos 8.27— 9.1 re p resen ta u m a divisão c o n tin en tal en tre a prim eira
m etad e e a seg u n d a d o evangelho. E sse tex to u n e cristologia e discipulado
em um re la cio n am en to ú n ico e sim biótico. E le en sin a que u m a confissão
apropriad a d e Jesu s envolve u m a nova co m p re en são d o discipulado. Q u an d o
os cristãos co n fessam q u em Jesu s é, eles ta m b é m co n fessam inevitavelm ente
o que têm d e se to rn ar. Jesu s n ão é u m objetivo d ad o que, c o m o u m a rocha
so b o m icroscópio, p o d e ser o b serv ad o e exam inado em su p o sta neutralidade.
E sta afirm ação: “T u és o C risto ” (v. 29) indica um a reivindicação so b re aquele
q ue diz isso. O F ilho d o h o m e m ch am a aqueles q ue o c o n h e cem p ara segui-lo.
R E M O Ç Ã O D O V É U : A T R A N S F I G U R A Ç Ã O D E J E S U S (9 .2 -8 )
M oisés n o m o n te Sinai (Êx 24.16), um a vez que os personagens do Sinai são tão
pro em inentes na narrativa da transfiguração.
64 G ênesis 22.2; Ê xodo 24.15; D eu teronôm io 34.1; 1Reis 18.20; 19.11; E zequiel 40.2;
M ateus 5.1; 14.23; 28.16; M arcos 6.46; João 4.20; 6.3,15; A tos 1.12; A pocalipse 14.1;
21.10. Veja H . Riesenfeld, Jesus Transfigured, A SN U 19 (C openhagen, 1947), p.
243-45.
65 O s radicais hebraicos do Hermom, hrm , significando “ sagrado” ou “san to ” , po d em
encontrar um eco na referência ao m o n te da transfiguração com o o “m o n te santo”
em 2Pedro 1.18. Para argum entos favorecendo o m o n te H e rm o m co m o o local
da transfiguração, veja A. M. Ramsay, The Glory o f the God and the Transfiguration o f
Christ (L ondon, N ew York, T oronto: L ongm ans, G reen and Com pany, 1949), p.
113.
333 M a rc o s 9.4
“deles” tem d e se referir aos discípulos, u m a vez que E lias e M oisés ainda
não haviam sido in tro d u zid o s na narrativa. L ucas 9.29 m en cio n a apenas
que a ap arên cia de Jesu s foi tra n sfo rm a d a , m as M arcos, seguido p o r M a-
teus 17.2, registra q ue Jesu s n ão só foi tran sfig u rado dian te d o s discípulos,
m as tam b ém p o r causa deles. O v erb o “ tran sfig u rar” , d o g reg o metamorphoun,
carrega a raiz co m o sen tid o de “ m u d a r” . O v e rb o o c o rre apenas q u atro
vezes n a B íblia g reg a (9.2; M t 17.2; R m 12.2; 2 C o 3.18) e, em cada instância,
ele sugere u m a tran sfo rm a ç ã o radical. Paulo, referin d o -se à transfiguração
em 2 C o rín tio s 3.18, diz que nós, c o m o u m a c o n se q u ên cia d e v er a glória
do S en hor, so m o s tra n sfo rm a d o s (gr. metamorphoun) de glória em glória. D e
m o d o sim ilar, em Ascensão de Isaías 7.25, lem os q u e a glória d e Isaías fez com
que seu “ sem b lan te estfivesse] sen d o tra n s fo rm a d o ” e n q u a n to ascendia de
céu a céu.66 N a n arrativ a de M arcos so b re a transfiguração, metamorphoun n ão
significa u m a m u d an ça na n atu re za de Jesu s, m as, sim , u m a tran sfo rm açã o
exterior e visível de sua aparência para ficar de a c o rd o co m sua natureza.
As ro u p a s de Je su s, c o m o resultado dessa tran sfo rm ação , ficaram “ brancas,
de u m b ra n co resp lan d ecen te, c o m o n e n h u m lavandeiro n o m u n d o seria
capaz d e b ra n q u eá-la s” . O versículo 3, ap esar da descrição instável, é b em -
sucedido em tran sm itir q u e a transfiguração é tão co m p leta que as ro u p a s de
Jesus, b em c o m o sua p esso a, são tran sfo rm ad as. M ateus 17.2 e L ucas 9.29
acrescentam q u e a face de Jesus tam b ém b rilhou (veja 2C o 4.6), o que aum enta
a co m p araçã o co m M oisés, cuja face b rilh o u p o rq u e refletia a p re sen ça de
D eu s (Ê x 34.35). A s ro u p as diáfanas e a face b rilh an te d e Jesu s significam a
total tra n sfo rm a çã o e co b e rtu ra co m a p resen ça divina.6''
66 Essa referência ocorre de forma muito próxima de Ascensão de Isaías 8.25, em que,
com o na transfiguração, há uma referência ajesus com o o Filho amado. Para uma
descrição similar de glorificação, veja 2Apocalipse de Baruque 51.3-12
67 N a Escritura, roupas brilhantes são com frequência sinais de seres celestiais: Da-
niel 10.5; Mateus 28.3; Marcos 16.5; João 20.12; Atos 1.10; Apocalipse 3.4; 4.4;
6.11; 7.9,13; 14.14; 19.14.
68Veja M. Thrall, “ Elijah and Moses in Mark’s A ccount o f the Transfiguration” ,
NTS (1969/1970), p. 305, que equipara o alto m onte (v. 2) com o monte Sinai; as
roupas brancas do versículo 3 com a aparência de Moisés após estar na presença
de Deus; as três tendas no versículo 7 com tabernáculos no deserto; e a nuvcm,
a voz e o “ouçam-no” , no versículo 7, tam bém com Moisés.
M a rc o s 9.4 334
5 D e acordo com Apocalipse de Pedro 16, Jesus repreende Pedro p o r desejar construir
tendas: “ E [Jesus] m e disse com ira: ‘Satanás faz guerra co n tra você, e velou seu
entendim ento, e as coisas boas desse m undo conquistam você’ ” .
76 C itado em M.-J. Lagrange, Evangile selon Saint Marc, p. 230, e seguido p o r ele.
337 M a rc o s 9.7
sós nessa árdua e exultante tarefa d o discipulado. P recisam ente, Jesus está ali
co m eles q u an d o o u v em o evangelho, q u an d o veem a glória d o evangelho e a
inadequação d e si m esm os. A q u ele q u e cham a os discípulos a segui-lo não os
aban do na pela glória, m as se volta da glória para acom panhá-los “ n o cam in h o ”
para Jeru sa lém e p ara a cru z.
87Por exemplo, A. Harnack, citado em G rundm ann, Das Evangelium nach Markus, p.
180.
88J. A. T. Robinson, “T he M ost Primitive Christology o f All,” JT S l (1956), p. 180.
89Veja J. Wellhausen, citado em G rundm ann, Das Evangelium nach Markus, p. 178;
Bultmann, The History of the Synoptic Tradition, p. 39, 260.
90 Por exemplo, Caird, “T he Transfiguration”, ExpTim 67 (1955-56), p. 292: “Uma
explicação satisfatória da transfiguração tem de fazer justiça a sua conexão com o
batismo, Cesareia de Filipe, Getsêmani, a crucificação, a ressurreição, a ascensão
e a parúsia; e com a perseguição dos discípulos e sua porção, presente e futura,
na glória do Cristo ressuscitado e ascendido” .
E x c u rs o : T ra n sfig u ra ç ã o c o m p re e n d id a 342
P E R F I S N O S O F R I M E N T O (9 .1-13 )
95J. Marcus (seguindo J. Wellhausen) sugere que o versículo 12a deve ser lido como
uma pergunta, ou seja, “Q uando Elias vier, restaurará todas as coisas?” (The Way
of the Lord, p. 99). E isso indicaria o seguinte: não, Elias não restaurará todas as
coisas, mas sofrerá. Com o os manuscritos gregos antigos não contêm pontuação,
é possível ler a sentença como uma pergunta. E m meu julgamento, no entanto,
o contexto da passagem argumenta contra a pontuação do versículo 12a com
um ponto de interrogação. N ão é a restauração final de todas as coisas que Jesus
desafia, mas a ideia de que a restauração pode ser alcançada à parte do sofrimento
do Filho do hom em. Daí a pergunta do versículo 12.
M a rc o s 9 .1 1 1 3 ־ 346
igreja posterior tenha inventado uma história que retrata os apóstolos em uma luz
negativa. Para dois estudos que defendem a historicidade essencial de 9.14-29, veja
P.J. Achtemeier, “Miracles and the Historical Jesus” , CBQÒl (1975), p. 471-91; e,
em especial, a análise abrangente de G. Sterling, “Jesus as Exorcist: A n Analysis
o f M atthew 17:14-20; Mark 9:14-29; Luke 9:37-43a” , CBQS5 (1993), p. 467-93.
99 Mateus 17.15 identifica a aflição do menino com o epilepsia, mas 17.18,19 também
a chama de daimonion (“dem onio”). Mais uma vez, o relato de Mateus pode ser
explicado assumindo seu uso de Marcos, pois a referência à epilepsia representa
uma melhoria da narrativa em Marcos, ao passo que a retenção do demônio
preserva a leitura original de Marcos. Para outras evidências do uso de Mateus da
versão da narrativa de Marcos, veja Sterling, “Jesus as Exorcist” , CBQ 55 (1993),
p. 477.
11)0 Um longo relato de um m enino possuído p o r dem ônio em Filóstrato, Vida de
Apolônio 3.38, provê um contraste instrutivo com Marcos 9.14-29. N o relato de
Filóstrato, o demônio é a principal preocupação; e a criança possuída, incidental.
Assim, Filóstrato provê uma história completa do dem ônio e das circunstâncias
M a rc o s 9.19-20 350
164 Sobre epitiman (“repreendeu”), veja 4.39; sobre epitassein (“ordeno”) veja 1.27;
9.25.
105 H á quatro ocorrências em Marcos em que o ensino público se torna instrução
privada para os discípulos: 4.1,2,10; 7.14,17; 9.14,28; 10.1,10. Para mais discussão
do tema da instrução privada em Marcos, veja D. B. Peabody, Mark as Composer,
N ew Gospel Studies 1 (Macon: M ercer University Press, 1987).
106 Um grande núm ero de manuscritos acrescenta “oração ejejuni' (P45 אA C D K
L W X Δ Θ Π Ψ). O bservando uma tendência textual similar em 1Corintios 7.5,
Metzger ( TCGNl’ p. 101) atribui o acréscimo para enfatizar o jejum na igreja
primitiva. Considerando-se o ensino negativo anterior de Jesus sobre o jejum
(2.19), seria surpreendente se o jejum fosse incluído nesse ensinamento dele
aqui. Apesar da volumosa tradição dos manuscritos em favor do uso do termo,
os fatores internos argumentam contra a originalidade de ejejum.
M a rc o s 9.28-29 354
Mero discipulado
M A R C O S 9 .3 0 5 0 ־
A S E G U N D A P R E D IÇ Ã O D A P A IX Ã O ( 9 . 3 0 3 2 )־
1 E. Lohmeyer, Das Evangelium desMarkus, p. 191 -92, sugere que o segredo do local
no versículo 30 corresponde com a instrução privada de Jesus aos discípulos. A
sugestão seria mais persuasiva se não fosse pelo fato de que Marcos com frequência
fornece apenas vagas descrições geográficas.
2 A principal alternativa para o m onte H erm om com o o lugar da transfiguração é
o m onte Tabor. N o entanto, o versículo 30 parece argumentar contra o monte
Tabor, um a vez que este fica na Galileia. O m onte Tabor, além disso, fica no sul
do Galileia, o que exigiria que Jesus e os discípulos voltassem cerca de pouco mais
de trinta quilômetros na direção norte para Cafarnaum no versículo 33. Veja A.
Schlatter, Der Evangelist Matthaus, p. 537; M.-J. Lagrange, Evangile selon Saint Man,
p. 243.
357 M a rc o s 9.32
... E A S E G U N D A C O M P R E E N S Ã O E Q U I V O C A D A ( 9 - 3 3 3 7 )־
4 Esse ponto, no entanto, não deve ser indevidamente imposto, pois em Marcos
oikos (casa) aparece em geral sem artigo (2.1; 3.20; 7.17; 9.38), ao passo que oikia
(casa) tende a ter artigo (1.29; 2.15; 9.33; 10.10; em bora 7.24 não tenha artigo).
359 M a rc o s 9 .3 3 3 4 ־
E possível argumentar que 1.29, 2.15 e 9.33, sem exceção, referem-se à casa de
Pedro, mas 10.10 também tem artigo, e não pode se referir à mesma casa.
5 2.1,2; 2.15,16; 3.20; 4.10 (?); 7.17,24; 9.28,33; 10.10; 11.17 (?), 14.3. Para mais
discussões sobre casas, veja em 2.2.
6 Vários manuscritos gregos (A D Δ) om item “no cam inho” no versículo 34, evi-
dentem ente porque parecia supérfluo à luz de sua ocorrência no versículo 33. A
abrangente tradição textual, no entanto, argumenta por sua inclusão.
7 Str-B 4/2.1,130-1,165. E m resposta à pergunta: Quem é o maior no Reino de
Deus?, alguns mestres da lei concordaram em honrar o justo e o reto (também
SI 11.7). O utros consideravam o conhecim ento da Torá ou prádca de boas ações
como ocupando o primeiro lugar, e outros ainda concordavam que o primeiro
lugar é para os mestres que levam os fiéis à retidão e justiça por intermédio do
ensino. Havia concordância geral, no entanto, que os márdres eram os maiores
no Reino de Deus (Str-B 1.773).
M a rc o s 9.35 360
8 Marcos 10.43,44; Mateus 20.26,27; 23.11; Lucas 22.26; Filipenses 2.1,11; Epístola de
Policarpo aosFilipenses 5.2; PastordeHermas, Mandato 2.1; PastordeHermas, Semelhanças
9.29.3; Evangelho de Tomé22; Atos de Pedro 38. Sobre todo o conceito da humildade,
veja E. Schweizer, Erniedrigung undErhohung beiJesus undseinen Nachfolgem, ATANT
28 (Zürich: Zwingli Verlag, 1962). D izer que a ideia de humildade é central para
Jesus não é dizer que essa fosse uma atitude única dele. Vinte anos antes do minis-
tério de Jesus, o rabi Hillel disse: “Ao me rebaixar, me exalto, e ao me exaltar, me
rebaixo” (Str-B 1.774). Variantes da mesma ideia tam bém estavam presentes no
361 M a rc o s 9.36-37
helenismo. “N a vida pública, é preciso escapar [...] [do] desejo de ser o primeiro
e o m aior” (Plutarco, Moralia, p. 8).
9 Sobre o conceito de servo e serviço, veja H. Beyer, “diakonecT, TDNT2.81-87.
M a rc o s 9.36-37 362
O R E IN O D E D E U S É M A I O R Q U E N O S S A E X P E R I Ê N C IA
D E L E (9 .3 8 -4 1)
D I S C I P U L A D O : C O N T A B I L I Z A N D O O C U S T O ( 9 .4 2 -5 0 )
1 Em bora a NVT traga “em meu nom e” (v. 40; grifo do autor), a tradição manuscrita
mais forte omite o pronom e. A omissão do pronom e resulta em um grego aceita-
vel, mas um tanto não convencional (i.e., 1‘porque vocês são discípulos de Cristo”),
o que explica p o r que os copistas estavam inclinados a acrescentar “m eu” . Se o
pronom e era original, é difícil entender por que o copista o omitiria.
18 Sobre a função de “Cristo” no evangelho de Marcos, veja J. Kingsbury, The Chris-
tology of Mark’s Gospel (Philadelphia: Fortress Press, 1983), p. 93-94.
367 M a rc o s 9.42
e / o u q u e fo ram tran sm itid o s pela igreja prim itiva sem os co n tex to s que os
aco m p an h av am e fo ram u sados d e ac o rd o co m os p lan o s editoriais de cada
evangelista. O g ra n d e n ú m e ro de variantes textuais gregas em m eio aos di-
tos ta m b é m sugere q ue eles circularam sem c o n te x to s narrativos, pois um
cop ista estava m ais inclinado a alterar u m d ito a fim d e adaptá-lo a u m novo
c o n te x to q u e alterar u m d ito que estava a n c o ra d o em sua p resen te form a,
m as a b rev id ad e, concisão e falta de c o n te x to d o s dito s n o s versículos 49,50
to rn a m ais difícil a p resen tar u m a in te rp re ta ç ã o conclusiva.
19E difícil, a partir da tradição manuscrita do grego dizer com certeza se a frase
“que creem em min.F (grifo do autor) é original. A presença de “em mim” é bem
atestada ( A B L W 0 Ψ), mas a ausência da frase em outros manuscritos de peso
(S D Δ) e a possibilidade de ter sido acrescentada de Mateus 18.6 lança dúvida
sobre sua originalidade. Veja Metzger, TCGNT, p. 101-2. A proeminência de Jesus
com o um objeto de crença nos versículos 37,40,41, no entanto, argumenta por
sua originalidade.
M a rc o s 9.43-48 368
20 Por exemplo, Josefo reconta a história de um grupo de rebeldes galileus que hor-
rorizaram e aterrorizaram a nobreza afogando partidários de Herodes no mar da
Galileia (Ant. 14.450).
21 Veja Metzger, TCGNT, p. 102.
369 M a rc o s 9.43-48
22 1EnoqueTl.\,2·, 54.1 ss.; 90.26ss.; 4Esdras 7.36; Carta de Inácio aos efésios 16.2; 2Cie-
menteXlJ. Sobre Geena, veja Str-B 4/2.1,016-1,165. A conclusão do versículo 43
está sujeita a uma série de leituras variantes na tradição dos manuscritos gregos.
A leitura mais bem atestada ( Κ Α Β Ο Κ Χ Θ Π ) ε aquela que melhor explica a
existência de outras é a adotada pela NVI. Veja Metzger, TCGNT, p. 102.
M a rc o s 9.49-50 370
se apagará” . A im ag em d o v e rm e d e v o ra d o r e d o fo g o c o n su m id o r, n o jen to
e g rotesco, dificilm ente parece necessária c o n sid eran d o -se a im agem lúrida
e pav oro sa d o vale d o H in o m . Seu u so aqui se c o n fo rm a a u m im p o rtan te
asp ecto de seu u so em Isaías, em q u e essa im agem conclui dois capítulos
so bre a p ro m e ssa e a salvação p o r m eio de u m alerta p o d e ro so e final das
consequências d a rebelião c o n tra D eus. A citação desse verso n o versículo 48
serve co m o o alerta m ais v ee m e n te possível c o n tra julgar equivocadam ente
o u trivializar o ch a m ad o e co m issão d o discipulado. Q u e m im aginaria que
tarefas sim ples e m u n d a n a s ta n to d e capacitar os cristãos n a fé q u a n to de
o b stru ir o ca m in h o deles tê m con seq u ên cias n o d estin o e te rn o das pessoas
(Lc 9.23)? C o n tu d o , elas têm esse peso. A im ag em ho rrível desses versículos
tem a in ten çã o d e s e r u m a séria a d m o esta ção p ara o s discípulos agora, e não
apenas u m a p re d iç ã o d o futuro. O s p lan o s arquiteturais da etern id ad e são
pelo c o m p o rta m e n to d o s discípulos hoje. N o tex to de 9.48, h á u m alerta
co n tra a reb elião c o n tra D e u s e co n v o ca à fé n o p re sen te, e em especial de
se livrar q u aisq u er q u e sejam os o b stácu lo s e im p ed im e n to s q u e im pediríam
a p esso a d e e n tra r n a vida v erd ad eira n o reino.
23 O dito existe em três formas principais: (1) “Pois todos serão salgados com fogo”;
(2) “Pois todo sacrifício será salgado com sal” ; e (3) “Pois todos serão salgados com
fogo, e todo sacrifício será salgado com sal” . A primeira leitura deve ser a preferi-
da por causa de seu apoio em manuscritos e porque é difícil explicar a existência
das outras duas. A leitura 2 pode ser explicada com o se segue: em busca de um
indício para o sentido da leitura 1, um escriba escreveu Levítico 2.13 na margem,
o que em manuscritos posteriores foi incorporado no próprio texto. A leitura 3
pode ser explicada com o uma união das leituras 1 e 2. Veja Metzger, TCGNT, p.
102-3; e Cranfield, The GospelAccording to Saint Mark, p. 314-15.
371 M a rc o s 9.49-50
24 O sal, um a necessidade da vida no período bíblico (Sir 39.26), tam bém era um
elemento essencial nas ofertas e sacrifícios. E ra prescrito para acompanhar as
ofertas queimadas (Ez 43.24), as ofertas de cereal e, de fato, em “todas as suas
ofertas” (Lv 2.13), e aparece em uma lista de provisões para o templo (Ed 6.9).
Veja J. R. Ross, “Salt”, IDB 4.167; Str-B 2.21-23.
2 יVeja a discussão útil de C. Link, “Exegetical Study o f Mark 9:49”, NotesTrans 6 /4
(1992), p. 21-35, que parafraseia os versículos 49,50 da seguinte forma: “Pois — de
acordo com a Escritura — todos nós (você e eu) seremos feitos oferta queimada
a Deus. Sua aliança comigo é o aspecto mais im portante em sua vida. Fique em
guarda, não perca isso. Guarde esse com prom isso acima de tudo o mais, e então
M a rc o s 9.49-50 372
ficarão em paz uns com os outros”. Link acrescenta outra sugestão de que esse
dito foi transmitido a Marcos p o r Pedro que, em vista de lPedro 1.7; 4.12,13, é
aquele discípulo que deveria se lem brar desse dito após a repreensão chocante
feita por Jesus depois da primeira predição da paixão (8.29-33). Veja também, O.
Cullmann, The Christology of the New Testament, trad. S. Guthrie e C. Hall (London:
SCM Press, 1986), p. 319.
capítulo dez
D IS C I P U L A D O E C A S A M E N T O (10 .1-12 )
1 “ E n tã o Jesu s saiu dali e foi p ara a região d a Ju d eia e p ara o o u tro lado
d o Jo rd ã o .” O “ dali” d e o n d e Jesu s saiu se refere à G alileia, e provavelm ente
C afarnaum , o ú ltim o local desig n ad o p o r M arcos (9.33). A d em arcação en-
tre os m inistérios de Jesu s n a G alileia e na Ju d eia é ainda m ais explícita no
paralelo de M ateus 19.1: “ Q u a n d o acab o u de d izer essas coisas, Jesu s saiu
da G alileia e foi p a ra a região d a Judeia, n o o u tro lado d o Jo rd ã o ” . M arcos
relata q u e Jesu s foi p ara “ a região d a Ju d eia e p ara o o u tro lado d o Jo rd ã o ” .
E sse d estin o c a u so u p rob lem as p ara os copistas, re su ltan d o em u m a tradição
textual in certa. O prin cip al p ro b le m a está co m a referên cia “ d o o u tro lado
d o J o rd ã o ” o u T ran sjo rd ân ia (— Pereia), p o is a T ra n sjo rd ân ia n ão fica na
direção de Jeru sa lém .1 E m b o ra seja im possível d ecidir co m certeza qual a
m e lh o r leitura, u m caso razo av elm en te fo rte p o d e ser feito para a leitura da
N V I q ue traz Jesu s p ara a Ju d eia e T ran sjo rd ân ia (i.e., Pereia).2
3 O texto ocidental (D) omite a menção aos fariseus no versículo 2, trazendo ape-
nas: “ E as pessoas perguntavam”. Contra Metzger, TCGNT, p. 103-4, essa pro-
vavelmente não é a leitura original, pois o apoio textual para incluir “os fariseus”
é abrangente e impressionante. Ademais, a presença de peira^ontes (“à prova”)
que, em outros trechos caracteriza os fariseus, mas não as multidões (8.11; 12.5),
também argumenta pela inclusão dos fariseus.
M a rc o s 10.2 376
4 A diferença das palavras em Mateus argumenta mais uma vez pela prioridade
marcana, pois podem os explicar por que Mateus alteraria Marcos, não por que
Marcos alteraria Mateus.
5 Para uma discussão do casamento e divórcio em Cunrã, veja D. Instone-Brewer,
“Nomological Exegesis in Q um ran ‘Divorce’ Texts’ ”, RevQ 18 (1998), p. 561-79.
6 Veja Instone-Brewer, “Jesus’ Old Testam ent Basis for Monogamy”, em The Old
Testament in the New Testament: Essays in Honour ofJ. L. North, ed. S. Moyise, JSNT
189 (Sheffield: Sheffield Academic Press, 2000), p. 89-91.
377 M a rc o s 10.2
14 Sobre “o senhor do casam ento”, veja G rundm ann, Das Evangelium nach Markus,
p. 272.
381 M a rc o s 10.10-12
O D I S C I P U L A D O E A S C R IA N Ç A S ( 1 0 . 1 3 1 6 ) ־
D I S C I P U L A D O E P O S S E S ( 1 0 . 1 7 3 1 )־
nesis 48.20: “Q ue Deus faça a você com o fez a Efraim e a Manassés!”; e de uma
filha: “Faça o S enh or com essa mulher que está entrando em sua família como
fez com Raquel e Lia” (veja Rt 4.11), seguida pela bênção aarônica (Nm 6.24-26).
Veja Encjud. 4.1.087.
2' A. Schlatter, Die Evangelien nach Markus und Lukas, p. 103-4.
28 Billy Graham disse o seguinte sobre essa história: “O jovem veio com a pergunta
correta para o hom em certo e recebeu a resposta correta, mas tom ou a decisão
errada” .
M a rc ó s 10.1 7 1 9 ־ 388
29 Mateus 19.17 percebeu a desonra inerente no texto de Marcos e mudou: “Por que
você m e chama bom ?”, para: “Por que você me pergunta sobre o que é bom?”.
Isso transform a a afirmação seguinte em Mateus (“Há som ente um que é bom ”)
em um non sequitur (i.e., argumento ou conclusão sem conexão lógica com o que
se disse antes). A leitura resultante em Mateus é um argumento convincente a
favor da prioridade de Marcos.
30O texto de 10.18 foi lembrado e citado por Jusüno Mártir, Apologia 1.16.7; e
Hipólito, Refutação de todas as heresias, 5.7.25-26. Observe a reflexão de George
MacDonald sobre esse versículo: “O Pai era tudo para o Filho, e o Filho não
pensou mais sobre sua própria bondade que um hom em honesto pensa sobre sua
honestidade. Q uando o hom em bom vê a bondade, ele pensa sobre seu próprio
389 M a rc o s 1 0 .1 7 1 9 ־
mal: Jesus não tinha nada de mal para pensar, mas tam bém não pensa sobre sua
bondade; ele se deleita em seu Pai” (C. S. Lewis, George MacDonalá An Anthology
[New York: Macmillan, 1978], p. 25).
31 O m andam ento “N ão oprimam” é excluído do versículo 19 por vários manuscritos
de peso (B K W Δ Π Ψ). N o entanto, deveria provavelmente ser retido, por causa
de seu considerável apoio em manuscritos ( אA B C D X Θ) e porque um copista
seria mais inclinado a deletar uma afirmação perigosa do que incluí-la na lista dos
Dez M andamentos. Em bora a adição não esteja entre os D ez M andamentos, ela
reflete a vontade de Deus expressa em Êxodo 20.17; D euteronôm io 24.14; Sir
4.1. As listas dos Dez M andamentos na literatura dos primordios do cristianis-
m o revelam com frequência seletividade, acréscimos ou ambos. Uma lista em
Romanos 13.9 inclui apenas adultério, assassinato, roubo e cobiça. Uma lista em
Didaquê2.X~y, 6.1-2 inclui os mesmos quatro itens mais uma dúzia de mandamen-
tos, incluindo proibições contra a sodomía, aborto, infanticidio e mágica. Uma
lista em Epístola de Bamahé 19.4-8 inclui adultério e cobiça, além de outras dezoito
proibições, incluindo também aborto, infanticidio e sodomía.
32 Contra W. D. McHardy, “Mark 10:19: A Reference to the Old Testament?” ExpTim
107 (1995-96), p. 143, que argumenta que a adição “não oprima” não é passível de
explicação e, p or conseguinte, deve ser uma palavra-chave escrita por um escriba
na margem de um manuscrito que, mais tarde, foi inadvertidamente acrescentada
ao texto. A razão sugerida na nota de rodapé anterior explica melhor a inclusão do
mandamento, ao passo que não há evidência para a hipótese marginal de McHardy.
M a rc o s 10.20-21 390
33 Str-B 1.814.
391 M a rc o s 10.2021־
34 “Em bora [Jesus] não se oponha à lei, ele indica que o mais im portante era aceitá-lo
e segui-lo. Isso por fim podería resultar na percepção de que a lei não é necessá-
ria, mas parece que o próprio Jesus não chega a essa conclusão, nem, tampouco,
parece que essa era a acusação contra o jovem rico. [...] [Ele] considerava sua
própria missão com o aquilo que realmente contava para alcançar a vida eterna. Se
a coisa mais im portante que as pessoas podiam fazer era aceitá-lo, a importância
de outras demandas ficava reduzida, apesar de Jesus não dizer que essas demandas
eram inválidas” (E. P. Sanders, The HistoricalFigure ofJesus [London: Penguin Press,
1993], p. 236-37).
M a rc o s 10.22-25 392
35Str-B 1.818-26.
393 M a rc o s 10.22-25
36 3.5,34; 5.32; 10.23; 11.11. O uso da palavra em Marcos está em 9.8 sem Jesus
com o sujeito.
37 O texto ocidental (D) arranja a sequência da leitura com os versículos 23,25,24,26,
presumivelmente para alcançar uma sequência narrativa mais consistente. Não
obstante, a sequência norm al do versículo é sem dúvida correta, fundamentada
em (1) apoio textual superior e (2) sequência levemente estranha, o que argumenta
por sua originalidade. O versículo 24 tam bém exibe variações textuais. Um nú-
mero superior de manuscritos apresenta a seguinte leitura: “quão difícil é, para
os que confiam nas riquezas, entrar no Reino de Deus!” A qualificação conquistada
pelas palavras adicionais, conform e observa M etzger ( TCGNl,\ p. 106), tornam
a afirmação de Jesus menos rigorosa e m enos categórica. Em bora o apoio dos
manuscritos para a leitura com mais qualificativos seja claramente superior, a
leitura mais longa é suspeita porque faz concessões a um a fala difícil de Jesus. A
leitura mais breve é preferível.
M a rc o s 10.26-27 394
40 Com pare com a versão de Fílon da fala de Moisés para os israelitas sem saída
diante do m ar Vermelho: “ ‘N ão desanimem’, disse Moisés, ‘a form a de defesa de
Deus não é a mesma que a dos homens. Por que vocês são rápidos em confiar no
razoável e plausível, e só nisso? Q uando D eus fornece ajuda, ele não precisa de
armamentos. É sua propriedade especial achar um caminho onde não há caminho.
O que é impossível para todos os seres criados é possível só para ele, pronto para
a mão dele’ ” (Moses 1.174 [LCL, no. 289]).
41 Veja a discussão sobre o vazio e plenitude cm Apocalipse de Tiago 1.4.5-22. Contudo,
enquanto o Apócrifo de Tiago aconselha escassez de razão e plenitude do Espírito,
Jesus prom ete toda-a-suficiência de D eus em face da insuficiência humana.
M a rc o s 10.28-30 396
42 “Pai” é omitido da lista (como em 3.35), mas talvez porque os discípulos não de-
vem ter nenhum pai, exceto Deus. Apocalipse de Tiago 4.25 inclui “povoados” nessa
lista, acrescentando, dessa forma, “sociedade” aos laços de parentesco e ocupação.
397 M a rc o s 10.31-32
A T E R C E I R A P R E D IÇ Ã O D A P A IX Ã O ( 10 . 32 - 34 )
Jesus, p ela terceira e ú ltim a vez (8.31; 9.31), p rediz sua m o rte e ressur-
reição. A p ó s as três lições so b re discipulado em 10.1-31, a terceira pred ição
da paixão, a m ais explícita das três, lem b ra os seguidores d e Jesu s que o
d iscipulado se re su m e sem p re e d errad e iram en te a seguir Jesu s, que vai para
Jerusalém para so fre r (10.33,34) e para “ d ar a sua vida em resgate p o r m u ito s”
(v. 45). O discipulado, p o r conseguinte, n ão só é caracterizad o p o r c o m p o r-
tam en to s identificáveis n o casam en to (w . 1-12), c o m as crianças (w . 13-16)
e co m as p o sses (vv. 17-31), m as, c o n fo rm e d e m o n s tra d o p o r B artim eu, p o r
ex p ressam en te “ seguifr] Jesu s pelo ca m in h o ” (v. 52). A centralidade de Jesus
é ainda en fatizad a p o r M arcos que, em c o n tra ste c o m a terceira p redição da
paixão registrada em M ateu s 20.17-19 e L ucas 18.31-34, m o stra que Jesus
“ia à fre n te ” (v. 32) p ara Jerusalém .
43 Mateus 19.30; 20.16; Lucas 13.30; Epístola de Barnabé 6.13; Evangelho de Tomé A.
M a rc o s 10.33-34 398
8 .3 1 9.31 10 .33,34
O S F IL H O S D E Z E B E D E U Q U E S E R V E M A S I M E S M O S E O
F IL H O D O H O M E M Q U E S A C R IF I C A A S I M E S M O ( 1 0 .3 5 4 5 )־
q u an d o Jesus, pela prim eira vez em M arcos, revela os efeitos vicários d e seu
autossacrifício p elo s ou tro s.
53 Hipólito (Refut. Om. Haer. 5.8.11-12), o pai da igreja do início do século III, cita
uma passagem que ele atribui ao Evangelho dos nazarenos, em que o “cálice” se refere
a Jesus indo para o Pai, com o em João 13.33.
54 “O cálice de Cristo”, em Martino de Policarpo 14.2, e “o cálice que o Senhor mistu-
rou”, em Martírio de Isaías 5.13, referem-se aos martírios iminentes de Policarpo
e Isaías respectivamente.
55 G. M acDonald, Unspoken Sermons, First Series, 1867.
405 M a rc o s 10.41-42
58 G. Schunack, “dokeõ”, E D N T \ M \ . .
59T. W M anson, The Teaching of Jesus: Studies in Its Form and Content (Cambridge:
Cambridge University Press, 1963), p. 313-15.
60 E possível recordar o Satanás dom inador de Milton: “ [...] cuja alta gloria / muitos
dos socios seus acima o eleva / entendedor do verdadeiro heroísmo, com orgulho
monárquico se expressa” [Paradise Lost, 2.427-29).
61 Sobre as variações textuais, veja Metzger, TCGNT, p.108.
407 M a rc o s 10.45
62D. Seeley, “Rulership and Service in Mark 10:41-45”, NovT 35 (1993), p. 234-
50. Seeley, no entanto, prossegue para argumentar que há um precedente para
tais idéias de governança e serviço em alguns filósofos greco-romanos, os quais
argumentam que a governança sábia consiste em servir seus súditos, e não em
tiranizá-los. E m bora isso seja verdade, não há evidência nos textos que Seeley cita
para a ideia de resgate vicário em favor de outros conform e Jesus apresenta no
versículo 45.
M a rc o s 10.45 408
U M D I S C Í P U L O M O D E L O (10 .4 6 -5 2 )
67J. Jeremias, New Testament Theology, vol. 1, trad. J. Bowden (London: SCM Press,
1971), p. 89-90.
68 Versículos 10,13,23,24,27,28,32,35,36,46,52.
411 M a rc o s 10.47
m u ltid ão ” que, m ais u m a vez (v. 32; 15.41) in d ica q u e seus seguidores exce-
d em os D o z e . N a saída d e Jerico, u m cego p e d in te ch am a Jesus. B artim eu,
seu n o m e aram aico, significa “ filho de T im e u ” , u m a trad u ção que M arcos
p o d e te r ac rescen tad o p ara o b en efício de seus leito res gentios.69 B artim eu,
um m en d ica n te cego, e stá “ sen tad o à b eira d o c a m in h o ” .70 E le, em outras
palavras, está m arginalizado o u excluído. A d iferen ça em sua p osição “ à beira
d o c a m in h o ” (gc.para tên hodoti) n o início d a h istó ria e “ p elo c a m in h o ” (gr. em
tf bodç) n o final d a histó ria significa a d iferen ça e n tre ser d e fo ra e p e rte n c e r
ao círculo ín tim o , u m o b se rv a d o r e u m discípulo.
69 B. M. F. van Iersel ej. Nuchelmans, “D e zoon vanTim eüs en den zoon von David.
Marcus 10,4652 ־gelezen door een grieks-romeinse bril”, Tijd. Theol. 35 (1995),
p. 107-24, propõe a intrigante, embora especulativa, tese de que “ filho de Timed'‘
remem ora o nome do principal personagem no mais bem conhecido diálogo
de Platão — Timeu-, e que o uso por Marcos do term o simboliza a conversão e
discipulado do m undo greco-rom ano para Jesus.
7(1A N V I segue a maioria dos manuscritos gregos na leitura, “ [Bartimeu] estava sen-
tado à beira do caminho pedindo esmolas” . A leitura de um grupo menor, mas de
mais peso, de manuscritos ( אB L Δ ^),prosaitès ekathêtopara tên hodon (“ [Bartimeu]
era um pedinte sentado à beira do caminho”), no entanto, é preferível não só por
causa do apoio de manuscritos, mas tam bém porque explica melhor a existência
de outras leituras. Veja Metzger, TCGNT, 108.
M a rc o s 10.48-52 412
48-50 A m u ltid ão (e n ã o Jesus), pela prim eira vez em M arcos, ten ta silen-
ciar alguém . C o n tu d o , o m o tiv o da m ultidão é b em d iferen te das injunções de
Jesu s p a ra o silenciar: Jesu s q u e r im p ed ir q u e as pessoas te n h a m confissões
p rem a tu ras e falsas, ao p asso q u e a m u ltid ão q u e r im p ed ir as pessoas de vi-
rem a Jesus (cf. 10.13). T odavia, n ada p o d e silenciar B artim eu; n a verdade, a
o p o sição só alim en ta a cham a de sua persistência. O R eino d o céu, foi dito,
n ão é p ara o s b em -in ten c io n a d o s, m as p ara os d esesperados. B artim eu está
d esesp erad o , e seu d ese sp e ro é a p o rta p ara a fé. E le grita ainda m ais alto:
“ F ilh o de D av i, te m m isericórdia de m im !” “Jesu s p a ro u [...].” O destino
d e B artim eu está ligado a essas palavras. O tex to original g reg o traz: “ E
Jesus p o sto u -se (p arad o )” . C o m o é notável q u e o F ilh o d o h o m e m p erm ita
q u e os g rito s de u m a p esso a p o b re e sem p o d e r o pare em sua jornada. Ele
fica ao lad o d e B artim eu d a m esm a fo rm a co m o ficou ao lado de E stêvão
(A t 7.56). B artim eu atira sua capa p ara o lado, fica d e p é e v em até Jesus. A
palavra “ cap a” é u m a trad u ç ão d o te rm o g re g o himation, o m a n to exterior
q u e os antigos usavam so b re u m a veste in te rn a sem elh ante a u m cam isão de
d o rm ir, ch a m a d o chiton. A m u ltid ão p o d e silenciar B artim eu, o pessoal da
cidade, co m relutância, p o d e lhe ce d er u m lugar p ara m endigar, m as u m a fé
co m o essa n ão fica sem reco m p en sa.
71 Para mais textos messiânicos, veja Isaías 11.1,10; Jeremias 23.5; 33.15; Sal-
mos 89.4,5; Salmos de Salomão 17.21-40; 4Esdras 12.32; lQ F lo r 1.11-13.
72 Sobre o título “Filho de Davi”, veja E. Lohse, “huios Dauid\ 7DÍVT8.482-92; O.
Hofius, “1st Jesus der Messias? Thesen” ,/A 7 7 8 (1993, Der Messias), p. 107.
413 M a rc o s 10.48-52
73VejaStr-B 2.25.
74 N o apócrifo, Atos de Pilatos, 6.4. Bartimeu, junto com outros que Jesus curou,
aparece com o uma testem unha pessoal para Jesus no julgamento diante de Pila-
tos! “E outro judeu se apressou para chegar na frente e disse: ‘Nasci cego; ouvi a
voz de um hom em , mas não vi sua face. E, quando Jesus passou, gritei bem alto:
Tenha misericórdia de mim, Filho de Davi. E ele se compadeceu de mim, pôs as mãos
sobre meus olhos e vi de imediato’ ” .
75 Veja H.-J. Eckstein, “Markus 10,4652 ־ais Schlüsseltext des Markusevangeliums” ,
Z/VIF87 (1996), p. 33-50, que vê 10.46-52 com o o centro teológico do evangelho
de Marcos. Apesar de acreditar que o centro teológico do evangelho não é essa
perícope, mas, sim, 15.33-39, a cura de Bartimeu é certamente a soma e o centro
de todos os desejos de Marcos para transmitir sobre a fé e o discipulado.
capítulo onze
O templo estéril
M A R C O S 11.1-2 6
JE SU S E N T R A E M JE R U SA L É M ( 1 1 .1 1 1 )־
1 A h istó ria co m eç a n a chegada a Jeru sa lém p elo leste. M arcos relata que
Jesu s e os discíp u lo s “ se aproxim aram de Jeru sa lém e chegaram a B etfagé
e B etânia” . A seq u ên cia d e no m es d e lugares deixa in trig ad o s os q u e estão
fam iliarizados c o m a estrada m o d e rn a de B etânia atravessando B etfagé para
Jeru sa lém , p o is h o je a o rd e m das cidades é o p o s ta àquela m en cio n a d a p o r
M arcos. A sequência d e M arcos d e Jeru sa lém — B etfagé — B etânia, n o en-
tan to , n ã o é p ro b lem á tica c o m o algum as vezes se su p õ e, p o is a antiga estrada
ro m a n a q u e Jesu s seguiu n ão segue o cu rso d a estrada m o d e rn a q u e fica a
n o rte d a an tig a estrada. A estrada ro m an a , a p a rtir de Jerico, segue a sudeste
ao lo n g o d o q u e hoje é o uádi U m m esh Shid e, d epo is, segue diretam en te até
o p ico d o m o n te das O liveiras, p ró x im o a B etfag é (“ casa do s figos verd es”).
N e ssa ro ta, o viajante passa en tre B aurim , im ed iatam en te a n o rte (2Sm 3.16;
16.5; 17.18; Josefa, Ant. 7.225) e B etân ia m ais a sul.3 U m a estrad a íngrem e
ia de B etfagé a B etânia, u m q u ilô m etro a sul n a região leste d o m o n te das
O liveiras. O o b jetiv o d e 11.1 é trazer Jesu s e os discípulos p ara o to p o d o
m o n te das O liveiras, d e o n d e os discípulos são d esp a ch ad o s p ara trazer um
ju m e n tin h o p a ra Jesu s e n tra r so b re ele em Jeru sa lém . M arcos m en cio n a
B etânia n o versículo 1 n ão p o rq u e estava n a estra d a d e Jerico p ara Jeru sa-
lém , m as a fim d e identificar o local o n d e Jesu s passaria as n oites en q u a n to
estivesse em Jeru sa lém (11.11). O sen tid o d o versículo 1, p o rta n to , é: “ E ,
n o ca m in h o p a ra Jeru salém , eles ch eg aram a B etfagé (próxim o d e Betânia)
n o m o n te das O liveiras” .
uma prom essa de que Jesus retornará logo com o animal (também M t 21.3). Veja
Metzger, TCGNT, p. 108-9.
5 Veja M. Hooker, The GospelAccording to St Mark, p. 258.
M arcôs 11.7-10 420
10 As tentativas de com parar a entrada dejesus em Jerusalém com a entrada dos reis
conquistadores (e.g., P. B. Duff, “T he March o f the Divine Warrior and the Ad-
vent o f the G reco-Rom an King: Mark’s A ccount o f Jesus’ E ntry into Jerusalem”,
JBL 111 [1992], p. 55-71) e com a tipologia de Zacarias 14 não são evidentes nem
convincentes com o supõem seus defensores. As similaridades da entrada dejesus
em jerusalém com as procissões de um guerreiro/governante param em um nível
superficial em que os cidadãos se reúnem para encontrar o guerreiro/governante
à porta e o escoltam até o interior da cidade com hinos de aclamação. N o caso
de Jesus, não há menção de sua vestimenta régia, nem séquito de escravos, nem
discurso feito p o r ele, nem festa na cidade nem sacrifício no templo aos deuses;
tudo isso tipifica as procissões oficiais do guerreiro/governante. Em contraste
com a entrada humilde de Jesus em Jerusalém, observe a pompa e panoplia da
procissão de Júlio César entrando em Roma quando se tornou ditador. Veja C.
Maier, Caesar, trad. D. M cLintock (London: Fontana Books, 1996), p. 442-47.
M a rc o s 11.11 422
O T E M P L O E S T É R I L (11.12 -2 5 )
14 B ertrand Russell, Why l Am Not a Christian, and OtherEssays on Religion and Related
Subjects (New York: Clarion Books, Simon and Schuster, 1957), p. 17-19.
15 “T he Cleansing o f the Temple”, BJRL 33 (1951), p. 279.
M a rc o s 11.12-14 424
com estível. N a prim avera, os paggim, é claro ainda n ã o são figos m aduros,
m as p o d e m ser co n su m id o s, e o são co m freq u ência pelos nativos (O s 9.10;
C t 2.13). A á rv o re n o versículo 13, n o en tan to , é e n g a n ad o ra p o r causa de
sua folhagem verde, m as Jesus, q u a n d o a in sp ecion a, n ão e n c o n tra n en h u m
paggitr, é u m a árv o re co m sinais d o fru to , m as sem fru to .1617
A p a rte m ais in trig an te dessa breve n arrativa d o am aldiçoar a figueira
é o final d o versículo 11.13, “ p o rq u e n ão era te m p o d e figos” . E ssa frase é
c o m p re en d id a em g eral c o m o u m ad e n d o p ara ex o n erar a árv o re p o r não
p ro d u z ir fru to s, u m a vez q u e ainda n ã o era a estação d o fruto. E ssa frase,
se en ten d id a dessa fo rm a , to rn a a m aldição d e Jesu s u m a atitu d e vingativa e
irracional, c o n fo rm e d ed u z iu B ertra n d Russell. C o n tu d o , essa n ão é a m elh o r
fo rm a n em a ú n ica d e e n te n d e r a frase. E m e lh o r sim p lesm en te distinguir
en tre figos m a d u ro s (gr. syke; heb. te’enim) e os p rim eiro s figos o u figos verdes
(heb .paggim). O fim d o versículo 13 p o d e ser p arafraseado desta form a: “N ã o
era, claro, a é p o c a d e figos, m as d o s paggirrí'}*־
M arcos, ao n a rra r o episódio d e Jesus e da figueira, explora seu sen tid o sim-
bólico, v en d o n a m aldição d a figueira o d estin o d e Jeru salém e d o tem plo. O s
p ro fetas usavam c o m frequência a figueira c o m o u m sím b o lo de julgam ento
(Is 3 4 .4 ;Jr 29.17; O s 2.12; 9.10;J11.7; M q 7.1). Jerem ias, na p u n g en te denúncia
d e Ju d á, diz: “ M as n ã o h á [...] figos n a figueira; as folhas estão secas” (8.13).
Jesus, d e ac o rd o c o m L ucas (1 3 .6 9 )־, c o n to u d e fato u m a paráb o la c o m a
m esm a im ag em e ap resen tan d o o m esm o p o n to . Jesus, c o m o os p ro fetas que
às vezes dram atizav am u m a m en sag em p a rtic u la rm en te v ig o ro sa e sensível
c o m u m a ação (Is 2 0 .1 -6 ;Jr 1 3 . 1 1 3 ־11 ; 19.1 ; ־E z 4 .1 1 3 ) ־, dram atiza o fim do
tem plo p o r m eio d e u m a p aráb o la interpretada. A figueira cheia de folhas, com
to d a sua p ro m e ssa d e fru to s, é tão en g a n ad o ra q u a n to o tem p lo que, apesar
de seu co m ércio e atividade religiosos, é d e fato u m covil d e ladrões (v. 17).
A m aldição da figueira é u m sím b o lo d o ju lg am en to d o tem p lo p o r D e u s.18
16Veja Telford, TheBarren Temple andtheWithered Tree, p. 28; C.-H. Hunzinger, “syk<?\
7DAT7.751-57; Str-B 1.85657 ;־F. F. Bruce, TheNew TestamentDocuments:Are They
Reliable? (Downers Grove: InterVarsity Press, 1973), p. 73-74; J. C. Trevor, “ Fig
Tree” , IDB 2.267.
17Veja, também, G. Dalm an, Arbeit und Sitte in Palàstina, Band 1 /2 (Hildesheim:
G eorg Olms Verlagsbuchhandlung, 1964), p. 378-81.
18Veja o material reunido em Telford, Barren Temple and Withered Tree, p. 132-37, e
sua conclusão: “Já se com entou o bastante sobre o uso da figueira em imagem
e símbolo para justificar a conclusão de que os leitores de Marcos, impregnados
425 M a rc o s 11.15-16
21 O conhecim ento do tem plo de Herodes depende de três fontes antigas, Josefo
(Ant. 15.391-425), a Mishná (m. Middot) e o Pergaminho do Templo (11 QT) nos Ma-
nuscritos do Mar Morto. Para as reconstruções mais abrangentes do templo de
Herodes, vejaj. Patrich, “Reconstructing the Magnificent Temple Herod Built”,
BRev4 /5 (outubro de 1988), ρ. 16-29; e Kathleen e Leen Ritmeyer, “Reconstruc-
ting H erod’s Temple M ount in Jerusalem”, BARev 15/6 (novembro-dezembro
de 1989), p. 23-42.
22J. Marcus, The Way of theLord ChristologicalExegesis of the Old Testamentin the Gospelof
Mark (Edinburgh: T. & T. Clark, 1992), p. 11, vê uma conexão entre Marcos 11.1-
18 e Josefo, Guerra 4.574-78, em que Simão entrou em Jerusalém durante a revolta
judaica de 66-70 d.C. e atacou as forças de João de Giscala e dos zelotes no templo.
E m meu julgamento, a correspondência entre Josefo e Marcos nesse ponto é de
natureza bastante geral e certam ente coincidente, e não intencional.
427 M a rc o s 11.17-19
23 As tentativas de apoiar essa interpretação com base em m. Ber. 9.5 e Josefo, Contra
Apião 2.106, são forçadas. A última passagem não é sobre fazer um desvio através
do Pátio dos G entios, mas de proibir que itens fossem adicionados àqueles
estipulados pela Torá — o altar, a mesa e candelabro. D a mesma forma, a proibição
em m. Ber. 9.5 de trazer cajado, sandálias, carteiras ou pó nos pés para o templo
diz respeito à profanação do lugar santo, não ao seu uso como via pública.
24 Contra C. Roth, “T he Cleansing o f the Temple and Zechariah xiv 21”, NovT 4
(1960), p. 177-78.
25 W R. Telford, Barren Temple and the Withered Tree, p. 93.
M a rc o s 11.17-19 428
jeito plural no versículo 15a e com o verbo no versículo seguinte. N enhum a das
leituras, no entanto, é mais difícil que a outra. Com base na evidência manuscrita
superior, a leitura no plural é preferível.
31 O fato de B. Mack, Λ Myth of Innocence: Mark and Christian Origins (Philadelphia:
Fortress Press, 1991), p. 292, e D. Seeley, “Jesus’ Temple A ct”, CBQ 55 (1993), p.
263-83 descartarem a purificação do templo com o uma mera ficção de Marcos
é desconcertante e sem fundamento. Mack sustenta que esse ato não poderia ser
histórico porque não há nenhum a evidencia de uma atitude contra o templo em
431 M a rc o s 11.22-25
receberam , e assim sucederá” .36 E ssa expressão reflete o p en sam en to sem ítico
em que a certeza d e u m ato futuro, fu n d a m e n tad o n a confiabilidade de D eus,
p o d e ser referid o n o te m p o verbal passado. T a n to a fé q u an to a oração têm
d e estar em co n tin u id ad e co m o caráter d e D e u s e em c o n fo rm id a d e co m sua
von tad e. A in stru çã o final n o versículo 25 é s o b re o p erd ão d os pecados, o
asp ecto d a fé q u e é u m exem plo p erfeito d a n a tu re za de D eus. A referência
ao ficar em p é n a oração reflete a p o stu ra d e o ra ção co stu m eira n o judaísm o.
O versículo 25 é u m eco in co n fu n d ív el d a p etiçã o d e p erd ão n o Pai N o sso
(O ração d o S en h o r), e su a in terp re taçã o ap re se n tad a lo g o a seguir (veja M t
6.12,14).37 O versículo 26 está au sen te d a trad ição m anuscrita m ais antiga e
m ais im p o rta n te e n ão fazia p a rte d o tex to original d e M arcos. Sua aparição
n a tradição m an u scrita tard ia é m ais b e m explicada co m o u m a inserção p o r
copistas em im itação de M ateus 6.15.38
36 O tem po verbal aoristo no grego elabete (“já o receberam”) ecoa um perfeito pro-
fético no uso semítico, ou seja, um evento futuro que é tão garantido que pode ser
mencionado como algo já completado. A ousadia da expressão, que reivindica forte
apoio manuscrito ( אB C K L W X Δ Π Ψ) foi subsequentemente alterado para
o presente lámbemete (“o estão recebendo” ; A K X Π) ou para o futuro lèmpsesthe
(“ o receberão” ; D Π). Veja Metzger, TCGNT, p. 109-10.
37 A tradição da qual Marcos se utiliza, nesse ponto pelo menos, era familiar à tradição
conhecida por Q.
38 Veja Metzger, TCGNT, 110.
capítulo doze
Jesus e o Sinéãrio
M A R C O S 1 1 .2 7 — 12 .4 4
A A U T O R ID A D E D O F IL H O (11.2 7 -3 3 )
4 A “uma palavra” (hena logon, v. 29) parece corresponder ao “um Filho” {hena buion,
12.6) na história seguinte.
5 “Todas as ações e palavras [de Jesus] são conectadas com João Batista e retroce-
dem ao Espírito de D eus que desceu sobre ele após aceitar o batismo pelas mãos
de João Batista. Jesus tem o direito de agir da form a com o faz por causa do que
a voz do céu lhe disse. Ele, mais que as autoridades, sente-se em casa no templo,
pois Deus o chamou de seu Filho am ado” (B. M. F. van Iersel, Reading Mark
[Edinburgh: T. and Τ. Clark, 1989], ρ. 148).
439 M a rc o s 11.31-33
8 Os três manuscritos gregos im portantes trazem que “ todos sabiam que João era
realmente um profeta” (fdeisan; D W Θ), mas a expressão mais idiomática eichon
(“consideravam”) afirma ter apoio manuscrito superior.
9 K. Huber, “Z ur Frage nach christologischen Im plikadonen in den Jerusalemer
Streitgesprâchen’ bei Markus”, SNT(SU) 21 (1996), p. 13: “E m meu julgamento,
com referência a João Batista, Jesus afirma seu conteúdo para si mesmo, e isso
significa indiretamente que, em sua pessoa, o anunciado “hom em forte” se torna
realidade, ou seja, que ele mesmo é essa figura messiânica”.
441 M a rc o s 11.31-33
O E N V IO D O F IL H O (12 .1-12 )
Isso se assem elha a um rei que tinha um cam po que arrendou para os
lavradores. E stes se apropriaram da terra co m o se fosse sua e roubaram .
Por isso o rei tom ou a terra deles e a deu a seus filhos que se com portaram
de form a ainda pior. O rei, quando teve um filho, disse aos arrendatários:
“Vocês têm de deixar m inha propriedade, já não p odem mais ficar aqui;
devolvam -m e a parte que m e é devida” (Sifre D t 32.9).13
d e je s u s . In d e p e n d e n te m e n te d o se n tim e n to p o p u la r so b re o p ro p rietário de
te rra au se n te n a é p o c a d e je s u s , são os lavradores q u e se rebelam desafiado-
ra m e n te c o n tra u m p ro p rie tá rio justo. Isso co m c erteza tem de ser en ten d id o
c o m o o ju lg am en to d o S inédrio e d a lid eran ça judaica p o r p a rte d e je s u s p o r
confiscarem as coisas d e D eus.
18 N a lei judaica, o filho tem direitos legais negados ao escravo. Veja, J. D. M. Derretí,
“Fresh Light on the Parable o f the Wicked W inedressers”, RIDA 10 (1963), p. 31,
que escreve que em disputas adjudicadoras com lavradores, “ ‘protestos’ formais
tinham de ser feitos diante de testemunhas, alertando os lavradores de que uma
ação legal começaria contra eles. O s escravos, todavia, não podiam fazer esse
protesto nem, tampouco, podiam indmar testemunhas — uma séria desvantagem,
por conseguinte, estava envolvida nesse caso. N essa época, já se tornara possível
defender a causa de alguém por intermédio de um agente — o indivíduo precisava
de fato transferir seus direitos para o ‘representante’. O filho, portanto, tinha de
ser enviado” .
19 O utra alusão à vinha de Isaías fica evidente aqui. A LXX, após a vinha se tornar
infrutífera, faz uma pergunta retórica: “Q ue mais se poderia fazer por ela que eu
não tenha feito?” (Is 5.4). Jesus responde a essa parábola: Deus enviará seu Filho!
20 O relato dessa parábola em Pastor de Hermenêuticas altera muitíssimo os papéis
do filho do proprietário e do servo (apenas um). O servo que recebe a vinha do
proprietário não se rebela contra este, mas trabalha o campo com fidelidade e
afinco, de tal forma que o proprietário, quando retorna, torna o servo virtuoso seu
M a rc o s 12.7-8 446
co-herdeiro da vinha junto com o filho (Herm. Sim. 5.2.1-8). O Pastor de Hermas,
por conseguinte, esvazia a parábola de sua ênfase cristológica e cria uma moral
da justificação pelas obras.
21 Veja J. D. Kingsbury, The Christology of Mark’s Gospel (Philadelphia: Fortress Press,
1989),p. 114-18.W. Bousset, Kyrios Christos:A History of theBelief in Christfrom the
Beginnings of Christianity to Irenaeus, trad. J. Steely (New York e Nashville: Abing-
don Press, 1970), p. 80, nega que o versículo 6 seja uma autodesignação de Jesus,
m antendo que “Jesus, em nenhum a outra de suas parábolas, em purra sua própria
pessoa para o prim eiro plano da form a aqui” . Essa generalização abrangente de
Bousset é indefensável. Observam os ao longo deste com entário que Jesus põe
intencionalmente sua pessoa no primeiro plano (veja A autoridade de Jesus,
Introdução 6.1). N ão há nenhum a razão pela qual não faz isso em uma parábola
cuja intenção é descrever seu papel na história de Israel. “Se Jesus falou de Deus
com o seu Pai, conform e a evidência de suas orações estabelecem de form a de-
cisiva, é difícil ver por que ele não podería dar um passo a mais para se referir a
si mesm o com o Filho” (I. H. Marshall, “T he Divine Sonship o f Jesus,” Int 21
[196η, p. 93).
22 Alguns intérpretes argumentam que os lavradores, na ausência do proprietário,
podem , de acordo com a usucapião, esperar adquirir a propriedade por tem po
de arrendamento. D e acordo com m. B. Bat. 3.3, no entanto, “arrendatários e
guardiões não podem assegurar o título da terra p o r usucapião” .
447 M a rc o s 12.9-11
23 O versículo paralelo em Mateus 21.39 altera essa parte da parábola desta forma:
“Assim eles o agarraram, lançaram-no para fora da vinha e o mataram” . A sequên-
cia de eventos em Mateus corresponde mais claramente aos eventos da paixão,
ou seja, Jesus foi preso, levado para fora de Jerusalém e crucificado (também Jo
19.17; H b 13.12). A alteração de Mateus argumenta mais um a vez pela prioridade
marcana, pois é mais fácil explicar por que Mateus pode ter alterado a sequência
de Marcos a fim de corresponder à sequência histórica da paixão que explica por
que Marcos corrom pería uma alusão histórica em Mateus. E possível (embora
não muito provável, em meu entendimento) que a diferença na sequência reflita
a com preensão do evangelista daqueles responsáveis pela m orte de Jesus: para
M arcos,Jesus é m orto na vinha e depois jogado para fora, isto é, rejeitado e morto
pelos judeus; ao passo que, para Mateus e Lucas, Jesus é jogado para fora e morto,
ou seja, rejeitado pelos judeus, mas m orto pelos romanos. A sequência incomum
de Marcos, de qualquer forma, argumenta p o r sua fonte em Jesus, e não na igreja
primitiva, de quem se esperaria uma sequência similar à de Mateus e Lucas no
versículo 8.
24Mateus 21.41 põe essa afirmação na boca dos ouvintes. N a versão de Marcos
dessa parábola, no entanto, essa não é uma conclusão dos ouvintes, mas um
pronunciam ento de Jesus, o que a investe de maior autoridade.
25 A ideia de a “vinha” passar para os gentios, aparentemente, não era apenas um
conceito cristão. Uma carta interessante do século II, por Mara bar Serapião para
seu filho, usa a m orte de Jesus com o um exemplo da justiça prevalecendo sobre a
M a rc o s 12.9-11 448
O T E S T E D O S F A R I S E U S ( 1 2 . 1 3 1 7 )־
28 Para uma discussão das palavras emprestadas do latim em Marcos, veja V. Taylor,
The GospelAccording to St. Mark, ρ. 45.
29 Ε. Ρ. Sanders, TheHistoricalFigure ofJesus (London: Allen Lane, The Penguin Press,
1993), p.252.
30Josefo, War 2.117; Ant. 18.1-10. Judas, o galileu, com o resultado dessa taxação,
fundou uma causa rebelde que cresceu no m ovimento dos zelotes. Em 66 d.C., os
zelotes lançaram a nação em uma revolta contra Roma, resultando na aniquilação
tão dos rebeldes quanto da nação.
M a rc o s 12.15-17 452
31 Egerton Papyrus 2 preserva um a versão fragmentária dessa perícope até esse ponto.
N o entanto, esse papiro conclui a perícope com Jesus citando Isaías 29.13, em vez
de a concluir com o pedido e a fala sobre a moeda.
32 The Theological Declaration of Barmen, art. 5.
453 M a rc o s 12.15-17
O T E S T E D O S S A D U C E U S (12 .18 -2 7 )
33 O Evangelho de Tomé (100) preserva essa fala desta forma: “Eles mostraram a Je-
sus um a (moeda) de ouro e lhe disseram: “ Os agentes de César exigem que lhe
paguemos um im posto” . Ele lhes disse: “D eem a César o que pertence a César;
deem a Deus o que pertence a Deus; e deem a mim o que é meu”. Essa versão,
de m odo explícito, faz uma diferença entre D eus e Jesus, ao passo que a versão
de Marcos não faz essa diferenciação.
M a rc o s 12.18 454
39 Str-B 1.885-97. Para mais sobre o assunto, veja S. B. Frost, “T he Memorial o f the
Childless Man”, 7»/26 (1972), p. 437-50.
40 A condição textual do início do versículo 23 é muitíssimo incerta. A leitura da
N V I (“N a ressurreição, de quem ela será esposa [...]?”) reflete os testemunhos
dos melhores manuscritos ( Κ Β Ο Β Δ Ψ ι ε Ο Ο Ψ com a adição de “visto que”).
O utros testemunhos, no entanto, trazem: “N a ressurreição, quando quer que sejam
ressuscitados, de quem ela será esposa [...]” ; A K Π Θ). A leitura mais longa, apesar
do apoio do manuscrito mais frágil, fundamenta-se no fato de que (1) ele está de
acordo com o estilo de Marcos (cf. 13.19); (2) a frase quando querque sejam ressusci-
tados não é necessária e, por conseguinte, não seria acrescentada por um escriba;
e (3) sua omissão por copistas pode ser explicada com o um esforço para eliminar
a redundância. Veja Metzger, TCGNT, p. 110-11.
457 M a rc o s 12.24-25
O T E S T E D O S M E S T R E S D A L E I (1 2 .2 8 -3 4 )
(gr. entolê, fem inino). O sen tid o d a p erg u n ta , p o r con seguinte, n ão é qual é o
m a n d am e n to m ais im p o rta n te , m as antes qual m a n d a m e n to su p era tudo e se
aplica a to d a a h u m an id ad e — in clu in d o os g entios.44
O s m estres d a lei se p re o cu p av a m c o m a expo sição ap ro p riad a d a lei e
g an h a ram a re p u tação c o m o especialistas n a in terp re tação d esta (veja ainda
so b re o s m estres d a lei em 1.22). A tradição rabínica c o n to u 613 m anda-
m en to s n a T orá, 365 p ro ib içõ e s e 248 m an d am e n to s positivos. Q u a n to aos
m an dam en to s, os rabis diferenciavam entre o que cham avam de m andam entos
“ pesad o s” e “leves” . E sses últim os faziam m en o s exigências q u an to à vontade
o u p o sses d o indivíduo, ao p asso q u e os m an d am e n to s pesad o s o u de peso
diziam re sp eito ao s asp e cto s essenciais e inflexíveis. O s m an d am e n to s de
p eso eram co n sid erad o s ex trem am en te sérios e, q u a n d o q u eb rad o s, exigiam
as p enas m ais severas. Jesus, q u an d o fala so b re “ u m desses m an d am en to s,
ainda q u e d o s m e n o re s ” (M t 5.19), o b serv a a d istin ção en tre m an d am e n to s
p esa d o s e leves. N ã o era in co m u m p ed ir aos m estres c o m rep u tação , co m o
o m estre d a lei o faz nessa ocasião, p ara declarar o q u e achavam so b re os
m a n d a m e n to s m aiores, o u seja, para resu m ir a T o rá em p o u ca s palavras. A
M ish n á e o T alm u d e p re serv am u m a série d e re sp o stas d e rabis fam osos
p ara essas perg u n tas. O rabi Hillel, v in te an o s an tes de Jesus, resu m iu a T orá
em u m a versão negativa d a regra d e ouro: “N ã o faça ao p ró x im o o que você
n ão g o staria q u e fosse feito a você. Isso é a to talid ade da T orá, tu d o o m ais é
in terp re ta ç ã o ” . E m 135 d.C., u m século d ep o is d e Jesus, o rabi A kiba reduziu
a T o rá a L evítico 19.18: “ am e cada u m o seu p ró x im o c o m o a si m e sm o ” . U m
rabi, u m século d ep o is d e A kiba, cito u P ro v érb io s 3.6 c o m o o ce rn e d a lei:
“ reco n h eç a o S e n h o r em to d o s os seus cam inhos, e ele endireitará as suas
veredas” . M ais tard e ainda, em 260 d.C., o rabi Simlai cito u H ab acu q u e 2.4:
“ o ju sto viverá p o r su a fidelidade” .45
50 E m uito bem atestado que a igreja primitiva aprendeu o resumo da lei feito por
Jesus (Mt 25.31-46; Rm 13.8-10; G15.14;T g 2.8; 2Clem. 3.4; Did. 1.2; 2.7; Evangelho
de Tomé 25). Sobre o resumo da lei apresentado por Jesus, veja Grundm ann, Das
Evangelium nach Markus, p. 338.
M a rc o s 12.34 464
A Q U E S T Ã O D O D I A ( 1 2 . 3 5 3 7 )־
A S D U A S M O E D IN H A S D A V I Ú V A (12 .3 8 -4 4 )
38-41 Jesu s está m ais u m a vez en sin an d o n o tem plo. E le o b serv a dois
tip o s d e pessoas: u m g ru p o é o dos m estres d a lei, im p erio so s e p o m p o so s;
o o u tro é “ u m a p o b re viúva” , p ara trad u z ir literalm en te o g re g o de 12.44.
M arco s registra ap en as u m frag m en to d a o p o siç ã o d e Jesu s (e da igreja
prim itiva) aos m estres d a lei (veja trata m e n to s m ais co m p leto s em M t 23;
A t 7.51-53). A b re v e exp o sição d e M arcos, n o en tan to , revela a p ro p e n sã o
d os m estres d a lei p ara a p re te n sã o e até m esm o a cobiça. O s m estres da lei
(veja em 1.22) exigiam au to rid ad e sem rivalidade na Palestina d o século I.
A s “ ro u p a s especiais” o u “vestes co m p rid a s” (ARC) deles eram xales com -
p rid o s d e o ração co m franjas nas q u atro extrem idades, em co n tra ste co m
as vestes coloridas e co m u n s usadas p elo povo. E sses m an to s sim ilares a
u m c o b e rto r, feitos de lã o u linho, co n h e cid o s c o m o tallits, caracterizavam
o s rabis e estu d io so s c o m o h o m e n s de riqueza e em inência. “ O c u p a r os
lugares m ais im p o rta n te s nas sinagogas” refere-se aos b an co s ao lon g o das
paredes d a sinagoga e, em especial, o estra d o n a p a rte da fren te d a sinagoga
q u e ficava defronte d a co n g reg ação sen tad a n o p iso o u n o m eio d a sinagoga.
E sses “p rim eiro s a ssen to s” , c o n fo rm e d en o m in a d o s n a língua grega, eram
reserv ad o s p ara os m estres o u pessoas em in en tes, se n d o o m e lh o r lugar para
se dirigir à congregação. Q u a n d o u m m estre d a lei cam inhava pela ru a ou
passava p elo m ercad o , esperava-se q u e to d o s (com exceção d o s trabalhado-
res) se levantassem p ara ele. Tal p o sição e privilégio alim entavam o desejo
de im p ressio n ar, “ d e re ceb e r saudações n a praça e de o c u p a r [...] os lugares
d e h o n ra n o s b a n q u e te s” .
D e q u e m an eira, p o rta n to , os m estres d a lei “ d ev o ram as casas das
viúvas” ?62Jo se fo (Ant. 18.81 -84) c o n ta a história d e u m canalha judeu exilado
condena essa piedade fingida: “ [...] o hom em que abraça a religião pelo mundo
dispensa a religião pelo m undo” (John Bunyan, O peregrino [São Paulo: Editora
M undo Cristão, 2006], p. 137-154).
64 Há dois m anuscritos (W Θ), em m eio à abundância de pequenas variações tex-
tuais relacionadas a Jesus sentado em frente das caixas de ofertas do templo,
apresentam -no “depé em frente das caixas de ofertas do templo”, evidentemente
para enfatizar a reverência de sua posição, de acordo com o costume judeu de
ficar de pé para orar. A evidência textual para sentado é muito superior.
65 Sobre a arca do tesouro do templo, veja Schürer, History of theJewish People, 2.219-
87.
M a rc o s 12.42-44 472
66 Taxas pagas com sido novo, taxas pagas com siclo antigo, ofertas de aves, aves
jovens para as ofertas queimadas, madeira, incenso, ouro para o propiciatorio e
as outras seis eram para ofertas de livre e espontânea vontade (m. Sheq. 6.5). Sobre
o propósito particular de cada oferta, veja Str-B 2.38-40.
67 Um denário correspondia ao salário padrão p o r um dia de trabalho (Mt 20.8-10);
um lépton correspondia a 1 /6 4 avos de um denário.
68 Para uma discussão sobre as ofertas do templo, veja Str-B 2.37-46. Alguns dos
comentaristas sugerem que a oferta da viúva era originalmente uma parábola
de Jesus, seguindo Lev. Rah. 3.5: “Uma mulher trouxe certa vez um punhado de
farinha para uma oferta. O sacerdote rejeitou a oferta e disse: O lh em o que essa
mulher traz! C om o tal oferta pode se qualificar com o um sacrifício ou prover ao
sacerdote o suficiente para viver?’ Então, o sacerdote foi alertado em um sonho:
‘N ão a despreze, pois ela é com o um a pessoa que sacrificou a vida toda’ ” (citado
em Str-B 2.46). N ão obstante a similaridade, não há outra evidência de que a oferta
da viúva foi originalmente uma parábola.
473 M a rc o s 12.42-44
69 Sobre o contraste entre os mestres da lei e a viúva, veja G. Smith, “A Closer Look
at the W idow’s Offering: Mark 12:41 -44”, JETS 40 (1997), p. 30-31.
70 Com pare com a fala do rabi Jonathan: “Aquele que cumpre a lei na pobreza a
cumprirá por fim na riqueza; e aquele que negligencia a lei na riqueza a negligen-
ciará por fim na pobreza” (m. Avot 4.9).
71 Veja Hooker, The GospelAccording to Saint Mark, p. 296.
M a rc o s 12.42-44 474
72 Exemplos podem ser encontrados tanto no judaísmo (veja a nota 71 acima) quanto
no helenismo louvando a piedade do pobre mais que a do rico. Eurípedes escreve:
“Vejo com frequência que as pessoas pobres são mais sábias que as ricas e, com
as próprias mãos, oferecem pequenas dádivas aos deuses e [é possível ver nelas]
mais piedade que naquelas que trazem o sacrifício de um boi” (Danae Fragment,
329; citado em HCNT, p. 178). Para outros exemplos, veja E. Klosterm ann, Das
Markusevangelium, p. 130).
capítulo treze
5 Veja M. Hooker, The Gospel According to Saint Mark, ρ. 298-99; W. G rundm ann,
Das Evangelium nach Markus, ρ. 349; C. E. B. Cranfield, The GospelAccording to St
Mark, p. 388; L. Morris, Apocalyptic (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), p. 74-77;
L. G aston, No Stone onAnother: Studies in the Significance of the Fall of Jerusalem in the
Synoptic Gospels (Leiden: E. J. Brill, 1970), p. 50ss.
M a rc o s 13.1-2 478
A D E S T R U IÇ Ã O D O T E M P L O (13 .1,2 )
“ Q u a n d o ele [Jesus] estava sain d o d o tem plo.” E ssa é m ais que u m a m era
descrição física. A n tes, sim boliza a ru p tu ra final e definitiva d e Jesu s c o m o
tem plo. E le p rev iu três vezes súa m o rte nas m ão s d os líderes g en tio s e judeus
(8.31; 9.31; 10.33,34); ele c o n tra o rd e n o u a au to rid ad e d o S inédrio (11.27-
6 Para uma discussão sobre a dupla alternação entre o futuro imediato e o derradeiro
em Marcos 13, veja P. Müller, “Zeitvorstellungen in Markus 13”, NovT40 (1998),
p. 216-21. Müller, no entanto, não faz referência à distinção entre “essas coisas”
e “aqueles dias”.
479 M a rc o s 13.1-2
P E R M A N E C E N D O F IR M E A P E S A R D A S E N F E R M I D A D E S
( 1 3 .3 ־1 3 )
A prim eira ad m o esta ção diz re sp eito aos falsos M essias e aos d esastres polí-
ticos e naturais (w . 5-8); a seg u n d a diz resp eito às perseguições d o s cristãos,
co m particu la r ên fase n o fa to d e q u e “ serão en tre g u es” (gr. paradidomi), um a
palavra q u e tem d u p la co n o taç ão , a d e “ traiç ão ” e o “ ser en treg u e p ara os
p ro p ó sito s d e D e u s ” . Jesus, nessas duas adm oestações, alerta q u e os “ sina[is]”
não p ressagiam o fim!
17Tácito começa sua obra Histórias em 68 d.C. com este prólogo: “A história na qual
adentro é aquela de um período rico em desastres, terrível em batalhas, dilacerado
pelas lutas civis, horrível até na paz. Quatro imperadores caíram pela espada; houve
três guerras civis, mais guerras estrangeiras e, com frequência, as duas ao mesmo
tempo. Houve sucesso no Leste [referindo-se à vitória de Vespassiano-Tito na
Judeia], e infortúnio no Oeste. A província de Ilírico foi perturbada, as provín-
cias gaulesas oscilaram, a Britânia foi conquistada e logo perdida. Os sármatas e
os suevos se levantaram contra nós, [...] até os partas quase pegaram em armas
po r causa da fraude de um pretenso Nero. Além disso, a Itália foi assolada por
desastres jamais vistos ou pelo retorno após o lapso das eras. As cidades costeiras
m uito férteis de Campania foram engolidas ou sobrepujadas; Roma foi desolada
po r conflagrações nas quais seus mais antigos santuários foram consumidos e o
próprio Capitólio incendiado pelas mãos dos cidadãos. Os ritos sagrados foram
profanados; houve adultérios nos altos. O m ar se encheu com exilados, e suas
escarpas ficaram imundas com os corpos dos mortos. Em Roma, houve mais
crueldade brutal. [...] Os inform antes não eram m enos odiosos que seus crimes;
pois alguns ganharam sacerdócios e consultorias com o espólios; outros obtiveram
posições com o agentes imperiais e exerceram influência secreta no tribunal, o
caos e os tumultos imperavam em todos os lugares, inspirando ódio e terror. Os
escravos foram corrom pidos contra seus senhores; os hom ens livres, contra seus
patrões; e os que não tinham inimigos foram esmagados pelos amigos” (Hist. 1.2
[LCL]). Para uma discussão das várias guerras e levantes nas décadas de 40 e 50
do século I, veja N. H. Taylor, “Palestinian Christianity and the Caligula Crisis,
Part II: T he M arkan Eschatological D iscourse”, JSN T 62 (1996), p. 27-29.
18 A N V I traz “fom es” no versículo 8, mas um núm ero impressionante de manus-
critos e uma grande diversidade deles trazem “ fomes e tribulaçõe(ACF) (limoi kai
tarachai;A K X Θ Δ Π Σ W). Em bora seja possível que o acréscimo de “etribulaçõe^
se deva à tendência dos escribas de acrescentar palavras, e não deletá-las (veja B.
Metzger, TCGNT, p. 112), parece igualmente, se não mais, provável que tarachai
tenha sido om itido porque suas letras finais se assemelham muitíssimo às de archè
(“princípio”), palavra que vem logo a seguir. Além disso, o term o “ fomes” é pre-
cedido por três conjuntos de duplas no versículo 8, o que sugere que o conjunto
M a rc o s 13.9-10 486
final tam bém pudesse ser uma dupla mnemónica, “ fomes e tribulações” . Para um
paralelo muito próximo ao versículo 8, veja 4Esdras 13.31.
19 A palavra grega original é “sanhedrins” que, no plural, refere-se aos concilios ou
cortes judaicas locais, e não o G rande Sinedrio em Jerusalém (■ ״Sanh. 1:6).
487 M a rc o s 13.11-13
A T R I B U L A Ç Ã O (13 .1 4 -1 8 )
22 A presença dessa única frase em Daniel é uma das várias razões por que muitos
estudiosos acreditam que Daniel foi com posto na época da Revolta Macabeia e
que sua narrativa da invasão de Jerusalém p o r N abucodonosor três séculos antes
M a rc o s 13.14-18 490
sacrilégio terrível, difere e m dois asp ecto s relevantes d e 13.14-17. O prim ei-
ro, o s judeus, d u ra n te o d esastre causado p o r Caligula, n ão fugiram “p ara
os m o n te s ” (v. 14), m as, antes, “ap resen taram a si m esm o s, a suas esposas e
filhos p ara o m assacre” (Josefo, Guerra 2.197). O c o m p o rta m e n to deles, em
o u tra s palavras, foi o o p o s to d o p re scrito n o s versículos 14-16. O segundo,
e m ais im p o rta n te , as estátuas de Caligula jam ais fo ram erigidas — graças à
recusa d e P etrô n io , o g en eral n o c o m a n d o das o p eraçõ es, e ao assassinato
su b seq u e n te d e Caligula. E n tã o n ão havia n ecessidad e d e fugir d e Jeru salém
o que, c o n fo rm e o b serv am o s, eles se recu saram a fazer. A crise Caligula, p o r
con segu in te, falha em vários asp ecto s im p o rta n te s em fazer u m paralelo com
os versículos 14-17.
A seg u n d a possibilidade é co n sid erar 13.14 c u m p rid o n a d estru ição do
tem p lo p o r T ito. E ssa é a explicação m ais c o m u m desse texto. E ssa co rres-
p o n d ê n c ia , já n a trad ição sinótica, é feita p o r M ateus 24.15 q u e identifica
ex p ressam en te n ão só “o sacrilégio terrível” c o m o p ro v en ien te d o “ p ro feta
D a n ie l” , m as ta m b ém o fato de estar “ n o L u g ar S an to ” . Lucas 21.20 e 19.43,
d a m e sm a fo rm a , d escreve os exércitos e o cerco de Jerusalém . A referência
ao estar “ n o L u g ar S an to ” em M ateus 24.15 p o d ería ser u m a referên cia à
en tra d a d e T ito n o tem p lo em se te m b ro de 70 d.C. (Josefo, Guerra 6.260); e
as referências d e L ucas d escrev em co m clareza o àrcumvallatio, o p erím e tro
d e defesa erg u id o p ela D é cim a L egião R om ana, so b o c o m a n d o de T ito n o
ce rco d e Jeru sa lém , d esc rito d e fo rm a inesquecível p o r Jo se fo em Aguerra
dosjudeus? A lusões ao ce rco d e T ito e à d estru içã o de Jeru sa lém tam b ém
ap arecem em o u tras literaturas.2728
C o n tu d o , a co rrelação d e M arcos 13.14 co m a d estru içã o d o tem p lo é
m u ito m e n o s ap aren te, p elo m en o s da fo rm a c o m o aquele ev en to foi regis-
tra d o p o r Jo sefo . C o m certeza, os versículos 14-18 anunciam u m desastre
n a Palestina. A s p esso as n o s telh ad o s plan o s d e suas casas palestinas teriam
d e fugir pela escada ex tern a sem en tra r n a casa (v. 15; veja a discussão das
casas palestinas em 1.29 e 2.1), e o tra b a lh a d o r q u e estivesse n o cam p o não
teria te m p o p ara b u scar seu m a n to (v. 16). O d estin o p io r d e to d o s seria o
das m u lheres grávidas e das m ães que ain d a estivessem am am en tan d o os
filhos (v. 17; veja L c 23.29-31) e q u alq u er p esso a fug ind o n o in v ern o quan-
d o os uádis — as ravinas e desfiladeiros — ficam cheios, sen d o im possível
atravessá-los (v. 18).
E m o u tro s asp ecto s, n o en tan to , M arcos 13.14 se distancia d e form a
substancial d o s ev en to s em to rn o d a d estru ição d o tem p lo p o r T ito .29 M arcos
n ão localiza “ o sacrilégio terrível” n o tem p lo (com o o faz M t 24.15), mas,
antes, “ n o lugar o n d e n ão deve estar” . E ssa descrição enigm ática é possível-
m en te u m a circu n lo cu ção judaica p ara o tem p lo , sim ilar talvez às frequentes
referências a Jeru salém em D e u te ro n ô m io c o m o “ o lugar que o S e n h o r , o
29 Veja Hengel, Studies in the Gospelof Mark, p. 16-18: “A referência aos habitantes não
se ajusta a qualquer situação histórica autêntica que seja de nosso conhecim ento” .
30 A referência à destruição do templo pelo fogo no Evangelho de Pedro 26 é uma
tentativa óbvia de correlacionar o “sacrilégio terrível” com o cerco de Tito.
31 O incidente Phanni, recontado por Josefo, Guerra4.155, é ainda menos provável. Os
zelotes, após tomarem o templo em 66 d.C., recrutaram um palhaço chamado Phan-
ni para zombar do sumo sacerdote e seu sacrificio. Embora Josefo denomine esse
incidente de “impiedade monstruosa”, ele fica empalidecido em comparação com o
desastre descrito em Marcos 13.14-18 e dificilmente poderia ser o mesmo evento.
493 M a rc o s 13.14-18
A T R IB U L A Ç Ã O ( 13 . 19 2 3 )־
A ca tá stro fe q u e se ab a te u so b re Jeru salém na G u e rra Ju d aica d e 66-70
d.C. era u m a p ro lep se , u m p arad ig m a n a h istó ria d o s ais q u e tran sp iraram n o
fim d a história, an tes d o re to r n o d o F ilh o d o h o m e m . O b se rv a m o s n a in tro -
d u çã o d este cap ítu lo q u e M arco s 13 é o rq u e strad o pelas estru tu ras d e te m p o
antifonárias, altern an d o e n tre u m fu tu ro im ed iato (“ essas coisas” , lev an d o à
q u ed a d e Jerusalém ) e u m fu tu ro d errad e iro (“ n aqueles dias” d a g ra n d e tri-
bulação e parúsia). A articu lação en tre os dois fu tu ro s o c o rre n o “ sacrilégio
terrível” n o versícu lo 14. O s ev en to s en tre o versículo 14 e o versículo 27
an tecip am o fu tu ro escato ló g ico d errad eiro , significado p o r “ naqueles dias”
(w . 17,19,20,24), u m te rm o sem itécn ico n a escatologia judaica p ara o cálculo
final d o fim d o s tem p o s (e.g., lEnoque 80.1; 4 E sd ra s 4.51).
tina; (2) pelo fato de que 2Tessalonicenses 2.4 alude a Daniel 11.36,37 e, portanto,
ecoa o “sacrilégio terrível” ou “abominação do assolamento” (ARC); e (3) pelo
fato de que a referência ao “ sacrilégio terrível” (Dn 11.31) (i.e., o sacrilégio e des-
truição do tem plo por N abucodonosor/A ntíoco IV) em geral faz paralelo com
a destruição do templo de Jerusalém por Tito.
495 M a rc o s 13.19-22
O R E T O R N O D O F IL H O D O H O M E M E M G L Ó R I A (13 .2 4 -2 7 )
41 Isaías 13.10; 34.4; Ezequiel 32.7,8;Joel 2.10; 3.4,15; 4.15; Apocalipse 6.12-14; 8.12;
4Esdras 5.1,2; Assunção de Moisés 10.5; lEnoque 80.2; Oráculos sibilinos 3.796-97;
2Apocalipse de Baruque 25. Para uma discussão com pleta dos sinais concernentes à
vinda do Messias, veja Str-B 4/2.977-1,015.
42 Alguns estudiosos tentam argumentar que os portentos cósmicos dos versículos 24-
27 são apenas metáforas hebraicas descrevendo o julgamento divino contra os deuses
pagãos. Nessa visão, os versículos 24-27 não descrevem a parúsia, mas, antes, a
queda de Jerusalém. Veja R. T. France, Jesus and the Old Testament (London: Tyndale
Press, 1971), p. 231-33; T. R. Hatina, “T he Focus o f Mark 13:24-27: T he Parousia,
or the Destruction o f the Temple?” Bulletinfor BiblicalResearch 6 (1996), p. 43-66; B.
M. F. van Iersel, “T he Sun, Moon, and Stars o f Mark 13,24-25 in a Greco-Roman
Reading”, Bib 77 (1996), p. 84-92. Essa visão é extremamente duvidosa. Embora
o sol, a lua e as estrelas funcionem ocasionalmente como símbolos das divindades
pagãs, é muitíssimo improvável que esse seja o caso nos versículos 24-27.0 sentido
evidente dos versículos é escatológico (e.g., Bam. 4:3), e isso é confirmado pela re-
ferência a “naqueles dias” e ao abalo dos poderes “do céu” , e esses dois aspectos
são tipos escatológicos. R. T. France reconhece que hê hémera ekeinê (“ao dia”)
refere-se ao dia do julgamento final no versículo 32, mas ele falha em observar
que a mesma designação (embora no plural) aparece nos versículos 17,18,20 e 24.
Além disso, não fica claro por que Marcos deveria estar interessado na queda do
panteão greco-rom ano nesse presente contexto. A vinda do Filho do homem no
versículo 27 carrega o mesmo sentido que em 14.62, ou seja, a parúsia.
M a rc o s 13.24-27 498
A L I Ç Ã O D A F IG U E I R A ( 13 . 2 8 3 1 )־
E X P E C T A T IV A E V IG IL Â N C IA (13.32-37)
O d iscu rso d o m o n te das O liveiras acab a c o m u m a n o ta de m istério.
Q u a n d o se revisa o cap ítu lo 13 c o m o u m to d o , isso p o d e parecer d esap o n ta-
d o r, p o is o d iscu rso se inicia co m u m p e d id o d e sinal (v. 4), o u seja, para u m
discern im e n to especial q u an to ao futuro. C o n tu d o , a p ren d em o s n a conclusão
que o co n h e c im e n to d o fim excede q u alq u er possibilidade d e cognoscibilida-
de: n ã o só cognoscibilidade h u m an a e angélica, m as até m esm o a cognosci-
bilidade d o F ilh o d e D eus. Sua co n su m aç ão re p e n tin a está esco n d id a apenas
n o m istério d e D eus. T o d o s os sinais fo ram so m ad o s p ara um a conclusão:
não épossível se p re p a ra r p ara o fim. Isso p o rq u e o fim é derrad eiram en te um
m iste rio so p re se n te agora, e n ão u m “ e n tã o ” . A ú nica p rep aração para o fim
é o ficar ate n to e a fidelidade n o p resen te.
50 “D ia”, Isaías 2.12; Amós 5.18; Marcos 14.25; Lucas 21.34; 2Tessalonicenses 1.10;
2Tim óteo 1.12,18; 4.8; “hora” , João 5.25-28; Apocalipse 18.10. Veja Lohmeyer,
Das Evangelium des Markus, p. 283.
51 A ideia de que o tem po do eschaton é conhecido apenas por Deus é típico do
apocalíptico judaico: “Concernente aos sinais sobre os quais me pergunta, posso
lhe dizer em parte; mas não fui enviado para lhe dizer algo concernente a sua vida,
pois eu não sei” (4Esdras 4.52). Veja tam bém 4Esdras 6.11-28; Zacarias 14.7;
Salmos de Salomão 17.23; 2Baruque 21.8; Tg. Ket. Qoh. 7.24.
52 O texto de 13.32 foi discutido com frequência pelos pais da igreja dos séculos ΙΠ e IV
porque os arianos o citaram em apoio à discussão deles de que o Filho era subordinado
ao Pai. Veja a discussão em M.-J. Lagrange, Evangfle selonSaintMart, p. 349-51.
53Marcos 13.32 e M ateus 11.27 / / Lucas 10.22 são as únicas duas passagens no
N ovo Testam ento em que Jesus chama a si mesmo de form a explícita de “o Filho
[de Deus]” .
54 “Sua ofensa sela sua legitimidade” (V. Taylor, The GospelAccordingto St. Mark, p. 522).
55 Para uma discussão e defesa da autenticidade, veja B. M. F. van Iersel, “DerSohn”
in den synoptischenJesuswortenl (Leiden: E. J. Brill, 1964), p. 117-20.
503 M a rc o s 13.33*37
3 3-37 A s ten taçõ es vêm em m uitas form as. P ro fe ta s falsos ap resen tam
esperan ças falsas; sinais equivocados levam ao m e d o e à ansiedade; o d e m o
56 Contra J. Jeremias, New Testament Theology, Part One: The Proclamation ofJesus, trad.
J. Bowden (London: SCM Press, 1971), p. 131, que afirma: “E m Marcos 13.32,
pelo menos, as palavras oudeho huios são secundárias p or causa do uso absoluto de
ho huios, que é estranho para a Palestina; por outro lado, o uso absoluto de hopater
é garantido com o uma tradução de ’A bbd\ A asserção de que o uso absoluto de
“o Filho” é estranho para a Palestina simplesmente não é sustentável. N o corpus
joanino, Jesus é chamado de “o Filho” vinte vezes, e em Hebreus, escrita para
uma audiência judaica, seis vezes. Jesus refere-se com frequência a Deus como
“Pai” , e não deveria nos surpreender nem um pouco que ele também se refira a
si m esm o em algumas ocasiões com o “o Filho”, em especial em uma passagem
em que o Pai e o Filho são correlatos.
57 Veja Schlatter, Der EvangelistMatthãus, ρ.713-14.
M a rc o s 13.33-37 504
O abandono de Jesus
M A R C O S 14 .1— 72
O SA C R IF ÍC IO D E FÉ ( 1 4 . 1 1 1 )־
2 Apesar de os mestres da lei serem em geral fariseus, por exemplo, “os mestres da
lei que eram fariseus”(2:16).
M a rc o s 14.3 510
3 Mateus 26.6-13 segue Marcos 14.3-9 de form a incom um ente próxima, mas a
relação de Lucas 7.36-50 e jo ã o 12.1-8 com o relato de Marcos é ambíguo. É
provável que Lucas 7.36-50 seja uma história totalmente distinta, pois acontece
na Galileia, e não na Judeia; o Simão do relato de Lucas é um fariseu, e não um
leproso; a m ulher é uma “pecadora” e unge os pés de Jesus, e não sua cabeça; a
objeção é a sua imoralidade, e não a sua extravagância; e o resultado é o perdão,
e não a unção para o sepultamento. Taciano, além disso, omite o relato lucano
de seu Diatessaron; e é dificilmente concebível que a Maria de João 12 e a mulher
imoral de Lucas 7 sejam a mesma pessoa. João 12.1-8, no entanto, parece ser uma
variante de Marcos 14.3-9. João concorda com Marcos nos pontos principais, em-
bora localize a história com Maria, Marta e Lázaro seis dias antes da Páscoa, e não
dois dias antes com o em Marcos, e identifique o principal objetor com o Judas. A
descrição incom um do nardo com o myrou nardoupistikêspolytelou[s] (“nardo puro,
que era um perfum e caro”) aparece de form a literal no original em Marcos 14.3
e jo ã o 12.3, o que levanta a questão sobre se João não estava familiarizado com
a form a escrita do evangelho de Marcos. A confusão da mulher imoral de Lucas
com a mulher da qual não se m enciona o nom e em Marcos levou o pai da igreja
síria do século IV, Efrém (e muitos desde essa época) a identificar erroneamente
a m ulher com o Maria Madalena — uma conclusão para a qual não há apoio bí-
blico. Sobre essa afirmação final, veja J. Shaberg, “H ow Mary Magdalene Became
a W hore”, BRev 8 /5 (1992), p. 30ss.
4 Veja a discussão sobre a identidade de Simão em Η. B. Swete, The GospelAccording
to St Mark, p. 321. D e acordo com Swete, a sugestão de que Simão, o leproso, era
o pai de Maria, M arta e Lázaro rem onta a Teofilacto, um arcebispo bizantino do
século XI.
511 M a rc o s 14.3
P R E P A R A Ç Ã O P A R A A P Á S C O A ( 1 4 .1 2 1 6 )־
12 O “p rim eiro dia d a festa dos pães sem fe rm e n to ” com eça técnica-
m en te n o p ô r d o sol (i.e., 15 d e nisã) q u a n d o a P áscoa, q u e com eçara n o p ô r
d o sol e d u ra ra até a m eia-noite, foi celebrada. N o versículo 12, n o entanto,
M arcos p arece p ô r o início da P ásco a n a tard e da quinta-feira, 14 de nisã,
q u an d o os co rd eiro s pascais eram m o rto s (“ q u an d o se costum ava sacrificar o
co rd eiro pascal”). A lguns co m en taristas su g erem q u e M arcos talvez estivesse
c o n ta n d o o te m p o d e ac o rd o co m a p rá tic a helenista d e com eçar o n o v o dia
n a m ad ru g a d a, o q u e colocaria ta n to o sacrifício dos cordeiros q u an to a re-
M a rc o s 14.12 518
13 “Se um a oferta da Páscoa fosse sacrificada de m anhã [em vez de à tarde] no dia
14 [de nisã] sob qualquer outro nome, R. Joshua a declara com o válida, com o se
tivesse sido sacrificada no dia 13” (m. Zev. 1:3). O rabi governante, Joshua [ben
Hananiah], um rabi anterior a 70 d.C. em Jerusalém, indica que o sacrifício durante
o “crepúsculo” (= à tarde; tam bém Êx 12.6) era mais im portante que a data do
sacrificio. Veja M. Casey, “T he D ate o f the Passover Sacrifices and Mark 14:12”,
TynBul 48 (1997), p. 245-47, que argumenta que o sacrificio no dia 13 de nisã era
uma “prática aceita”.
519 M a rc o s 14.13-14
14 B. Pixner, Wege des Messias und Stàtten der Urkirche, Herausgegeben von R. Riesner
(Giesen/Basel: B runnen Verlag, 1991), p. 219-21, raciocina que, uma vez que
carregar água era um trabalho costumeiramente das mulheres, e a comunidade
essênia não permitia m em bros mulheres, o hom em carregando água era necessa-
riamente essênio. Pixner argumenta ainda que o local da última ceia era um reduto
essênio na extremidade sudoeste de Jerusalém (1) porque os discípulos (não sendo
essênios) não poderiam entrar na área delimitada dos essênios (daí, as instruções
para perguntarem sobre o “dono da casa”, no versículo 14); e (2) porque é pos-
sível esperar que os essênios, conhecidos por sua hospitalidade (Josefo, Guerra
2.124), tivessem um quarto de hóspedes. A cadeia de raciocínio de Pixner é um
tanto especulativa, mas sua tese não é nem impossível nem improvável, pois o
local tradicional da última ceia, que recebeu considerável atenção arqueológica,
fica vizinha do local conhecido com o Reduto Essênio.
15 B. Pixner, MitJesus inJerusalem, p. 88, sugere que o segredo das instruções tinha a
intenção de im pedir Judas, o traidor, de conhecer o local da Páscoa. De acordo
com Pixner, o tesoureiro Judas era quem deveria fazer os arranjos designados aos
dois discípulos. Essa sugestão é bastante improvável. O N ovo Testamento não
fornece nenhum indício em seus textos de que Jesus tentou enganar Judas. Este
estava muito bem inform ado sobre os passos de Jesus (Jo 18.2), e a introdução
da última ceia pressupõe que Judas tinha de estar presente (w. 18-21), e não ser
excluído.
M a rc o s 14.13-14 520
O B L A Ç Ã O E O B S T I N A Ç Ã O (14 .17 -3 1)
1 8 2 0 ־A re ferê n cia d e a b e rtu ra à últim a ceia em 14.18 aco n tece várias
h o ras apó s a refeição pascal. T o d o s d o g ru p o estão “ reclinados” , a posição
co stu m eira n o m u n d o an tig o p ara festas c o m com ensais e refeições form ais,
se é q u e n ã o em to d as as refeições. A referên cia a “ com efr]” (v. 18) assinala
a terceira fase d a refeição. N o m eio d a refeição, Jesu s anuncia so len em en -
te: “ D ig o q u e c e rta m e n te u m d e vocês m e trairá” . A celebração da santa
c o m u n h ã o é o m o m e n to m ais sa n to e p u ro d a v id a d a igreja, sim bolizado
p o r cálices p o lid o s e to alh as d e lin h o n o altar. Q u e am arga iro n ia relem b rar
q ue essa festa, re m in iscen te d a v itó ria e alegria, c o m eç o u c o m o an ú n cio de
traição! O relato d a últim a ceia co m eç a c o m u m a n o ta so b re traição, e to d o s
os o u tro s e lem e n to s d a refeição aquiescen! a ela. “A lguém que está co m en -
d o co m ig o ” n ã o lim ita o ca m p o de suspeitos, m as expande-o, pois to d o s ali
co m e m co m Jesus. E ssa fala está estru tu ra d a de a c o rd o c o m Salm os 41.9,
em q u e u m h o m e m ju sto é traíd o p o r u m am igo. Jesus n ão m en cio n a Judas.
523 M a rc o s 14.21
21 Didaqué 9:1-5; Epifânio, Panarion (Contra heresias) 30.22.4-5; Justino Mártir, Apo-
logia 1.66.3; Diálogo com Trifio 111.3.
525 M a rc o s 14.23-24
24 Veja L. C. Boughton, '“Being Shed for You/M any’: Time-Sense and Consequences
in the Synoptic Cup Citations” , TynBul48 (1997), p. 249-70.
25 Em bora Mateus 26.27 ordene: “Bebam dele todos vocês” .
26 Para um estudo traçando essa afirmação até o Jesus histórico com base na ates-
tação múltipla, dissimilaridade e coerência, veja K. Backhaus, “H at Jesus vom
G ottesbund gesprochen?” TGl 86 (1996), p. 343-56. Contra J.-M. van Cangh,
“Le déroulem ent prim itif de la Cène (Mc 14,18-26 et par.)”, RB 102 (1995), p.
193-225, que considera o versículo 24 com o uma adição litúrgica da comunidade
helenista.
27Str-B 1.991.
28 Vários manuscritos gregos trazem: “Este é o sangue da nova aliança” (A K P Δ Π
X), mas “nova” é provavelmente uma harmonização posterior do texto de Marcos
com !Corintios 11.25 e Lucas 22.20.
527 M a rc o s 14.25-28
37 Aqui vem à mem ória a polêmica de Lutero em Sobre 0 servo arbítrio, de que a von-
tade e o conhecim ento hum anos, em bora as mais nobres das características, são
derradeiram ente instáveis e cegos e inclinados para o mal (Martin Luther’s Basic
Theological Writings) ed. D. Lull [Minneapolis: Fortress Press, 1989], p. 18586)־.
38 O canto duplo do galo em Marcos não é um a certeza do ponto de vista textual.
Vários manuscritos de peso (C אD W) om item “duas vezes” , mas a omissão se
deve provavelmente à assimilação com Mateus 26.34; Lucas 22.34 e João 13.38,
e todos eles om item o segundo canto do galo. O apoio textual para os dois can-
tos do galo é mais forte e mais diverso que o para sua omissão. Veja M. Ôhler,
“D er zweimalige H ahnschrei der Markuspassion. Z ur Textüberlieferung von Mk
14,30.68.72” , Z M F 8 5 (1994), p. 145-50.
39 H á algum debate sobre se o “cant[o] [d]o galo” deve ser com preendido literal-
mente. Certas passagens rabínicas (e.g., m. B. Qam. 7.7) proibiam ter galinhas em
Jerusalém porque o ciscar delas descobria coisas imundas. Isso leva à sugestão de
que o “cantfo] [d]o galo” era uma metáfora para gallicinium, o chamado de corneta
matutino dos rom anos ou o soar das trom betas no templo nessa m esma hora
{m. Suk. 5:4). Contudo, é difícil de imaginar animais tão utéis e ubíquos quanto
as galinhas sendo eliminadas totalm ente de Jerusalém. Nessa regra, com o em
outras regras rabínicas, há as exceções, em especial se havia um jardim ou monte
de esterco onde as galinhas podiam ciscar. O “cant[o] [d]o galo” deve ser com
531 M a rc o s 14.29-31
G E T S Ê M A N I: O P R E L Ú D I O P A R A A C R U Z (1 4 .3 2 -4 2 )
velmente o papel designado a você; mas a seleção desse papel pertence a O utro”
(Epíteto, Enchiridion, p. 17; veja tam bém Arrian, Epict. Disc. 3.22.95).
535 M a rc o s 14.36
44 A evidência na Palestina judaica do uso de “Aba”, ou até m esm o “meu Pai” para
se dirigir a D eus é muitíssimo rara. O tratam ento principal do assunto continua
sendo J. Jeremias, The Prayers ofJesus, trad. J. Bowden (Philadelphia: Fortress, 1978),
ρ. 11-65; tam bém New Testament Theology, trad. J. Bowden (New York: Scribner’s,
1971),p. 62-68. Críticas recentes a Jeremias (G. Vermes ,Jesus andthe World0JJudaism
[London, 1983], p. 39-43; M. R. D ’Angelo, “Abba and ‘Father’: Imperial Theology
and the Jesus Traditions”,JB L 111/4 [1992], p. 611-30) modificam as conclusões
de Jeremias em pontos isolados, mas falham em refutar sua tese central de que
não há (até o m om ento) exemplos do uso de aba para D eus nos textos judaicos
tão antigos quanto os evangelhos.
45 O imperativo: “Afasta (parenenke) de mim este cálice” é atestado por diversas
testemunhas dos primordios do cristianismo ( B D L W ) e , portanto, é preferível
ao primeiro aoristo imperativo ativo parenenkai apresentado por אA C K Θ Ψ .
Essa última leitura parece ser uma tentativa de suavizar o implícito confronto de
vontades entre Jesus e o Pai no Getsêmani.
46 Veja J. D. M. D errett, “T he Prayer in G ethsem ane (Mark 14:35-36)”, Journal 0J
Higher Criticism 4 (1997), p. 78-88.
M a rc o s 14.37-39 536
A P R IS Ã O : J U D A S E J E S U S (14 .4 3 -5 2 )
4 3 M a rc o s d e sc re v e o d e s ta c a m e n to q u e v eio p re n d e r Je su s c o m o
“ enviadfo] p elo s ch efes d o s sacerd o tes, m estres da lei e líderes religiosos” .
E sses três g ru p o s são os c o n stitu in te s d o Sinédrio, e isso designa o g ru p o
“ arm adjo] d e espadas e v aras” c o m o au to riz ad o p elo Sinédrio. O p ap el do
S inédrio n a p risão é ainda c o rro b o ra d o p elo versículo 49: “T o d o s os dias eu
estive c o m vocês, en sin a n d o no templo, e v o cês n ão m e p re n d e ra m ” (grifo d o
autor). A in stig ação p ara a p risão d e Jesu s p arece estar ligada às autoridades
judaicas, ao Sinédrio, e à polícia d o te m p lo (Lc 22.52).54 C o n tu d o , tam b ém
há evidência d e forças m ilitares ro m an a s n a prisão. O evangelho d e Jo ã o
descreve Ju d as se d irig in d o à “ c o o rte ” (18.3; A R C ; n a N V I, “ d estacam en to
d e so ld ad o s”) e a p re sen ça de u m “ trib u n o ” (18.12; A R C ; n a N V I, “ co m an -
d a n te ”) n a p risão d e Jesus. E ssa é u m a term in o lo g ia m ilitar rom ana. U m a
c o o rte (gr. speirâ) era u m décim o de u m a legião ro m an a , o u cerca d e seiscentos
sold ad o s (Josefo, Guerra 3.67-68; e m b o ra o n ú m e ro varie); e u m trib u n o era
u m c o m a n d a n te ro m a n o de m il soldados. M arco s n ã o m en cio n a n e n h u m
ro m a n o n a p risão , m as isso p o d e ser p o r causa d e seu desejo, c o n fo rm e
v erem o s n o ju lg am en to d ian te de P ilatos, d e ev itar re tra ta r os ro m a n o s em
u m a luz desfavorável. N ã o o b stan te, a facilidade c o m q u e o ju lg am en to de
Jesu s é ex p e d id o p o r P ilatos em M arcos (15.1ss.) su g ere u m c o n h e cim en to
a n terio r d a p risão d e Jesu s p o r p a rte d o g o v e rn a d o r ro m an o , in clu in d o talvez
u m d e sta c a m e n to secreto de soldados.55 P o r fim , o ta m a n h o d o p elo tão p ara
a p risã o era u m a p reo cu p aç ão im p o rtan te: precisava ser d esp reten sio so p ara
n ã o causar c o m o ç ã o n a festa (14.2), m as su ficien tem ente g ran d e para “lev[ar]
[Jesus] em segurança” (v. 44).
34 A Mishná (m. Shab. 6.4) proibe pegar “uma espada, arco, escudo, dava ou lança”, no
sábado e dias de festa. Alguns estudiosos citam esse texto como evidência de que a
última ceia e prisão ocorreram em algum m om ento anterior na semana (conforme
o evangelho de João) e não na noite de Páscoa, conforme registrado por Marcos
(Grundmann, Das Evangelium nachMarkus, p. 405; Pixner, MitJesusinJerusalem, p. 83-
84). Pessoalmente, não fui persuadido por essa linha de pensamento, pois vemos mais
infrações às regras da Mishná no julgamento de Jesus. Considerando-se a determinação
dos líderes religiosos de prender Jesus, não é de surpreender que o Sinédrio evite
a tradição oral em favor da Realpolitik — específicamente se consideram Jesus um
blasfemo (14.64), e, nesse caso, ele perde a proteção legal.
55 Para mais discussões da questão e razões para supor o envolvimento rom ano na
prisão, veja E. Schweizer, The GoodNewsAccording to Mark, p. 321-25.
M a rc o s 14.46-47 540
46,47 O beijo desen cad eia a ferroada: Jesu s é p reso , ap esar de n a briga
u m a esp a d a ágil c o rta r a o re lh a d e u m serv o d o su m o sacerd o te.39 M ais
tard e, a trad ição identifica P e d ro c o m o o atacan te q ue lança m ão d a espada,
m as isso n ão é u m a ce rteza co m o se assu m e c o m frequência, pois M arcos
36 “Um ato de perfídia, e não uma busca por justiça” (Gundry, Mark, p. 858).
57 BAG, p. 802; Str-B 2.50.
58 Sobre o beijo de Judas, veja G. Stàhlin, “phileõ”, TDNT9.140-41.
59 Uma comparação do relato da prisão nos evangelhos m ostra como alguns detalhes
foram enfatizados nesse recontar da história. Marcos, o primeiro evangelista, diz
apenas “um dos que estavam por perto” tirou sua espada e cortou a orelha do
servo do sumo sacerdote (14.47). Mateus 26.51, algum tem po depois, especifica a
designação para “um dos que estavam com Jesus” . Lucas 22.50, mais tarde ainda,
identifica o ferimento do servo na “orelha direita” ; e já perto do final do século I,
João 18.10 identifica Pedro com o a pessoa que usou a espada e fornece o nome
do servo, “Maleo” .
541 M a rc o s 14.48-49
60 A tradição do manuscrito grego preserva a frase: “um dos que estavam por per-
to” em várias versões com variações ínfimas, nenhum a das quais se refere a um
discípulo ou a Pedro.
61 Gundry, Mark, p. 860.
62 B. T. Viviano, “T he High Priest’s Servant’s Ear: Mark 14:47”, RB 96 (1989), p.
71-80, fundam entado em Levitico 21.18 ejosejo A «¿ 14.365ss.// Guerra 1.269ss.
argumenta que o versículo 47 não se refere a um ferimento em uma luta, mas, sim,
ao cortar fora o lóbulo da orelha do representante do sumo sacerdote, tornando-o,
desse m odo, indigno desse alto cargo. Para Viviano, o versículo 47 é urna crítica
teológica ao templo. A o contrário da afirmação do padre Viviano, essa não é a
“impressão deixada pela narrativa marcana” . A vítima é chamada de servo ou
escravo, e não representante do sumo sacerdote; e a operação à qual Viviano se
refere é um procedimento quase cirúrgico, dificilmente o tipo de ferimento causado
por um golpe de espada contra um oponente (s■pásamenos ten macbairan epaisen ton
doulon: “puxou a espada e feriu o servo”).
M a rc o s 14.50-52 542
76 Mateus 26.61; 27.40; João 2.19,20; Atos 6.13,14; Hebreus 9.11. Cada um desses
versículos fala de Jesus destruindo e reconstruindo o templo, mas o Evangelho de
Tomé 71 preserva um dito sem a reconstrução: “Jesus diz: ‘Destruirei essa casa, e
ninguém será capaz de construí-la de novo’ ” .
"Jo ã o 2.21,22; Atos 4.10,11; ICoríntios 3.11, 16; lP edro 2.4-8. Uma leitura va-
riante no texto ocidental (D) tornam explícita a referência à ressurreição, anastésõ
acheiropoiêton (“Eu ressuscitarei um templo não feito por mãos hum anas”).
549 M a rc o s 14.60-62
é você” (26.25). Nas duas ocasiões, um “Sim” em alto e bom som está implícito.
A afirmação: “Tu mesmo o disseste” , dada em resposta a uma pergunta sob
juramento, deve ser entendida para afirmar a pergunta na jurisprudência judaica
(Str-B 1.1.006). A afirmação em Lucas: “Se eu vos disser, não crereis em mim”
(22.67) tam bém implica uma afirmação. Veja T. de Kruijf, DerSohn des lebendigen
Gottes. Ein Beitrag sçur Christologie às Matthãusevangeliums, AnBib (Rome: Pontifical
Biblical Institute, 1962), p. 95-97.
85 Veja J. A. T. Robinson, “T he Second Com ing— Mark XIV.62” , ExpTim 67
(1955/56), p.339.
86 Tam bém G. Dalman, The Words ofJesus, trad. D. M. Kay (Edinburgh: T. & T. Clark,
1909), p. 274, seguido por muitos outros estudiosos. W. Bousset, Kyrios Christus:
A History of the Belief in Christfrom the Beginnings of Christianity to Irenaeus, trad. J.
Steely (Nashville: Abingdon, 1970), p. 95, considera as palavras como “uma adição
totalm ente impossível de ser proferida p o r um sumo sacerdote” .
87 O reino do Messias será um reino eterno, de acordo com 4Q 246,2:1, e “Ele será
chamado Filho de Deus, e eles o chamarão de o Altíssimo” . Mais uma vez, 4Q 174,
M a rc o s 14.63-65 552
vai p ara o “ alp en d re” (v. 68) o u en trad a.97 A m u d an ça de local coloca P ed ro
ain da m ais d istan te d e Jesus.
99 Dois manuscritos registram que Pedro “com eçou a chorar” (D Θ), mas a maioria
dos manuscritos oferece uma leitura mais difícil epibalõn eklaien. O sentido comum
de epiballein é “lançar sobre” . Em bora o sentido exato da frase seja passível de
discussão, o sentido mais razoável do versículo 72 é que Pedro “lançou-se sobre
(o solo) e estava chorando” .
capítulo quinze
d o san tu ário d o tem p lo se rasga em dois, e o cen tu rião g en tio co n fessa Jesu s
c o m o o F ilh o d e D e u s. Só n a cruz é q u e Je su s é co n fessad o pela p rim eira
vez em fé c o m o o F ilh o d e D eu s.
P Ô N C IO P I L A T O S E J E S U S ( 1 5 . 1 1 5 ) ־
com toda certeza não se isolou dos homens: durante toda a paixão, não encon-
trarem os nele nem uma palavra sequer de condenação, nenhum gesto de indife-
rença, nenhum m ovim ento sequer de distanciam ento; e essa atitude, ao mesmo
tem po tão natural e tão incompreensível, fala de m odo mais eloquente que “Pai,
perdoa-lhes” (Lc 23.34) sobre quão vasto é o perdão que enche seu coração.
Ele para de falar com os homens, pois não tem nada mais a dizer a eles. Agora
ele se volta para D eus — mas não mais necessitando dar testem unho para ele
nem pedir para ser prom ovido diante dos homens. Isso é m uito diferente dos
profetas e mártires: eles m orrem para dar testemunho, invocam aquele por cujo
nom e sofrem, proclamam a excelência e grandeza dele. Jesus não mais fala sobre
Deus, mas fala com ele. E esse é um diálogo doloroso; tudo que sabemos sobre
essa conversa, até seu último suspiro, trata-se das súplicas angustiadas no Getsê-
mani e o clamor que se levantou da cruz para o vazio. Contudo, esse também é
um diálogo em que o Filho revela verdadeiramente a si mesmo. Pois, para Jesus
se apegar a Deus em meio a esse horror e vazio, m anter os olhos fixos em Deus,
em bora este o prive de qualquer defesa, proteção e alegria, tem de existir entre
Deus e Jesus um elo invulnerável a qualquer ataque, uma confiança inabalável, uma
certeza mais firme e forte que a morte. Agora, no fim, Jesus, exausto e esmagado,
não precisa se voltar na direção de Deus, pois este jamais o abandonou: ele é o
Filho” .
M a rc o s 15.6-7 566
13 “Dezenas de milhares de hom ens se reuniram e gritaram contra ele. [...] Alguns
tam bém lançaram até m esm o insultos e agressões do tipo com as quais uma
multidão se envolvería. [...] O s judeus estavam em total torrente de abuso” (An/.
18.60-61).
14 Veja E. Lohmeyer, Das Evangelium des Markus, p. 336-37; e R. M erritt, “Jesus Ba-
rabbas and the Paschal Pardon”, JB L 104 (1985), p. 57-68.
15 N ão podem os dizer com certeza se Barrabás fazia parte ou não do movimento
judaico de libertação (quer dos zelotes ou sicários quer de alguma outra facção).
M. Hengel, TheZealots, trad. D. Smith (Edinburgh: T. & T. Clark, 1989), ρ. 340-41,
acha que provavelmente ele era um rebelde, fundamentado no fato de que Pôncio
Pilatos não libertaria um assassino com um no lugar de Jesus. Acho que o oposto
é mais provável, ou seja, que Pôncio Pilatos prefereria libertar um assassino co-
m um , e não um inimigo do Estado. Marcos chama Barrabás de assassino (phonos,
“com etido assassinato”), um term o que, conform e suponho, não seria usado para
um insurrecionista político.
567 M a rc o s 15.8-11
19Duas variantes textuais tentam deixar mais explícito o que Marcos aparentemente
sugere. Três uncíais (A C D) trazem: “o que ele sempre estava fazendo” , cujo
sentido é seguido pela N V I, “o que costumava fazer” (grifo do autor). Koridethi
(Θ), do século IX, explica com mais detalhes a implicação de Marcos “com o era
o costume, Pilatos soltasse um preso” (NTLH). As duas variantes, sem dúvida,
são mudanças posteriores com intenção de esclarecer as palavras obscuras.
20 Veja A. C. H agedorn e J. H. Neyrey, ‘“It was out o f envy that they handed Jesus
over’ (Mark 15:10): T he Anatom y o f Envv and the Gospel o f Mark” , ISNT 69
(1998), p. 39-40.
21 Há 21 referências ao chefe dos sacerdotes no evangelho de Marcos, todas, ex-
ceto cinco delas, nos capítulos 14— 15, e cada uma delas em oposição explícita
a Jesus. H á um núm ero comparável de referências (dezenove) aos mestres da lei
em Marcos, mas apenas seis delas ocorrem nos capítulos 14— 15. Essa estatística
m ostra que a responsabilidade pela prisão e julgamento de Jesus é da corte do
chefe dos sacerdotes. O s evangelhos se referem com regularidade ao chefes dos
sacerdotes no plural, em bora houvesse apenas um sumo sacerdote governante
à época, eleito anualmente. O plural se deve ao fato de que os sumos sacerdotes
anteriores retinham o título e a autoridade do cargo. Especialmente influente era
Anás (Lc 3.2; Jo 18.13,24), sumo sacerdote de 6 a 15 d.C., que tinha cinco filhos
que mais tarde se tornaram sumos sacerdotes (Josefo, Ant. 20.198). Houve três
outros sumos sacerdotes (Ismael, Eleazar e Simão) entre o sumo sacerdócio de
Anás e o sumo sacerdócio de Caifás, genro de Anás (Jo 8.13), o sumo sacerdote
na época da m orte de Jesus (18-36 d.C.). O term o “chefe dos sacerdotes” poderia
incluir uma meia dúzia de sum o sacerdotes, além dos m embros influentes de sua
família, compreendendo assim um considerável bloco de poder. Para uma discussão
do papel de Caifás na execução de Jesus, veja Flusser,/m j·, p. 195-206. Para uma
discussão sobre o chefe dos sacerdotes em geral, veja J. Jeremias, Jerusalém in the
Time of Jesus, trad. F. H. e C. H. Cave (London: SCM Press, 1969), p. 147-81.
569 M a rc o s 15.12-14
22 A referência aos “chefes dos sacerdotes” está ausente no Vaticanus (B), mas isso
se deve provavelmente à tentativa de melhorar o estilo por parte de um copista
posterior, uma vez que a expressão ocorre imediatamente após o início do versí-
culo 11 (veja M t 27.18). A referência aos “chefes dos sacerdotes” no versículo 10
é quase certeza, e no versículo 11 totalmente certeza.
23 A condição textual da pergunta de Pôncio Pilatos no versículo 12 é particularmente
incerta. Uma maioria dos manuscritos inclui: “O que vocêsquerem que eufaça [...] ?”
(NTLH, grifo do autor), na primeira parte do versículo. Sua omissão é apoiada por
um grupo m enor, mas de peso, de manuscritos ( אB C W Δ Ψ ). N a última metade
do versículo 12, “a quem vocês chamam” é mais uma vez questionável, sendo
om itido por A D W Θ. Para a discussão das variantes, veja Metzger, TCGNT, p.
117-18. As duas adições afastam a responsabilidade de Pôncio Pilatos e apontam
para os judeus, as quais poderíam argumentar em favor de sua natureza secundária,
uma vez que a tradição tardia incriminou os judeus como o grupo responsável
pela m orte de Jesus.
24 E muitíssimo improvável, conforme sugerem alguns, que Pôncio Pilatos tenha
apelado pela libertação de Jesus só para irritar os judeus a quem desprezava.
Se você se encontrar fechado em uma jaula com um leão, você não gostaria de
irritá-lo. Pôncio Pilatos conseguiu irritar os judeus, mas isso não foi intencional;
ele não tinha necessidade de fazer isso de forma intencional. Ainda mais longe
da verdade é a sugestão sem fundamento de que o julgamento de Jesus diante de
Pôncio Pilatos é uma ficção. A execução de Jesus nas mãos de Pilatos está em
todos os quatro evangelhos, em camadas múltiplas e variadas da tradição cristã
M a rc o s 15.12-14 570
m ana n a estre p ito sa Ju d e ia enfrentava realidades políticas que eram m ais sutis
e voláteis d o q u e se avalia c o m frequência. P ô n cio Pilatos, co m certeza, tinha
p o d e r p ara fav o recer Jesu s, m as, d o p o n to de vista político, se essa era urna
atitud e sábia é o u tra questão. P ô n cio Pilatos, em geral, desprezava os sujeitos
judeus, m as n e m m e sm o os ditadores p o d em d esco n sid erar co m p letam en te a
v o n ta d e d e seus sujeitos.23*25N ã o co n h e cem o s a m e n te de P ô n c io P ilatos, m as
M arcos — e este é seguido aqui pelos o u tro s três evangelistas — indica que
P ô n cio P ilatos fo m en ta dúvidas sobre a necessidade da execução de Jesu s (w .
10,14). N ã o o b sta n te , P ô n c io Pilatos parece te r co n c lu íd o que Jesu s pu d esse
ainda te r algum v a lo r político. O fato de q u e desejava “ agradar a m u ltid ão ” (v.
15) in dica o Realpolitik subjacente, o u seja, a disp osição de sacrificar u m pri-
sio neiro in o c e n te p o r causa d e conveniência e segurança políticas. Q u alq u er
q u e fo sse a estratégia d e P ô n cio Pilatos, o g o v e rn a d o r ro m a n o se to rn a o
g ru p o secu n d ário n a m o rte d e Jesus. O s chefes d o s sacerd o tes instigaram a
co n sp ira ção c o n tra Jesus, m as o p refeito ro m a n o tem resp o n sab ilid ad e p o r
te r levado a ca b o essa con sp iração .26
N a cena d o julgam ento, c o m o em o u tro s textos d o evangelho d e M arcos,
so m o s c o n fro n ta d o s c o m as ironias inevitáveis. P ô n cio Pilatos, q u e com eça
b u sc a n d o anistia p a ra Jesus, acaba b u sca n d o -a p ara si m esm o. O s sujeitos
primitiva e tam bém no Credo dos Apóstolos. Ela também é atestada por Tácito
{Ann. 15.44), historiador rom ano, e p or Josefo (An/. 18.63-64), historiador judeu
que coloca seu famoso testem unho de Jesus em meio a sua discussão sobre Pôncio
Pilatos.
25 Um novo desenvolvimento talvez tenha desempenhado um papel na decisão de
Pôncio Pilatos. Tibério seguira anteriorm ente a política antijudaica de Sejano, seu
ministro influente, que tam bém era protegido de Pôncio Pilatos. Q uando Sejano
m orreu em 31 d.C., Tibério abraçou uma política judaica muito mais favorável
(Fílon, Sobre a embaixada a Gaio, p. 159-60). Se Jesus foi crucificado após a m orte
de Sejano, Pôncio Pilatos, conform e seu próprio interesse político, teria de aplacar
os judeus se fosse para perm anecer no favor de Tibério. A “devoção estalinista
[de Pôncio Pilatos] a Tibério” (como em D. Flusser, Jesus, p. 160-62) garantiría
que Pôncio Pilatos adotasse e defendesse as políticas de Tibério ()o 19.12!).
26 Bond, Pilate in History and Interpretation, p. 94-119, faz objeção à afirmação de que
Pôncio Pilatos era um governador fraco que cedia à pressão pública. Ela o vê
com o um “político habilidoso, manipulando a multidão para evitar um a situação
potencialmente perigosa, e um firme representante dos interesses imperiais” (p.
117). Essa parece ser um a boa descrição da form a com o Pôncio Pilatos via a si
mesmo, mas não descreve seu efeito no julgamento de Jesus em que ele provocou
a multidão, em vez de acalmá-la, encontrando-se mais uma vez em um a situação
perturbadora em que tinha de reagir à multidão.
571 M a rc o s 15.15
O E S P A N C A M E N T O E A Z O M B A R IA ( l5 .1 6 -2 0 a )
A C R U C IF IC A Ç Ã O ( 15 . 20b 32 )־
35 Vèrrine Orations 2.5Λ65. Para essa e outras críticas contra a crucificação por autores
da Antiguidade, veja M. Hengel, Crucifixion in the Ancient World and the Folly of the
Message of the Cross, trad. J. Bowden (Philadelphia: Fortress, 1977), p. 7-10.
36 Sobre a vergonha da crucificação, observe as palavras de Cícero: “a própria palavra
‘cruz’ deveria ser removida não só da pessoa de um cidadão romano, mas também
de seus pensam entos” (In Defense of Rabirius 5.15-16 [citado em HCNT, p. 157]).
37 K. Corley, “W omen and the Crucifixion o f Jesus”, Forum (novas séries) 1 (1998),
p. 189.
577 M a rc o s 15.20b
O F IL H O D E D E U S ( 1 5 . 3 3 3 9 )־
56 Str-B 1.1,040-42.
5' Suetônio, Lives of the Caesars, “T he Deified Julius” , p. 88-89; Plutarco, Lives of the
Noble Grecians and Romans, “Caesar” , 69.3-5.
58 Da mesma forma, Evangelho de Pedro 15— 21 equipara a escuridão da cruz com a
cegueira e temor; e o Evangelho de Filipe 68 a equipara à destruição.
9 י־Por contraste, o Evangelho dePedro 15 afirma que a escuridão cobriu apenas aJudeia,
tentando dessa forma responsabilizar específicamente os judeus pela m orte de
Jesus. Veja também, Evangelho de Pedro 17, “E eles (= os judeus) cumpriram todas
as coisas e completaram a medida de seus pecados em sua cabeça” .
585 M a rc o s 15.33-34
60 E m bora a tradição textual esteja dividida sobre a ordem das palavras enkatelipes m
(“você m e abandonou”), a citação é um a tradução aramaica do hebraico, e não da
LXX, que lê de modo diferente: ho theos ho theos mou, prosches moi bina ti enkatelipes
me (“Meu Deus, meu Deus, preste atenção a mim, por que me abandonastes?”).
61 Salmos 22.1 = Marcos 15.34; Salmos 22.7 = Marcos 15.29; Salmos 22.18 = Mar-
cos 15.24; Salmos 69.21 = Marcos 15.23,36. Para uma discussão sobre os salmos
22 e 69 em Marcos 15, veja J. Pobee, ‘T h e Cry o f the Centurion— A Cry o f
D efeat”, The Trial ofJesus, ed. E. Bammel, SBT 13 (London: SCM Press, 1970), p.
91-102. Para uma discussão sobre a relação do grito de abandono com as palavras
do servo sofredor de Isaías 53, veja A. M. Schwemer, “Jesu letzte Worte am Kreuz
(Mk 15,34; Lk 23,46; Joh 19,28ff)”, TBei 29 (1998), p. 5-29.
62 O u, de m odo inverso, que Jesus sofreu porque ele estava “dividido” . O apócrifo
Evangelho deFilipe 68 compara o abandono de Jesus na cruz com Adão, para quem
a m orte só passou a existir quando Eva foi separada dele.
65 Compare, por exemplo, a tradição da m orte do rabi Akiba preservada em b. Ber.
61b em que Akiba é descrito com o Sócrates em sua m orte — composto, em ado-
ração, acompanhado de seus discípulos, recitando o Shema e confiante da presença
de Deus.
M a rc o s 15.35-39 586
64 Veja o material reunido em Str-B 1.1,042; 4/2.769-79. Tam bém b. Ta‘anit2t&, que
reconta a lenda de um judeu justo salvo da execução por Elias.
63 Como pequenas mudanças podem ser vistas em dois exemplos de nossa própria
época. O s “cristãos alemães” , durante o período nazista, rejeitaram a teologia da
cruz com o uma fraqueza e derrota em favor de uma teologia de um Jesus ariano
heroico. D a m esma forma, muitos ramos da Nova Era hoje minimizam ou ne-
gam a necessidade da expiação e sofrimento de Jesus em favor de imagens mais
poderosas associadas com a “ressurreição” .
66 Veja Suetônio, Lives of the Caesars, “Vitellius”, 12, que m enciona a venda de posea
em Putéoli.
587 M a rc o s 15.35-39
d o n á is: o rasg ar d o v éu d o tem p lo (v. 38) e a co n fissão d o cen tu rião (v. 39).
E sses dois ev en to s significam q u e a m o rte d o F ilho s o fre d o r d e D e u s n ão é
u m fim trágico, m as u m ev en to de cu m p rim e n to e revelação divinos.
P rim eiro, a co rtin a, u m rico sim bolism o teológico. H avia n a v erd ad e dois
véus n o te m p lo d e Jeru sa lém (veja H b 9.1-5), u m d iante d o p átio d e Israel e
o u tro n o S an to d o s Santos. M arcos u sa a palavra g rega naos para descrev er o
tem plo , em vez d o te rm o m ais co stu m eiro hieron, m as os te rm o s são usados
d e fo rm a in tercam b iáv el n o N o v o T e sta m e n to e n ão n os capacita a deter-
m in ar qual p a rte d o tem p lo o evangelista te m em vista nesse texto.67 O pátio
de Israel, ta m b é m co n h e c id o c o m o L u g ar Santo, era o principal santuário
o n d e os h o m e n s judeus adoravam ; c o n tin h a o ca n d elab ro co m sete braços,
u m a m esa c o m d o z e pães so b re ela e u m altar d o incenso. O véu dian te do
P átio d e Israel era u m a tapeçaria bab ilô n ia b elam e n te b o rd a d a, d escrevendo
m ísticam en te a terra, o m a r e os céus q u e “ tipificavam o u n iv erso ” , d e aco rd o
co m Jo se fo (<Guerra 5.210-14). O se g u n d o véu (E x 26.31-37), tam b ém m en-
cionado, m as n ã o descrito, p o r Jo sefo ficava diante d o S anto d os S antos, lugar
“ inacessível, inviolável e invisível” , u m cubículo com cerca d e v inte cu bitos
(= cerca d e n o v e m etro s) q u ad rad o s n o qual o su m o sacerd o te entrava n o
D ia d a E x p iaç ão ( Guerra 5.219).
N ã o fica claro qual dos dois véus M arcos descreve em 15.38 (veja tam bém ,
Evangelho de Pedro 20; T. L evi 10.3). A palavra g rega p a ra véu n o versículo 38,
katapetasma, é u sad a p o r au to res an tig o s p ara se referir a am b o s o s véus ou
co rtin as, e m b o ra seja usada co m m ais freq u ên cia p ara se referir ao véu do
S an to d o s Santos. O u so bíblico d o te rm o c o n firm a essa distinção. H á três
o co rrên c ia s d o te rm o katapetasma em H e b reu s 6.19; 9.3; 10.20 (?), cada u m a
delas p a ra se re ferir ao v éu d ian te d o S an to d o s Santos. N a L X X , d a m esm a
fo rm a , a palavra katapetasma é usada p ara o v éu d ian te d o S an to dos S antos
(E x 26.31-37), ao p asso q u e u m a palavra d iferen te (gr. kallyma) é usada p ara
o véu d ian te d o P átio d e Israel (E x 27.16; L v 16.2,12). C o m fu n d a m e n to
linguístico, o rasg o d o katapetasma n o versículo 38 p arece se referir ao S anto
do s Santos. Se esse fo r o v éu em vista, e n tão su a d estru ição significa que, n o
m o m e n to d a m o rte d e Jesus, o v éu e n tre D e u s e a h u m an id ad e é rem ovido.
O S an to d o s S antos, q u e se acreditava c o n te r a p ró p ria p resen ça d e lavé,
to rn a -se acessível pela expiação d e Jesu s na cru z, e n ão p elo sacrifício d o
su m o sac erd o te n o D ia d a E xpiação.68
coisas escondidas da verdade. O Santo dos Santos foi revelado, e a câmara nupcial
nos convida a entrar” .
69 Sobre o rasgo do véu do templo, veja H. Chronis, “T he Torn Veil: Cultus and
Christology in Mark 15:37-39” ,JBL 101 (1982), p. 110-14.
7110 Evangelho dos nazarenos 36 (NTApoc 1.164) tam bém parece se referir ao Pátio
de Israel na descrição do lintel no m om ento da m orte de Cristo: “no m om ento
da m orte de Cristo, o lintel do templo, de tam anho descomunal, partiu-se”. O
Evangelho dos ebionitas 6 ( NTApoc 1.170) também pode se referir ao Pátio de Israel.
Josefo também registra portentos de destruição de Jerusalém e do templo (Guerra
6.288-315). Sobre Jesus e a cruz com o substitutos do templo, veja K. Bailey, “The
Fall o f Jerusalem and Mark’s A ccount o f the Cross”, ExpTim 102 (1990-91), p.
102-5.
589 M a rc o s 15.39
71 A leitura ex enantias autou (“em frente de”, “do lado oposto de”) é firmemente
atestada ( אA B C K L X Δ Π Ψ) e, sem dúvida, é a leitura correta, apesar de W
ler autõ (“próximo dele”) e D e Θ lerem ekei (“ali”).
72 A maioria dos manuscritos inclui “brado”, de uma form a ou de outra no ver-
sículo 39, mas uma minoria de manuscritos de peso ( אB L Ψ) omite o termo,
levantando alguma dúvida se a palavra fazia originalmente parte do texto de Marcos
ou não. Veja B. Metzger, TCGNT, p. 121.
73 Contra E. S. Johnson Jr., “Is Mark 15:39 the Key to Mark’s Christology?”,/C V 7 ’
31 (1989), p. 8-14, que mantém que não se podería esperar que um centurião
reconhecesse Jesus como o Filho de Deus. Isso, claro, é precisamente o mistério
e a ironia da fé, atestada ao longo de todo o segundo evangelho — que a fé é
dem onstrada p o r pessoas das quais jamais esperaríamos essa atitude. Veja a per-
cepdva discussão sobre a confissão do centurião em J. D. Kingsbury, The Christology
of Mark’s Gospel (Philadelphia: Fortress Press, 1983), p. 128-34.
M a rc o s 15.39 590
74 E. C. Colwell, “A D efinite Rule for the Use o f the Article in the G reek New
Testam ent”, JBL (1933), p. 12-21; R. Bratcher, “A N o te on Huios Theou in Mark
15:39”, ExpTim 80 (1968), p. 27-28. A tentativa de Johnson, “Is Mark 15:39 the
Key to Mark’s Christology?”/57V731 (1987), p. 4-7, de refutar a regra de Colwell
não é bem-sucedida, pois, em bora haja algumas exceções à regra (como acontece
com qualquer regra gramatical), uma alta porcentagem de casos apoia a regra de
Colwell — e todos os usos de “Filho de D eus” nos evangelhos a apoiam. Assim,
huios (“ filho”) ou huios theou (“Filho de D eus”), quando precede o verbo, ocorre
sempre sem artigo (Mt 4.3; 8.9; 14.33; 27.40,43; 27.54; Mc 5.7; 15.39; Lc 1.35;
4.3,9; 8.28), e quando o substantivo aparece depois do verbo, sempre leva o artigo
definido (Mt 3.17; 11.27; 16.16; 17.5; 21.37; 26.67; Lc 3.22; 4.41; 9.35; 10.22; 20.13;
22.71).
75 T. H. Kim, “T he A narthrous huios theou in Mark 15,39 and the Roman Imperial
Cult” , Bib 79 (1998), p. 221 -41, observa corretam ente a importância de 15.39 para
a cristologia de Marcos e argumenta que ela deve ser compreendida em oposição
ao culto imperial romano. Específicamente, conform e m antém Kim, a confissão
do centurião designa Jesus com o o verdadeiro Filho de Deus, e não Augusto, que
591 E x c u rs o : O F ilh o d e D eus
tam bém se considerava filho de Deus. A tese de K im cai por terra em dois pon-
tos. Ele não trata a im portante questão de com o o centurião, se este estivesse de
fato pensando em termos do culto ao imperador, designaria Jesus com o o Filho
de Deus uma vez que o sofrimento não desem penhou nenhum papel sequer nos
governantes deificados. Kim argumenta ainda que só Augusto e talvez Tibério se
considerassem filhos de Deus, e essa ideia é certam ente muito restritiva. A termi-
nologia usada pelos imperadores era variada e fluida (e.g., salvador [do mundo],
[novo] deus, senhor [de todo o mundo], benfeitor e filho de deus), mas cada
im perador do século I, com a possível exceção de Tibério, via-se com o um deus
revelado e empregava títulos correspondentes mais ou m enos equivalentes àqueles
usados po r Augusto (veja E. Lohmeyer, Cbristuskult undKaiserkult [Tübingen: J. C.
B. M ohr (Paul Siebeck), 1919], p. 18-19). Suetônio em LJvesof the Caesars, refere-
-se abertam ente a Júlio, Augusto, Cláudio, Vespasiano e Tito como deificados.
Nero, sob quem Marcos provavelmente escreve seu evangelho, não era exceção
ao afirmar ser um filho de deus. O próprio Kim cita um exemplo (p. 235). Veja
P. Bureth, Les Titulatures impénales dans lespapyrus, les ostraca et les inscriptions d’Egypte
(30 a.C-284p.C.) (Bruxelles: Fondation Égyptologique Reine Elisabeth, 1964),
p. 23-25, que fornece mais exemplos da obsessão com títulos divinos entre os
imperadores do século I.
76 Hengel, Crucifixion in theAncient Worldand the Folly of the Message of the Cross, p. 10.
E x c u rs o : O F ilh o d e D e u s 592
tory in Light o f the Dead Sea Scrolls” , em The Future of Our Religious Past, ed. J.
Robinson (New York: H arper and Row, 1971), p. 9-28; Juel, Messiah and Temple:
The Trial of fesus in the Gospel of Mark, p. 108-14.
78 Essa é a razão por que Marcos não acrescenta “Filho de D eus” à confissão de
Pedro em 8.29, com o o faz Mateus 16.16; Pedro não pode conhecer corretamente
Jesus com o o Filho de D eus até que a filiação divina seja definida pela cruz.
E x c u rs o : O F ilh o d e D e u s 594
F ID E L I D A D E VERSUS T E R R O R ( 1 5 .4 0 -1 6 .8 )
98 A relevância do domingo para os cristãos foi observada por rabis tardios que
ocasionalmente se referiam a esse dia com o “o dia dos nazarenos” ou “o dia dos
cristãos” (Str-B 1.1,052-53).
99 Sobre o papel das mulheres em seu cuidado pelos m ortos tanto no helenismo
quanto no judaísmo, veja Corley, “W omen and the Crucifixion o f Jesus” , Forum
1 (1998), p. 181-217.
K>0 Hooker, The GospelAccording to Saint Mark, p. 384. O bserve o testem unho cor-
roborativo do Evangelho de Pedro 50: “ [Maria Madalena] não fez no sepulcro do
Senhor o que as mulheres estão acostumadas a fazer por aqueles entes queridos
que m orrem ” .
M a rc o s 16.2-4 604
101 “Essa é a regra geral: qualquer evidência que uma mulher não é elegível para trazer,
[agiotas, lançadora de dados, domadoras de pom bos, traficantes no sábado do
produto do ano e escravas] também não são elegíveis para trazê-la” (m. RoshHaSh.
1.8). Também: “M elhor que as palavras da Lei sejam queimadas que entregues
às mulheres” (b. Sot. 19a); “ Feliz é aquele cujos filhos são homens, mas pobre
daquele cujos filhos são mulheres” (b. Qid.82b). Específicamente indicativo dessa
atitude em relação às mulheres é a oração matinal dos judeus que agradeciam a
Deus por não tê-los feito pagãos, escravos nem mulheres!
102 C. Osiek, “T he Women at the Tomb: W hat Are They D oing There?” Hervormde
TeologieseStudies 53 (1997), p. 103-18, em bora eu não compartilhe da ambiguidade
dela sobre a historicidade da ressurreição, argumenta corretamente que a presença
de mulheres no sepulcro vazio ancora a narrativa às camadas mais antigas da
tradição.
605 M a rc o s 16.5-6
106 Para os céticos que suspeitam que as mulheres confundiram um sepulcro vazio
com o sepulcro de fato de Jesus, o versículo 6 é evidência de que estavam em um
local que já lhes era familiar do versículo 15.47.
607 M a rc o s 16.7
8 N o s s a últim a visão das m u lh eres foi a co n stern açã o delas dian te d o se-
pulcro a b e rto em 16.4. O s versículos 5-7 foram d evo tad os às palavras d o anjo
p re se n te n o sep u lcro vazio. O versículo final d o s m ais antigos m an u scrito s
d o evangelho d e M arco s relata a re sp o sta das m u lheres ao an ú n cio d o anjo.
N ã o h á exclam ações, p erg u n tas n em conversas d e n e n h u m tipo. M arcos, co m
a b ru p ta objetividade, relata q u e elas saíram e fugiram d o sepulcro, to m ad as
pelo m e d o e perp lex id ad e. E las n ã o disseram n ad a a ninguém , pois estavam
co m m edo. M arcos, em u m versículo, inclui u m a série de sete resp o stas ne-
gativas p o r p a rte das m ulheres. E sses te rm o s dificilm ente descrevem te m o r
reverente diante d e u m mysterium tremendum. O versículo 8 descreve claram ente
u m a re sp o sta d e te m o r q u e in ib e a fé. A fuga das m ulheres é n arrad a n o
m esm o te m p o verbal d o m e sm o v e rb o (gr. ephygotí) u sad o p ara a fuga dos
discípulos em 14.50. O s te rm o s “ tre m e n d o ” (gr. tromos) e “ assustadas” (gr.
ekstasis) o c o rre m apenas u m a vez e duas vezes, re spectivam ente, em M arcos
107 Sobre a prom essa de ir adiante dos discípulos para a Galileia, observe a mudança
do tem po verbal no futuro em 14.28 para o tem po verbal no presente em 16.7.
609 M a rc o s 16.8
e são exp ressõ es de con stern ação . A falha das m ulh eres em falar transgride a
o rd e m d o anjo, e a referên cia final a m e d o (“ am e d ro n tad as”) re p ete a palavra
q ue o c o rre d o ze vezes em M arcos, e essa palavra em d ez dessas o co rrên cias é
claram ente negativa.108 Fica claro que M arcos n ã o tem a intenção de transm itir
n o versículo 8 reverência o u fé p o r p a rte das m ulheres, m as, sim , m ed o e fuga.
A ressu rreição n ã o dissipa m ag icam en te o te m o r e a covardia, tran sfo r-
m an d o p erso n ag en s h u m a n o s falíveis em discípulos fiéis. O discipulado fiel
co n siste de seguir Jesus, e n ã o de co n sid erar fazer isso; agir co m coragem em
favor de Jesus, em vez d e ficar à m arg em o b se rv a n d o tudo. N o sanduíche de
con clu são d o evangelho, Jo sé de A rim ateia to m a a prim eira atitude; e as m u-
lheres, a segunda. M arcos, ao lo n g o d o evangelho, alerto u que sinais, m ilagres
e p o rte n to s n ão evocam a fé (8.11 -13). A m esm a n o ta persiste n a ressurreição,
o m a io r d e to d o s os sinais: até m e sm o a visitação de anjos n o sep u lcro vazio
falha em p ro d u z ir fé. A fé vem d o ou v ir o evangelho e d o e n c o n tro pessoal
co m aquele q u e foi crucificado, m as agora re ssu scitou d e n tre os m o rto s.
A té m e sm o n o en c e rra m e n to da história, os p erso n ag en s h u m an o s falham
em o b e d e c e r à v o n tad e divina: Jesu s, em seu m inistério terren o , o rd e n a as
p esso as a silenciarem , e elas falam ; e, em seu estad o ressurreto, as m ulheres
são o rd e n ad as a falar, e elas fo g em e silenciam !109
108 Phobeesthar. 4.41; 5.15,33,36; 6.20,50; 9.32; 10.32; 11.18,32; 12.12; 16.8. As únicas
possíveis exceções a seu uso negativo em Marcos são 5.33 e 6.20. Sobre a cono-
tação negativa do versículo 8 com o um todo, veja A. Lincoln, “T he Promise and
the Failure: Mark 16:7,8” ,JB L 108 (1989), p. 286-87.
109 A similaridade das palavras entre 1.44 e 16.8 convida a essa comparação. Jesus,
na primeira ordem para silenciar no evangelho, ordena o leproso curado, mêdeni
mêden eipês (“não diga nada a ninguém”), mas esse hom em sai e proclama a notícia;
na ordem final para as mulheres para proclamar a ressurreição, elas oudeni ouden
eipan (“não disseram nada a ninguém”) e fugiram.
capítulo dezesseis
1 A evidência contra um final mais longo dos versículos 9-20 também inclui o texto
denom inado de final mais curto de Marcos; um epílogo de 34 palavras para o
evangelho que é atestado po r quatro manuscritos uncíais tardios e várias versões
de autoridade dúbia (Latina Antiga, Siríaco Harclean, saídico, boáirico e etíope).
O final mais curto ocorre em geral nos testem unhos acima entre os versículos 8 e
9-20, e traz o seguinte texto: “Elas anunciaram brevem ente a todos em torno de
Pedro todas as coisas que lhes foram ordenadas. E após essas coisas, o próprio
Jesus enviou por interm édio deles, de Leste a Oeste, a proclamação santa e
imperecível da salvação eterna. Am ém ” . Veja B. Metzger, TCGNT, p. 122-26.
2 Η. B. Swete, The GospelAccording to St Mark, p. 399.
613 M a rc o s 16.9-20
n o v e d e n tre 34 palavras são novas,3 e, n o final m ais longo, h á ou tras dezo ito
palavras adicionais que, fo ra essas o co rrên cias, n ão ap arecem em M arcos,4
além d e várias fo rm a s d e palavras e c o n stru ç õ e s sintáticas singulares.56Várias
das assinaturas estilísticas d e M arcos ta m b é m estão ausentes d o final mais
lon g o /' O final m ais lo n g o tam b ém inclui tem as peculiares a ele m esm o, alguns
d o s quais co n tra d iz em os tem as m árcanos. A s repetidas p u n içõ es severas
d o s discípulos p o r su a “in cred u lid ad e” (gr. apistein; apistia-, w . 11,14,16) em
relação à p ro clam ação d o evangelho (gr. kêrygma, w . 11,13,14,15,16-18,20)
é singular ao final m ais lo ngo, e a p ro e m in ê n cia d ad a aos sinais carism áticos
n o s versículos 17,18 está em ab so lu to c o n tra ste co m a reserv a d e Jesu s em
M arcos c o m relação aos sinais e sen sação (cf. 8.11-13).
A s evidências internas e externas, p o r conseguinte, p ed em a conclusão de
qu e 16.9-20 n ã o é o final original d e M arcos, m as, antes, um a adição p o sterio r
ao evangelho. O final m ais lo n g o é trab a lh o feito c o m frag m en to s das apari-
ções a p ó s a ressu rreição (ou resum os) extraídos d o s o u tro s três evangelhos,7
cujo p rin cip a l tem a é a d escren ça d o s discípulos (w . 11,13,14 e 16). E m b o ra
o final m ais lo n g o seja claram en te secu n d ário , é, n ão o b stan te, m u ito antigo.
As te stem u n h as m ais rem o tas ao final m ais lo n g o são da Epistula Apostelo-
rum 9— 10 (c. 145), talvez J u stin o M ártir (A p o l 1.45; c. 155), Diatessaron, de
T aciano, e Ire n e u (Adv. Haer. 3.9-12; c. 180). Isso q u e r dizer q u e o final mais
lo n g o “ tem de se r d atad o das prim eiras d écadas d o século I I ” .8 A in d a de in-
teresse em relação a essa q u estão é o fato de q u e a h a rm o n ia d a ressurreição
d o final m ais lo n g o é c o m p o sta de te x to s ex traído s em g ra n d e m ed id a da
em 16.8. E ssa é a p o sição su sten tad a pela m aioria d o s in térp re tes recentes
de M arco s.13 N e ssa visão, M arcos deixa in ten cio n alm en te a conclusão “ em
a b e rto ” . P ara alguns estu d io so s, M arco s fo rn e c e u indícios suficientes n o
c o rp o d o evangelho p ara os leitores su p rire m o relato da ressurreição p o r si
m esm o s.14 P ara o u tro s, o final in co n clu siv o faz o s leitores p arare m em sua
p re ssu p o siç ão p ara se ap ro p riare m da co n clu são da história, fo rçan d o -o s a
ap resen tar resp o stas n ão convencionais.15 Para o u tro s, o final lúcido exige que
os leito res p o n d e re m so b re a cru z e o discipulado, em vez de se refugiarem
n o en tu siasm o e triunfalism o.16A in d a o u tro s su gerem que o Jesus ressurreto,
u m a vez q ue “ o s discípulos judeus originais de Jesu s n ã o co m p re en d eram a
m en sag e m ” , deve ser e n c o n tra d o n o evangelho g en tio para leitores gentios.17
N e ssa s in terp re taçõ e s e em o u tras sim ilares, a palavra final “ am ed ro n tad as”
d o versículo 8 deixa o leitor, co m o as m ulheres, em u m estad o q u e exige um a
re sp o sta d e fé. O an ú n cio d a ressu rreição em o p o sição à aparição d o Jesus
re ssu rre to é suficiente, nessa visão, p o rq u e , p ara M arcos, a fé é p ro d u zid a
p elo ouvir, e n ão p elo ver. A co n clu são p ara o evangelho d e M arcos tem de
s e r su prid a, em o u tras palavras, pela re sp o sta d e fé de cada leitor.
O p rin cip al arg u m e n to em favor dessa visão é que n o sso s m an u scrito s
m ais confiáveis e m ais antigos te rm in a m o ev an gelho em 16.8. E sse é u m
fo rte arg u m en to , su ste n ta d o p o r excelentes estudiosos. E m m eu julgam ento,
n o en tan to , o a rg u m e n to n ã o é persuasivo. A su gestão de que M arcos deixou
o ev an g elh o “ em a b e rto ” deve-se m ais à teo ria literária m o d e rn a e, em par-
ticular à teo ria d a re sp o sta d o leitor,18 q u e à n a tu re z a d o s tex to s antigos, os
13 Para uma pesquisa das posições favorecendo um final original em 16.8, veja J. F.
Williams, “Literary Approaches to the E nd o f Mark’s G ospel” , JE TS 42 (1999),
p. 21-35.
14J. L. Magness, Sense andAbsence: Structure and Suspension in the Ending of Mark’s Gos-
pel, SBLSS (Adanta: Scholars Press, 1986), p. 14: “Marcos afirma e comunica a
ressurreição e [uma] reunião pós-ressurreição sem narrá-las” .
15 Por exemplo, M. Trainor, “T he Women, the Em pty Tomb, and That Final Verse”,
BibToday 34 (1996), p. 177-82.
16 Tam bém R. W Swanson, “ ‘They Said N othing’ ” , Currents in Theology andMission
20 (1993), p. 471-78.
17Tam bém W R. Telford, Mark, N T G (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1997),
p. 149.
18 O final inexplicável em 16.8 leva inevitavelmente a tentativas intricadas para
explicá-lo; p o r exemplo, A. Lincoln, “T he Promise and the Failure: Mark 16.7,8”,
JBL 108 [1989], p. 295-96: “E ntão o argumento é que os versículos 7,8 provêm
um encerram ento em que o leitor descobre que um conjunto de expectativas
M a rc o s 16.9-20 616
quais, co m p o u q u íssim as exceções, m o stram u m a p ro d u tiv id ad e ten az para
afirm ar con clu sõ es, e n ão sugeri-las.
V ários a rg u m e n to s im p o rta n te s p o d e m ser fo rn ecid o s em favor de u m a
visão de que 16.8 n ão era o final original, o u desejado, d e M arcos.19 P rim eiro,
e m ais im p o rta n te , é difícil im aginar u m evangelho que com eça c o m um
an ú n cio o u sa d o e re tu m b a n te d a filiação divina (1.1) te rm in a r co m u m a n o ta
de te m o r e p â n ic o (16.8). O p ro p ó sito d a co n fissão d o cen tu rião em 15.39 é
trazer o s leito res d e M arcos a u m a confissão de fé, ao p asso que a conclusão
em 16.8 deix a-o s perplexos. O b serv a-se co m frequ ência e co m co rreção
que o versícu lo 8 parece ser in te rro m p id o n o m eio d e u m a sentença, e isso
fica m ais ap a re n te em g reg o em que a últim a palavra é u m a co n ju n ção (gr.
ephobounto gar, “p o rq u e elas estavam a m e d ro n tad as” . E m b o ra as sentenças
em g re g o ra ram en te te rm in e m em ¿«7“( ־p o rq u e ”), h á apenas três exem plos
co n h e cid o s d e livros g reg o s q u e term in am d essa fo rm a .20 C o n sid eran d o -se
o vasto corpus literário g re g o q u e co n siste d e m ais d e sessen ta m ilhões de
palavras, citar três d o c u m e n to s te rm in a n d o c o m gar c o m o u m p re ced e n te
p ara M arcos é u m a evidência dificilm ente co n vincente. M arcos, d e qualquer
fo rm a , n ã o te rm in a sen tenças c o m gar, nem , ta m p o u c o , o fazem os q u atro
evangelistas ca n ô n ic o s, e isso n o s leva a p re s su p o r que a sen ten ç a o u foi
in te rro m p id a o u está in co m p leta.
C o n sid eran d o -se a centralidade d e Jesus n o evangelho de M arcos, e espe-
afle a m e n te a p ro m essa d e sua aparição aos discípulos n a Galileia (14.28; 16.7),
parece in c o n g ru e n te p ara M arco s co n clu ir co m u m an ú n cio d a ressurreição,
e n ão co m a ap arição d o Jesu s ressu rreto . A expectativa d e u m a aparição d o
Jesus re ssu rre to é ainda an tecip ad a p o r três p rev isões d a paixão, cad a u m a
das quais te rm in a e m u m an ú n c io d a ressu rreição (8.31; 9.31; 10.34), b em
co m o p elo ex em p lo de E lias em 9.9-13. O evangelho d e M arcos, m ais u m a
vez, ajusta-se em geral ao esqueleto d o kêrygma, u m esb o ç o inicial d a pregação
da vida, m o rte e re ssu rreiçã o d e Jesus. Vale a p e n a q u estio n ar p o r q u e um
produzidas pela trama anterior é revertida, mas que, na análise que isso estimula,
há uma coerência com outro padrão consistente de uma trama que apresenta uma
explicação para o choque inicial” .
19 Veja T. W. M anson, The Servant-Messiah:A Study of the PublicMinistry offesus (Cam-
bridge: Cambridge University Press, 1953), p. 93-99.
20 Apenas em Enéadas (32.5) de Plotino, em Tractatus X II de Musônio Rufo e em
Protagorasde Platão 328c; veja Lincoln, ‘T h e Promise and the Failure: Mark 16:7,8”,
JB L 108 (1989), p. 284; P. W. van der H orst, “Can a Book E nd with gar? A N ote
on M ark 16:8” , JTS 23 (1972), p. 121-24.
617 M a rc o s 16.9-20
21 Tam bém Evangelho dos nazarenos, Evangelho dos hebreas, Evangelho de Filipe, Evangelho
de Pedro, Atos de Pilatos, Epistula Apostolorum, Apócrifo de Tiago, 2Apocalipse de Tiago,
Epístola de Pedro a Filipe, Evangelho de Mani, Evangelho de Nicodemos e Questões de
Bartolomeu. E m Tomé adversário, Diálogo do Salvadora o Evangelho de Maria, o tratado
consiste de um diálogo do Salvador ressurreto com os discípulos.
M arcos 16.9-20 618
22 Temos exemplos de outros códices nos quais faltam as primeiras ou últimas folhas.
N o Cânone Muratori, que começa com a última linha descrevendo o evangelho de
Marcos, falta (pelo menos) a primeira página. D e m odo similar, a última página de
Marcos no códice W ashington (W) contém um buraco de uma perfuração e um
canto superior rasgado; e a última página de Marcos no Códice Beza (D) é escrita
com um a letra diferente, acrescentada evidentemente mais tarde para com pensar
a perda dessa última folha.
23 A dolf Schlatter sugere ainda possíveis razões para um final incompleto: algum
obstáculo que tenha interrompido o trabalho de Marcos; perseguição; a necessidade
de fugir; um chamado urgente para algum outro trabalho, deixando incompleto
o evangelho nas mãos de companheiros cristãos; ou possivelmente que Marcos
tinha a intenção de dar sequência a seu relato, com o o fez Lucas em Atos (Die
Evangelien nach Markus undLukas, p. 151-52).
24 O relato do guarda no sepulcro (Mt 28.11-15) é um acréscimo mateano corres-
pondendo a Mateus 27.62-66. Uma variante da visão que proponho foi sugerida
por A. Farrer, St. Matthew and St. Mark (London: D acre Press, 1954), ρ. 144-59.
619 M a rc o s 16.9-11
U M M O S A IC O C R IS T Ã O P R IM I T IV O D A R E S S U R R E IÇ Ã O
( 1 6 .9 ־2 0 )
“ O lim ite dos anos de autoridade de Satanás foi cum prido, m as outras
coisas terríveis se aproxim am . E , em favor daqueles que pecaram , fui
621 M a rc o s 16.15-18
A adição p o ste rio r ao final secu n d ário é in stru tiv a p o rq u e revela que a
igreja prim itiva, até m esm o d ep o is da ressureição v ito rio sa de Jesu s d en tre os
m o rto s, co n tin u av a a lu tar c o m os p ro b lem a s d o p ecad o e ten tação e culpava
sua deso bed iên cia, p elo m en o s em p a rte ao dem ônio.
m en cio n ad o . T odavia, até m esm o o sen tid o sim bólico indica q u e a p rática de
b e b e r v en e n o era co n h ecid a d o s leitores d e M arcos. A palavra q u e ele usa para
b eb id a v en e n o sa n o versículo 18 é a m esm a palavra grega (<thanasimos) usada
p o r Jo se fo e In ácio. A referên cia a b e b e r v e n e n o m o rtal sem so fre r danos,
p o r con seg u in te, sinaliza aos leitores d e M arco s q ue aqueles q u e acreditam e
seguem o evangelho têm a g aran tia da im u n id ad e c o n tra a heresia, incluindo
p o çõ e s heréticas p ara b eber.
O s versículos 16.17,18 são vistos co m frequência pelo s cristãos ociden-
tais, e m particular, co m ceticism o o u d esc artad o s c o m o superstições indignas
d a fé cristã g enuína. O p ro p ó s ito ap ro p ria d o d o s sinais, todavia, é articulado
n o versículo 20, d e q u e D e u s “ c o n firm a [va]-lhes a palavra co m sinais q u e a
aco m p a n h av am ” . O te ste m u n h o d a igreja prim itiva foi a c o m p a n h a d o p o r
sinais e p o rte n to s q u e c o rro b o ra v a m o evangelho m issionário. O m esm o é
v erd ad e em m uitas p artes d o m u n d o hoje, em especial o n d e sinais co n co -
m ita n te s ajudam a co n v e n cer o s n ã o cristão s que o D e u s cristão é m ais real
e p o d e ro so q u e as crenças e cultos religiosos locais. A referência a sinais n o s
versículos 17,18 é u m le m b re te d e q u e a fé cristã n ão é u m a ideia n em um a
filosofia, m as u m m o d o de v id a e m p o d e ra d o p elo E sp írito de D eus. A pers-
pectiv a d e S ch latter so b re os sinais carism áticos é útil: “A v ocação daqueles
q u e p ro c la m am Jesu s excede em m u ito o q u e é visível aos olhos; eles trazem
p ara o m u n d o os d o n s celestiais. E sses d o n s ta m b é m são refo rçad o s p o r
sinais que revelam a to d o s q ue a p ro teção , a ajuda e os d o n s d e D e u s estão
p resen tes c o m seus m en sag eiro s” .30
ser feitos à luz disso. O prim eiro, o final mais lon g o testifica que — em p eríodo
bastan te re m o to , e co m ce rteza n ão m ais tard e q u e as prim eiras décadas do
século II — a trad ição q u e m ais tard e ab ran g ería o N o v o T estam e n to já era
conh ecida, e os discípulos d e Jesu s reco rriam a ela c o m o fu n d a m e n to p ara a
pregação, m issão e cateq u ese (veja n. 9 acim a). A igreja, q u a n d o co n fro n ta d a
co m u m final d e M arco s q ue era co n sid erad o falho, apelou a sua tradição
evangélica, ta n to escrita q u a n to pregada, p ara retificar essa deficiência. O
final m ais lo n g o d e M arcos, p o r conseguinte, testifica q u e a igreja prim itiva,
c o n fo rm e P au lo ex o rtaria os ro m an o s, foi fo rm a d a p elo evangelho e pela
tradição q u e proclam ava (R m 6.17). O m esm o re la cio n am en to en tre a tradi-
ção evangélica e a co m u n id ad e d e fé d efine a vida d a igreja ho je que, q u an d o
requisitada a se m an ifestar em face d e p ro b lem as e deficiências, p o d e tam b ém
co m p le tar a h istó ria d e n o ssa jo rn a d a narrativa.
O seg u n d o , o final m ais lo n g o d e M arco s n o s lem b ra que o N o v o
T esta m e n to é u m p ro d u to d a igreja c o m o u m a co m u n id ad e de adoração,
confissão e crença. N ã o co n h e ceria m o s o evangelho d e Jesus C risto à p a rte
d o te ste m u n h o d a igreja n o s evangelhos e epístolas. O final m ais lon g o de
M arcos, ap esar d e suas in co n g ru ên cias, testifica q ue os evangelhos n ão são
registros h istó rico s in d ifere n tes e inexpressivos, m as, antes, são a histó ria d o
D eus en carn ad o q u e foi entregue pelas com unidades de fé na confiança de que
D e u s q u e tra n s fo rm o u a v id a deles faria, p o r in te rm é d io de seu testem u n h o ,
o m esm o co m seus leitores.
P o r fim , o final in co n clu siv o em 16.8 n ã o p õ e em risco o te stem u n h o
cristão p rim itiv o d a ressureição d e Jesu s d e n tre os m o rto s. E m b o ra M arcos
seja pro v av elm en te o p rim eiro evangelho a ser escrito, n ão é o relato m ais
antigo d a ressureição. P aulo, escrev en d o em 1 C o rin tio s 15 cerca de um a
década antes d e M arcos, ap re se n ta o relato m ais an tigo d o ev en to que fica
n o cen tro d a h istó ria e fo rn e c e sen tid o a ela. O an ú n cio d o an jo em M ar-
cos 16.6 p re ssu p õ e a ressureição.31 A igreja prim itiva, ap esar d e diferenças
so b re ev en to s p articu lares em to rn o d a ressureição, ap resen ta u m ú n ico e
ineq u ív o co te ste m u n h o de que D e u s re ssu scito u Jesus d en tre os m o rto s. A
igreja declaro u p ara sua ép o ca, co m o o faz p ara a n o ssa, que “vocês o verão,
co m o ele d isse” (16.7).
E eles foram para a Betânia. E havia um a m ulher ali, cujo irm ão estava
m orto. E ela veio e se p ro stro u diante de Jesus, dizendo a ele: Filho de
D avi, tenha m isericórdia de mim. C ontudo, os discípulos a repreende-
ram. E Jesus, com raiva, foi em bora com ela para o jardim onde ficava
o sepulcro; e im ediatam ente um a voz alta proveniente do sepulcro foi
ouvida; e Jesus seguiu em frente e rolou a pedra da po rta do sepulcro.
E ele, de im ediato, entrou o n d e estava o jovem, estendeu sua m ão e o
ressuscitou, pegando-o pela mão. C ontudo, o jovem olhou para ele e o
am ou, com eçando a im plorar a Jesus para que pudesse perm anecer com
este. E quando saíram do sepulcro, entraram na casa do jovem; pois este
Apêndice: 0 evangelho secreto de Marcos 626
era rico. Jesus, após seis dias, com issionou o jovem ; e à noite, esse jovem
veio a ele, vestido apenas com um lençol de linho sobre o corpo nu. E
ele perm aneceu com Jesus aquela noite; pois este estava ensinando a ele
os m istérios d o Reino de Deus. E , dali, ele foi em bora e reto rn o u ao
ou tro lado d o Jordão.
1 Veja M. Smith, Clement of Alexandria anda Secret Gospel of Mark (Cambridge, MA:
Harvard University Press, 1973); do mesmo autor, The Secret Gospel: The Discovery
and Interpretation of the Secret GospelAccording to Mark (New York: H arper & Row,
1973).
2 Em janeiro de 1999, visitei M ar Saba e pedi para ver o manuscrito em questão.
Foi-me dito que o manuscrito fora transferido de Mar Saba para o Patriarcado
Ortodoxo Grego em jerusalém . E m Jerusalém, meu pedido para ver o manuscrito
foi evitado pelos monges, e, desde esse episodio, ouvi dizer que o paradeiro dessa
obra é desconhecido.
3 Tam bém H. Koester, Ancient Christian Gospels: Their History and Development (Phi-
ladelphia: Trinity Press International; London: SCM Press, 1992), p. 293-303; J.
M. Robinson, “Jesus: From Easter to Valentinus (or to the Apostles’ Creed)” ,
fB L 101 (1982), p. 5-37; J. D. Crossan, Four Other Gospels: Shadows on the Contours
of Canon (Minneapolis: W inston, 1985).
627 A p ê n d ice : 0 e v a n g e lh o s e c re to d e M a rc o s
pela m aioria d o s estu d io so s.4 A razão m ais im p o rta n te p ara esse julgam ento é
que o m aterial alegado p o r M o rto n S m ith n ão aparece em n e n h u m o u tro pai
d a igreja e em n e n h u m d o s te ste m u n h o s de m ilhares de m an u scrito s antigos
d o evangelho de M arcos. A lém disso, q ue o Evangelho secreto deMarcos é um a
adição tardia ao M arcos can ô n ico está p raticam en te p ro v a d o pelo fato de que
“ fo ra m p ara B etân ia” é u m an a cro n ism o ev id en te n o tex to de M arcos, um a
vez q u e Je su s e os discípulos ainda n ão tin h am id o p ara Jericó (M c 10.46),
e B etânia fica d ep o is d e Jericó . P o r fim , os carp o cracian o s m en cio n ad o s a
C lem en te p o r T eo d o ro só surgiram em m ead o s d o século II, o u seja, um
século d ep o is da co m p o siçã o de M arcos. N ã o re sta a m e n o r dúvida q u e o
trec h o p ro d u z id o p o r M o rto n S m ith ap arece em d a ta consideravelm ente
p o ste rio r a M arcos.
O d ito Evangelho secreto de Marcos, de m o d o geral, p arece ser u m a falsi-
ficação, sen d o difícil afirm ar se m o d e rn a o u antiga.5 P elo m en o s duas ob-
serv ações su g erem u m a falsificação m o d e rn a , talvez pelo p ró p rio M o rto n
S m ith. U m a é q u e este acreditava q u e Jesu s era u m m ágico, e o Evangelho
secreto de Marcos p ro d u z id o p o r ele sugere, o q u e causa m uita suspeita, essa
visão.6 U m a seg u n d a o b serv ação é q u e o tex to d o Evangelho secreto de Marcos
n ã o ap resen ta n e n h u m d o s erro s típicos d a tran sm issão m anuscrita, levando
alguns estu d io so s à co n jec tu rar q u e o tre c h o d e M o rto n S m ith talvez fosse a
co m p o siçã o original.7 N ã o o b sta n te , é possível esp e rar q u e u m a falsificação
p o r M o rto n Sm ith p ro d u z a trec h o s m e n o s frag m en tad o s e u m trec h o que
leva ain d a m ais a sua visão d e Jesu s c o m o u m m ágico. P o rtan to , p o d e ser que
o Evangelho secreto de Marcos seja u m a falsificação antiga, típica de adições e
ad ulterações d o s evangelhos can ô n ico s q u e surgiram em especial d u ra n te o
apogeu d o gno sticism o n o século II. O tex to é u m a u nião óbvia da história do
ressu scitar de L ázaro em J o ã o 11 c o m a d o g o v e rn a n te rico de M arcos 10.17-
22. O a ssu n to d o tex to é re m in iscen te d e tem as e interesses esotéricos de
m u ito s evangelhos e d o cu m e n to s q ue n o s são fam iliares de N a g H am m ad i