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Blog Ostras & Pérolas

Ano 1 - nº 9 - 12 de agosto de 2018

Educação 4.0 X Educação 0.0 – as DCNs, cursos & profissões


As diretrizes curriculares nacionais (DCNs), em substituição aos engessados currículos mínimos,
surgiu no bojo da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, por conversão da Medida Provisória nº
1.159, de 26 de outubro de 1955. Essa novela teve início em 18 de outubro de 1994, pela Medida
Provisória nº 661, que extinguiu o então Conselho Federal de Educação e criou, em substituição, o
Conselho Nacional de Educação. Grande mudança! Essa MP foi firmada pelo então presidente da
República, Itamar Franco, e pelo seu ministro da Educação, Murilo de Avellar Hingel. A MP nº 661 foi
reeditada por doze vezes, até a MP nº 1.159, de 1995, quando foi convertida na citada Lei nº 9.131,
recepcionada pela Lei no 9.394, de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional –
LDB. Durante treze meses, o CFE ou CNE foi substituído por uma Comissão Especial, sobre a
presidência do ministro da Educação, mas operacionalizada por seu gabinete.
A Lei nº 9.131, de 1995, deu nova redação aos arts. 6º, 7º, 8º e 9º da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
1961, a 1ª LDB. O Conselho Nacional de Educação (CNE) foi instituído com duas câmaras: Câmara de
Educação Básica (CEB) e Câmara de Educação Superior (CES). Entre as atribuições da CES a
mencionada lei inclui a de “deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo Ministério da
Educação e do Desporto, para os cursos de graduação” (Art. 9º, § 2º, alínea “c”), há tempos Ministério
da Educação (MEC). Tiraram a cultura da Educação, mas mantiveram a sigla MEC. E o Ministério do
Esporte é aquele cabide de emprego que conhecemos.
A CES/CNE desencadeou o processo das DCNs, com a designação de uma comissão com a atribuição
de estabelecer as diretrizes gerais para a elaboração das diretrizes curriculares de cada curso de
graduação – bacharelado, licenciatura e tecnólogo. Esses estudos resultaram no Parecer CNE/CES nº
776/1997. Esse parecer tem por objetivo “assegurar a flexibilidade e a qualidade da formação oferecida
aos estudantes”. Na elaboração das propostas das DCNs, a CES deveria:
1. assegurar, às instituições de ensino superior, ampla liberdade na composição da
carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na
especificação das unidades de estudos a serem ministradas;
2. indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-
aprendizagem que comporão os currículos, evitando ao máximo a fixação de conteúdo
dos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50%
da carga horária total dos cursos;
3. evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação;
4. incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa
vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção
do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em
um mesmo programa;
5. estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia
profissional e intelectual do aluno;
6. encorajar o reconhecimento de habilidades, competências e conhecimentos adquiridos
fora do ambiente escolar, inclusive os que se refiram à experiência profissional julgada
relevante para a área de formação considerada;
7. fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e
coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão;
8. incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem
instrumentos variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca do
desenvolvimento das atividades didáticas. (grifei)
O Parecer CNE/CES no 492/2001 fixou as primeiras diretrizes curriculares, contemplando os cursos de
graduação em Filosofia, História, Geografia, Serviço Social, Comunicação Social, Ciências Sociais
(Antropologia, Ciência Política e Sociologia), Letras, Biblioteconomia, Arquivologia e Museologia.
Esses pareceres e os que se seguiram descumpriram integralmente as diretrizes gerais estabelecidas
pela própria CES, em especial, as que determinam:
 assegurar às IES “ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a
integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem
ministradas” − essa “ampla liberdade” deixou de existir a partir do excessivo conteúdo
obrigatório de disciplinas, além da fixação de carga horária mínima para diversas unidades
curriculares, como acontecia com os currículos mínimos;
 indicar apenas “tópicos ou campos de estudo” e evitar “ao máximo a fixação de conteúdo dos
específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga
horária total dos cursos” – em todas as DCNs esse limite de 50% foi ultrapassado, passando para
90 e até 100% e em vez de “tópicos ou campos de estudo”, voltou-se aos tempos dos currículos
mínimos; algumas DCNs chegam perto da ementa de cada disciplina;
 “evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação” – a carga horária
mínima de todos os cursos de graduação foi aumentada, algumas em até 35%, na contramão das
recomendações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco), consagradas no documento “Educação para o Século XXI”, constantes do chamado
“Relatório Delors”;
 “incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar
os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento,
permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa” – a
“sólida formação geral” foi um engodo, com a criação de “ênfases curriculares” em substituição às
habilitações.
Por outro lado, a CES não acompanhou a evolução das profissões e da educação superior mundo afora
e as transformações eletrizantes que estão ocorrendo, quando a 4ª revolução industrial (Revolução 4.0)
está em pleno desenvolvimento, atingindo de forma radical todos os setores da economia. Profissões
novas, profissões extintas, profissões em perspectivas latentes são totalmente ignoradas pelo Conselho
Nacional de Educação e os demais órgãos do Ministério da Educação (MEC). Nesses quase vinte anos,
a CES alterou somente as DCNs para a formação do magistério para a educação básica, para o curso
de Medicina, em decorrência da Lei do Mais Médicos – ou melhor a “Lei do Mais Médicos Cubanos”
–, Arquitetura e Urbanismo, desmembrou algumas habilitações do curso de Comunicação, uma
herança da ditadura militar, e uma ínfima alteração no estágio supervisionado do curso de Direito. As
DCNs para o curso de Engenharia é uma aberração. Neste segundo semestre de 2018, existem em
funcionamento mais de quarenta cursos de engenharia com denominações e objetivos diferenciados,
mas que estão engessados pelas DCNs da Engenharia, fixadas há dezessete anos – Resolução
CNE/CES nº 11/2002 (Parecer CNE/CES nº 1.362/2001).
Na contramão da história ainda temos a regulação de profissões, impondo restrições ou, na prática,
ampliando as DCNs, com exigência de conteúdos ultrapassados. Algumas corporações tentam
interferir no processo de formação profissional, quando o seu objetivo, por lei, é supervisionar,
fiscalizar o exercício da profissão de seus membros. Esse é um atraso difícil de ser rompido, por se
tratar de órgãos do Estado, altamente burocratizados, que empregam milhares de pessoas.
As IES da livre iniciativa, controladas abusivamente pelo Estado, estão impedidas de avançar na
oferta de cursos para novas profissões, porque serão considerados “experimentais”, levando
insegurança jurídica aos demandantes a esses possíveis cursos inovadores.
O CNE e a sua Câmara de Educação Superior são, na realidade, um grande cartório, envolvido no
emaranhado dos processos de credenciamento e recredenciamento de IES e de autorização,
reconhecimento e renovação de cursos superiores mantidos pela livre iniciativa. E só. Desde que foi
criada, a CES não desenvolveu e publicou qualquer estudo que pudesse contribuir para a evolução da
educação superior. São milhares de pareceres, nesses 23 anos de existência, voltados para a burocracia
da regulação, a ânsia de poder sobre a livre iniciativa, para controlar e intervir indevidamente. Mas é o
que temos... Infelizmente.
Mas, outros aspectos do referido Parecer CNE/CES nº 776/1997 ainda são ignorados ou trabalhados
sem o devido comprometimento com os seus princípios. Tanto pelo MEC quanto por grande parte das
instituições de ensino superior (IES). Vamos destacá-los:
 “estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia profissional
e intelectual do aluno” – o “estudo independente” foi transformado em “atividades
complementares”; esse “estímulo” não é contemplado com a ênfase que se espera para o
desenvolvimento das atividades complementares, uma inovação que poderia oxigenar as
graduações, mas que não são avaliadas pelo MEC e são operacionalizadas burocraticamente
por grande maioria das IES da livre iniciativa, restringindo-se apenas a carimbar certificados
ou relatórios, sem a oferta de eventos diversos, que poderiam ampliar a formação do egresso;
 “encorajar o reconhecimento de habilidades, competências e conhecimentos adquiridos fora
do ambiente escolar, inclusive os que se refiram à experiência profissional julgada relevante
para a área de formação considerada” – o MEC não tem nenhum indicador no instrumento
de avaliação in loco que avalie o “reconhecimento de habilidades, competências e
conhecimentos adquiridos fora do ambiente escolar”; as IES da livre iniciativa muito menos,
algumas nem possuem normas para esse processo ou dificultam, ao máximo, a análise de
possíveis pedidos nesse sentido;
 “fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva,
assim como os estágios e a participação em atividades de extensão” – o instrumento de
avaliação in loco adotado pelo MEC é igual para todos os cursos; a teoria com a prática não
tem avaliação diferenciada; trata-se de avaliação superficial, somente mais detalhada para as
licenciaturas e os “cursos imperiais” – Direito e Medicina; por questões mais financeiras do
que didático-pedagógicas, os estágios supervisionados, com as raras exceções de praxe, são
realizados burocraticamente, com mero reconhecimento de relatórios; as metodologias ativas,
como, por exemplo, o PBL (Problem Based Learning) ou Aprendizagem Baseada em Problemas
(ABP), são uma inovação adequada ao desenvolvimento da teoria e prática juntas, um dos
pilares da educação para o século 21, segundo recomendação da Unesco, desde seu congresso
de 1998, em Paris; a iniciação científica não tem nenhum indicador e critério de análise para a
produção científica dos discentes;
 “incluir orientações para a condução de avaliações periódicas que utilizem instrumentos
variados e sirvam para informar a docentes e a discentes acerca do desenvolvimento das
atividades didáticas” – “instrumentos variados” não existem, como afirmei anteriormente, o
instrumento é único; por outro lado, as avaliações in loco são apressadas e, na prática,
reduzidas a dois dias. Não há como avaliar a qualidade de um curso superior numa rápida
passagem de dois dias por uma IES.

Voltaremos ao tema Educação 4.0 X Educação 0.0 no próximo dia 26

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