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CARTOGRAFIA

TEMÁTICA

Prof. Dr. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

SUMÁRIO

1. PRECEITOS, TÉCNICAS E APLICAÇÕES DA CARTOGRAFIA TEMÁTICA .............. 3

2. CARTOGRAFIA TEMÁTICA PARA PROJETOS CARTOGRÁFICOS ...................... 19

3. MÉTODOS, TIPOS E CARACTERÍSTICAS DE MAPAS TEMÁTICOS .................... 35

4. TRATAMENTO DOS DADOS E APLICAÇÃO DAS VARIÁVEIS VISUAIS EM MAPAS


TEMÁTICOS ...................................................................................................... 51

5. CARTOGRAFIA TEMÁTICA E SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS .... 67

6. CARTOGRAFIA TEMÁTICA APLICADA ÀS SUBDISCIPLINAS DA GEOGRAFIA ... 83

7. GEOPROCESSAMENTO: USOS E APLICABILIDADE ....................................... 100


PRECEITOS, TÉCNICAS E
APLICAÇÕES DA
CARTOGRAFIA TEMÁTICA
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira


1. PRECEITOS, TÉCNICAS E APLICAÇÕES DA CARTOGRAFIA TEMÁTICA

INTRODUÇÃO

A representação de objetos e fenômenos espaciais é uma necessidade


da organização social que resultou num processo de desenvolvimento contínuo
desde as sociedades antigas. A Cartografia Temática nasceu como
consequência da Revolução Científica, cujos novos ramos do conhecimento
demandaram representações específicas que explicassem os fenômenos e não
apenas atribuíssem a localização dos objetos observáveis da paisagem.
Mapas são considerados meios de comunicação e, portanto, transpõem
mensagens com uso de uma linguagem gráfica. Algumas teorias cartográficas
embasaram essa discussão, como a Teoria da Comunicação, Teoria Geral dos
Signos (Semiologia Gráfica), Teoria da Modelização, Teoria da Cognição e,
mais recentemente, a Visualização Cartográfica.
A Cartografia Temática sempre conciliou aspectos artísticos, técnicos e
científicos. No contexto recente, os recursos da informática e da internet
trouxeram novas possibilidades, conceitos e utilidades para os mapas
temáticos. Essa característica é importante para situar a importância do
conhecimento sobre os preceitos, as técnicas e aplicações da Cartografia
Temática, desde sua estruturação até os dias de hoje.

1.1 A HISTÓRIA E A EVOLUÇÃO DA CARTOGRAFIA TEMÁTICA

A representação de fatos com ocorrência espacial consta como


elemento comunicativo desde antigas sociedades, perpassando diversos
períodos históricos, culturas e contextos científicos. A elaboração de mapas,
assim, sempre foi condizente às demandas sociais e aos recursos tecnológicos
disponíveis em cada momento da história. As maneiras de conceber e construir
um mapa, desde os desenhos em cavernas de outrora até os atuais web
mapas em smartphones, vêm continuamente se alterando. Entretanto, a ideia
principal se mantém: representar, graficamente, objetos e fenômenos com
ocorrência espacial.

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A origem da Cartografia Temática está relacionada à denominada
Revolução Científica, a partir do século XVI e cujo auge ocorreu entre os
séculos XVIII e XIX. Até então, a Cartografia enfatizava o aspecto de
localização de fatos geográficos sem que houvesse, necessariamente,
preocupações com o conteúdo ou com as possíveis informações que os mapas
poderiam oferecer aos leitores ou usuários. Até então, os mapas buscavam
responder "onde?", mas não "o quê?". Esse cenário começou a mudar com a
sistematização de alguns ramos do conhecimento, que ganharam corpo
teórico-metodológico específico e se tornaram ciências independentes, tal
como a própria Geografia.
Para compreendermos essa transição, é importante considerar o
conhecimento cartográfico acumulado até o Revolução Científica. Enquanto
muitas sociedades antigas proveram as bases acerca da compreensão
geométrica da Terra (com ênfase no sistema cartográfico proposto pelos
gregos, mas também os egípcios, chineses e mesmo o conhecimento
astronômico dos maias), a civilização europeia renascentista emergia no
Mercantilismo e no período das Grandes Navegações. Para favorecer tanto o
comércio quanto a exploração, os mapas se tornaram instrumentos
indispensáveis à orientação. Como consequência, houve um avanço de ordem
técnica: a precisão das medições passou a ser um elemento imprescindível,
para além dos aspectos meramente artísticos e ilustrativos que os mapas
medievais dispunham.
Com a estruturação de novos campos científicos, apenas evidenciar a
localização espacial dos fatos observáveis da paisagem era, muitas vezes,
insuficiente para transcrever informações espaciais específicas. Era preciso,
também, trazer um significado explicativo para o mapa, para além de
elementos geométricos ou essencialmente topográficos: surgem, assim, os
temas. Essa é uma ruptura entre a denominada Cartografia Geral (ou
sistemática, de base) para a recém concebida Cartografia Temática (ou
especial). Destaca-se que "as representações temáticas não estão apartadas
das topográficas e sim, se acrescentaram a elas" (Martinelli e Graça, 2015, p.
914).
As análises puramente descritivas do espaço geográfico, decorrentes da
corrente epistemológica da Geografia Tradicional, eram atendidas pela
Cartografia Geral. Contudo, análises mais complexas resultaram em métodos

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temáticos de mapeamento. Para Duarte (1991, p. 137), “nos trabalhos da
Cartografia Temática, partimos, geralmente, de um fundo básico ou mapa de
fundo que nada mais é do que o conjunto de traços que serve de suporte para
a informação a ser dada sobre determinado tema através de simbologia
adequada”. Isso significa que, embora a distribuição dos fatos geográficos seja
importante, a cartografia temática atende demandas mais específicas.
Martinelli e Graça (2015) realizaram uma ampla discussão sobre a
estruturação da Cartografia Temática e destacaram que os mapas de Edmund
Halley são considerados os pioneiros das representações temáticas
estruturadas e com um método gráfico apropriado. Trata-se de dois mapas do
Oceano Atlântico: um com os ventos alísios e monções, publicado em 1686, e
outro das declinações magnéticas, de 1701. Entretanto, o termo “Cartografia
Temática”, segundo Queiroz (2007), surgiu somente em 1934, na Alemanha.
Posteriormente, as representações (tanto na forma de mapas quanto na
forma de gráficos) foram criadas e adaptadas seguindo demandas particulares
de cada ramo científico, tais como geologia, geomorfologia, climatologia,
demografia e economia. Ou seja, de modo concomitante à evolução das
interpretações sobre os objetos de cada disciplina, os mapas precisaram
responder perguntas sobre as propriedades intrínsecas à espacialização dos
referidos objetos. Novos conceitos e novas teorias resultavam em novos
métodos de representação, ora para explicitar aspectos qualitativos, ora
aspectos quantitativos. A simbolização passou a ser destacada como elemento
principal.
Como exemplo da relação entre fatores históricos e a estruturação da
Cartografia Temática, ressalta-se o Pós-Guerra em meados do século XX. As
perspectivas nacionalistas da época tiveram reflexo na produção de mapas,
pois a elaboração de atlas nacionais, compilando temas físico-naturais e
socioeconômicos, tornou-se um símbolo de soberania dos países (Martinelli e
Graça, 2015). A popularização dos mapas temáticos, portanto, decorre da
aplicabilidade dos produtos cartográficos como ferramenta auxiliar à
interpretação da realidade.
Numa perspectiva evolutiva do conhecimento cartográfico, o aparato
técnico sempre foi o meio, enquanto a mensagem (o conteúdo) sempre foi o
fim. Isso significa, na prática, que o desenvolvimento da informática, dos
Sistemas de Informações Geográficas, dos softwares de Geoprocessamento,

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dos produtos derivados do Sensoriamento Remoto e da internet trouxeram
novos significados e responsabilidades para a Cartografia Temática, com
potencialidades e limitações que devem ser consideradas durante a fase de
estruturação do projeto cartográfico e também na fase de utilização dos
produtos. Salienta-se, por fim, a importância de conhecer os métodos
adequados de representação para a produção de mapas com simbologias
adequadas ao conteúdo e aos usuários.

1.2 O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO VISUAL

Tal como ocorre na comunicação verbal, a transposição de uma


mensagem por intermédio de um mapa depende da atribuição dos signos
adequados. Os signos, por sua vez, são compostos de significados (o
conteúdo, a ideia) e significantes (expressão do conteúdo). No caso da
linguagem verbal, o significante pode ser sonoro (durante a fala) ou visual
(durante a escrita); no caso da linguagem cartográfica, o significante é uma
representação gráfica, uma imagem, expressa por símbolos.
Na Cartografia Temática, o processo de comunicação visual é o cerne
da disciplina. Considera-se que mapas são uma forma de comunicação, pois
conjugam “as propriedades da linguagem visual, expressa na imagem formada
pelo arranjo de tonalidades, cores, formas e texturas, com a linguagem sonora
(escrita), presente no título, na legenda, na toponímia (os nomes dos lugares
ou objetos) e em outras partes do mapa” (Oliveira, 2004, p. 38).
Por ser um meio comunicativo, a relação entre o produtor do mapa, a
mensagem e os usuários deve ser sempre considerada. Da mesma maneira
que nem todas as pessoas compreendem os signos do idioma japonês, a
atribuição de símbolos inadequados num mapa pode ocasionar ruídos na
expressão gráfica da informação. Archela (1999, p. 5) salienta que “é
importante lembrar que na medida em que o usuário deixa de ser passivo
diante de uma mensagem comunicada através de uma imagem, na tentativa de
compreendê-la, estabelece-se um processo de decodificação”.
O processo de comunicação cartográfica contempla uma série de
avaliações prévias, etapas conceituais e procedimentos metodológicos,
conforme será detalhado nas aulas subsequentes. Inicialmente deve-se

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considerar as características dos usuários, pois um um estudante do Ensino
Fundamental efetua a leitura do mapa temático de modo mais simplificado se
comparado a um engenheiro cartógrafo, por exemplo, ainda que o conteúdo da
representação (significado) seja o mesmo. Ou seja, o nível de alfabetização
cartográfica prévio ou pretendido (no caso de mapas para fins didáticos) é um
parâmetro que norteia a elaboração do projeto de um mapa temático.
A determinação da simbologia, posteriormente, também tem relação
com as características do tema a ser representado. Numa perspectiva
semiológica (que atribui significado único para a mensagem), os dados que
compõem um mapa temático podem ter relações de similaridade / diversidade,
ordem ou proporcionalidade. Um mapa dos biomas brasileiros, por exemplo,
expressa uma relação de diversidade (qualitativa); um mapa sobre a
classificação da influência das capitais brasileiras indica uma relação de ordem
(hierárquica); um mapa sobre a população municipal do Brasil representa uma
relação proporcional (quantitativa).
Cada uma das relações pode ser representada com uma simbologia
específica que melhor traduza, graficamente, o significado da mensagem. Tais
relações exemplificadas anteriormente "consistem nos significados da
representação gráfica e são expressas pelas variáveis visuais (tamanho, valor,
textura, cor, orientação e forma), que são significantes" (Archela, 1999, p. 6).
Reforça-se que, como citado anteriormente, os mapas temáticos são somados
aos elementos da Cartografia Geral e, portanto, devem indicar elementos de
base (como grade de coordenadas, informações sobre o sistema de referência
e localização).
A comunicação cartográfica abarca as seguintes questões: "o quê?",
"para quem?" e "como?". As respostas dão suporte e embasam a elaboração
do projeto cartográfico. Recentemente, com os recursos tecnológicos
disponíveis, as possibilidades de criação e utilização de mapas vêm
aumentando o leque de representações. A Cartografia cada vez mais interativa
exige que a comunicação seja condizente à popularização da geoinformação,
isto é, que os mapas temáticos não sejam restritos apenas a grupos
profissionais específicos. A linguagem cartográfica, no século XXI, torna-se
cada vez mais universalizada mediante a aplicabilidade no cotidiano.
Os mapas impressos pouco a pouco foram incorporados aos
computadores, como arquivos digitais, e tais representações outrora estáticas

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vêm se tornando cada vez mais dinâmicas com recursos gráficos animados. A
comunicação é influenciada tanto pelas demandas da sociedade quanto pelo
nível tecnológico disponível. Daí a importância de destacar, mesmo em
ambiente computacional, o tratamento gráfico da informação: o tema a ser
representado é manifestado de que maneira no espaço geográfico? Qual é a
escala de representação? Os símbolos são condizentes às características
intrínsecas ao tema? O layout possui organização e caráter informativo?
Martinelli (2007) diferencia mapa "para ver" do mapa "para ler", no qual o
primeiro é assimilado de modo instantâneo e o segundo demanda maior
atenção e análise. Além disso, a compreensão do conteúdo ocorrerá de modo
mais rápido se os símbolos apresentarem maior independência em relação à
legenda. Isso significa que se os símbolos não apresentarem relação com os
conceitos do tema, a consulta à legenda será constante e a leitura do mapa
dependerá do fator de memorização. Isso explica porque mapas turísticos,
majoritariamente, trazem elementos pictóricos (de fácil assimilação) para
indicar temas de interesse.
Em suma, destaca-se que o processo de comunicação cartográfica
provém uma intermediação entre a emissão e a recepção de uma mensagem
transcrita por um mapa. Como síntese do processo comunicativo, Sampaio
(2019) apresenta as seguintes etapas: definição do usuário, definição do
objetivo, análise da informação, análise do veículo de comunicação, análise do
layout e da percepção e, por fim, testes com usuários e rascunhos para a
obtenção do material gráfico final.

1.3 AS TEORIAS CARTOGRÁFICAS APLICADAS À ELABORAÇÃO DE MAPAS


TEMÁTICOS

Desde a estruturação da Cartografia Temática, com a Revolução


Científica, as preocupações com a comunicação cartográfica vêm se
destacando em paralelo à evolução técnica. A concepção de que um mapa não
é compreendido de igual modo por grupos distintos embasa essa discussão,
uma vez que cada representação traga consigo intencionalidades e muitos
elementos subjetivos. Um mapa é uma representação da realidade e, como tal,
pode conter diversas interpretações inerentes ao conteúdo transcrito.

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Muitas limitações e potencialidades apontadas por cada teoria auxiliaram
a responder questões que trouxeram novas perguntas. Esse ciclo é
fundamental para o avanço científico, pois cada período possui especificidades
em relação aos temas, aos produtores, aos usuários e aos modos de efetuar a
comunicação com emprego de mapas. Martinelli (2007) destaca que a década
de 1960 marcou uma segunda fase da denominada Cartografia Científica, com
ênfase nas questões dialógicas. A primeira fase, no século XIX, marcou a
estruturação de metodologias pioneiras para representações temáticas.
Entre as teorias cartográficas de maior relevância para as reflexões
acerca da produção de mapas temáticos, conforme Archela e Archela (2002) e
Queiroz (2007), destacam-se: Teoria da Comunicação, Teoria Geral dos
Signos (Semiologia Gráfica), Teoria da Modelização, Teoria da Cognição e,
mais recentemente, a Visualização Cartográfica.
Na Teoria da Informação, o mapa é tratado como um veículo de
informação. Essa teoria foi uma das precursoras nas discussões específicas da
comunicação cartográfica. Considera-se que, assim como outros meios
comunicativos, a relação entre emissor (o produtor do mapa), mensagem
(traduzida pelo mapa, que é o canal de transmissão) e receptor (o usuário) é
complementar e pode apresentar ruídos. Nesse sentido, o mapa é um sistema
aberto: a informação pode ter distintos significados, caracterizando a
denominada linguagem polissêmica. Na prática, isso significa que o mapa
temático depende tanto do conhecimento prévio do produtor quanto do usuário
e de seus respectivos repertórios sobre o conteúdo tratado.
Na Teoria Geral dos Signos, em contrapartida, considera-se que o
produtor e o usuário do mapa devem estar em condições iguais no processo
comunicativo. Ou seja, a transmissão do conteúdo não pode ser dúbia e, para
isso, os símbolos (conjunto de signos) adotados para a representação têm a
necessidade de indicar um significado único: eis o princípio da linguagem
monossêmica, na qual os símbolos têm significados universais e objetivam
eliminar subjetividades no processo comunicativo para a compreensão
imediata.
Essa teoria é primordial para a Cartografia Temática e foi amparada
pelos preceitos da Semiologia Gráfica, na qual Jaques Bertin definiu " as regras
que regem a redação gráfica [...] baseadas em mecanismos de percepção
visual" (Martinuci, 2016, p. 44). De acordo com a obra de Bertin (1967), o olho

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humano possui seis propriedades perceptivas e com base nessa característica
foram definidas as variáveis visuais: cor, valor (ou intensidade da cor),
tamanho, forma, orientação e textura (também chamada de granulação). Tais
variáveis são aplicadas nas representações gráficas e podem ser comparadas
à função do alfabeto na linguagem escrita, tamanha sua importância para a
Cartografia Temática.
Na Teoria da Modelização o mapa é concebido como um modelo da
realidade. Essa característica decorre da corrente epistemológica da Geografia
Teorética-Quantitativa, que priorizou o raciocínio estatístico e matemático para
explicar os fenômenos da natureza e da sociedade. Os mapas temáticos,
portanto, traduziam esses conceitos graficamente. As representações
deveriam, nessa perspectiva, evitar elementos subjetivos ou que não fossem
estruturadas sob preceitos positivistas (hipóteses científicas acerca dos temas).
Na Teoria Cognitiva, o mapa é considerado uma fonte variável de
informação. Considera-se o nível de conhecimento dos usuários como
elemento central para a produção de mapas. Trata-se de uma abordagem mais
voltada para aspectos subjetivos e individuais, tais como os mapas mentais.
Essas discussões foram essenciais, por exemplo, para o ensino de Geografia:
professores têm capacidades de leitura cartográfica superiores aos alunos de
Ensino Médio, que por sua vez têm repertório superior aos alunos de Ensino
Fundamental. O produtor do mapa, assim, deve considerar tais características.
A transposição da informação não é limitada a aspectos relacionados à visão,
senão também à psicologia e fatores afins.
Essas quatro teorias apresentadas até aqui foram enfatizadas durante a
década de 1960 e 1970 e, até chegarmos nas perspectivas da Visualização
Cartográfica, já no século atual, Girardi (2003) considerou outras três
perspectivas importantes que auxiliaram nessa transição durante a década de
1980 e 1990: os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), a alfabetização
cartográfica e a linguagem dos mapas.
De modo gradativo, a inserção da tecnologia trouxe novas tendências às
teorias cartográficas, complementando as perspectivas comunicativas e
cognitivas. É nesse contexto que emerge a denominada Visualização
Cartográfica, com ênfase nos recursos computadorizados e de multimídia para
aumentar a interatividade na utilização dos mapas (Slocum et al., 2009). Nesse

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cenário, a Cartografia ganhou novas possibilidades (inclusive de exploração
das informações) para além de representações estáticas e bidimensionais.

1.4 A PRODUÇÃO DE MAPAS TEMÁTICOS NO ÂMBITO DA CARTOGRAFIA


DIGITAL

A popularização da informática e das geotecnologias nas últimas


décadas resultou numa nova fase da Cartografia Temática, agora em
plataformas digitais. Pouco a pouco os conceitos temáticos e os recursos
gráficos foram incorporados em softwares de geoprocessamento, enquanto
novos recursos foram viabilizados pelos computadores e posteriormente pela
internet. Destaca-se, inicialmente, que a elaboração de mapas temáticos em
ambiente digital também depende dos elementos de referência da cartografia
de base – desde a definição do sistema de projeção até a inclusão de
elementos orientativos.
Uma das principais questões para a produção de mapas é a aquisição
de dados geoespaciais. Há, no contexto atual, uma disponibilidade cada vez
maior de dados, o que é um aspecto muito positivo. Entretanto, a qualidade dos
dados nem sempre é confiável e isso afeta diretamente os resultados das
representações. Conhecer a origem e as características dos dados utilizados
no projeto é essencial, daí a importância dos metadados (que contêm as
informações sobre a história dos dados).
Os dados geoespaciais podem ser vetoriais (indicados por pontos, linhas
ou polígonos, que são as primitivas gráficas) ou matriciais (com estruturas em
pixels ou células, tais como em imagens de satélite, também conhecidos como
dados raster). Temas com ocorrência discreta no espaço (como unidades
florestais ou estádios de futebol) são comumente representados por vetores,
enquanto temas com ocorrência contínua (como a temperatura) são
representados por matrizes.
Sendo os dados geoespaciais consistentes (primários ou secundários), a
próxima questão vincula-se à escala dos dados e à escala pretendida para o
mapa final. Nos dados matriciais, a escala pode ser definida com base no
tamanho do pixel (resolução espacial). Nos dados vetoriais, depende da escala
de aquisição no momento do "desenho". Recomenda-se seguir as normas

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técnicas estabelecidas pela Especificação Técnica para o Controle de
Qualidade de Produtos de Conjuntos de Dados Geoespaciais (ET-CQDG).
Tenhamos como exemplo a elaboração de um mapa temático sobre
risco a desastres naturais de determinado município. Se a base de dados
disponível contempla a geologia na escala 1:1.000.000, uso do solo 1:50.000
do ano de 1980, precipitação pluviométrica com dados da década de 1960 e
cadastro urbano 1:1.000 de 2018, há uma incompatibilidade escalar (tanto
temporal quanto espacial) que inviabiliza a integração de todos os temas para
criar um mapa de síntese. Isso significa que as decisões para a elaboração de
mapas precisam seguir critérios cumulativos, com rigor metodológico.
Os softwares de geoprocessamento dispõem de inúmeras possibilidades
para a construção de mapas temáticos: alguns com ênfase em ferramentas
operacionais, outros com ênfase nas interfaces gráficas para layouts, embora
comumente ambos sejam associados e adequados à estrutura de um Sistema
de Informações Geográficas, como o QGis (livre) e ArcGIS (comercial).
Referente às ferramentas operacionais para o tratamento dos dados
geoespaciais, destacam-se: 1) ferramentas de edição vetorial, como o desenho
(criação) de pontos, linhas e polígonos, operações de corte, união, interseção,
topologia e demais edições geométricas; 2) análise espacial, incluindo
sobreposições, combinações, cálculos de vizinhança, distâncias etc.; 3) edição
matricial (com muitos produtos de Sensoriamento Remoto), contemplando
composição de bandas, álgebra de mapas, reclassificações e variáveis
morfométricas; 4) interpoladores, para representar valores contínuos a partir de
dados pontuais (precipitação pluviométrica a partir de estações meteorológicas,
por exemplo); 5) ferramentas geoestatísticas, para inferências com maior nível
de complexidade matemática.
Tais ferramentas auxiliam na transformação de um dado bruto em
informação, que é a interpretação do dado. Alguns dados temáticos já são
disponibilizados sem que haja necessidade de edição posterior (unidades de
relevo, por exemplo), sendo necessário apenas o tratamento gráfico, ou seja, a
escolha da simbologia (nesse caso, das cores). Todavia, tudo depende do
objetivo do mapa temático.
Quanto às ferramentas gráficas aplicadas na simbolização dos mapas,
destacam-se: inserção de textos, feições geométricas, encartes, perfis, figuras,
símbolos pictóricos, símbolos proporcionais, símbolos personalizados, distintos

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sistemas de cores, transparências e, num SIG, sobreposição de camadas.
Devido à finalidade cartográfica, também incluem grades de coordenadas,
escalas gráficas e numéricas e referenciais de orientação. Tanto os
processamentos quanto as representações dos dados foram favorecidas pelo
desenvolvimento da informática, que automatizaram e otimizaram muitas
etapas outrora manuais, custosas e com limitações técnicas.
Novas perspectivas também têm salientado a função da Cartografia
Temática no âmbito digital, tais como a cartografia colaborativa, na qual os
próprios usuários atuam como produtores e gerenciadores de dados
geoespaciais; aplicativos em smartphones, com mapas integrados para
diversas finalidades; e WebSIGs, cujas interfaces contemplam conceitos
cartográficos temáticos na representação das camadas de informação.
A inclusão dos preceitos computadorizados, entretanto, não deve
sobrepor ou eliminar os preceitos acumulados sob a perspectiva analógica. Ou
seja, mapas impressos ainda são muito importantes e utilizados. Vivenciamos
uma fase transitória. Ressalta-se, por fim, que os conceitos, objetivos e
técnicas da Cartografia Temática devem ser sempre evidenciados. Os mapas
podem ser elaborados em ambiente digital para fins de impressão ou
visualizados nos próprios dispositivos digitais. A função do geógrafo é analisar
criticamente não apenas os conteúdos dos mapas (a informação), mas também
a própria construção dos produtos cartográficos.

1.5 O MAPA TEMÁTICO ENTRE A ARTE, A CIÊNCIA E A TÉCNICA

A Cartografia é, historicamente, definida como arte, ciência e técnica. Na


Idade Média, por exemplo, o aspecto artístico (ligado a questões religiosas e
interpretações fantasiosas sobre a constituição do planeta Terra) foi
proeminente, enquanto nas Grandes Navegações o aspecto técnico se afirmou
visando a orientação e exploração. No contexto atual, em função do
desenvolvimento da informática e da Cartografia na Web, a ciência e a técnica
parecem secundarizar elementos artísticos.
Os aspectos que definem a Cartografia são imprescindíveis nas
reflexões sobre a produção de mapas temáticos. Os conceitos científicos são a
base das representações, as técnicas viabilizam as representações e a arte é o
elo comunicativo das representações. Quanto mais integrados forem, melhores

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serão os resultados. A ênfase em determinado aspecto se dá pelos objetivos
de cada mapa e também ao público de destino.
Essa característica diferencia o geógrafo de outros profissionais, pois é
um conhecimento que acompanha o raciocínio desde a concepção até a
utilização dos mapas temáticos. Além disso, "a expressão artística é própria
também de todo trabalho cartográfico, no instante em que o cartógrafo busca
fornecer uma informação do modo mais adequado, através de uma linguagem
gráfica, respeitando as regras da semiologia gráfica e sem esquecer a ótica da
estética" (Duarte, 1991, p. 135).
Tenhamos como exemplo um mapa temático sobre a vulnerabilidade
socioambiental brasileira. Inicialmente, os conceitos teóricos sobre o tema
devem ser reconhecidos de modo amplo, pois uma confusão conceitual entre
vulnerabilidade, suscetibilidade e risco tornaria o mapa inconsistente já nas
etapas prévias. Na sequência, o produtor do mapa deve reconhecer os
métodos de representação e as melhores soluções cartográficas para efetuar a
comunicação do conteúdo e os instrumentos técnicos para isso (aquisição de
dados e softwares de edição). Por fim, deve sistematizar a simbolização e um
layout (seja em formato impresso ou digital) que favoreça, esteticamente, a
transposição da informação.
Se o mapa for elaborado para um público especializado, sejam
acadêmicos ou profissionais da área, os conceitos científicos podem ser
enfatizados. Se o documento cartográfico tiver uma finalidade mais pragmática,
como para gestores públicos, o mapa assume uma função de ordem mais
técnica. Se for aplicado no ensino de Geografia, a simplificação do conteúdo
científico passa por considerações artísticas vinculadas a conceitos
pedagógicos e semiológicos.
Num produto temático, ressalta-se que a “informação apresentada num
mapa deve concordar com as necessidades específicas de sua estrutura e
esta, com um conjunto de características geométricas e simbólicas” (Rodrigues
e Souza, 2008. p. 66). Trata-se de um processo contínuo: o tema apresenta
consistência científica, isto é, os conceitos são coerentes? Os procedimentos
técnicos empregados na produção do mapa são eficazes e transmitem, sem
dubiedade, o conteúdo? A estruturação da representação é visualmente
harmônica, informativa e organizada?

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Devido às questões recentes que vieram imbricadas à popularização da
Cartografia, os produtores dos mapas têm assumido as funções de "designers
da informação espacial" ou "arquitetos da informação geoespacial" para criar
aplicações inovadoras de mapas (Meneguette, 2012, p. 30). A transição do
papel para a tela do computador, do uso restrito para o uso amplo, implicou em
novos pesos dados aos elementos científicos, técnicos e artísticos.
As facilidades técnicas para criação de mapas, atualmente, evidenciam
limitações e potencialidades da Cartografia Temática. Ainda que a
possibilidade de criação de mapas pelo público não especializado seja benéfica
para a democratização da informação, a ausência de critérios durante a
elaboração de tais produtos pode banalizar o caráter metodológico empregado
nos projetos cartográficos.
Um exemplo interessante da relação entre arte e Cartografia é o mapa
da região da Toscana (Itália), de 1503, de Leonardo da Vinci. Nessa obra, o
artista representou fielmente o relevo, continuamente, com o sombreamento
detalhado. Hoje muitos mapas temáticos apresentam uma camada
transparente com relevo sombreado para representar a noção de profundidade,
cujo processamento é realizado com base em modelos digitais do terreno.

NA PRÁTICA

A compreensão da evolução da Cartografia Temática pode ser


evidenciada pelo uso dos mapas no contexto recente. A aplicabilidade cada
vez maior no cotidiano das pessoas reforça a concepção prática do
conhecimento cartográfico, visto que a informação espacial atende uma série
de demandas da população, desde transporte até entretenimento. Nesse
sentido, cabe a reflexão: quais foram as principais mudanças dos mapas
temáticos nas últimas décadas?
Essa é uma pergunta que pode ser feita para diferentes gerações. As
respostas indicarão a evolução dos mapas num curto período de tempo.
Devido às significativas mudanças tecnológicas, principalmente a partir da
década de 1990, cada geração pode atribuir uma conotação aos mapas: os
idosos podem enfatizar os mapas impressos de uso restrito, os adultos podem
indicar as características de uma fase transitória para o digital, na qual as
crianças podem ter maior proximidade. Cabe, nesse contexto, uma segunda

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reflexão: o processo de alfabetização cartográfica acompanhou a evolução
tecnológica?

CONCLUSÃO

A história da Cartografia Temática denota a importância do


conhecimento científico aliado a aspectos artísticos (estéticos, pautados por
representações gráficas harmônicas) e, principalmente, técnicos. As
especificidades políticas e socioeconômicas de cada período histórico
trouxeram perguntas que os mapas tiveram a função de responder. A principal
característica dos mapas temáticos é a possibilidade de interpretação e
detalhamento explicativo dos fenômenos geográficos, para além da mera
localização e mensuração dos objetos que constam no espaço geográfico.
Na denominada “era da informação”, os mapas têm uma função de
destaque como meio comunicativo. Isso significa que os produtos temáticos
precisam ser elaborados considerando as relações entre o produtor e usuário,
o nível cognitivo, os objetivos da representação e, também, a atribuição correta
da simbologia para retratar determinado tema.

REFERÊNCIAS

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ARCHELA, R. S.; ARCHELA, E. Correntes da cartografia teórica e seus


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Paris: Mouton, 1967.

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GIRARDI, G. Cartografia geográfica: considerações críticas e proposta para


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16
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SLOCUM, T. et al. Thematic Cartography and Geovisualization. 3. ed. Upper


Saddle River: Prentice Hall, 2009.

17
CARTOGRAFIA TEMÁTICA
PARA PROJETOS
CARTOGRÁFICOS
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

18
2. CARTOGRAFIA TEMÁTICA PARA PROJETOS CARTOGRÁFICOS

INTRODUÇÃO

A elaboração de um mapa temático envolve muitas etapas que


demandam conhecimento e rigor metodológico para assegurar que a
comunicação cartográfica seja eficaz. Antes da atribuição da simbologia, o
projeto cartográfico tem início com as considerações sobre o tema (domínio
conceitual) e as características dos usuários (transposição do conteúdo).
Considera-se, ainda, que as mudanças de escala alteram o projeto
cartográfico, tanto conceitualmente quanto graficamente.
Além dos elementos cartográficos básicos que devem compor o layout, a
Semiologia Gráfica se caracteriza como a principal etapa específica para a
produção de um mapa temático, sendo essa a concepção norteadora da
linguagem cartográfica. Os símbolos, portanto, expressam relações
qualitativas, ordenadas ou quantitativas a partir de percepções de olho humano
(com uso das variáveis visuais). Com base nessa problemática colocada, o
tema geral dessa aula será "Cartografia Temática para projetos cartográficos".

2.1 A linguagem cartográfica: mapa para quê? Mapa para quem?

A primeira etapa da elaboração do projeto cartográfico é a definição da


linguagem cartográfica, que auxiliará no recorte conceitual do(s) tema(s) e
embasará a escolha dos métodos gráficos de representação. Envolve,
portanto, elementos comunicativos e cognitivos. Os mapas têm
intencionalidades e a apresentação do tema é influenciada pela linguagem
utilizada. Sendo inadequada, os ruídos podem inviabilizar a compreensão do
conteúdo.
Nesse contexto, destaca-se que "a eficiência da comunicação
cartográfica não é entendida como uma possibilidade, mas sim como uma
condicionante das decisões de projeto" (Sluter, 2008, p. 1). Consideremos, por
exemplo, o tema “condições atmosféricas”. Nas denominadas cartas sinóticas,
voltadas para um público especializado, as informações são detalhadas, com
simbologia estruturada e com alto valor científico. Nos mapas de previsão do

19
tempo em telejornais, mantêm-se alguns elementos (como frentes frias,
sistemas de alta pressão e temperatura), mas a linguagem é alterada em
função do público-alvo e, consequentemente, a simbolização também –
inclusive com recursos de animação, para indicar aspectos dinâmicos.
O preceito básico é considerar "que formas o falante (autor do mapa ou
seu apresentador) utiliza (linguagem) para transmitir o enunciado (mapa)"
(Francischett, 2014, p. 849). A intermediação desse processo se dá pelas
considerações acerca do nível de alfabetização cartográfica, tanto do produtor
quanto do usuário. Além disso, "na relação da natureza da linguagem do mapa
e a prática discursiva, o que interessa interpretar é o mapa, que trata os dados
não como ilustrações, mas como significados para a comunicação dos
sentidos" (Francischett, 2014, p. 851).
Antes do tratamento dos dados temáticos há a necessidade de
adequação dos elementos de base, já que a localização é a função elementar
de qualquer mapa. O tema, por si só, pode ter seu significado espacial
esvaziado se não contar com atributos de referência que o situem. Num mapa
temático sobre densidade demográfica, por exemplo, a inclusão dos limites
municipais e das principais rodovias (base cartográfica) incrementa a
compreensão. Quanto mais informativa for a representação, maior será a
eficácia da comunicação.
Conforme apresentado no sistema de comunicação cartográfica (figura
1), a realidade é compartilhada pelo produtor e o usuário do mapa. Ambos
possuem arcabouços linguísticos (cartográficos) distintos. Para Sluter (2008), o
projeto cartográfico possui seis etapas: conhecer o usuário e suas
necessidades; determinar os mapas a serem projetados; definir escala e
projeção; coletar a analisar os dados; definir a linguagem visual (primitivas,
níveis de medida e variáveis visuais); construir o mapa (generalização e
simbologia).
Na questão “mapa para quê?”, a ênfase está na concepção do tema. Ou
seja, de que maneira uma representação gráfica pode ajudar na explicação de
determinado fenômeno geográfico que um texto já não o faça? Quais são as
vantagens da comunicação visual para a leitura dos fenômenos geográficos?
Quais serão os recursos utilizados? O mapa será impresso, visualizado em tela
ou permitirá interação na Web? Quais são as características do tema? A
linguagem, assim, deve ser condicionada aos meios operacionais.

20
Figura 1 – A linguagem cartográfica no processo de comunicação.
Fonte: Sluter (2008, p. 4)

Na questão “mapa para quem?”, a ênfase está na aplicação do tema.


Isso significa, na prática, que a representação deve atender uma demanda,
uma resposta, uma problemática. A utilização dos símbolos, cores, quantidade
de informações e nível de complexidade do tema contempla as características
e especificidades dos leitores do mapa? A linguagem, nesse caso, deve
atender os fins.
Tal como ocorre na linguagem verbal, a comunicação só será eficiente
se os signos forem coerentes. Conforme evidenciado por Francischett (2014, p.
850), "ao trabalhar o mapa, o diálogo deve permear a linguagem cartográfica
entre o leitor e os signos que o mapa apresenta bem como entre o leitor e o
significado da realidade representada". A Semiologia Gráfica é, nesse sentido,
considerada a gramática da Cartografia Temática por sistematizar a linguagem
gráfica sob a lógica da percepção visual.

2.2 A SEMIOLOGIA GRÁFICA E A APLICAÇÃO DA SIMBOLOGIA

A Semiologia Gráfica de Bertin (1967), de suma importância para a


Cartografia Temática, objetivou atribuir regras lógicas para a assimilação
instantânea do conteúdo dos mapas. É fundamental compreendê-la, pois os
procedimentos apresentados a seguir constituem a base metodológica para a
produção e entendimento de quaisquer mapas temáticos.
Consideremos, primeiramente, as características dos fenômenos
geográficos que podem ser tematizados. Na escolha dos símbolos, “a

21
proposição de um sistema de signos cartográficos deveria ser capaz [...] de
expressar qualquer referente, todos eles reunidos em torno de três relações
fundamentais que caracterizam os fenômenos espaciais:
diversidade/similaridade, ordem e proporcionalidade” (Martinuci, 2016, p. 40).
A partir da definição das características do tema, a representação gráfica
é realizada pela aplicação das variáveis visuais, que, conforme Bertin (1967),
são as seis propriedades perceptivas que nossos olhos conseguem distinguir
graficamente. São elas: cor (azul, vermelho, amarelho etc.); valor ou
intensidade da cor (azul claro, azul escuro); forma (círculo, triângulo, retângulo
etc.); tamanho (círculo pequeno, círculo grande); orientação (linha horizontal,
linha vertical, por exemplo); textura ou granulação (variações de espessuras,
como em hachuras).
Cada uma das variáveis visuais possui propriedades perceptivas
particulares em relação às características dos temas a serem simbolizados.
Assim, cada variável pode indicar noções seletivas, ordenadas, quantitativas ou
associativas. A intensidade (valor), por exemplo, tem propriedade ordenada e
seletiva, pois as variações da cor, do claro para o escuro, trazem essa
sensação. Isso significa que ela é recomendada para temas que contemplem
hierarquias (como eras geológicas), mas não é recomendada para temas
associativos (como formas de relevo).
Por fim, cada variável visual pode ser implantada graficamente de três
maneiras: como ponto, linha ou área (polígono ou zona), conhecidas como
primitivas gráficas. Por causa das variações de escala, os objetos ou
fenômenos podem ser implantados de distintas maneiras.
Todas essas características são resumidas pelo quadro da figura 2, que
sistematiza, ilustrativamente, os conceitos da Semiologia Gráfica. Faz-se
imprescindível o conhecimento sobre essas regras semiológicas e suas
possibilidades de aplicação. Na figura 2, a propriedade quantitativa é
representada por Q, a ordenada por O, a seletiva por ≠ e a associativa por ≡.
Posteriormente, alguns autores adaptaram e refinaram a proposta de
Bertin (1967). Entre elas, destaca-se a proposta de Slocum et al. (2009), que
referente aos modos de implantação incluiu a perspectiva de representações
volumétricas de superfícies (2,5D), como o relevo, e tridimensionais (3D), que
são os objetos sobre a superfície. Referente às variáveis visuais, Slocum
propôs três novas possibilidades adicionais às seis de Bertin: espaçamento,

22
arranjo (com lógica semelhante à textura ou granulação) e altura em
perspectiva. Por fim, ainda subdividiu a cor em três variáveis: matiz, brilho e
saturação.

Figura 2 – Sistematização da linguagem cartográfica: as variáveis visuais, as propriedades


perceptivas e os modos de implantação.
Fonte: Cardoso (1984, p. 42).

É bom base nesses preceitos que a simbologia é aplicada em mapas


temáticos. Após o reconhecimento sobre os usuários, sobre os conceitos
teóricos do conteúdo a ser tematizado, das características dos dados e da
linguagem cartográfica, é feita a adequação do projeto de acordo com as
variáveis visuais, suas propriedades perceptivas em relação ao tema e o modo
de implantação gráfica. Busca-se a monossemia.
Para exercitar o raciocínio envolvido nessa etapa, consideremos a
elaboração de projetos cartográficos para três mapas de um município
hipotético na escala 1:50.000: uso e cobertura da terra (1), número de alunos
matriculados em escolas públicas (2) e hipsometria e formas de relevo (2).
Quais seriam as representações recomendadas para cada mapa? Consulte a
figura 2.
No primeiro mapa, o tema possui uma propriedade seletiva, já que as
classes de uso do solo indicam características qualitativas. A representação é

23
feita por área. Todas as variáveis podem ser utilizadas nesse caso, mas a cor é
assimilada de modo mais rápido do que as demais. Além disso, é possível
vincular a cor ao significado de cada classe (vegetação em verde, por exemplo,
praticamente elimina a necessidade de consulta à legenda).
No segundo mapa, o tema expressa um conteúdo proporcional e, por
isso, a variável visual para representá-lo deve ter uma propriedade perceptiva
quantitativa. A única que pode expressar essa noção, graficamente, é o
tamanho. Considerando a escala do mapa, as escolas públicas devem ser
implementadas com pontos. Visualmente, de modo instantâneo o leitor do
mapa compreenderá onde estão localizadas as maiores e menores escolas do
município.
No terceiro mapa, mais complexo, o tema contempla relevo e deve
transpor duas informações: a altimetria, que pode ser implementada por linhas
que indiquem o mesmo valor ou por uma superfície 2,5D, com os valores da
elevação acima do nível do mar; e as formas de relevo, que podem ter
ocorrência linear (vales), pontual (topos) e areal ou zonal (montanhas). A
utilização da variável intensidade (valor da cor) para representar a hipsometria
traz a percepção de ordem, ou seja, quanto mais escura for a cor, mais alto
será o local. Nos objetos do relevo, a variável forma indicaria a noção
qualitativa do tema.

2.3 ESTRUTURAÇÃO E LAYOUTS DE MAPAS TEMÁTICOS

A eficácia comunicativa de um mapa temático passa pela consistência


organizativa dos elementos que o compõe. Ainda que mapas sejam
“instrumentos de reflexão e de descoberta do real conteúdo da informação;
devem dirigir o discurso e não ilustrá-lo" (Francischett, 2014, p. 854), há fatores
estéticos que precisam ser considerados. É como montar um quebra-cabeça:
se as peças não forem colocadas nas suas respectivas posições, a imagem
não é formada. Se estiverem fora de ordem, será parcialmente assimilada.
Destaca-se que:

"o entendimento de que a criação e o uso de mapas são atividades que fazem
parte de um mesmo processo denominado de comunicação cartográfica, e que
sua efetivação depende de nossa percepção visual, mudou a maneira de se
realizar o projeto cartográfico. A comunicação cartográfica ocorre com a

24
linguagem cartográfica, e esta é construída com base nas capacidades e
limitações de nossa percepção visual" (Sluter, 2008, p. 3).

Além da base cartográfica apropriada e das representações temáticas


adequadas aos métodos semiológicos de representação, a organização do
layout do mapa final deve ser harmônica e equilibrada. Isso significa que as
informações textuais não podem conter fontes muito grandes ou pequenas, que
se deve evitar espaços vazios e que, e suma, o dimensionamento dos
elementos deve preservar a legibilidade do mapa. No caso de mapas
impressos, qual será o tamanho disponível para a estruturação do layout e sua
respectiva escala? Essa é a questão inicial. A figura 3 traz um exemplo de
modelo de layout, simplificado, com os elementos principais e sua distribuição.
O primeiro elemento do layout é o título (e eventualmente subtítulo), que
deve indicar, com clareza e em síntese, o objetivo do mapa e seu conteúdo
principal, incluindo o tema e o recorte (espacial e/ou temporal). Além do título, o
layout conta com outros elementos textuais. Na representação principal, por
exemplo, é possível adicionar rótulos, que são descrições vinculadas aos
objetos mapeados (nomes de municípios no interior dos polígonos, números
das estações meteorológicas nos pontos etc.).

Figura 3 – Exemplo de modelo de layout para um mapa temático.


Fonte: Sampaio e Brandalize (2018, p. 197).

25
Especificamente em relação à composição temática, a legenda é
caracterizada como o principal elemento do layout. Ela "espelha uma
metodologia científica. Portanto, mais importante do que escolher signos com
caráter definitivo para representar determinados objetos ou fenômenos, é
preciso transcrever corretamente a natureza das relações que se estabelecem
entre eles" (Francischett, 2014, p. 854). A legenda reúne todo o processo de
simbolização e nela fica evidente se a atribuição dos símbolos foi efetuada de
maneira correta.
Outro elemento essencial na composição dos layouts é a indicação da
escala, pois sem ela a representação fica adimensional e, em última instância,
perde a consistência cartográfica, tornando-se uma mera ilustração. Camadas
temáticas em plataformas de Sistemas de Informações Geográficas têm as
escalas condicionadas à tela visualizada, alterando sua proporção com
aproximações ou afastamentos (zoom).
A escala pode ser inserida de modo numérico ou gráfico. A escala
numérica é uma razão matemática que indica a redução da representação.
Numa escala 1:1000, significa que a realidade precisou ser reduzida mil vezes
para ser modelada nesse tamanho (numa folha A4, por exemplo). A escala
gráfica, por sua vez, é uma indicação com segmentos de reta graduados por
unidades de medida. Recomenda-se sempre o uso da escala gráfica, pois se o
tamanho do mapa for alterado (especialmente em arquivos digitais), a escala
gráfica muda proporcionalmente. A escala numérica, entretanto, fica fora de
escala se houver apenas 0,1 milímetro de deslocamento. Além disso, é
possível descobrir qual é a escala numérica a partir da escala gráfica (divisão
entre a distância real e a distância mensurada no mapa, convertendo o
resultado à unidade de medida correspondente).
A inserção de encartes de localização é importante tanto para situar o
leitor no contexto mais abrangente quanto para inserir informações adicionais
(se a representação principal conter muitos elementos, essa pode ser uma
solução gráfica para acrescentar outras características do tema). Comumente
mapas temáticos também incluem gráficos, vinculados às variáveis visuais e de
modo complementar a conteúdos estatísticos ou quantitativos.
Por fim, outros elementos essenciais condizem à grade de coordenadas,
informações sobre o sistema de projeção e a indicação das fontes dos dados
utilizados no mapa. Essa informação é essencial, uma vez que o mapa possa

26
ser um produto gerado por dados de distintas fontes e, ao mesmo tempo, ser
uma fonte de consulta para gerar novos dados.
A elaboração do projeto cartográfico para visualização em tela com
recursos digitais possui especificidades, conforme será discutido nas próximas
aulas, mas a lógica se mantém. O senso de organização por parte do produtor
é indispensável, já que o mapa é um meio comunicativo.
Ressalta-se que o layout de um mapa temático deve evitar elementos
que apenas poluam a representação e não tenham caráter informativo.
Conforme caracterização de Sampaio (2019, p. 155), “considera-se imagem
parasita toda imagem que não possui relação direta com o tema apresentado
ou não possui referência junto à legenda”.

2.4 COMPONENTES DA INFORMAÇÃO GEOGRÁFICA

No projeto cartográfico, a arranjo gráfico da representação é realizado


com base nas características dos componentes da informação. Num primeiro
momento, os componentes podem ser subdivididos em espaciais e temáticos,
vinculados às características apresentadas anteriormente sobre a diferenciação
entre a Cartografia de Base e a Cartografia Temática. Embora apresentem
distinções, ambos são complementares: mapas temáticos dependem dos
componentes espaciais básicos, ou seja, de bases cartográficas com
informações topográficas, limites político-administrativos, localidades, grades
de coordenadas, entre outros.
Os componentes temáticos, por sua vez, incluem três subdivisões
principais: o nível de medida dos temas (que pode ser nominal, ordinal,
intervalar ou de razão), a natureza dos fenômenos (contínuos ou discretos) e a
dimensão espacial do tema (ponto, linha, polígono ou volume).
Os níveis de medida visam organizar, conceitualmente, as observações
da realidade para, posteriormente, serem aplicados pelos métodos de
simbolização cartográfica. De acordo com Dent (1999) e Slocum et al. (2009), o
nível de medida nominal vincula-se às características qualitativas, enquanto os
níveis intervalares e de razões são representam informações quantitativas.
Temas nominais são os mais simples, pois distinguem elementos com
base nas suas qualidades intrínsecas. Como exemplo, podemos citar mapas
temáticos de formas do relevo, unidades de conservação, tipos de indústrias,
27
características do uso agrícola, zonas climáticas entre outros. Os temas
ordinais são classificados seguindo hierarquias, níveis de importância, sendo
comum a inclusão de termos como alto ou baixo, muito ou pouco, maior que ou
menor que e outras ordenações possíveis. São comuns, por exemplo, em
mapas de vulnerabilidade ambiental, unidades geológicas (ordem temporal),
níveis de criminalidade, estágios de desenvolvimento da vegetação e
suscetibilidade a movimentos de massa.
Temas intervalares e de razão têm maior complexidade, pois além de
caracterizarem e ordenarem os fenômenos, ainda incluem as distinções
numéricas entre duas categorias. A diferença entre o nível de medida intervalar
e de razão é que no primeiro o zero é arbitrário (como em valores de
temperatura ou balança comercial, que não têm um valor inicial absoluto) e no
segundo ele é conhecido (como nos valores de densidade demográfica e
declividade, que começam em zero).
Em relação à natureza dos fenômenos geográficos, alguns são limitados
a porções do espaço (discretos) e outros têm ocorrência ininterrupta
contínuos). Num mapa temático sobre templos religiosos, por exemplo, os
objetos ocorrem em locais específicos, ou seja, há espaços vazios. Num mapa
sobre a pressão atmosférica, essa é uma constante, cuja representação deve
preencher todo o recorte espacial com a informação.
A geometria dos fenômenos discretos é comumente representada com a
aplicação das três primitivas gráficas: pontos, linhas e áreas (polígonos). Em
ambiente digital, o formato shapefile de arquivos geoespaciais contempla uma
estrutura dual, com a geometria vetorial e uma tabela de atributos com
informações alfanuméricas sobre cada feição pontual, linear ou areal.
Uma solução para representar fenômenos contínuos com uso das
primitivas gráficas é a indicação dos valores por linhas de mesmo valor
(isolinhas), como utilizado em mapas do relevo ou atmosféricos. Entretanto, no
contexto digital, o formato de armazenamento matricial (raster) atende essa
demanda. Em vez de vetores, os arquivos são malhas contínuas nas quais o
pixel (ou célula) é a menor unidade – o que define, também, a escala dos
dados. Embora seja possível representar objetos areais com uso de dados
matriciais (raster), nesse caso o armazenamento é maior e as operações de
edição são dificultadas.

28
Há a possibilidade de criar superfícies contínuas com base em objetos
discretos. Tenhamos como exemplo a temperatura. Se tivermos dados
derivados de estações meteorológicas (pontuais) é possível inferir valores para
todo o recorte analisado. Isso se dá pelo processo de interpolação, que estima
grandezas desconhecidas a partir de valores conhecidos. Operacionalmente
existem diversos métodos de interpolação.
Os novos recursos gráficos possibilitaram a representação de objetos
contínuos em superfícies 2,5D (dimensão de profundidade da superfície) e
objetos discretos em 3D, tal como consta em softwares populares como o
acervo do Google Maps com edificações tridimensionais. Salienta-se, todavia,
que "atualmente, as representações cartográficas 3D não seguem uma
linguagem cartográfica própria, seguem apenas o conhecimento herdado do
projeto de mapa 2D e o bom senso do cartógrafo" (Fosse et al., 2009, p. 314).

2.5 ADEQUAÇÃO DA ESCALA À DIMENSÃO ESPACIAL DOS TEMAS

Cada tema possui propriedades inerentes à sua transcrição gráfica.


Somado às características discutidas até aqui, há ainda um componente que
aumenta a complexidade e as possibilidades de representação: a escala. A
ideia da generalização, portanto, permeia a elaboração e uso de quaisquer
mapas temáticos. Há, de modo geral, três concepções de generalização:
estrutural, conceitual e cartográfica.
De acordo com Lagos (2006), considerando que todo mapa é uma
representação generalizada de características geográficas, nele se sintetizam
as particularidades espaciais e, por conseguinte, o tratamento geográfico do
real está afetado por distintos níveis de resolução que se manifestam em
diversas escalas e que traduzem múltiplas compreensões dos fenômenos.
Na generalização conceitual é realizada a abstração teórica sobre o
tema a ser representado, recortando-o, adequando-o, com ênfase na
transposição didática. Generalizar o tema depende do conhecimento
aprofundado sobre o mesmo, o que é uma grande vantagem do geógrafo.
Tenhamos o exemplo de um mapa temático sobre o relevo. São inúmeras as
possibilidades de tematização, dada a abrangência do conteúdo. A ênfase do
mapa pode ser nas formas de relevo, na origem e idade, nos movimentos de
massa, na reconstituição de paleosuperfícies, nas áreas urbanas em áreas de
29
risco a inundações... Ou seja, não é possível representar tudo num único
mapa. Cada um desses subtópicos pode ser subdividido em outros e assim por
diante. Faz-se necessário, portanto, generalizar conceitualmente o tema.
Na generalização cartográfica, a necessidade de proporcionar escalas
pequenas e com menores níveis de detalhamento dos dados geográficos
permite visualizar áreas maiores sob um ponto de vista mais geral. É como
olhar uma rua a partir de um prédio e depois de um avião: a proximidade de
observação do alvo permite identificar distintas características sobre ele.
Consideremos, como exemplo, uma coleção de mapas temáticos sobre
a rede viária: num produto de escala 1:5.000.000 (pequena escala) é possível
representar as principais rodovias federais; num mapa de escala 1:100.000
(média escala) é possível incluir, também, as rodovias estaduais e eventuais
estradas secundárias; num mapa de escala 1:5.000 (pequena escala) é
possível visualizar o arruamento de um município. Ganha-se em detalhe,
perde-se a visão abrangente: o mesmo tema, distintas escalas.
Na generalização estrutural ocorre a redução da quantidade de
informação presente em determinada escala representativa, com o objetivo de
tornar o mapa legível. Conforme a escala diminui, menor é o número de objetos
que podem ser representados tal como ocorrem no âmbito perceptivo e visual
(escala 1:1). Segundo Menezes e Coelho Neto (1999, p. 2), "em termos
geográficos, por sua vez, a percepção é espacial, dependente da amplitude da
área em estudo. A visão dos fenômenos ou informações dentro da área, será
afetada de alguma forma pelo conceito de escala".
Para os dados vetoriais, as mudanças na escala espacial para a
representação de determinado objeto resultam na etapa de generalização ou
simplificação cartográfica. Entre os procedimentos operacionais para
generalização de vetores, Slocum et al. (2009) destacaram dez possibilidades:
simplificação, suavização, agregação, amalgamação, colapso, fusão,
refinamento, exagero, aprimoramento e deslocamento.
Conforme destacado por Olaya (2014), o olho humano tem a capacidade
de diferenciar objetos que estejam a até 0,2 milímetros no mapa. Tendo em
vista a escala do mapa temático, esse é um parâmetro importante para limitar,
graficamente, a representação dos objetos em mapas impressos. Camadas
temáticas em plataformas de Sistemas de Informações Geográficas podem ter

30
a escala mínima e máxima predefinidas, o que limita e condiciona sua
visualização em tela.
A simbolização e as propriedades geométricas de objetos e fenômenos
geográficos, portanto, dependem do fator de escala. Por exemplo: num mapa
temático de vegetação, uma representação de detalhe (grande escala) permite
a representação de áreas com tipologias comuns (como vegetação arbórea,
arbustiva e campos) pelo uso de polígonos. Numa representação com o
mesmo tema, mas num mapa generalizado (pequena escala), tais
diferenciações podem não ser passíveis de simbolização. Nesse caso, os
remanescentes florestais, por exemplo, poderiam ser representados por
pontos. Mudam-se, inclusive, as classes conforme a escala é alterada.
Em dados matriciais (raster), a escala é definida pelo tamanho do pixel
(célula). Ao utilizar imagens de satélite para mapear determinados objetos,
portanto, a resolução espacial deve ser condizente ao que se pretende
identificar. Uma imagem Landsat, com resolução de 30 metros, pode ser
suficiente para um estudo regional (média escala) sobre coberturas florestais,
mas não para identificar fragmentos florestais de detalhe.

NA PRÁTICA

O desenvolvimento do projeto cartográfico vincula, constantemente, as


teorias cartográficas à prática. Considerando os mapas como documentos
aplicados, com finalidades predefinidas, seu uso no cotidiano é amplo. Como
meio de comunicação, o objetivo é passar uma mensagem. Por esse motivo, as
reflexões críticas sobre a produção de mapas temáticos devem sempre se
atentar à linguagem, às características dos dados geoespaciais, ao layout, à
escala e, principalmente, à simbolização.
Considerando um único tema (modelagem de áreas de risco a
deslizamentos, por exemplo), como seria o projeto de um mapa temático
elaborado para distintos usuários, como profissionais da área, alunos do
Ensino Básico, alunos do Ensino Superior, gestores e população em geral?
Note-se que cada público apresenta, inicialmente, domínios cognitivos
diferenciados em relação ao tema cartografado.
Ou seja, a transposição didática afeta a aplicação prática: um mapa com
informações muito simplificadas para profissionais da área pouco agrega em
31
termos de conhecimento, enquanto um mapa com elementos demasiadamente
técnicos para a população em geral inviabiliza a compreensão do conteúdo e
dos objetivos do mapa.

CONCLUSÃO

O projeto cartográfico reúne as concepções do mapa temático,


contemplando todas as fases, desde a definição dos objetivos do mapa, da
linguagem cartográfica adequada ao público-alvo, da escolha dos métodos de
representação, da organização do layout (título, escala, legenda, grade de
coordenadas, fonte, encartes adicionais) e das aplicações posteriores.
A questão de escala desponta, nesse contexto, como importante fator a
ser considerado. Em relação ao processo de simbolização, que é a alma de
qualquer produto cartográfico temático, a Semiologia Gráfica é o caminho
metodológico para almejar a assimilação instantânea do conteúdo dos mapas
com aplicação de regras lógicas sob a perspectiva visual. É fundamental
conhecer as características semiológicas aplicadas à cartografia, pois a
eficácia do processo comunicativo depende dessa etapa.
Os temas podem indicar relações qualitativas, ordenadas ou
quantitativas, que podem ter ocorrência discreta ou contínua no espaço e que
podem ser representados por pontos, linhas ou áreas (polígonos). Para
simbolizar tais aspectos, as seis variáveis visuais elementares (percepções da
retina) são: tamanho, forma, granulação, orientação, cor e intensidade (valor).

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Graduação em Geografia - UFPR, 2019.

SAMPAIO, T. V. M.; BRANDALIZE, M. C. B. Cartografia geral, digital e


temática. Curitiba: Universidade Federal do Paraná/Programa de Pós-
Graduação em Ciências Geodésicas, 2018.

SLOCUM, T. et al. Thematic Cartography and Geovisualization. 3. ed. Upper


Saddle River: Prentice Hall, 2009.

SLUTER, C. R. Uma abordagem sistêmica para o desenvolvimento de projeto


cartográfico como parte do processo de comunicação. Portal de Cartografia,
Londrina, v. 1, n. 1, p. 1-20, 2008.

33
MÉTODOS, TIPOS E
CARACTERÍSTICAS DE
MAPAS TEMÁTICOS
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

34
3. MÉTODOS, TIPOS E CARACTERÍSTICAS DE MAPAS TEMÁTICOS

INTRODUÇÃO

A diversidade de fenômenos geográficos demanda distintos métodos


gráficos de representação cartográfica. Cada tema possui características
vinculadas à sua manifestação no espaço e que podem ser comunicadas
visualmente com uso das variáveis visuais. Nesse sentido, essa aula
apresentará os principais métodos, tipos e características de mapas temáticos.
Em termos gerais, os mapas podem ter características qualitativas, ordenadas
e quantitativas, com a possibilidade de representações dinâmicas, de síntese e
exaustivas. A eficácia da comunicação depende do conhecimento sobre o tema
e sobre as maneiras de representá-lo.

3.1 MAPAS QUALITATIVOS

Os mapas qualitativos podem ser exaustivos ou elaborados na forma de


coleção de mapas. Nos mapas exaustivos, vários elementos são representados
num único projeto cartográfico, sejam relacionados ao mesmo tema ou não.
Uma vantagem da sua utilização é a possibilidade da visão abrangente e
integrada de múltiplas informações. Todavia, o excesso de elementos
indicados pode dificultar a leitura do mapa, o que contraria os princípios da
Semiologia Gráfica.
As coleções de mapas surgem como solução para isolar os elementos e
assim facilitar a visualização individualizada dos temas. Normalmente são
acrescentados pequenos encartes com o conjunto de informações que se
deseja representar. Num mapa sobre produção agrícola, por exemplo, em vez
de colocar todas as características num único mapa, cada classe (soja, milho,
laranja etc.) é isolada em mapas específicos.
Quanto aos métodos de representação, os pontos e linhas nominais são
caracterizados como os de menor nível de complexidade, amplamente
empregados na simbolização de fenômenos geográficos com ocorrência
discreta. São aplicados com símbolos geométricos ou, às vezes, pictóricos
(como em mapas turísticos). Também são muito utilizados de modo associativo

35
ou sobreposto a outros métodos de representação, sejam ordenados ou
quantitivos – nesse caso, em mapas exaustivos.
O método mais utilizado para representar temas qualitativos é o
corocromático (no qual choros, do grego, significa área e chroma significa cor).
Trata-se, portanto, de polígonos diferenciados por cores. Embora todas as
variáveis visuais propostas por Bertin (1967) tenham propriedade perceptiva
qualitativa (seletiva), a distinção com uso de cores é assimilada de modo mais
rápido pela retina. A figura 1 evidencia um exemplo de mapa corocromático,
para ressaltar a percepção seletiva dos distintos biomas brasileiros, com o
acréscimo de polígonos vermelhos com a variável textura para indicar as áreas
de desmatamento. Nessa sobreposição, note-se que as áreas de
desmatamento não ocultam a informação subjacente.

Figura 1 - Exemplo de mapa corocromático (biomas brasileiros)


Fonte: IBGE (2019)

Recomenda-se, nos mapas corocromáticos, que as cores sejam


adequadas às características do tema sempre que possível. Isso evita a
consulta permanente à legenda, pois a memorização se dá por correlação
(fragmentos florestais em azul e corpos d'água em vermelho não possibilitam

36
tal correspondência instantânea). Muitas subdisciplinas da Geografia têm
padrões de cores preestabelecidos para seus temas, o que também facilita a
leitura do mapa por usuários com nível mais especializado.
A cor, aliás, é a principal variável visual e também a que oferece maior
número de possibilidades para a aplicação gráfica. Conforme destacado por
Martinelli (2007), a cor é uma realidade sensorial que atua sobre a emotividade
humana (cores quentes e frias), dispostas no círculo cromático (construído
como uma série de pastilhas coloridas de acordo com a sucessão espectral
das radiações visíveis).
Além disso, é importante salientar que a escolha das cores nos mapas
tem relação direta com fator cognitivo. A cor vermelha, por exemplo, é
associada a características extremas e, por vezes, negativa. Também é
fundamental considerar as diferenças da cor num mapa representado na tela
de equipamentos eletrônicos (como o computador) e no papel. A percepção
humana é limitada, mas os softwares gráficos viabilizam a criação de milhares
de cores.

3.2 MAPAS ORDENADOS

A elaboração de mapas ordenados deve traduzir, graficamente, a


hierarquia, os níveis de importância ou as classes sequenciais dos fenômenos
geográficos. O ordenamento da informação está centrado, muitas vezes, entre
aspectos qualitativos e quantitativos. Mapas que se utilizam de valores
mensuráveis (0, 0,5 e 1) para determinar classes qualitativas (baixo, médio,
alto) apresentam características mescladas.
São três as variáveis visuais que têm propriedades perceptivas
associadas à ordem: tamanho (quanto maior a feição, maior é o valor do
fenômeno), valor ou intensidade (quanto mais escuro for o valor da cor, maior é
que o valor do fenômeno) e granulação ou textura (quanto mais espesso ou
mais concentrado for as variações das hachuras), embora essa última, no
contexto recente, seja menos utilizada. A figura 2 exemplifica o uso dessas
variáveis visuais num mapa sobre a hierarquia urbana. Os segmentos lineares
favorecem a compreensão da extensão das relações entre os municípios.
O principal método para representações ordenadas é o coroplético, cuja
origem do termo deriva do grego: choros (área) e pletos (valores). Enquanto o
37
método corocromático utiliza os matizes da cor (vermelho, azul, amarelo etc.)
para distinguir elementos que não tenham uma sequência lógica estruturada, o
método coroplético utiliza as distintas intensidades de uma cor para criar a
noção visual de progressão e gradação.
É comum considerar duas matizes de cor, para características
antagônicas, com variações de intensidade. Num mapa temático sobre
variações da cobertura florestal, áreas com tons de vermelho mais escuro
podem indicar os maiores níveis de desmatamento e tons mais escuros de
verde podem representar os maiores níveis de reflorestamento. As
características antagônicas, nesse exemplo, vinculam-se ao saldo negativo
(vermelho) e positivo (verde). Em posição intermediária, a cor branca pode
indicar uma situação de estagnação (valores próximos a zero).

Figura 2 – Exemplo de mapa ordenado: região da influência e hierarquia urbana de Porto


Alegre (RS)
Fonte: Cargnin (2013)

Dent (1999) cita que os valores relativos ou proporcionais associados à


simbolização de mapas coropléticos devem ser distribuídos de modo uniforme
em toda a extensão das unidades enumeradas (classes). Ressalta-se que

38
embora mapas isarítmicos (detalhados adiante) também empreguem de modo
recorrente a variável visual intensidade para ordenar determinados fenômenos,
a diferença com o método coroplético é que este tem as unidades espaciais
predefinidas com implantação areal (polígonos), como limites político-
administrativos. No método isarítmico, a base geométrica é dada por linhas de
mesmo valor.
Uma característica fundamental do método coroplético é a definição das
classes e, consequentemente, da simbolização das mesmas pela aplicação da
intensidade da cor. Um único dado pode ser classificado com distintos valores,
o que altera sua representação. Muitas vezes os critérios para definição das
classes são pautados por critérios determinísticos, ou seja, o próprio produtor
do mapa define os intervalos arbitrariamente, por análise visual do histograma
de distribuição dos valores do fenômeno ou com base em recomendações de
outros mapas ou estudos. Há, também, métodos estatísticos para a
determinação das classes, tais como o desvio padrão, quebras naturais,
quantis e intervalos geométricos.
Consideremos o exemplo da figura 3, com a representação de uma
variável censitária (rendimento médio mensal). Qual mapa está correto?
Ambos. As cinco classes numéricas do mapa poderiam ser qualificadas em
"rendimento muito baixo, baixo, médio, alto e muito alto". Mas então por que as
representações constam tão distintas? Isso se deve aos intervalos definidos
para cada classe. O dado é o mesmo, o que mudou foi sua ordenação
numérica.

Figura 3 - Valor do rendimento nominal médio mensal em Curitiba/PR

39
Antes da leitura da legenda, a transcrição gráfica repassa uma
mensagem prévia: para favorecer o discurso que o município é pobre, bastaria
usar a primeira representação; pra reforçar que é rico, bastaria usar a segunda.
Isso significa que mesmo seguindo os preceitos metodológicos monossêmicos,
mapas carregam intencionalidades. O produtor do mapa deve se atentar ao
poder das variáveis visuais no processo comunicativo.

3.3 MAPAS QUANTITATIVOS

Os mapas temáticos quantitativos expressam proporções entre objetos


ou fenômenos geográficos. Essa representação é essencial para transcrever
conceitos numéricos vinculados às grandezas dos temas, sejam pontuais,
lineares ou areais (zonais). A variável visual tamanho, conforme Bertin (1967),
possui a propriedade perceptiva proporcional. Entretanto, como visto no
método coroplético, o uso da intensidade da cor também possibilita uma
compreensão quantitativa (cores mais escuras estão associadas aos maiores
valores e cores mais claras aos menos valores de ocorrência do fenômeno).
Destacam-se três métodos para o mapeamento quantitativo: símbolos
proporcionais, pontos de contagem e método isarítmico.
O método dos símbolos proporcionais é aplicado para fenômenos com
ocorrência pontual, embora também possam ser centralizados na área de
ocorrência de feições zonais (renda média municipal e produção agropecuária
dos países, por exemplo). A figura 4 exemplifica essa técnica temática para
representar a população municipal brasileira em 2010, sendo a sobreposição
dos símbolos uma desvantagem para a leitura do documento.
Anteriormente aos softwares gráficos, o tamanho dos símbolos
proporcionais era calculado manualmente a partir do raio dos círculos.
Destaca-se que se a geometria dos símbolos escolhidos tiver alguma relação
com o tema em questão, a assimilação do conteúdo será mais rápida e eficaz.
Caso o atributo possa ser subdividido (como porcentagem), a inserção de
gráficos de setores é uma opção para incrementar a representação.
Outra possibilidade gráfica para a indicação de temas quantitativos é o
método denominado pontos de contagem, criado por Frère de Montizon, em
1830, para um mapa sobre a população da França (Martinelli e Graça, 2015).
40
Nessa proposta, cada ponto no mapa corresponde a determinado valor
unitário, sendo recomendado para atributos que tenham ocorrência dispersa e
ao mesmo tempo tenham valores absolutos. Num mapa de "produção de
avicultura no ano de 2013", por exemplo, 1 ponto poderia indicar 1000
unidades produzidas.
Considerando os métodos quantitativos mais utilizados, o que demanda
maior atenção é o método isarítmico, aplicado para fenômenos que tenham
ocorrência contínua no espaço. Essa proposta é viabilizada por uma
representação gráfica com linhas de mesmo valor (denominadas isolinhas) que
comumente são preenchidas por cores. Os mapas isarítmicos podem ser
subdivididos em mapas isométricos (elaborados com base em valores de
dados pontuais) e isopléticos (elaborados com base em valores de áreas). Os
nomes das linhas variam conforme o tema: isotermas, isóbaras, isoípsas,
isopletas, isócronas entre outras.

Figura 4 - Distribuição da população brasileira no ano de 2000


Fonte: Archela e Thery (2008)

41
Recorrentemente a elaboração de mapas isarítmicos é realizada pelo
processo de interpolação, que consiste na estimativa de grandezas
desconhecidas com base em valores conhecidos. Muitos fenômenos de
ocorrência contínua no espaço são medidos pontualmente, como a temperatura
a partir de estações meteorológicas. Preencher os espaços vazios, a partir de
relações matemáticas de proximidade, é a função dos interpoladores. Entre os
métodos mais comuns, presentes em softwares de geoprocessamento,
destaca-se a triangulação, krigagem, ponderação do inverso da distância,
Spline e vizinho mais próximo.
A figura 5 exemplifica o processo de interpolação, com pontos que
possuem valor de altimetria (que poderiam ser pontos cotados de cartas
topográficas ou pontos coletados por GPS) e a estimativa para toda o recorte
analisado com o método do vizinho mais próximo. Eis a diferenciação entre
representação discreta e contínua.

Figura 5 - Processo de interpolação da altimetria com uso do método do vizinho mais próximo

Salienta-se que o processo de interpolação traz consigo erros


associados, visto que é uma estimativa. Três características principais devem
ser atentadas pelo produtor do mapa para assegurar resultados
metodologicamente consistentes: a densidade e a distribuição dos pontos de
controle, ou seja, o arranjo espacial; a consistência dos dados disponibilizados
pelos pontos de controle; a adoção do método de interpolação que seja
condizente às características do tema.

42
3.4 MAPAS DINÂMICOS

As representações dinâmicas e de síntese demandam um conhecimento


mais aprofundado sobre as bases da Cartografia Temática. Curiosamente, o
“Mapa dos ventos alísios e das monções” do Oceano Atlântico, de Edmund
Halley, em 1686, considerado o primeiro mapa temático (Martinelli e Graça,
2015), enfatiza uma representação dinâmica. Tais representações ganharam
destaque no âmbito da corrente teórica da visualização cartográfica (para além
das representações bidimensionais) com as possibilidades de interação e
animação dos mapas em ambiente digital.
A necessidade de representar o dinamismo de fatores geográficos foi
enfatizado pelas questões comerciais (sistemas de transporte e vias de
comunicação) durante o Mercantilismo (Martinelli, 2005) e, até os dias atuais,
esse é um tema com ampla utilização das representações dinâmicas. Tais
movimentos “podem ser medidos em certos pontos ao longo das vias de
comunicação ou entre duas áreas, na origem e no destino sem
necessariamente especificar a via de comunicação. Esse tipo de mapa mostra
claramente em que direção os valores ou intensidades de um fenômeno
crescem ou decrescem” (Archela e Thery, 2008, p. 13).
Os mapas dinâmicos transcrevem, graficamente, temas com
movimentações no espaço e com variações no tempo. O método mais simples
é o conjunto de mapas, com encartes individualizados demonstrando distintos
cenários das mudanças do tema. A análise visual em sequência, tal como
numa história em quadrinhos, permite a compreensão do conteúdo.
A proposta gráfica mais utilizada nas representações dinâmicas é o
método dos fluxos, que deve indicar deslocamentos e a respectiva intensidade,
direção e sentidos dos fenômenos tematizados (Martinelli, 2007). Normalmente
são utilizados segmentos lineares com aplicação da variável visual tamanho,
cor e intensidade (valor). O tamanho (espessura da linha) representa o volume
(quantitativo) e a cor a característica do atributo (qualitativo). Entretanto, todas
as variáveis visuais podem ser empregadas nesse método, dependendo do
objetivo e do número de informações a serem cartografadas.
A figura 6 traz um exemplo de mapa dinâmico sobre as importações do
estado do Rio Grande do Sul – temas econômicos e demográficos, aliás, têm
muito potencial de aplicação com uso desse método. Note-se que o tamanho
43
das linhas possibilita, instantaneamente, a compreensão dos principais países
de origem. A legenda, num segundo momento, viabiliza a assimilação
quantitativa.
Outro método de destaque é o dos círculos concêntricos. Assemelha-se
ao método dos símbolos proporcionais, embora nesse caso a grandeza
vinculada ao tamanho da forma seja têmporo-espacial. Tenha-se como
exemplo um mapa da distribuição da população municipal do Brasil de 1950 a
2010, no qual cada "anel" do círculo representaria o número de pessoas em
determinada década. Trabalha-se, portanto, de modo simultâneo com uma
grandeza espacial e outra temporal.

Figura 6 - Exemplo de mapa dinâmico sobre a origem das importações do Rio Grande do Sul
Fonte: Cargnin (2013)

Recentemente, os recursos gráficos de animação (séries temporais) em


plataformas informatizadas, mapas digitais e WebSIGs trouxeram novas
possibilidades de representação dos fenômenos dinâmicos. Sugere-se, como
exemplo, a consulta do portal Windy, que é um WebSIG meterológico e possui
distintas camadas temáticas associadas. A utilização dos recursos de
animação mantém a lógica do uso das variáveis visuais, apenas reforçando a
percepção de movimento que os símbolos buscam evidenciar nos mapas
bidimensionais estáticos.
Sobre essa possibilidade:

“A animação pode não ficar apenas na apresentação, pode ir muito além, ao ser
interativa. Na simples apresentação, o observador não tem controle sobre o
andamento: a animação apenas pode ser vista. Ao contrário, na animação
interativa, o usuário passa a ter amplo domínio sobre seu curso. Ele pode intervir,

44
girando em torno, se aproximando, se afastando da cena, bem como,
rotacionando-a. Pode, também, dialogando com o computador, acrescentar-lhe
novos dados ou colocar-lhe questões em busca de respostas” (Martinelli, 2005, p.
63).

3.5 MAPAS DE SÍNTESE E REPRESENTAÇÕES EXAUSTIVAS

Os mapas de síntese contemplam a integração de múltiplas informações


numa única e nova informação composta. Ganharam destaque no âmbito da
cartografia digital com as possibilidades oferecidas pelos softwares de
geoprocessamento no tratamento e combinações dos dados temáticos. Muitas
propostas teóricas elaboradas durante as décadas de 1950 e 1960 foram
viabilizadas, recentemente, pelos processamentos em computadores.
Os temas sintéticos, portanto, exigem conhecimento aprofundado sobre
os conceitos e aplicações dos temas e variáveis vinculadas. Cada decisão
combinatória (definição das classes, pesos, parâmetros) afeta diretamente a
representação final. Num mapa temático sobre riscos a inundações, por
exemplo, várias informações compõem o tema: hidrologia, geomorfologia, uso
do solo e vulnerabilidade socioeconômica. A atribuição dos níveis de risco
dependem de uma série de decisões para a elaboração de cada variável, num
primeiro momento, e de integração do conjunto de variáveis, posteriormente.
Destaca-se que:

“A facilidade de acesso a dados espaciais e softwares de geoprocessamento tem


possibilitado a construção de um número significativo de mapas temáticos com os
mais diferentes temas e escalas de representação, sem implicar,
necessariamente, em maior eficácia na comunicação gráfica. Isto se dá pela
impossibilidade de associação de um número grande de temas quando
apresentados sobrepostos simultaneamente ou em diferentes mapas, em função
da complexidade envolvida na construção e leitura dos mesmos, ainda que para
um número reduzido de unidades espaciais” (Sampaio, 2012, p. 121-122).

As combinações de múltiplas informações e sintetizadas numa nova


informação são realizadas comumente pela técnica de álgebra de mapas,
desde simples operações matemáticas (soma, subtração, multiplicação e
divisão, como exemplificado pela figura 7) até a aplicação de fórmulas mais
complexas para atender demandas específicas na elaboração de modelos. A
modelagem espacial pode objetivar a reconstituição, a predição ou a avaliação
de fenômenos geográficos.

45
Figura 7 - Exemplos das operações de álgebra de mapas
Fonte: Silveira (2019)

A síntese cartográfica, portanto, depende do conteúdo (domínio dos


temas e dos critérios para a representação dos mesmos) e da forma (domínio
dos métodos de representação gráfica). Num mapa temático sobre “violência
no Brasil entre 2016 e 2019”, vários fatores precisam ser considerados, tais
como renda, taxas de desemprego, tipologia dos crimes, escolaridade, gênero
entre outros. Os parâmetros predefinidos mudam a configuração do mapa
resultante. Por isso o rigor metodológico é a questão central da cartografia de
síntese: quanto mais clara e objetiva, maior será a transparência na
comunicação.
Mapas de síntese atendem, predominantemente, um público mais
especializado. Como consequência, o projeto cartográfico costuma conter um
elevado número de informações, caracterizando representações exaustivas. Os
mapas exaustivos podem conter diversos temas, variáveis visuais e métodos
temáticos de representação. Embora demandem mais tempo para a leitura e
compreensão, com a necessidade de isolar as variáveis, são documentos que
fornecem uma perspectiva visual holística do espaço.
O mapa da figura 8 evidencia essa característica, relacionando temas
que influem no avanço do desmatamento, da violência no campo e produção
agropecuária. A ideia central do mapa é demonstrar a correlação espacial de

46
distintos temas aplicados numa problemática central. Nesse exemplo, foram
empregadas as variáveis visuais tamanho, cor e granulação.

Figura 8 - Exemplo de mapa exaustivo sobre a expansão da fronteira agrícola no Brasil Fonte:
Archela e Thery (2008)

Os mapas temáticos exaustivos são amplamente utilizados e também


são neles que as inconsistências metodológicas do projeto cartográfico são
mais facilmente percebidas. Devido ao elevado número de informações
acrescentadas, mapas que contêm elementos qualitativos, ordenados e
quantitativos transcritos sobre uma única base cartográfica podem fazer uso
inadequado das variáveis visuais. Se a percepção for prejudicada, o mapa
perde sua função primordial de comunicar sob a perspectiva semiológica.

47
NA PRÁTICA

No dia a dia, os mapas temáticos estão presentes em vários segmentos


e meios de comunicação: livros, telejornais, anúncios publicitários, mapas
turísticos, aplicativos em smartphones, notícias em portais da internet... Cada
representação utiliza métodos específicos da Cartografia Temática, embora
muitas apresentem graves inconsistências metodológicas. Faz-se necessária a
análise crítica permanente de mapas temáticos, para além do contexto
acadêmico-escolar, pois os meios de comunicação em massa também
exercem influência no processo de alfabetização cartográfica.

CONCLUSÃO

Mapas temáticos podem representar fenômenos geográficos de


natureza qualitativa, ordenada, quantitativa, dinâmica ou de síntese. Para os
mapas qualitativos, destacam-se os métodos de coleção de mapas (conjunto
de encartes sequenciais), corocromático (diferenciação de áreas com uso de
cores) e os pontos e linhas nominais; para os mapas ordenados, o principal
método o coroplético (ordenação de áreas com uso da variável intensidade, ou
seja, graduações de uma mesma cor); para os mapas quantitativos, os
métodos apresentados foram os símbolos proporcionais, os pontos de
contagem e o isarítmico (que consiste na atribuição de linhas para representar
fenômenos de ocorrência contínua pelo processo de interpolação).
Os mapas dinâmicos foram abordados sob as concepções do método
dos fluxos (variações espaciais), dos círculos concêntricos (variações têmporo-
espaciais) e das novas perspectivas com os recursos computadorizados de
animação. Quanto aos mapas de síntese, foi apresentado o processo de
álgebra de mapas e os cuidados metodológicos em relação à combinação de
duas ou mais informações para a obtenção de novas informações. Por fim, em
relação aos mapas exaustivos, que podem conter múltiplos temas e métodos
numa única representação, ressalta-se que o excesso de informações não
pode prejudicar a comunicação cartográfica.

48
REFERÊNCIAS

ARCHELA, R. S.; THÉRY, H. Orientação metodológica para construção e


leitura de mapas temáticos. Confins, Paris, v. 3, p. 1-21, 2008.

BERTIN, J. Sémiologie Graphique: les diagrammes, les réseaux, les cartes.


Paris: Mouton, 1967.

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Porto Alegre: Secretaria do Planejamento e Gestão/Departamento de
Planejamento Governamental, 2013.

DENT, B. D. Cartography: Thematic Map Design. 5. ed. New York: McGraw-


Hill, 1999.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Biomas Brasileiros. Atlas


geográfico escolar. Disponível em:
https://cnae.ibge.gov.br/en/component/content/94-7a12/7a12-vamos-conhecer-
o-brasil/nosso-territorio/1465-ecossistemas.html?Itemid=101. Acesso em:
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MARTINELLI, M. Mapas da geografia e cartografia temática. 4. ed. São


Paulo: Contexto, 2007.

MARTINELLI, M.; GRAÇA, A. J. S. Cartografia temática: uma breve história


repleta de inovações. Revista Brasileira de Cartografia, Rio de Janeiro, n.
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SAMPAIO, T. V. M. Diretrizes e procedimentos metodológicos para a


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SILVEIRA, R. M. P. Cartografia Temática. 1ª ed. Curitiba: Editora


Intersaberes, 2019.

49
TRATAMENTO DOS DADOS
E APLICAÇÃO DAS VARIÁVEIS
VISUAIS EM
MAPAS TEMÁTICOS
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

50
4. TRATAMENTO DOS DADOS E APLICAÇÃO DAS VARIÁVEIS VISUAIS EM MAPAS
TEMÁTICOS

INTRODUÇÃO

Na execução do projeto cartográfico, organizar a base de dados é a


primeira etapa operacional para a produção de mapas. A revolução tecnológica
do último século resultou em novas possibilidades de acesso e obtenção de
dados geoespaciais, o que conferiu um grande volume de informações que
podem ser tratadas em ambiente digital. No contexto recente, com a
informática e a internet, a distribuição de dados (e de produtos derivados) é
facilitada e o compartilhamento denota uma nova fase da cartografia.
Nesse contexto, essa aula objetiva apresentar as principais
características e cuidados em relação ao tratamento de dados geoespaciais,
com ênfase na aquisição, edição, relações de escala e etapas para a
representação quantitativa de informações em análises multicritério. Na
transição dos mapas analógicos para os mapas digitais, salienta-se, ainda, a
aplicação das variáveis visuais.

4.1 OBTENÇÃO DE DADOS CARTOGRÁFICOS DIGITAIS

No âmbito recente, a aquisição de dados, que é a primeira etapa


operacional para a elaboração de quaisquer mapas temáticos, tem sido
favorecida pelo compartilhamento de arquivos digitais com uso da internet.
Além disso, em paralelo, o desenvolvimento de tecnologias específicas para a
geração de dados primários (como os VANTs - veículos aéreos não tripulados)
ou para o tratamento de dados secundários (como os softwares de
geoprocessamento) também desponta como importante aspecto.
As facilidades de acesso e obtenção dos dados evidenciam, por outro
lado, os cuidados em relação à utilização dos mesmos. As aplicações sem
reconhecimento prévio sobre as características dos dados podem derivar
mapas inadequados sob a perspectiva da comunicação e banalizações de
conceitos cartográficos. Há muitas potencialidades e também muitas

51
limitações. Se em décadas anteriores as dificuldades eram sobretudo de
aquisição de informações espaciais, hoje, talvez, o principal desafio seja o de
filtrar as informações que vão compor os projetos cartográficos.
Até meados do século XX, o desenvolvimento da fotogrametria foi muito
importante para o mapeamento de aspectos visíveis da superfície terrestre que
favoreceram interpretações mais abrangentes e consequentes tematizações.
Com a corrida espacial ocorrida durante a Guerra Fria, o sensoriamento remoto
se desenvolveu rapidamente, com satélites que dispunham imagens com
resoluções espectrais, espaciais, temporais e radiométricas cada vez melhores
e com coberturas cada vez mais abrangentes – cujo processo se mantém até
hoje. Tais dados são muito utilizados para mapas de uso do solo, da
vegetação, atmosféricos, modelos digitais do terreno e diversas análises
multitemporais.
Em paralelo, o desenvolvimento da informática a partir da década de
1970 revolucionou as maneiras de computar e processar dados, tanto pela
obtenção quanto pela representação em interfaces gráficas. Muitos produtos
cartográficos no papel passaram a ser digitalizados e vetorizados. Foi nesse
contexto que os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) se
desenvolveram e trouxeram consigo os conceitos da cartografia temática como
parte da composição das plataformas. Posteriormente, a partir da década de
1990, a era da internet marcou uma nova fase para a aquisição e,
principalmente, compartilhamento de dados geoespaciais – o que resultou na
expandiu os horizontes de aplicação da cartografia pautada pelo
desenvolvimento das geotecnologias de modo geral.
Considerando o grande volume de dados geoespaciais disponíveis,
"tornaram-se relevantes os esforços para que essa informação seja estruturada
para garantir a sua acessibilidade por parte de diversos grupos de usuários. Foi
nesse contexto que foram criadas as Infraestruturas Nacionais de Dados
Espaciais (INDEs)" (Camboim e Sluter, 2013, p. 1128). No Brasil, a INDE foi
instituída pelo Decreto n. 6.666, de 27 de novembro de 2008 e possui o
seguinte propósito:

"[...] catalogar, integrar e harmonizar dados geoespaciais existentes nas


instituições do governo brasileiro, produtoras e mantenedoras desse tipo de dado,
de maneira que possam ser facilmente localizados, explorados e acessados para
os mais diversos usos [...]. Os dados geoespaciais serão catalogados através dos

52
seus respectivos metadados, publicados pelos produtores/mantenedores desses
dados" (Brasil, 2019).

O compartilhamento de dados geoespaciais pela internet denota


importantes questões a serem consideradas: qual é a origem e quais são as
principais características dos arquivos? Num arquivo vetorial de classes de
solo, por exemplo, qual é a escala original da informação? Quando foi
produzido? Numa imagem de sensoriamento remoto, qual é o satélite e qual é
a data de aquisição? As respostas devem constar nos metadados, que são os
dados que descrevem os dados. Olaya (2014) cita que os metadados devem
incluir informações sobre a identificação, qualidade, representação e
distribuição dos dados. Isso é fundamental para assegurar a produção e
reprodução de representações temáticas em ambiente digital, dando maior
transparência ao processo de elaboração dos mapas.
Dados inconsistentes ocasionam propagação de erros durante o
desenvolvimento do projeto cartográfico. Quando o usuário visualiza o mapa
final não tem o conhecimento sobre os procedimentos operacionais que
culminaram naquela representação. Destaca-se, nesse contexto, que há uma
sutil diferença entre dado e informação. Conforme Fronza (2016), um dado
pode ser definido como uma "simbologia ou representação bruta sem
significado", enquanto a informação é o processamento ou agrupamento dos
dados para que se tornem úteis e, assim, possuam um significado. O
conhecimento e a intencionalidade do produtor de determinado mapa temático,
portanto, interfere na comunicação cartográfica.
Os dados geoespaciais podem ser vetoriais (entidades geométricas
pontuais, lineares e zonais) ou matriciais (estrutura em grades, cujas unidades
mínimas são denominadas pixels ou células, tal como consta em fotografias ou
imagens digitais), também chamados de raster. Uma imagem Landsat 7, por
exemplo, é um dado matricial ou raster com resolução espacial de 30 metros.
Sobre ela é possível "desenhar" estradas (vetorização com uso de linha), áreas
com vegetação florestal (vetorização com uso de polígono) e localização de
parques (uso de pontos).
O formato vetorial shapefile (.shp), que é um dos mais populares em
softwares de geoprocessamento, apresenta estrutura dual: os arquivos da
geometria e da tabela de atributos constam separados. Além disso, o arquivo
referente à simbologia pode ser armazenado com formato específico (como o

53
.lyr). Isso significa, na prática, que os elementos cartográficos de referência e
os elementos temáticos são complementares e, ao mesmo tempo, tratados
individualmente. Portanto, as vantagens de acesso aos dados exigem maior
atenção às questões vinculadas à representação cartográfica com ferramentas
informatizadas, sobretudo ao considerar as regras semiológicas dos mapas
temáticos.

4.2 A ESCALA DE DADOS GEOESPACIAIS

Em mapas impressos, a indicação da escala (gráfica ou numérica) e das


fontes dos dados utilizados favorece a compreensão das dimensões dos temas
mapeados. Em ambiente digital, entretanto, a escala pode não ser fixa. Ou
seja, a visualização das camadas temáticas pode ser feita em diversas escalas,
com as ferramentas de aproximação (zoom in) e afastamento (zoom out) em
SIGs, por exemplo. Eis uma problemática: embora a aquisição do dado seja
realizada com um nível de abrangência predefinido, a visualização e manuseio
desse mesmo dado, nos computadores, em tela, é variável.
Se os dados geoespaciais não possuírem metadados e o usuário
desconhecer as condições de sua obtenção ou processamento, especialmente
para arquivos vetoriais, a utilização pode ser comprometida. Todavia, "uma vez
definida a escala de um dado geoespacial, isto não significa que este valor não
possa sofrer alteração. Processos de reamostragem de pixels e/ou de
reprojeção de camadas matriciais e vetoriais [...] também podem reduzir a
acurácia posicional dos dados" (Sampaio e Brandalize, 2018, p. 102).
Alguns preceitos dos mapas impressos podem ser adaptados para o
contexto digital, tal como o erro gráfico ou o segmento mínimo mapeável. Essa
abordagem parte do princípio que o olho humano não consegue distinguir
objetos menores do que 0,2 milímetros e, portanto, esse é o valor mínimo para
representações de objetos (no caso de representação vetorial) ou do tamanho
do pixel (no caso de dados matriciais ou raster). Assim, cada escala de
representação terá um nível de generalização associado aos tamanhos dos
objetos mapeados.
Ao aplicar a fórmula da escala cartográfica considerando o valor para os
segmentos mínimos mapeáveis (0,2 milímetros no mapa) é possível calcular a

54
extensão mínima no real. Isso é feito pela multiplicação entre o denominador
da escala e o valor convertido em metros da extensão medida no mapa (0,2
milímetros é equivalente a 0,0002 metros). Ou seja, num mapa de escala
1:2000, portanto, os segmentos com dimensão inferior a 40 centímetros no
mundo real não são visualizados pelo olho humano (2000 x 0,0002 = 0,4
metros). Num mapa de escala 1:200.000, o valor mínimo para representação
de objetos medidos no real é de 40 metros (200000 x 0,0002 = 40); em
representações de escala 1:1.000.000, o resultado é de 200 metros (1000000 x
0,0002 = 200).
Para ilustrar essa problemática e aplicar os conceitos num exemplo
prático, consideremos o projeto de um mapa temático sobre inundações do
município de Curitiba que deve ser elaborado na escala 1:5.000. Inicialmente, a
escala dos dados geoespaciais utilizados precisa ser coerente com o objetivo
da representação. Dados sobre a hidrografia na escala 1:25.000, sobre o
relevo na escala 1:50.000 e uma imagem de satélite com resolução de 30
metros, por exemplo, não têm o nível de detalhamento necessário para esse
projeto. Mas se esses dados fossem utilizados para gerar uma informação
sobre inundações, mesmo que o layout do mapa final seja elaborado na escala
1:5.000, os processamentos prévios para obter esse resultado não foram
realizados nessa escala. Então, esse é um erro metodológico que é omitido
para os usuários. O mapa é inconsistente, mesmo que aparentemente os erros
não sejam explícitos.
Existem, também, parâmetros legais e parâmetros técnicos para a
definição da escala cartográfica – mais especificamente, da acurácia
posicional. O Decreto n. 89.817, de 20 de junho de 1984, instituiu o Padrão de
Exatidão Cartográfica (PEC), definido como um indicador estatístico para a
qualidade posicional (altimétrica e planialtimétrica). Posteriormente, a
Especificação Técnica dos Produtos de Conjuntos de Dados Geoespaciais (ET-
PCDG), publicada por Brasil (2014), resultou num novo conceito do PEC para
os Produtos Cartográficos Digitais (PEC-PCD). Tais parâmetros constam na
tabela 1 (referente à planimetria) e tabela 2 (referente à altimetria).

55
Tabela 1 - Padrão de exatidão cartográfica (PEC) da planimetria dos produtos cartográficos
digitais.
Fonte: ENGESAT (2019)

Tabela 1 - Padrão de exatidão cartográfica (PEC) da altimetria dos produtos cartográficos


digitais.
Fonte: ENGESAT (2019)

Nessa proposta, com níveis de exatidão atribuídos, o Erro Padrão (EP) é


equivalente ao erro médio quadrático ou desvio padrão da base de dados em
relação às mensurações precisas feitas em campo, para cada escala, e o
parâmetro da PEC se refere a 90% de probabilidade de erros de pontos
mensurados no produto cartográfico. Esses valores são fundamentais para a
elaboração de um mapa temático, principalmente pelo reconhecimento sobre
as limitações de escala dos dados geoespaciais planimétricos ou altimétricos.

4.3 EDIÇÃO DE DADOS GEOESPACIAIS APLICADOS À CARTOGRAFIA


TEMÁTICA

A elaboração de mapas temáticos em ambiente digital demanda,


comumente, edições nos dados geoespaciais utilizados como base para as
representações. Tais edições variam desde pequenos ajustes geométricos nas
feições de objetos mapeados até a criação (desenho) de novos objetos ou
representações com o reprocessamento de dados. Essa etapa deve considerar
as características discutidas até aqui, referentes à aquisição e à escala dos
dados. As edições cartográficas caracterizam uma importante interface entre a

56
cartografia temática e a cartografia digital, abarcando questões metodológicas
de ambas.
No caso das edições de arquivos vetoriais, os softwares de
geoprocessamento dispõem de um conjunto de operações, tais como recortes
de polígonos, uniões de feições, exclusões, alargamentos (buffer), definição de
centroides, extração de vértices e interseções. Essas ferramentas são
aplicadas para edições geométricas. As operações com maior nível de
complexidade, normalmente aplicadas à análise espacial, incluem:
combinações, cálculos de densidade e proximidade, estatísticas, modelagens e
muitas outras opções.
Faz-se imprescindível a aplicação de regras topológicas, que definem os
relacionamentos espaciais entre as feições, para a edição vetorial. Os erros
topológicos mais comuns são as sobreposições ou lacunas, sobretudo em
polígonos. Tenhamos como exemplo o mapeamento de propriedades rurais:
sobreposições de polígonos resultam em áreas com duplicidade de
proprietários, enquanto as lacunas formam "buracos" não pertencentes a
ninguém. Eis um erro de edição que, aplicado ao planejamento, pode se tornar
um caso de litígio. No caso de linhas, rios que não tenham a geometria
conectada são exemplos de inadequações topológicas – o que, na prática,
pode afetar cálculos e modelagens hidrológicas por exemplo. Ou seja,
pequenos erros podem ocasionar grandes problemas em mapas temáticos.
O processo de generalização e simplificação também contempla parte
importante das edições vetoriais, uma vez que a escala dos dados esteja
relacionada ao detalhamento das feições. Se a mudança de escala for muito
grande, o próprio modo de implantação pode mudar.
- Exemplo 1: num mapa sobre desmatamento, na escala 1:5.000 seria
possível mapear as áreas desmatadas com polígonos; num mapa com mesmo
tema, mas na escala 1:100.000, essas mesmas áreas podem não ser
visualizadas por causa do erro gráfico (0,2 milímetros, no mapa) e, assim, a
representação pode ser feita com pontos que indiquem focos de
desmatamento.
- Exemplo 2: num mapa sobre crimes de determinado município, na
escala 1:5.000, os casos registrados podem ser representados por pontos. Ao
reduzir a escala de um mapa com esse mesmo tema para 1:100.000, os pontos
não serão representativos. Como solução de generalização, o agrupamento de

57
ocorrências (pontos) pode ser indicado por polígonos com a concentração do
registro de crimes.
Em relação aos principais modos de generalização cartográfica, Slocum
et al. (2009) citam os seguintes operadores: simplificação (redução do número
de vértices para representar determinado objeto); suavização (redução do
ângulo das linhas); agregação (agrupamentos de pontos em polígonos, como
no exemplo supracitado do mapas de crimes); amalgamação (agrupamento de
polígonos); colapso (substituição por símbolos); fusão (agrupamento de linhas);
refinamento (seleção de porções específicas); exagero (aumento de
proporção); aprimoramento (detalhamento da informação); e deslocamento
(separação de objetos).
Nos dados matriciais (raster), as edições são feitas principalmente
seguindo métodos de processamento digital de imagens (PDI) e técnicas de
sensoriamento remoto. Entre os procedimentos mais comuns, estão as
aplicações de filtros para correções nos valores dos pixels, reclassificações,
interpolações, composição de mosaicos e álgebra de mapas. O tratamento de
dados raster pode ser efetuado tanto nos produtos primários, como imagens de
satélite, quanto nos produtos secundários, como representações de síntese ou
vetores convertidos em matrizes. A vantagem dos processamentos em dados
raster é o tratamento da superfície de modo contínuo, sendo a desvantagem o
tamanho de armazenamento desses arquivos.
Independentemente da natureza do dado geoespacial, muitos erros (que
se acumulam durante a elaboração do projeto cartográfico) são relacionados à
atribuição incorreta – ou também à ausência – do sistema de coordenadas e do
sistema geodésico de referência (denominado Datum). Esse é um exemplo
prático da vinculação entre a cartografia de referência e a cartografia temática
em ambiente digital. Embora alguns SIGs permitam a entrada de arquivos com
distintos sistemas de coordenadas e de referência, os deslocamentos podem
variar de poucos centímetros a centenas de metros. Isso reforça a importância
dos metadados e também do conhecimento sobre os processos de conversão
dos dados. No Brasil, por exemplo, até 2005 o sistema de referência oficial era
o SAD69; desde então é o SIRGAS2000. Num mapa temático sobre produção
de sedimentos, se os rios forem arquivos vetoriais e estiverem em SAD69 e a
imagem de satélite em SIRGAS2000, a representação não será coincidente.

58
4.4 NORMALIZAÇÃO, PADRONIZAÇÃO, PONDERAÇÃO E DISCRETIZAÇÃO
DE DADOS GEOESPACIAIS

Muitos dados geoespaciais, notadamente aqueles de ênfase qualitativa,


são utilizados sem necessidade de modificações significativas nos seus
atributos constituintes – isto é, das informações temáticas propriamente ditas.
Entretanto, muitas informações quantitativas são tratadas para compor
representações específicas, destacando-se quatro processos: normalizar,
padronizar, ponderar e discretizar os dados.
A normalização de um dado é realizada pela divisão de uma variável
pelos valores de outra (V1 / V2), contextualizando-a e relativizando-a. Um
ótimo exemplo para compreendê-la é a densidade demográfica, mensurada
pela divisão entre o número total da população (V1) e a área de determinado
recorte espacial (V2). Assim, em mapas temáticos sobre os municípios
brasileiros, uma representação coroplética com a população absoluta de cada
unidade administrativa (dados brutos) não caracteriza o tema como uma
variável normalizada, mas dividindo-a pelas áreas respectivas de cada
município, passa a ter tal característica.
Normalizar um dado resulta na atribuição de uma dimensão relativa. A
figura 1 exemplifica sua aplicação num tema socioeconômico com base em
dados censitários. Sem a normalização, o número de domicílios com renda
mensal superior a 10 salários mínimos é absoluto (na legenda constam valores
unitários); com a normalização pelo número total de domicílios, a informação
passa a ser relativa (na legenda consta a porcentagem). Essa adequação
proporcional favorece a compreensão dos fatos, pois, com os valores
absolutos, setores censitários mais populosos podem ter os resultados
superestimados e os menos populosos podem indicar resultados
subestimados.
Nesse exemplo (figura 1), a discretização dos valores foi feita por dois
métodos: quebras naturais e quantil. Embora os dados sejam os mesmos, as
representações são muito diferentes. A legenda indica as diferenças numéricas
entre as classes, mas no âmbito perceptivo os mapas classificados por quantis
transpõe a noção de que a população é mais rica se comparado aos mapas
classificados pelas quebras naturais. Reforça-se, portanto, a necessidade de

59
conhecer tanto a natureza do tema quanto os procedimentos técnicos
aplicados para sua devida representação.

Figura 1 - Exemplo de normalização de uma variável censitária, discretizada pelo método das
quebras naturais e dos quantis.

O processo de padronização consiste na transformação dos valores de


determinada variável (normalizada ou não) dentro de intervalos predefinidos,
como de 0 a 1. Esse tratamento de dados é muito utilizado para a elaboração
de mapas de síntese e análises multicritério, que contemplam a combinação de
múltiplas variáveis que não têm, necessariamente, os mesmos valores de
ocorrência. Conforme Sampaio (2019, p. 214), na padronização "pode ser

60
utilizado um procedimento que limita o valor máximo em 1 e que permite a
variação do valor mínimo (padronização simples) ou um que estenda os
valores observados para os extremos da escala de 0 a 1 (padronização direta)
ou, ainda, podem ser atribuídos valores previamente arbitrados às variáveis de
entrada (padronização por reclassificação)".
Tenhamos como exemplo o projeto cartográfico para um mapa temático
sobre riscos a tempestades. As variáveis que comporiam os níveis de risco
envolveriam, de modo simplificado, pluviosidade (mm³), temperatura (ºC),
ventos (m/s), densidade populacional (habitantes/km²) e renda (R$). Todas as
variáveis possuem valores mínimos e máximos variáveis, com unidades
distintas. Numa padronização direta, os valores mínimos de cada variável
seriam indicados como 0 (zero) e os valores máximos como 1 (um), com a
respectiva distribuição dos valores do fenômeno entre eles. Isso facilita tanto a
combinação quanto a comparação das informações.
Quanto à ponderação, esse processo viabiliza a atribuição de pesos
(valores hierárquicos) para as variáveis. Destaca-se que se a atribuição dos
pesos for aplicada para os valores das variáveis, trata-se do processo de
padronização por reclassificação (Sampaio, 2019). No exemplo do mapa sobre
riscos a tempestades, cada variável poderia receber um valor associado ao seu
nível de importância em relação ao tema. Pluviosidade é mais importante do
que temperatura na manifestação do evento natural, então, numa combinação
entre as variáveis, ela poderia ser reclassificada com um peso maior.
Por fim, o processo de discretização consiste na definição de classes a
partir de conjuntos ou dados numéricos. Mapas coropléticos com dados
comumente apresentam o processo de discretização nos layouts finais, como
em mapas hipsométricos (0 a 250; 251 a 500; > 500 metros). As classes
podem ser discretizadas ("fatiadas") por critérios determinísticos (empíricos ou
arbitrários) ou por critérios estatísticos – considerando, sobretudo, a
distribuição no histograma de frequência de determinada variável. Nesse
processo, dois fatores devem ser considerados: o número de classes e o
intervalo numérico de cada classe.
Embora o número de classes dependa dos objetivos da representação,
Bertin (1967) considera que mapas devem ter 3, 5 ou 7 classes. Segundo
Sampaio (2019, p. 222), para "a produção de um mapa ou gráfico, o elaborador
deve ter em mente que a quantidade de classes decorre, essencialmente, do

61
grau de similaridade dos dados". O intervalo numérico, por sua vez, pode ser
simétrico (divisão proporcional da amplitude dos valores pelo número de
classes) e assimétrico (divisões variáveis).

4.5 USO DAS VARIÁVEIS VISUAIS PARA AS REPRESENTAÇÕES TEMÁTICAS


EM AMBIENTE DIGITAL

Conforme discutido em aulas anteriores, a evolução da cartografia


temática foi marcada pela sistematização de metodologias para as
representações gráficas de objetos e fenômenos com ocorrência espacial. A
atribuição de símbolos, no plano bidimensional, constitui, historicamente, o
cerne dessa disciplina. No âmbito digital, podemos dividir dois momentos
relacionados à implantação da cartografia temática: 1) inclusões dos recursos
gráficos em softwares de geoprocessamento e em SIGs, com as adaptações
dos conceitos empregados até então no papel (manuais) para as telas dos
computadores; 2) exploração de novos recursos gráficos (e,
consequentemente, de novas variáveis visuais) com as possibilidades que o
aparato tecnológico dispôs gradativamente nas últimas décadas (figura 2).
Os principais SIGs da atualidade (ArcGIS e QGis) oferecem recursos
gráficos adequados às concepções da semiologia gráfica para a aplicação das
variáveis visuais, seja considerando a natureza qualitativa, ordenada ou
quantitativa dos dados geoespaciais. A automatização facilitou, em termos
operacionais, a elaboração de mapas temáticos. Na variável visual tamanho,
por exemplo, os softwares podem atribuir as dimensões automaticamente com
base nos valores dos atributos; no papel, outrora, o cálculo da proporção dos
círculos era feito manualmente. É importante ressaltar que as vantagens
operacionais não têm efeito prático se a concepção teórica (conhecimento
sobre as regras semiológicas) for inconsistente.
Nos mapas qualitativos, a simbolização pôde ser personalizada com
inúmeros elementos (pictóricos ou não). Mapas temáticos impressos de
décadas anteriores comumente utilizavam hachuras (variáveis visuais textura
ou granulação) como solução cartográfica, visto que isso reduzia os custos
para a reprodução em papel e em preto e branco. Hoje, com a divulgação e
compartilhamento dos mapas em formato digital, as cores são amplamente
exploradas – inclusive com paletas predefinidas para as aplicações. As
62
representações exaustivas em mapas impressos, com múltiplas variáveis
visuais sobrepostas, puderam ser individualizadas por camadas selecionáveis
em SIGs.

Figura 2 - Exemplo de representação bidimensional (2D e 2,5D) e tridimensional (3D).

Nos mapas ordenados e quantitativos, o tratamento numérico dos dados


geoespaciais destaca-se como a principal potencialidade decorrente da
informatização. Os intervalos, normalizações, padronizações, ponderações ou
discretizações dos dados que compõem mapas coropléticos puderam ser
automatizados com ferramentas específicas, considerando critérios
matemáticos e estatísticos (desvio padrão, quantis, quebras naturais etc.), e
com representações associadas. As propriedades da cor (tons, valores e
intensidades) auxiliam na transposição perceptiva dos temas.
Ao escolher determinada opção para a simbolização dos mapas nos
softwares mencionados, o elaborador do mapa deve realizar o tratamento
gráfico dos dados. Um erro recorrente é utilizar os símbolos ou padrões de
cores aleatórios (default) sem, previamente, analisá-las.
Além das seis variáveis visuais propostas por Bertin (1967), a variável
denominada altura em perspectiva, de Slocum et al. (2009), vem sendo muito

63
utilizada em mapas temáticos – tanto para representações em 2,5D quanto
para 3D, como ilustrado pela figura 2. A representação do relevo, por exemplo,
com uso de modelos digitais de elevação, viabiliza a simulação do
sombreamento do relevo (hillshade), o que resulta numa percepção de
profundidade mesmo no plano bidimensional (o que caracteriza o 2,5D).
Comumente o relevo sombreado é incluído como camada temática auxiliar às
representações principais, com transparência.
Além disso, a modelagem de superfícies ou objetos de modo
tridimensional vem sendo cada vez mais utilizada nos mapas digitais – seja
para representar o relevo ou os objetos que constam na superfície, como
vegetação e edificações. Para determinadas finalidades, a visão tridimensional
é a melhor variável para a comunicação cartográfica. O exemplo da figura 2
demonstra essa característica, vinculando cor e altura em perspectiva. Um
usuário que não tenha conhecimento sobre geomorfologia entenderá facilmente
o que é uma serra ao visualizá-la com exagero vertical.

NA PRÁTICA

Consideremos a elaboração de um atlas municipal. A organização do


projeto cartográfico passa, primeiramente, pela verificação dos dados
geoespaciais disponíveis em distintas fontes (nesse caso, principalmente
governamentais). Na sequência, há a conversão dos dados em informações
temáticas, com todos os preceitos vinculados à semiologia gráfica para a
composição do layout final. Todos os dados precisam ser adequados conforme:
consistência topológica, escala mínima e máxima, padronizações dos valores,
determinação de classes e aplicação da simbologia. Os resultados podem ser
projetados em mapas impressos, em formato digital ou em plataformas
interativas, mas independentemente do meio de divulgação, o tratamento
prévio dos dados é o mesmo.

CONCLUSÃO

As potencialidades inerentes à disponibilidade e o acesso cada vez mais


facilitado a dados geoespaciais são proporcionais às limitações que o
tratamento inadequado pode ocasionar no processo comunicativo de um mapa
64
temático. Os softwares de SIG possuem inúmeras ferramentas para a
visualização, edição e processamento de dados, mas se o embasamento
teórico-metodológico for frágil, isso será refletido nos produtos gerados.
Os recursos técnicos, portanto, devem ser entendidos como elementos
auxiliares do projeto cartográfico e não como um fim em si mesmo. O rigor
metodológico deve ser considerado permanentemente, pois os erros
acumulados desde a aquisição dos dados têm efeito dominó e afetam todas as
etapas posteriores.

REFERÊNCIAS

BERTIN, J. Sémiologie Graphique: les diagrammes, les réseaux, les cartes.


Paris: Mouton, 1967.

BRASIL. INDE – Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais. Apresentação.


Disponível em: <https://inde.gov.br/Inde/Apresentacao>. Acesso em:
27/09/2019.

CAMBOIM, S. P.; SLUTER, C. R. Uso de ontologias para busca de dados


geoespaciais: uma ferramenta semântica para a Infraestrutura Nacional de
Dados Espaciais. Revista Brasileira de Cartografia, v. 65, p. 1127-1142,
2013.

ENGESAT. PEC, o que é e como aplicar?. Disponível em:


<http://www.engesat.com.br/pec-o-que-e-e-como-aplicar-2/>. Acesso em:
25/09/2019.

FRONZA, G. IDE acadêmica: construção de uma infraestrutura de dados


espaciais colaborativa. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do
Paraná, Setor de Ciências da Terra, Programa de Pós-graduação em Ciências
Geodésicas, 2016.

OLAYA, V. Sistemas de información geográfica. Create Space Independent


Publishing Platform, 2014.

SAMPAIO, T. V. M. Cartografia Temática. Curitiba: Programa de Pós-


Graduação em Geografia - UFPR, 2019.

SAMPAIO, T. V. M.; BRANDALIZE, M. C. B. Cartografia geral, digital e


temática. Curitiba: Universidade Federal do Paraná/Programa de Pós-
Graduação em Ciências Geodésicas, 2018.

SLOCUM, T. et al. Thematic Cartography and Geovisualization. 3. ed. Upper


Saddle River: Prentice Hall, 2009.

65
CARTOGRAFIA TEMÁTICA E
SISTEMAS DE INFORMAÇÕES
GEOGRÁFICAS
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

66
5. CARTOGRAFIA TEMÁTICA E SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

Ao longo da história, os meios comunicativos para as representações


cartográficas foram condizentes às tecnologias disponíveis. Nas últimas
décadas, gradativamente os conceitos da cartografia temática foram integrados
aos Sistemas de Informações Geográficas (SIGs), caracterizados como
plataformas que permitem o armazenamento, visualização, edição, análise e
processamento de informações temáticas, além da produção de mapas.
Os recursos que os SIGs dispõem à cartografia temática marcam uma
nova fase da disciplina, numa transição entre o analógico (mapas impressos e
estáticos) e o digital (mapas cada vez mais interativos). Não se trata,
entretanto, de uma ruptura com os métodos tradicionais. Os SIGs
complementaram os conceitos da cartografia temática – e vice-versa.

5.1 A HISTÓRIA DOS SIGs E SUA RELAÇÃO COM A CARTOGRAFIA


TEMÁTICA

Os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) compuseram, nas


últimas décadas, ferramentas essenciais para a cartografia temática. Desde a
aquisição e processamento de dados até a comunicação de resultados, esses
sistemas se estabeleceram como fator central na popularização das
geotecnologias. Mesmo no Brasil, a sigla GIS também é muito utilizada, pois
deriva do acrônimo em inglês (Geographic Information System) – daí os nomes
ArcGIS e QGIS, por exemplo. Na transição da cartografia analógica para a
digital, os SIGs constituem a ponte por onde a cartografia temática caminha.
Considera-se que o primeiro SIG foi desenvolvido no início da década de
1960, no Canadá, com o propósito de ser uma ferramenta para a organização
de dados do inventário geográfico canadense com aplicação para a gestão do
território rural. Na sequência, em 1964, o denominado SYMAP (desenvolvido
nos EUA, pelo Harvard Laboratory), foi a primeira aplicação que permitiu a

67
entrada de dados na forma de pontos, linhas ou áreas – que, hoje,
conhecemos como as primitivas gráficas das estruturas vetoriais. Cinco anos
mais tarde, o mesmo laboratório desenvolveu o programa GRID, que
armazenava os dados na forma de quadrículas regulares – eis o início dos
dados raster ou matriciais (Olaya, 2014).
Tais plataformas só foram viabilizadas, conforme já apresentado, pela
revolução da informática. É importante destacar que um SIG não é
caracterizado como um software específico para a produção de mapas
temáticos, embora a maioria tenha essa função. Em termos gerais, um SIG
permite o armazenamento, leitura, edição, análise e consulta de dados
geoespaciais, além da obtenção de resultados (principalmente na forma de
mapas e gráficos). Ou seja, um SIG constitui uma plataforma abrangente.
Conforme Olaya (2014), os SIGs são compostos por cinco elementos
básicos: 1) Dados, que são a matéria-prima necessária; 2) Métodos, que se
referem ao conjunto de formulações e metodologias aplicadas nos dados; 3)
Software, que compõe as aplicações informatizadas para trabalhar com os
dados e implementação dos métodos; 4) Hardware, que são os equipamentos
necessários para executar os softwares; 5) Pessoas, que são as encarregadas
pela concepção e utilização dos softwares. A evolução de cada elemento traz
novas perspectivas para o conjunto total, o que coloca os SIGs como produto
do seu tempo sob o viés teórico-metodológico, científico e sociopolítico.
Concomitante ao desenvolvimento dos computadores, a temática
ambiental também influenciou na concepção dos SIGs a partir da década de
1970 e, consequentemente, dos produtos temáticos gerados para explicitar
determinadas problemáticas. Segundo Medeiros e Câmara (2001, p. 1), "na
perspectiva moderna de gestão do território, toda ação de planejamento,
ordenação ou monitoramento do espaço deve incluir a análise dos diferentes
componentes do ambiente, incluindo o meio físico-biótico, a ocupação humana,
e seu inter-relacionamento", já que no âmbito da integração dessas variáveis
"os estudos de mapeamento temático visam a caracterizar e entender a
organização do espaço".
Algumas limitações comunicativas de mapas impressos para a
cartografia de temas complexos, condicionados por representações exaustivas
ou coleções de mapas, foram superadas com o uso dos SIGs. As aplicações
de mapas temáticos para o planejamento, ordenamento e gestão territorial

68
foram muito favorecidas. Em contraste à competência multiescalar e dinâmica
dos SIGs, mapas impressos têm escala fixa e apresentam uma visão estática
do mundo. Outra vantagem dos SIGs é o fato dos usuários terem a
possibilidade de criar suas próprias representações, não se limitando à
perspectiva do produtor de um mapa impresso. Há, assim, um nível de
interação cada vez maior entre os usuários e a informação geográfica.
As interpretações da realidade, com ênfase nos objetos e fenômenos
geográficos, dependem cada vez mais da sistematização de múltiplas
informações (dispostas em camadas, nos SIGs). Assim, a cartografia temática
passou a ter uma importância maior como elemento da interdisciplinaridade no
contexto recente. Um sistema de informações é abastecido com dados de
distintas características têmporo-espaciais e as mudanças de escala permitem
uma análise mais abrangente de determinados conteúdos pela sobreposição
de camadas temáticas. Os SIGs e a cartografia temática se desenvolveram em
paralelo à evolução das disciplinas, das tecnologias, dos dados e das técnicas
e formulações vinculadas. De acordo com a síntese que consta na figura 1,
considera-se três gerações nesse processo evolutivo dos SIGs.

Figura 1 – Gerações e características dos SIGs.


Fonte: INPE (2019)

Além da espacialização dos dados, gradativamente as funções gráficas


foram aprimoradas nos SIGs como resposta à necessidade de simbolização
dos temas, seja para a visualização em tela ou para a elaboração de produtos
cartográficos. Na prática, muitos conceitos da cartografia temática foram
incorporados pelos SIGs, tais como os métodos de representação qualitativa,
ordenada e quantitativa. Atualmente, ressalta-se que a consulta e elaboração
de mapas temáticos não está mais restrita a seletos grupos profissionais, já

69
que os SIGs se popularizaram como ferramenta do cotidiano. A cartografia,
assim, vivencia uma nova fase.

5.2 BANCOS DE DADOS GEOESPACIAIS PARA PROJETOS DE MAPAS


TEMÁTICOS

Bancos de dados podem ser definidos como um conjunto de dados


estruturados e armazenados de modo sistemático com o objetivo de facilitar
sua utilização posterior (Olaya, 2014). Devido à importância do tratamento dos
dados geoespaciais para a elaboração de mapas temáticos, a estruturação de
bancos de dados é fundamental para assegurar a consistência dos projetos
cartográficos. As principais vantagens dos bancos de dados se referem à
independência, disponibilidade, segurança, coerência (qualidade e valor
informativo), facilidades para reutilização dos dados, além de evitarem a
redundância e ocasionarem uma melhora da eficiência na aquisição,
codificação e entrada de dados.
É importante relembrar que nos arquivos espaciais digitais, a geometria
das feições (pontos, linhas, polígonos ou matrizes) se refere ao componente
espacial, enquanto a simbologia ou a tabela de atributos se referem ao
componente temático (com dados numéricos e alfanuméricos). Essa é uma
especificidade dos bancos de dados geográficos para outros bancos de dados.
Nos SIGs, os denominados Sistemas Gerenciadores de Bancos de Dados
(SGBD) realizam a intermediação entre a base e o software, possibilitando sua
utilização, tal como consta exemplificado na figura 2. Os SGBD, segundo Olaya
(2014), são a ferramenta mais adequada para armazenar os dados num
sistema de informação devido às características de segurança, recuperação,
gestão centralizada, padronização da linguagem de consulta e funcionalidades
avançadas.
Tenhamos como exemplo um projeto de abrangência nacional sobre a
dengue, coordenado por uma equipe de geógrafos. Num primeiro momento, há
a necessidade de sistematizar os dados tabulados por planilhas de cada
prefeitura municipal com as informações sobre os casos registrados.
Posteriormente, deve-se espacializar todas essas informações para a
compreensão do fenômeno em distintas escalas espaciais e temporais, com a

70
possibilidade de criação de mapas. Note-se que a atribuição de coordenadas,
para cada caso registrado da planilha, denota uma vinculação entre os
componentes temáticos (informações relacionadas aos registros de dengue
dos municípios) e espaciais (localização geográfica, propriamente dita).

Figura 2 - Bancos de dados na arquitetura de sistemas de informação geográfica


Fonte: Câmara (2005, p. 4)

A estruturação de um banco de dados único viabiliza a integração das


informações. Ao mesmo tempo que os dados são centralizados por uma equipe
responsável pela sua qualidade e tratamento, o acesso é garantido a grupos
diversos (que podem ter níveis de acesso específicos). A consulta espacial e
temática das informações é potencializada com os SGBD dos SIGs. Salienta-se
que, em resumo, "um sistema de gerência de bancos de dados geográficos
oferece armazenamento e recuperação dos dados espaciais e seus atributos"
(INPE, 2019).
Com as vantagens recentes do acesso e consulta de informações
espaciais pela internet, seja em computadores ou smartphones, os WebSIGs
só existem devido aos bancos de dados associados. As facilidades de
aquisição e compartilhamento de dados geoespaciais também. Por esse
motivo, muitas instituições públicas (governamentais) e empresas privadas
dispõem atualmente de SIGs para armazenar os dados geoespaciais com
ênfase nos produtos temáticos. Imagine, por exemplo, uma empresa de
logística que atenda toda a América do Sul. Um sistema integrado, disponível
na internet, pode ser utilizado simultaneamente por clientes que estejam
separados por milhares de quilômetros. As informações sobre a empresa
71
podem ser comunicadas por mapas online (representações dinâmicas que
indiquem os fluxos, por exemplo).
No caso da órgãos governamentais, tenhamos como exemplo
determinada Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Se os dados geoespaciais
estiverem armazenados apenas localmente (computadores), além da
segurança ser frágil (falha nos equipamentos, roubos, incêndios), todas as
solicitações feitas teriam de ser atendidas pessoalmente (cópias em
dispositivos) ou enviadas por e-mail. Ao organizar toda a base de dados da
secretaria numa plataforma única (SIG), com acesso pela Web, a equipe tem
apenas o trabalho de manter o sistema funcionando. Além disso, o acesso dos
usuários às informações poderia ser hierarquizado com logins específicos.
A cartografia temática está cada vez mais interativa e, certamente, com
um grande volume de dados como em nenhum outro momento da história. O
gerenciamento desse conjunto de informações é uma necessidade para a
execução dos projetos cartográficos. Daí decorre a noção de
interoperabilidade, que é entendida como “a capacidade que os diversos
sistemas que disponibilizam dados geoespaciais e seus metadados têm que ter
a fim de interagir e de intercambiar informações de forma transparente ao
usuário” (Sampaio e Brandalize, 2018, p. 54).

5.3 FERRAMENTAS DE ANÁLISE ESPACIAL

No contexto recente da cartografia temática, a disponibilidade de dados


geoespaciais é um aspecto muito positivo para a produção de mapas.
Entretanto, nem sempre o dado tal como se encontra é suficiente para compor
determinadas representações. Comumente os dados são reprocessados ou
combinados para gerar uma nova informação. Consideremos o exemplo de um
arquivo vetorial com pontos que indicam as estações meteorológicas do Brasil:
ao mesmo tempo que esse dado pode ser utilizado para um mapa qualitativo
sobre a distribuição das estações a nível nacional, também é possível realizar
um processo de interpolação para a obtenção de um mapa quantitativo sobre
temperatura e precipitação pluvial. A interpolação, nesse caso, representa uma
ferramenta de análise espacial.
A análise espacial é a essência da geografia e os mapas têm a função
de auxiliar a compreensão dos fenômenos e de transpor, graficamente, os
72
resultados obtidos acerca das interpretações da realidade. Destaca-se que as
representações cartográficas são o "resultado final de uma série de
processamentos de dados em SIG, que começa com a coleta, edição e
manutenção dos dados, passando pelo gerenciamento e análise de dados,
para terminar em um mapa" (Longley et al., 2013, p. 302).
Antes de aplicar as ferramentas operacionais é preciso entender os
conceitos da análise espacial. Conforme exemplificado pela tabela 1, as
análises podem indicar: condição, localização, tendência, roteamento, padrões
e modelos. No exemplo citado anteriormente sobre as estações
meteorológicas, o mapa qualitativo indica uma análise de localização e o mapa
quantitativo se refere a uma análise sobre os padrões do fenômeno (no caso,
da distribuição dos valores de chuva e temperatura). Essas considerações são
fundamentais, visto que “dados geográficos não existem sozinhos no espaço:
tão importante quanto localizá-los é descobrir e representar as relações entre
os diversos dados” (INPE, 2019). Eis a capacidade analítica do geógrafo.
Em termos operacionais, os softwares de SIG incluem inúmeras
ferramentas para a análise espacial. As mais simples, baseadas na localização
e análise da tabela de atributos, permitem vincular as características
geométricas às informações temáticas. Perguntas que podem ser respondidas
com esse tipo de análise: qual é a porcentagem de estações meteorológicas
que registraram chuvas diárias superiores a 100 milímetros? Qual é a distância
média entre as estações? Qual é o estado brasileiro que apresenta maior
densidade de estações? Há correlação entre os valores de temperatura e
precipitação? Se o volume de dados for grande, os sistemas de gerenciamento
de bancos de dados otimizam as consultas.
Ao aumentar a complexidade requerida para a análise espacial,
consideremos que os dados de temperatura e precipitação precisam ser
correlacionados à altimetria. Uma solução seria a sobreposição entre camadas
temáticas. Modelos digitais de elevação, por exemplo, são dados raster
(matriciais) onde cada pixel possui um valor de altimetria. Ou seja, nesse caso,
bastaria sobrepor os pontos das estações meteorológicas (arquivo vetorial) ao
arquivo matricial que contém os valores de elevação. Na tabela de atributos
dos pontos, onde cada estação representa uma linha, um novo campo seria
criado com os dados extraídos da altimetria.

73
Tabela 1 – Exemplos de processos de análise espacial em SIG
Fonte: INPE (2019)

A integração de múltiplas variáveis temáticas numa única representação


resulta na elaboração de mapas sintéticos, cujas análises variam conforme a
complexidade dos temas. Para análises de inferência espacial, ou seja,
representações com valores estimados a partir de valores conhecidos, muitas
ferramentas geoestatísticas vêm sendo desenvolvidas nos SIGs. A eficácia da
aplicação dessas ferramentas depende do rigor metodológico e do
conhecimento de cada parâmetro estatístico utilizado.
As ferramentas são concebidas, primeiramente, no plano teórico (o
quê?) e prático (para quê?). Depois, são implementadas. Quando o elaborador
do mapa compreende os conceitos envolvidos, qualquer software pode ser
utilizado. O que muda, basicamente, é a interface do programa. Se
determinada metodologia para análise espacial ainda não possui ferramenta
específica em ambiente computacional, ela pode ser desenvolvida ou adaptada
por linguagens de programação (como o Python, C++, JavaScript, para citar
alguns exemplos). Esse é um conhecimento emergente que vem sendo
demandado para profissionais de muitas áreas, incluindo a geografia.
Em relação à simbologia, a eficácia de muitas análises espaciais
depende das variáveis visuais empregadas nas representações. Num mapa
que indique níveis de pobreza, se o método gráfico não for coroplético
(recomendado para esse caso), podem haver ruídos na interpretação do
conteúdo. A análise, assim, fica comprometida. Conforme demonstrado em
todas as aulas, um mapa temático é uma construção que perpassa várias
etapas.
Por fim, deve-se considerar os mapas como modelos da realidade.
Análises da superfície, como declividade, erodibilidade, delimitação de bacias
hidrográficas e canais de drenagem, contêm incertezas inerentes às

74
representações. As limitações das análises devem ser sempre explicitadas,
dando transparência ao processo de elaboração do mapa (ou seja, quais foram
as ferramentas utilizadas para se chegar no produto final).

5.4 A MODELAGEM DIGITAL DO RELEVO

A superfície terrestre, direta ou indiretamente, sempre foi o principal


objeto dos mapas, pois é o palco da vida humana e nela ocorre maior parte dos
fenômenos naturais e das dinâmicas sociais. Antes mesmo da estruturação dos
métodos para mapeamento temático, a cartografia de referência ou base era
pautada pela representação da superfície (primeiramente com os fatos
observáveis na paisagem e depois com curvas de nível e informações
quantitativas sobre a altimetria). Nas últimas décadas, todavia, os recursos
digitais e os produtos de satélites marcaram uma nova era para a modelagem
do relevo, com uso dos modelos digitais de elevação (MDE).
Um modelo digital de elevação (também denominado como modelo
digital do terreno ou da superfície) é compreendido como uma representação
da superfície com um sistema de pontos com valores XYZ conhecidos (ou seja,
um arquivo georreferenciado com os valores de altimetria). De acordo com
Silveira e Silveira (2016, p. 107):

[...] há três fontes de dados para a construção de MDEs: a) Técnicas de


levantamento de campo, com a aquisição de pontos precisos de latitude, longitude
e elevação (x, y, z); b) Mapas topográficos existentes, com a derivação de curvas
de nível, drenagens, lagos e pontos de elevação; c) Sensoriamento remoto, com a
interpretação de fotografias aéreas ou de imagens adquiridas de satélites, com
destaque para a fotogrametria (métodos estereocópicos), radares e, mais
recentemente, levantamentos Laser.

No início dos anos 2000, a missão SRTM (Shuttle Radar Topography


Mission), a bordo do ônibus espacial Endeavour, da NASA, resultou na
aquisição de um MDE global com resolução de 1 e 3 arcos de segundo (que
representam, em média, 30 e 90 metros, respectivamente), com acesso
gratuito. A disponibilização desses dados revolucionou a modelagem do relevo
e desde então muitos outros radares realizaram levantamentos topográficos,
como o ASTER, TanDEM e ALOS/Palsar, além dos veículos aéreos não
tripulados (VANTs ou popularmente conhecidos como drones) que podem
gerar MDEs com resoluções de poucos centímetros.

75
Os MDE comumente são obtidos e armazenados em formato matricial
(raster), com grades regulares, onde a resolução espacial (tamanho do pixel) é
um dos fatores que define a escala do modelo. Considerando que cada pixel
possui um valor de altimetria, é possível fazer cálculos de vizinhança (pixel
central em relação aos pixels que constam no seu entorno) para extrair novas
informações, denominadas de atributos topográficos.
Os atributos topográficos mais comuns são: declividade (que é a
inclinação das vertentes), curvatura (indica a forma em plano e perfil do relevo),
relevo sombreado (que simula uma iluminação no relevo, em tons de cinza),
orientação das vertentes e acumulação de fluxo. Para exemplificarmos os
atributos topográficos calculados a partir dos MDE, consideremos a figura 3
(esquema que ilustra a declividade) e a figura 4 (que ilustra o processo para
cálculo da acumulação de fluxo).

Figura 3 – Declividade calculada a partir de um modelo digital de elevação.


Fonte: Adaptado de GeoWorld (2000)

No cálculo da declividade, quanto maior for a diferença de altimetria


entre os pixels, maior será a inclinação das vertentes. Na figura 3, observe a
janela 3x3 pixels usada para demonstrar uma área bastante declivosa, onde os
valores numéricos se referem à altimetria. Na figura 4, considerando os valores
de altimetria de cada pixel é possível, inicialmente, definir qual é a direção do
fluxo da água (A), que sempre se acumula nas porções mais baixas do relevo.
Na sequência, o fluxo acumulado é somado (B), o que pode indicar o caminho

76
do fluxo hídrico e, em consequência, o mapeamento de rios (C). Ou seja, a
modelagem digital do relevo possibilita a extração automática da rede de
drenagem.

Figura 4 – Etapas para o cálculo da acumulação de fluxo e mapeamento automático da rede de


drenagem com uso de modelo digital do terreno. Fonte: Stojkovic et al. (2012)

Na cartografia temática, a modelagem digital do relevo é empregada


tanto para representações específicas de temas geomorfológicos quanto como
camada auxiliar à representação (2,5D ou 3D) de outros fenômenos
geográficos. Pode servir, portanto, como elemento ilustrativo ou ser a base
metodológica para mapas temáticos específicos.

5.5 OS WEBSIGs E A CARTOGRAFIA TEMÁTICA NA INTERNET

Mapas temáticos são frutos de seu tempo, produzidos e utilizados de


acordo com cada contexto técnico, científico, político e social dos últimos
séculos. Além da tecnologia, a principal diferença entre a cartografia temática
do século XIX e a do século XXI é a popularização e democratização dos
mapas, tanto pelo uso quanto (mais recentemente) pela possibilidade de
criação por pessoas comuns e não mais exclusivamente por cartógrafos. A
internet, nesse contexto, revolucionou a comunicação global. E a cartografia,
como meio comunicativo, também faz parte dessas mudanças, principalmente
com os WebSIGs (que são os Sistemas de Informações Geográficas
disponíveis online).
A cartografia na Web (rede mundial de computadores, internet) se
desenvolveu, segundo Olaya (2014), em oito fases: 1) cartografia web estática;
2) cartografia web criada dinamicamente (a partir de base de dados); 3)

77
cartografia web distribuída (várias fontes de dados); 4) cartografia web
animada; 5) cartografia web personalizada (representação definida pelo
usuário); 6) cartografia web interativa; 7) cartografia web analítica (análises por
SIG); 8) cartografia web colaborativa (aquisição e manutenção de dados
distribuídos).
Segundo Kraak e Brown (2001), os mapas na internet podem ser
classificados em estáticos e dinâmicos. Considere, por exemplo, um conjunto
de mapas temáticos em papel que foram digitalizados e disponibilizados para
visualização online ou download nos portais governamentais: trata-se de
mapas estáticos. Se as informações temáticas constarem em arquivos
geoespaciais digitais e forem organizadas num SIG (no caso, um WebSIG),
com recursos de animação e uma interface que permita aos usuários visualizar
e selecionar as camadas temáticas em distintas escalas, trata-se de um mapa
dinâmico. Se o usuário do mapa puder modificar a representação (escolha das
camadas, das cores, da escala de visualização) e criar seus próprios produtos
cartográficos, esse WebSIG é interativo.
Como ilustra a figura 5, a cartografia interativa na internet está na
interseção de conhecimentos geográficos (com toda a bagagem do
conhecimento cartográfico), da informática e das tecnologias de
desenvolvimento web (incluindo as linguagens de programação).
Em relação às vantagens dos WebSIGs, além do acesso de dados
remotos alocados num servidor, destacam-se os seguintes aspectos: não é
necessário um software SIG específico (na perspectiva do usuário); demanda
um perfil menos técnico para os usuários; potencializa o trabalho colaborativo;
as informações são mais atualizadas (inclusive em tempo real); há maior
independência do sistema; é possível personalizar aplicações e combinar a
cartografia com outros elementos, como multimídia (Olaya, 2014) e realidade
aumentada.
A popularização dos smartphones, com GPS integrados à rede de
internet, pouco a pouco vem caracterizando os SIGs móveis. Cabe uma
reflexão crítica sobre a qualidade de muitos aplicativos difundidos na sociedade
atual sob o viés da comunicação cartográfica e da simbolização utilizada nas
interfaces, visto que podem prejudicar ou confundir a alfabetização
cartográfica. Mesmo nos mapas online:

78
“a linguagem do mapa é monossêmica, mas a informação ou interpretação que
esta linguagem possui tem graus de polissemia. O significado consiste na forma
como o objeto é dado e refere-se de modo diferente ao mesmo objeto. Se uma
mesma referência tem significados diferentes, é necessário entender a polissemia
do mapa no aprendizado de seus significados e de sua leitura (Francischett, 2014,
p. 844).

Figura 5 – O contexto da cartografia interativa.


Fonte: Serradj (2010, p. 19)

Se as questões metodológicas podem ser uma limitação das


representações temáticas na internet, por outro lado a democratização da
informação é uma potencialidade que deve ser valorizada e usada em prol do
desenvolvimento da cartografia. Nesse contexto surge a perspectiva da
informação geográfica voluntária (ou “neogeografia”), mediada pelo uso das
geotecnologias por usuários que não são especialistas ou profissionais de
áreas afins às geociências.

NA PRÁTICA

Os SIGs têm uma natureza interdisciplinar que viabiliza a aplicação em


inúmeras atividades da sociedade. Considerando que as informações
temáticas compõem parte desse sistema abrangente, faz-se necessária a
reflexão sobre a função e também sobre a qualidade das representações. Além
disso, um exercício interessante é pensar sobre as potencialidades de
utilização dos WebSIGs para empresas privadas (de diversos segmentos e

79
áreas de atuação) e instituições públicas/governamentais. Quais são as áreas
que se aproveitariam dos recursos oferecidos por essa ferramenta? De que
maneira os WebSIGs podem auxiliar no processo de alfabetização cartográfica,
considerando sua popularização? Como evitar problemas metodológicos
vinculados à cartografia temática? Questões contemporâneas que visam o
futuro próximo.

CONCLUSÃO

Vivenciamos uma fase transitória da cartografia, na qual os elementos


de mapas impressos vêm sendo adaptados no âmbito digital. Todas as
mudanças visam aprimorar o processo de comunicação, embora exijam,
também, atenção em relação ao emprego das geotecnologias. Muitas
concepções teóricas e modelagens conceituais puderam ser implementadas
com as ferramentas computacionais, o que trouxe um avanço nas operações
da cartografia temática.
Os Sistemas de Informações Geográficas evidenciam o auge da
cartografia temática como disciplina aplicada. Devido à abrangência que os
mapas temáticos possuem atualmente, não mais restritos a grupos
profissionais específicos, é imprescindível conhecer as especificidades dos
métodos e procedimentos envolvidos na elaboração de representações de
objetos e fenômenos geográficos.

REFERÊNCIAS

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Acesso em: 01/10/2019.

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80
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2001.

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2013.

MEDEIROS, J. S.; CÂMARA, G. Geoprocessamento para projetos ambientais.


In: CÂMARA, G.; DAVIS, C.; MONTEIRO, M. V. Introdução à ciência da
geoinformação. São José dos Campos: DPI/INPE, 2001.

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SERRADJ, A. Cartografia, informação geográfica e novas tecnologias. II


Colóquio Internacional Caminhos Atuais da Cartografia na Geografia: O mapa
como forma de expressão das geografias – II CARTOGEO, São Paulo, 2010.

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STOJKOVIC, M.; MILIVOJEVIC, N.; STOJANOVIC, Z. Use of information


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81
CARTOGRAFIA TEMÁTICA
APLICADA ÀS SUBDISCIPLINAS
DA GEOGRAFIA
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

82
6. CARTOGRAFIA TEMÁTICA APLICADA ÀS SUBDISCIPLINAS DA GEOGRAFIA

INTRODUÇÃO

A cartografia temática nasceu da necessidade de sistematizar e traduzir,


graficamente, a espacialização dos conceitos oriundos de ramos científicos
recém estruturados. A edificação da geografia, assim, vincula-se à evolução da
cartografia temática. Os mapas sempre foram instrumentos auxiliares à
pesquisa e, ao mesmo tempo, instrumentos para a comunicação dos
resultados. Têm relação, portanto, com questões didáticas, teóricas, práticas e
analíticas.
Cada subdisciplina da geografia (física ou humana) apresenta
características que ao longo do tempo foram padronizadas em convenções
cartográficas, propostas de legenda específicas e métodos de simbolização.
Ou seja, a diversidade do espaço geográfico é retratada pela multiplicidade de
temas e suas respectivas abstrações gráficas, desde o papel até as telas de
computadores.

6.1 MAPAS GEOLÓGICOS, PEDOLÓGICOS E CLIMATOLÓGICOS

Nos ramos da geografia física, mapas sobre as rochas e estruturas que


compõem a superfície e subsuperfície, sobre as características do relevo,
sobre os tipos de solos e sobre as dinâmicas meteorológicas e climatológicas
sempre foram instrumentos indispensáveis às análises e interpretações dos
temas. Os mapas temáticos da geografia física têm a função de serem
documentos de base para a pesquisa científica e, ao mesmo tempo, de
comunicar os resultados obtidos. Traduzem graficamente os conceitos da
natureza.
Os mapas geológicos são, predominantemente, qualitativos e
ordenados. Segundo Martinelli e Graça (2015), o primeiro mapa geológico foi
elaborado por Philippe Buache, em 1746, na França, com emprego do método
corocromático. Considerando os pioneiros da cartografia geológica, o principal

83
destaque foi o mapa de William Smith, de 1815, que mapeou a Inglaterra e o
País de Gales. Dois séculos mais tarde, as representações corocromáticas
ainda são as mais utilizadas para representar as unidades geológicas (classes
distintas com ocorrência espacial areal). As unidades geológicas resultam da
combinação de características litológicas, físico-químicas e cronológicas, que
indicam, respectivamente, a descrição, a composição e a idade das rochas.
Além dos aspectos qualitativos, ressalta-se que a geologia possui
propriedades ordenadas, com hierarquias espaciais e temporais vinculadas. Na
perspectiva espacial, lembremos os conceitos da generalização cartográfica:
quanto maior for a escala do mapa, menor será o detalhamento. Num mapa
1:1.000.000, por exemplo, pelo erro gráfico (área mínima mapeável de 0,2
milímetros, no mapa) não é possível mapear áreas menores do que 40.000 m².
Numa perspectiva hierárquica, conforme o Serviço Geológico do Brasil
(CPRM, 2014), as unidades litoestratigráficas podem ser mapeadas, em ordem
crescente de detalhe, como: super-grupo, subgrupo, grupo, formação, membro
e camada. Para elaborar um mapa geológico, o número e a distribuição das
amostragens de campo são os principais fatores para determinar a
abrangência das unidades (escala geológica) e, consequentemente, a escala
cartográfica.
Comparativamente a outros mapas temáticos, a definição dos objetos a
serem incluídos num mapa geológico é mais objetiva do que subjetiva, ou seja,
existem critérios claros para classificar as rochas e estruturas. Considerando
que o fator temporal também é inerente à geologia, tal ordenamento é
representado nos mapas como a variável visual que possui essa propriedade
perceptiva: o valor (ou intensidade). Recomenda-se consultar a tabela
cronoestratigráfica internacional (ICS, 2019) para a atribuição das cores e
valores das eras, períodos, épocas e idades das unidades geológicas.
Destaca-se, também, que muitos objetos relacionados à geologia são
mapeados com símbolos padronizados (variável visual forma), tanto para
pontos (locais de subsidência, poços de perfuração etc.) quanto para linhas
(falhas, lineamentos estruturais, diques etc.). Como exemplo, sugere-se a
consulta da Biblioteca de Símbolos para Cartografia Geológica, publicada
recentemente (2019), como documento orientativo auxiliar para a elaboração
de mapas temáticos da geologia.

84
Os mapas pedológicos, responsáveis pela tematização dos solos, têm
características semelhantes aos da geologia, sobretudo pelo emprego do
método corocromático. As cores dos mapas pedológicos são definidas pelo
Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (SiBCS), que constam detalhadas
no Manual Técnico de Pedologia, publicado pelo IBGE (2007). Em termos
operacionais, “a classificação de um solo é obtida a partir da avaliação dos
dados morfológicos, físicos, químicos e mineralógicos do perfil que o
representam” e “a chave de classificação é organizada em 6 níveis categóricos.
Os quatro primeiros níveis são denominados de ordens, subordens, grandes
grupos e subgrupos, sendo que o 5º e 6º nível categórico ainda se encontram
em discussão” (Embrapa, 2019).
Pelo fato das convenções temáticas serem muito difundidas, a atribuição
de cores aleatórias num mapa pedogológico pode ocasionar ruídos no
processo de comunicação, pois usuários experientes já têm muitas classes
memorizadas. Em relação à escala, considera-se os valores de áreas mínimas
mapeáveis. Em mapas detalhados, por exemplo, a escala varia de 1:20.000 e
1:7.000, com segmentos mínimos de 200 e 70 metros, respectivamente; em
mapas denominados exploratórios, que variam de 1:2.500.000 e 1:750.000, os
segmentos mínimos devem ser de 25 e 7,5 quilômetros.
Em contraste à ênfase qualitativa dos mapas geológicos e pedológicos,
a tematização de elementos meteorológicos (condições atmosféricas atuais) e
climatológicos (características de, pelo menos, 30 anos) tem um nível maior de
complexidade e também de métodos possíveis de representação. Mudanças
geológicas ou pedológicas significativas ocorrem num intervalo de tempo muito
superior às mudanças atmosféricas, o que confere uma natureza dinâmica aos
elementos e fatores climáticos.
Atualmente, muitos satélites auxiliam na aquisição de dados
atmosféricos, cujas observações e interpretações podem resultar em
prognósticos (previsões do tempo). Os recursos animados também
favoreceram muito a comunicação cartográfica, destacando os movimentos de
massas de ar e frentes frias, variações de temperatura e precipitação, direção
dos ventos, deslocamento de sistemas de baixa pressão etc. Na internet, como
exemplo das potencialidades de um WebSIG atmosférico, recomenda-se o
Windy (windy.com), que conta com diversas informações tematizadas.

85
Devido ao elevado número de informações que devem ser
representadas, com muitas variações têmporo-espaciais, os mapas
meteorológicos e climatológicos normalmente são representações exaustivas.
Podem conter elementos qualitativos (tais como tipos de clima, com
representação corocromática; tipos de sistemas frontais, com linhas
simbolizadas; zonas de convergência, com símbolos nominais), quantitativos
(pressão atmosférica, temperatura, que são representadas pelo método
isarítmico ou, eventualmente, coroplético), dinâmicos (direções dos ventos e
nuvens) e de síntese (classificação de zonas climatológicas).

6.2 MAPAS GEOMORFOLÓGICOS

Os mapas geomorfológicos são caracterizados como complexos


produtos temáticos. Embora uma representação que contenha a simbolização
de planaltos, planícies, depressões e montanhas seja considerada simplificada
na perspectiva temática, essa é apenas uma das informações que um mapa
geomorfológico deve agregar. O primeiro mapa geomorfológico foi publicado
por Siegfried Passarge, em 1912, num atlas alemão. Segundo Coltrinari (2011,
p. 122):

“A publicação incluía, em escala 1:50.000, oito mapas: 1) topo-orográfico com


vegetação, 2) de declividade das vertentes (0-5°, 5- 10°, 10°-20°, 20°-35°, >35°),
3) das formas de vales, 4) geológico-estratigráfico, 5) de resistência física, 6) de
resistência química, 7) petrográfico e 8) de desenvolvimento do relevo, os
elementos desse relevo e seu evolução, a estrutura do substrato e sua
susceptibilidade ao intemperismo”.

Um mapa geomorfológico deve representar, sempre que possível, os


seguintes elementos: morfografia (que se refere aos aspectos visíveis,
qualitativos e à aparência do relevo), morfometria (medidas e valores
quantitativos do relevo), morfogênese (fatores que expliquem a origem do
relevo), morfocronologia (idade do relevo) e morfodinâmica (processos
atuantes na modelagem do relevo). Além desses aspectos, mapas
geomorfológicos ainda devem conter informações referentes à geologia.
Isso significa que, conceitualmente, uma representação que contenha
apenas planaltos, planícies e montanhas não caracteriza um mapa
geomorfológico, pois traz apenas uma perspectiva morfográfica. Se esse mapa

86
incluísse informações sobre altitude (morfometria), processos denudacionais e
agradacionais (morfogênese), locais suscetíveis a movimentos de massa e
inundação (morfodinâmica) e datação da idade dos principais topos
(morfocronologia), seria um mapa geomorfológico completo.
Há outro elemento importante que influi na elaboração de um mapa
geomorfológico: o componente escalar. Quando a escala de um mapa
geomorfológico muda, os objetos também mudam. Ou seja, não é apenas uma
questão de generalização cartográfica, mas sim da natureza multiescalar
intrínseca ao relevo. A generalização é cartográfica e conceitual.
Espaço e tempo são dimensões indissociáveis em mapas
geomorfológicos. Em termos práticos, uma mesma área pode ser mapeada de
diversas maneiras. Numa praia, por exemplo, as ondas (duração de poucos
minutos) podem gerar formas na areia (“estrias”) com extensão de poucos
centímetros. Com tempestades ou mudanças das marés (duração de dias), a
praia pode ser erodida e formar pequenos terraços com extensão na casa dos
metros. Com as oscilações do nível do mar, transportes de sedimentos e os
processos denudacionais das áreas serranas (milhares de anos) são formadas
planícies litorâneas com extensão de dezenas de quilômetros. Observe que a
dimensão espacial acompanha a dimensão espacial das formas de relevo.
Essas características suscitam a complexidade desse tipo de mapa,
evidenciando a seguinte questão: como simbolizar todos esses elementos num
único documento cartográfico sem prejudicar a leitura aos usuários? A
elaboração de um mapa geomorfológico, portanto, demanda conhecimento
aprofundado sobre o relevo e sobre a cartografia temática, principalmente dos
preceitos da semiologia gráfica. A figura 1 exemplifica um recorte de mapa
geomorfológico, com legenda que aplica as variáveis visuais forma, cor e valor,
além do relevo sombreado em transparência para dar a noção de profundidade
(2,5D) e uma fotografia. O produtor do mapa precisar ter um senso estético que
objetive transpor a mensagem do modo mais eficaz possível, utilizando os
recursos que tem à disposição.
Desde a década de 1950, muitas tentativas para sistematizar uma
legenda mundial unificada foram propostas (Florenzano, 2008), embora não
tenham se efetivado. Surgiram várias escolas de mapeamento geomorfológico,
com ênfases e perspectivas distintas. No Brasil, os principais métodos de
mapeamento geomorfológico utilizados se apoiam em critérios morfográficos –

87
como unidades homogêneas do relevo divididas por níveis taxonômicos de
grandeza geomorfológica.

Figura 1 – Exemplo de mapa geomorfológico.


Fonte: Silveira (2019, p. 114)

Destaca-se o sistema de legenda do Projeto RADAMBRASIL, que


realizou um mapeamento temático a nível nacional na década de 1970, e que
para a geomorfologia considerou (em ordem decrescente): 1) Domínios
forfoestruturais; 2) Regiões Geomorfológicas; 3) Unidades Geomorfológicas; 4)
Modelados (categorizados em modelados de acumulação, aplanamento,
dissecação e dissolução); 5) Formas de relevo simbolizadas. Uma versão
adaptada e atualizada pode ser consultada no Manual Técnico de
Geomorfologia, publicado pelo IBGE (2009). Outra proposta muito utilizada é a
taxonomia de Ross (1992), que contempla seis níveis a classificação
hierárquica do relevo.

88
6.3 MAPAS DE USO E COBERTURA DA TERRA E FITOGEOGRÁFICOS

Os mapeamentos de uso e cobertura da terra são essenciais para a


compreensão e análise das dinâmicas socioeconômicas e socioambientais,
com a distribuição das atividades sobre o território e as alterações da
paisagem. Para diversos projetos de planejamento, a análise do uso e
cobertura da terra é o componente temático elementar. O mapeamento da
vegetação, nesse contexto, destaca-se como uma das principais classes –
sobretudo sob o viés da qualidade ambiental, da preservação e do
desenvolvimento sustentável.
A comparação entre dois mapas temáticos, de datas distintas, pode
responder perguntas como: qual foi a porcentagem de área desmatada durante
determinado período? As áreas edificadas aumentaram em que proporção e
em quais porções de determinado município? Como varia o uso de áreas
agricultáveis ao longo do ano? Houve mudanças no leito dos rios nas últimas
décadas? Os mapas fitogeográficos, por sua vez, classificam as tipologias da
vegetação. As áreas florestadas, por exemplo, podem ser mapeadas
considerando as tipologias (campos naturais, florestas, mangues), os estágios
sucessionais e de regeneração (inicial, médio e avançado) e as vegetações
potenciais (regiões fitoecológicas).
Os mapas de uso e cobertura da terra possibilitam uma visão
abrangente sobre a espacialização da ocupação humana. Considerando os
avanços tecnológicos, o desenvolvimento da fotogrametria até meados do
século XX e do sensoriamento remoto a partir da década de 1960 permitiram
esse novo olhar sobre o espaço (muito explorado, inclusive, para fins militares
nas guerras mundiais e outros conflitos). Com as fotografias aéreas,
inicialmente, os mapeamentos foram realizados manualmente, com as
interpretações e os respectivos desenhos das classes de uso.
Com as técnicas de tratamento de dados geoespaciais em ambiente
informatizado, com SIGs e softwares de geoprocessamento, os mapas de uso
da terra puderam ser realizados com base em métodos semiautomatizados
(supervisionados) e automatizados (não supervisionados). Ambos são
realizados considerando os valores dos pixels de arquivos matriciais (raster) –
no caso, de imagens de satélite. De acordo com o INPE (2019), a “classificação
é o processo de extração de informação em imagens para reconhecer padrões
89
e objetos homogêneos e são utilizados em Sensoriamento Remoto para
mapear áreas da superfície terrestre que correspondem aos temas de
interesse”. Exemplos de classes podem ser consultados na figura 2.

Figura 2 – Classes de uso e cobertura da terra.


Fonte: IBGE (2013, p. 149)

Na classificação supervisionada, primeiramente são delimitadas áreas


de treinamento, ou seja, áreas reconhecidas com a ocorrência espacial de cada
classe que se deseja mapear de modo semiautomático. O produtor do mapa
deve selecionar fragmentos de áreas florestadas, corpos d’água, áreas
edificadas, agricultura, solo exposto e outras classes previamente concebidas.
Cada um desses temas possui uma assinatura espectral, ou seja, os valores
dos pixels (informação espectral) têm padrões para determinados objetos. As
áreas de treinamento, portanto, são amostras para determinar regiões
homogêneas que serão classificadas para toda a área de estudo.
Na classificação não supervisionada, o elaborador do mapa define
apenas o número de classes distintas e, com base na estatística dos valores
espectrais, são divididas áreas homogêneas. Posteriormente é definida uma
90
atribuição qualitativa, ou seja, o nome da classe de uso e cobertura da terra. O
método automatizado mais utilizado para essa finalidade é o classificador
MAXVER (máxima verossimilhança).
No sistema de classificação para a cobertura e o uso da terra (IBGE,
2013), no primeiro nível a nomenclatura é dividida em: áreas antrópicas não
agrícolas; áreas antrópicas agrícolas; áreas de vegetação natural; águas;
outras áreas. As respectivas subdivisões (nível 2) com as cores sugeridas são
apresentadas na figura 2. Note-se a aplicação de duas variáveis visuais: as
cores distinguem o nível 1 (escala global) e os valores individualizam o nível 2
(regional). O nível 3 é o mais detalhado e pode seguir essa mesma lógica de
simbolização. Operacionalmente, nessa fase, faz-se “imprescindível a
utilização de dados exógenos aos sensores remotos, como aqueles obtidos a
partir de observações em campo, de inventários, entrevistas e documentação
em geral” (IBGE, 2013, p. 45).
A classificação dos diferentes tipos de formações florestais utilizadas
pelo Serviço Florestal Brasileiro, embasada pelo Manual Técnico da Vegetação
Brasileira (IBGE, 2012), contempla as seguintes classes: Florestal Ombrófila,
Floresta Ombrófila Densa, Floresta Ombrófila Aberta, Floresta Ombrófila Mista,
Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, Campinarana,
Savana, Savana Estépica, Estepe, Formações Pioneiras, Subformação Aluvial,
Subformação Terras baixas, Subformação Submontana, Subformação
Montana, Alto-montana, Áreas de tensão ecológica, Refúgios Vegetacionais e
Fascies. A tematização da vegetação é feita, comumente, pelo método
corocromático e coroplético, além de códigos alfanuméricos.

6.4 MAPAS SOCIOECONÔMICOS, POLÍTICOS E DE PLANEJAMENTO


SOCIOAMBIENTAL

O planejamento do espaço depende, previamente, do reconhecimento


da dinâmica espacial. Os mapas de referência, por si só, não viabilizam a
transposição desse conhecimento. Complementarmente, "nossa compreensão
cada vez mais detalhada do ambiente natural e a complexidade acelerada da
sociedade significam que as mensagens que o mapeamento pode transmitir
estão cada vez mais sofisticadas e incertas" (Longley et al., 2013, p. 301).

91
Visto que o leque de possibilidades de representação é amplo, mapas
socioeconômicos sempre se utilizaram de múltiplos métodos de tematização:
pontos de contagem (para a população), símbolos proporcionais, mapas
coropléticos (aplicados para unidades administrativas, desde setores
censitários até continentes), representações dinâmicas (circulação de pessoas,
de dinheiro, de bens produzidos e comercializados), entre muitas outras. Todas
as variáveis visuais podem ser aplicadas.
Os mapas de síntese são muito utilizados para o planejamento, já que
exigem a compreensão de múltiplas informações (cuja relação é, muitas vezes,
caótica e desordenada) para projetar cenários e problemáticas. Temas
complexos da sociedade, como violência, desigualdade social, riscos a
desastres naturais e imigração, só são explicados a partir de análises
multicritério. Dados tabelados, por si só, não são suficientes: a espacialização
dos temas complementa o raciocínio envolvido na assimilação dos fatores que
influem nas problemáticas citadas.
No âmbito nacional, os dados censitários são importantes variáveis a
serem consultadas para estudos regionais e para a composição de mapas
temáticos sobre as características da população e da economia. O tratamento
dos dados é realizado com base nos preceitos apresentados em aulas
anteriores, atentando para as características da informação. A espacialização
aleatória de dados censitários produz mapas inconsistentes. Ou seja, é preciso
adequar a simbolização (número de classes, intervalo numérico entre as
classes e cores, por exemplo).
No meio socioeconômico, é interessante destacar os mapas turísticos.
Seja qual for a região com atividades ligadas ao turismo, em qualquer lugar do
mundo, além de facilitar a localização os mapas são instrumentos publicitários.
A escolha dos símbolos busca evidenciar os principais pontos turísticos, para
que sejam assimilados rapidamente. Mapas como esse têm pouca precisão
cartográfica (sequer possuem grades de coordenadas), pois a eficiência da
comunicação está vinculada mais aos elementos ilustrativos.
Em relação à política, os mapas não são políticos apenas quando
contêm os limites de municípios, estados ou países, tal como os tradicionais
mapas da geografia escolar. Mapas têm discursos e, tal como outros meios
comunicativos, podem distorcer a realidade para transpor mensagens que não
condizem com a realidade. Como foi discutido em todas as aulas, os

92
procedimentos metodológicos e a transparência na escolha dos critérios afetam
diretamente a representação do mapa resultante.
Os temas socioambientais – e, portanto, políticos – foram notabilizados
no contexto recente em função das problemáticas associadas aos conflitos
entre o aumento da urbanização e do sistema consumista instaurado na lógica
econômica globalizada. A própria legislação reflete a emergência da temática
ambiental e dos instrumentos legais para sua aplicação, na qual os mapas
temáticos configuram importantes documentos de base para a pesquisa e
consulta. A Constituição Federal de 1988, no artigo 225, assegura a exigência,
na forma da lei, “para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de
impacto ambiental, a que se dará publicidade”. Daí decorre a importância dada
ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Relatório de Impacto Ambiental
(RIMA) nas últimas décadas.
Os mapas temáticos são instrumentos indispensáveis aos EIA/RIMA,
pois os documentos devem conter diagnósticos relacionados à caracterização
do empreendimento, do meio, biológico, área de influência, qualidade
ambiental, análise dos impactos, medidas mitigadoras, entre outras etapas
estabelecidas pela Resolução nº 001/86 do CONAMA. Ou seja, tais estudos e
relatórios demandam muitos mapas temáticos. O geógrafo é o profissional que
consegue reunir a competência analítica sobre os distintos fatores e, ao mesmo
tempo, ter o domínio técnico e científico para a confecção dos projetos
cartográficos.
Seja para fins socioeconômicos, seja para fins de planejamento
socioambiental, “o uso de mapas nas pesquisas e no ensino vem crescendo
como fonte documental, como instrumento, ou como veículo de intervenção
política e cultural” (Francischett, 2014, p. 844).

6.5 MAPAS TEMÁTICOS COMO INSTRUMENTOS PARA A TRANSPOSIÇÃO


DIDÁTICA E OS MAPAS MENTAIS

O objetivo de qualquer mapa temático é transpor informações. Como


destacado até aqui, há uma série de etapas, durante toda a concepção do
projeto cartográfico, que asseguram a eficácia no processo de comunicação.

93
Além dos aspectos teórico-metodológicos, a organização harmônica da
representação (sob o viés artístico) também é fundamental. A transposição
didática, nesse contexto, vai muito além da produção de mapas para o ensino
formal de geografia. Um mapa turístico também deve ser didático ao comunicar
os visitantes, por exemplo.
A questão da transposição didática está centrada no público-alvo, ou
seja, os destinatários da mensagem que o mapa carrega. Um único tema pode
ser assimilado de distintas maneiras por distintas pessoas, seja por
características individuais (cognitivas e nível de escolaridade) ou coletivas
(grupos profissionais), mesmo que a representação seja adequada aos
preceitos da semiologia gráfica (isto é, com emprego correto das variáveis
visuais).
Consideremos o exemplo de um mapa geomorfológico do Brasil. Alunos
do ensino fundamental não têm o mesmo embasamento científico de alunos de
graduação para compreender determinados objetos, assim como engenheiros
civis podem divergir frente ao conhecimento de geólogos e gestores públicos.
Se esses distintos grupos utilizarem um único mapa para consulta, a
informação pode ser simplificada demais para alguns e complexa demais para
outros. Eis a necessidade de generalizações conceituais.
Essa problemática enfatiza a importância dada ao processo de
alfabetização cartográfica e à linguagem dos mapas. Mapas temáticos, além de
informarem sobre os temas específicos, têm a responsabilidade de habilitar a
compreensão dos elementos cartográficos básicos. Aplicados ao ensino, a
figura 3 demonstra os principais pontos que compõem a cartografia escolar.

Figura 3 – Características da cartografia escolar.

94
Fonte: Nascimento e Silva (2017, p. 1507)

O conceito de analfabetismo funcional pode ser estendido à leitura dos


mapas. O fato de determinada pessoa conseguir visualizar os elementos da
representação não significa, necessariamente, que ela compreende o
conteúdo. Nesse sentido, “uma das principais dificuldades para aprender a ler o
mapa está no reconhecimento da relação do signo, que consiste na
compreensão da forma como o objeto é dado, ou seja, como objeto
representado. Por sua vez, o significado consiste na forma como o conceito é
referendado” (Francischett, 2014, p. 847).
Reforça-se a importância da aplicação correta das variáveis visuais
(incluindo suas propriedades perceptivas e os modos de implantação) e dos
métodos de mapeamento temático, sempre considerando os componentes da
informação geográfica, a natureza dos fenômenos, o nível de medida dos
temas, a dimensão espacial e a compatibilidade de escala. A simbologia é,
sincronicamente, o coração e o cérebro da cartografia temática.
Referente às questões psicológicas da cartografia, convém relembrar a
teoria cognitiva. Cada indivíduo concebe o espaço com base em suas
experiências individuais, sejam sociais ou cognitivas. Ao elaborarmos uma
representação temática, “considera-se o valor cognitivo do mapa e estimula-se
uma operação mental que permite interações entre o mapa e os processos
mentais do usuário (percepção, memória, reflexão, motivação e atenção),
fundamentada nas propriedades fisiológicas da percepção visual" (Castro,
2007, p. 71)
Além dos elementos subjetivos intrínsecos à percepção espacial:

“[...] os espaços matemáticos são construídos a partir de axiomas e descritos por


uma geometria; algumas dessas geometrias podem definir o espaço físico e
psicológico. O sujeito, tanto ao construir o espaço matemático como ao descrever
o espaço físico, recorre às suas estruturas mentais – perspectivas e cognitivas”
(Oliveira, 2005, p. 111).

Assim, os mapas mentais despontam como ferramenta importante para


avaliar o conhecimento prévio dos usuários (sejam alunos, clientes, gestores)
sobre sua concepção espacial e também sobre seu nível de alfabetização
cartográfica. É uma ferramenta pedagógica importante para elencar aspectos
subjetivos dos mapas, de modo complementar ao rigor metodológico objetivo
da cartografia.
95
NA PRÁTICA

A forma de comunicar informações espaciais mudou de sobremaneira a


concepção de mapas temáticos. Basta notar, por exemplo, a previsão do tempo
em telejornais, com recursos gráficos cada vez mais sofisticados
(principalmente relacionados à animação) na última década. No ensino, formal
ou não, os mapas caracterizam uma linguagem cada vez mais universal. No
cotidiano, os mapas se popularizaram ao alcance das mãos e com recursos da
internet. No âmbito científico, os avanços das pesquisas demandam
representações mais sofisticadas, com um volume maior de dados a serem
sintetizados. Esses fatos demonstram que a geografia, atualmente, tem uma
função pedagógica, científica e social que extrapola as paredes de uma sala de
aula.

CONCLUSÃO

Na geografia, a elaboração de mapas sempre teve uma finalidade


prática para explicar, auxiliar ou explicitar fenômenos sociais e naturais (bem
como as inter-relações entre eles) sob a égide dos conceitos geográficos de
território, região, paisagem e lugar. Alguns mapas têm aplicação direta, outros
indireta, mas ressalta-se que a cartografia temática nasceu de uma
necessidade gráfica de representar novos conceitos e novas formas de
conceber o mundo e a divisão da ciência.
Em síntese, quanto aos problemas vinculados às representações e
elaboração de projetos de mapas temáticos, Rodrigues e Souza (2010, p. 75)
citam: “a consistência dos dados; o modo como os componentes do mapa
estão organizados na legenda; a existência de itens do mapa que não se
encontram relacionados na legenda e principalmente, problemas com a
utilização dos signos”.

96
REFERÊNCIAS

COLTRINARI, L. Cartografia geomorfológica detalhada: a representação


gráfica do relevo entre 1950-1970. Revista Brasileira de Geomorfologia, v.
12, n. 3, p. 121-130, 2011.

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ilustrado. 2014.

EMBRAPA. Classificação de solos. SiBICS. Disponível em:


<https://www.embrapa.br/solos/sibcs/classificacao-de-solos>. Acesso em:
01/10/2019.

FLORENZANO, T. G. Cartografia. In: FLORENZANO, T. G (Org.).


Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo: Oficina de Textos,
2008. p. 105-120.

FRANCISCHETT, M. N. Construindo elos metodológicos na linguagem


cartográfica. Revista Brasileira de Cartografia, n. 66/4, p. 843-859, 2014.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual técnico de


pedologia. 2. ed. Rio de Janeiro, 2007. (Manuais Técnicos em Geociências, n.
4).

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual técnico de


geomorfologia. 2. ed. Rio de Janeiro, 2009. (Manuais Técnicos em
Geociências, n. 5).

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Manual técnico da


vegetação brasileira. Rio de Janeiro, 2012. (Manuais Técnicos em
Geociências, n. 1).

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da terra. 3. ed. Rio de Janeiro, 2013. (Manuais Técnicos em Geociências, n.
7).

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internacional. 2019.

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Classificação de Imagens.


Manuais: Tutorial de geoprocessamento. Disponível em:
<http://www.dpi.inpe.br/spring/portugues/tutorial/classific.html>. Acesso em:
02/10/2019.

MARTINELLI, M.; GRAÇA, A. J. S. Cartografia temática: uma breve história


repleta de inovações. Revista Brasileira de Cartografia, Rio de Janeiro, n.
67/4, p. 913-928, 2015.

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ENANPEGE. Porto Alegre: UFGD, 2017.

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Natureza, Uberlândia, v. 17, n. 33, p. 105-117, 2005.

RODRIGUES, S. C.; SOUZA, L. H. F. Comunicação gráfica: bases conceituais


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ROSS, J. L. S. O registro cartográfico dos fatos geomorfológicos e a questão


da taxonomia do relevo. Revista do Departamento de Geografia, v. 6, p. 17-
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SILVEIRA, R. M. P. Proposta metodológica para mapeamento


geomorfológico com uso da análise digital do relevo no estado do Paraná.
Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2019.

98
Geoprocessamento:
Usos e Aplicabilidade
Cartografia Temática

Prof. Ricardo Michael Pinheiro Silveira

99
7. GEOPROCESSAMENTO: USOS E APLICABILIDADE

INTRODUÇÃO

A aplicabilidade do geoprocessamento, outrora restrito a grupos


profissionais ou finalidades específicas, vem aumentando gradativamente. As
demandas das geotecnologias, como um todo, configuram o cenário atual
como propício para o desenvolvimento e popularização das ferramentas
derivadas das informações geoespaciais em plataformas informatizadas. O
geoprocessamento, hoje, é amplamente utilizado para o planejamento urbano,
territorial e ambiental, educação, logística e business, administração pública,
biologia e saúde, comunicação e para muitas outras áreas. As demandas
sociais encontram, no geoprocessamento, ferramentas para especializar e
dinamizar a interpretação dos fenômenos geográficos.
Nesse sentido, esse material apresentado tem o objetivo de demonstrar
algumas ferramentas e aplicações do geoprocessamento e, ao mesmo tempo,
contextualizá-las em alguns exemplos práticos que são muito requisitados para
profissionais das geociências e áreas afins. Devido às características dessa
aula, a ênfase será nos aspectos práticos. Entretanto, reforça-se a necessidade
de conhecer os preceitos básicos da cartografia (e de outras subdisciplinas da
geografia) para que a compreensão sobre as ferramentas seja efetiva. A teoria
deve embasar a prática, sempre.
Atualmente, destacam-se dois Sistemas de Informações Geográficas
(SIG): o ArcGIS (comercializado pela ESRI) e o QGIS (software livre). Para
favorecer o uso de tecnologias abertas e acessíveis a todos, os exemplos
apresentados foram elaborados no QGIS (versão 3.12), assim como os dados
utilizados são, prioritariamente, de instituições públicas ou com distribuição
gratuita. Destaca-se, inicialmente, que embora as aplicações aqui
apresentadas sejam suscintas e sintetizadas, há muitos tutoriais disponíveis
para aprimorar o conhecimento do software – sem esquecer, jamais, dos
cuidados teórico-metodológicos.
Assim, espera-se que os exercícios apresentados possam ser feitos por
quaisquer estudantes de modo concomitante à apresentação das aulas.
Adiante serão apresentadas as principais ferramentas e aplicações (com

100
capturas de tela), salientando algumas problemáticas intrínsecas às análises
geográficas.

7.1 CONCEITOS, DADOS E SOFTWARES DE GEOPROCESSAMENTO

7.1.1 Geoprocessamento: entre a teoria e a prática

O cenário atual marca uma fase de transição dos mapas analógicos


(estáticos e no papel) para os mapas digitais (dinâmicos e em distintas
plataformas). A popularização das geotecnologias também é um fator a ser
considerado na compreensão dos usos e aplicações das ferramentas oriundas
do geoprocessamento. Sobretudo em relação ao desenvolvimento da
informática, o uso de computadores foi determinante para a nova configuração
da cartografia em ambiente digital. Destacam-se dois aspectos: i) o
desenvolvimento de softwares específicos para o tratamento de dados
geográficos (por técnicas de geoprocessamento) e de hardwares que
otimizaram os processamentos; ii) o desenvolvimento dos Sistemas de
Informações Geográficas (SIGs), que viabilizam ler, editar, armazenar, gerir,
consultar e analisar dados espaciais com a possibilidade de gerar produtos
baseados nessas etapas (Silveira, 2019).
Segundo Câmara, Davis e Monteiro (2001, p. 1), “geoprocessamento
denota a disciplina do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e
computacionais para o tratamento da informação geográfica”. Zaidan (2017, p.
198), por sua vez, contextualiza que:

“O geoprocessamento pode ser considerado como um ramo de


atividades, e pode ser definido como o conjunto de técnicas e
métodos teóricos e computacionais relacionados com a coleta,
entrada, armazenamento, tratamento e processamento de dados, a
fim de gerar novos dados e ou informações espaciais ou
georreferenciadas. É importante observar que informações
georreferenciadas têm como característica principal o atributo de
localização, ou seja, estão ligadas a uma posição específica do globo
terrestre por meio de suas coordenadas”.

As potencialidades tecnológicas, todavia, trazem consigo muitas


questões teóricas para reflexão sobre a disponibilidade cada vez maior de
dados e a facilidade de processamento e visualização de informações
espacializadas. Conforme Sampaio (2012, p. 121), a construção de um número
101
significativo de mapas com os mais diferentes temas e escalas de
representação não tem implicado, necessariamente, em maior eficácia na
comunicação gráfica. Ou seja, se a base teórica não for sólida, os produtos
gerados pelas ferramentas de geoprocessamento serão inconsistentes. Os
usuários das ferramentas de geoprocessamento, assim, estão situados entre a
teoria e a prática.

7.1.2 Aquisição e características de dados geoespaciais

A informação espacial vem sendo cada vez mais disponibilizada e


compartilhada por instituições públicas ou privadas (mediante comercialização
ou não), pesquisadores ou usuários. Os dados geoespaciais podem ser
vetoriais (pontos, linhas ou polígonos) ou matriciais (também chamados de
raster). Os vetores são feições definidas por entidades geométricas, cujo
formato mais comum é o shapefile (.shp), enquanto as matrizes compõem uma
estrutura de grade de células com tamanho predefinido (pixel).
Antes de utilizar os dados, os usuários devem se atentar a algumas
características prévias:
• Qual é fonte e data da base de dados?
• Qual será a escala da base de dados e recorte temporal adotado nas
análises feitas com ferramentas de geoprocessamento?
• Os objetivos do trabalho são claros e a escolha das informações a
serem empregadas é adequada?
• A escolha do(s) software(s) e dos métodos de processamento é
coerente? Há o pleno conhecimento dos procedimentos operacionais a serem
utilizados?
• Referente à representação dos resultados obtidos, o mapa (ou outros
produtos cartográficos) é um instrumento informativo?
Tais características devem ser descritas nos metadados, que são “dados
sobre os dados”. Entretanto, muitos arquivos são compartilhados sem
quaisquer informações sobre sua origem, pré-processamentos, sistema de
referência ou escala, por exemplo. Esse é um ponto de atenção. Muitas
instituições públicas (prefeituras, secretarias estaduais e outros órgãos)
fornecem os dados geoespaciais em seus portais na internet. A nível federal,

102
como exemplo para consulta, constam listadas abaixo algumas possibilidades
de acesso:
• Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE):
http://www.visualizador.inde.gov.br/
• Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística:
http://downloads.ibge.gov.br/index.htm
• Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada: http://www.ipeadata.gov.br/Default.aspx
e http://www.ipea.gov.br/ipeageo/index.html
• Bancos de dados geográficos do exército:
https://bdgex.eb.mil.br/mediador/
• Acervo de imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE): http://www.dgi.inpe.br/catalogo/
• EMBRAPA:
http://inde.geoinfo.cnpm.embrapa.br/geonetwork_inde/srv/por/catalog.se
arch#/home
• Ministério do Meio Ambiente:
http://mapas.mma.gov.br/i3geo/datadownload.htm

7.1.3 Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE)

No Brasil, há um importante instrumento para a sistematização (e


também aquisição, por parte dos usuários) de dados geoespaciais. A
denominada Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais (INDE) foi instituída
pelo Decreto n. 6.666, de 27 de novembro de 2008, com a seguinte definição:
“conjunto integrado de tecnologias; políticas; mecanismos e procedimentos de
coordenação e monitoramento; padrões e acordos, necessário para facilitar e
ordenar a geração, o armazenamento, o acesso, o compartilhamento, a
disseminação e o uso dos dados geoespaciais de origem federal, estadual,
distrital e municipal” (Brasil, 2008).
Além disso, a INDE tem o propósito de: “catalogar, integrar e harmonizar
dados geoespaciais existentes nas instituições do governo brasileiro,
produtoras e mantenedoras desse tipo de dado, de maneira que possam ser
facilmente localizados, explorados e acessados para os mais diversos usos

103
[...]. Os dados geoespaciais serão catalogados através dos seus respectivos
metadados, publicados pelos produtores/mantenedores desses dados”.
O visualizador de mapas da INDE pode ser acessado pelo serviço
disponível em: <http://www.visualizador.inde.gov.br/>. Os downloads, por sua
vez, constam em: <https://inde.gov.br/AreaDownload>. Sugere-se sua consulta
para compreender a estruturação dos dados geoespaciais e também para
montar bases de dados que possam auxiliar nos exercícios com as ferramentas
de geoprocessamento.

7.1.4 Softwares de geoprocessamento

Conforme mencionado, os Sistemas de Informações Geográficas se


desenvolveram muito nas últimas décadas. Os softwares comercializados mais
utilizados são o ENVI, IDRISI, Global Mapper e, principalmente, o ArcGIS. As
iniciativas de desenvolvimento de softwares livres vêm numa crescente, com
destaque para o SAGA GIS, GRASS, gvSIG, Whitebox Tools e, principalmente,
o QGIS. Embora a interface seja diferente e muitas ferramentas mudem ou
sejam adaptadas, as principais funções do ArcGIS constam no QGIS.
Independentemente do software, quando o usuário assimila as funcionalidades,
a lógica e os conceitos vinculados às ferramentas de geoprocessamento,
conseguirá aplicar o conhecimento em qualquer plataforma – basta se
acostumar com a interface.
Para a geografia enquanto ciência, as ferramentas de
geoprocessamento oferecem um aparato de recursos para a análise espacial.
Para Rosa (2011, p. 275), “a análise espacial faz a ligação entre o domínio
essencialmente cartográfico e as áreas de análise aplicada, estatística e a
modelagem, permitindo combinar variáveis georreferenciadas e, a partir delas,
criar e analisar novas variáveis”. Destaca-se que atualmente o conhecimento
sobre linguagens de programação para criar ou adaptar ferramentas também é
uma questão muito pertinente.

104
7.2 APLICAÇÕES EM TEMAS AMBIENTAIS

7.2.1 Legislação ambiental e aplicações em EIA/RIMA

As técnicas de geoprocessamento têm grande potencial para auxiliar


questões legais. Tenhamos como exemplo a Lei Federal nº 12.651/2012 (figura
1), conhecida popularmente como Novo Código Florestal. Observe que o Art.
4º estabelece as Áreas de Preservação Permanente (APP) com base na
largura mínima do leito vazante de determinado rio. A partir dessa
característica (que pode ser mensura pela função “régua” presente nos
softwares de geoprocessamento e uma imagem de satélite, por exemplo) são
estabelecidas faixas de preservação para as duas margens da feição fluvial.

Figura 1 – Trecho da Lei Federal nº 12.651/2012.

Operacionalmente, para automatizar esse processo, a delimitação das


Áreas de Preservação Permanente pode ser feita com edição vetorial,
utilizando-se da ferramenta denominada Buffer. Para isso, inicialmente é

105
necessário adquirir o arquivo vetorial da hidrografia ou, então, criar um novo
shapefile (figura 2) e delimitar o rio como polígono – sendo necessário, nesse
caso, uma base cartográfica em escala adequada e com o mesmo sistema de
referência na visualização em tela.
No QGIS, a ferramenta Buffer consta conforme a figura 3. Nesse
exemplo, o arquivo de hidrografia foi inserido e, pelo fato do rio possuir largura
inferior a 10 metros, foi estabelecida a distância de 30 metros para cada
margem (vide figura 1). O resultado dessa operação é um novo arquivo
shapefile, gerado como polígono, contendo o distanciamento mensurado a
partir dos limites externos do arquivo de entrada.

Figura 2 – Criação de shapefile e edição vetorial.

106
Figura 3 – Ferramenta Buffer no QGIS.

A figura 3 exemplifica os resultados de uma aplicação, com um rio


centralizado (vetor em cor azul) e um polígono gerado pela ferramenta Buffer
com distanciamento de 30 metros (em cor verde). Destaca-se que os arquivos
vetoriais shapefile possuem uma estrutura dual, ou seja, armazenam tanto
informações geométricas (o “desenho”, propriamente dito) quanto informações
sobre cada feição. São definidos, respectivamente, como dados espaciais e
dados alfanuméricos.
Isso significa, na prática, que além de termos a visualização
especializada das áreas de APP de acordo com a legislação, ainda podemos
utilizar ferramentas para quantificar as áreas com concordância ou divergência.

107
Para isso, basta ativar a edição vetorial (figura 2) do shapefile da APP e, na
sequência, selecionar a opção “Quebrar feições” nas opções de edição (figura
4), dividindo as áreas vegetadas, o leito do rio e as áreas sem vegetação. O
último passo consiste em calcular a área de cada feição especificada, com uso
da calculadora de campo. Após selecionar a opção para criar um novo campo,
nomeá-lo e inserir a expressão $area, será acrescentado o valor na tabela de
atributos do shapefile.

Figura 4 – Edição de polígono para cálculo de área.

Esses parâmetros legais são muito utilizados em EIA/RIMA, por


exemplo. O EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e o RIMA (Relatório de Impacto
Ambiental) são documentos que sintetizam os estudos, as análises e o
monitoramento dos impactos ambientais causados por algum tipo de atividade
ou empreendimento. Tais documentos contam, portanto, com muitos mapas
temáticos e produtos derivados da análise espacial.
Os arquivos vetoriais compõem parte essencial dos projetos. No caso
dos EIA/RIMA, a ferramenta Buffer é muito utilizada para delimitar as áreas de
influência direta e indireta dos empreendimentos. Além disso, a estrutura dual
dos arquivos shapefile é essencial para acrescentar informações qualitativas e
quantitativas. Assim, um arquivo que contenha a rede de drenagem de uma

108
bacia hidrográfica pode ter a ele vinculado, além da feição espacial, o nome e a
extensão dos rios, por exemplo.

7.2.2 Aplicações em estudos meteorológicos ou climáticos

A análise de fenômenos meteorológicos e climáticos é muito favorecida


pelas técnicas de geoprocessamento, sobretudo devido à complexidade dos
temas em questão. Consideremos o seguinte exemplo para conhecer algumas
ferramentas: como selecionar, num estado, quais são os municípios que
possuem os maiores registros pluviométricos anuais automaticamente?
Primeiramente, tenhamos conhecimento sobre as características dos
fenômenos. A chuva é um fenômeno contínuo, mas mensurada por objetos
discretos no espaço (estações meteorológicas, por exemplo). No
geoprocessamento, fenômenos com ocorrência contínua no espaço são
comumente representados por matrizes (arquivos raster), enquanto os objetos
(ocorrência discreta) são representados por vetores (pontos, linhas ou
polígonos). No exemplo da figura 5, a precipitação média anual do estado do
Paraná (em tons de azul) é um arquivo matricial com resolução espacial de 1
km, enquanto os pontos são as sedes municipais.
Esse exercício consiste em extrair os valores do fenômeno (precipitação)
para a tabela de atributos de cada feição (sede municipal). Operacionalmente,
isso é feito pela ferramenta “Add raster values to points” (figura 5). Ou seja,
trata-se de extrair informações de um raster para um vetor (pontual). Como
resultado, bastaria efetuar uma seleção na tabela de atributos, com a definição
dos valores de precipitação, para ter a visualização em tela das sedes
municipais selecionadas com tais valores quantitativos. É uma consulta
espacial a partir de dados numéricos.

109
Figura 5 – Extração de dados de um raster para a tabela de atributos de um arquivo de pontos.

7.3 APLICAÇÕES EM TEMAS SOCIOECONÔMICOS

7.3.1 Dados censitários e indicadores socioeconômicos

Os dados censitários são essenciais para análises espaciais


socioeconômicas municipais ou regionais, visto que reúnem informações
completas sobre as características da população – incluindo as variações no
tempo. Os dados do Censo de 2010 são disponibilizados pelo IBGE em
planilhas. Devido à estrutura dual do shapefile, é possível vincular um arquivo
vetorial que contenha as feições dos setores censitários (unidade territorial

110
estabelecida para fins de controle cadastral) à planilha com os dados das
variáveis censitárias. A figura 6 exemplifica essa vinculação.

Figura 6 – Exemplo da espacialização de variáveis censitárias no QGIS.

Observe, na figura 6, que as linhas da tabela de atributos do shapefile se


referem aos setores censitários do município de Curitiba. As colunas, por sua
vez, indicam as variáveis censitárias. Na representação, consta a V005 que é a
variável do “valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas
responsáveis por domicílios particulares permanentes”. Para entender a
codificação das variáveis censitárias, sugere-se a consulta do arquivo intitulado
“Base de informações do Censo Demográfico 2010: Resultados do Universo
por setor censitário”, que reúne todas as informações sobre as planilhas.
Ressalta-se que a utilização dos dados censitários pode ser favorecida
pelo conhecimento das opções presentes na tabela de atributos. Além das
consultas espaciais, onde o usuário define regras (por meio de uma expressão)
para a seleção das feições com determinadas características, também é viável
criar, combinar e calcular campos da tabela. Por exemplo: é possível criar um
campo com a área de cada setor censitário, depois efetuar a divisão da área
pela variável que contenha a quantidade de população e, assim, criar uma
terceiro campo: a densidade demográfica.

111
7.3.2 Estimador de densidade por kernel

Para fenômenos pontuais é comum buscar soluções que representem a


densidade de registros (sejam de casos de doenças, de estabelecimentos, de
crimes, por exemplo). Um dos principais estimadores de densidade é o kernel,
definido como um interpolador que possibilita analisar o comportamento de
padrões de pontos e estimar a intensidade pontual do processo em toda a área
de estudo.
Essa função, conforme apontam Druck et al. (2004), realiza uma
contagem de todos os pontos dentro de uma região de influência, ponderando-
os pela distância de cada um à localização de interesse, como ilustrado na
figura 7. Em termos práticos, o estimador Kernel mensura a concentração de
pontos a partir de um raio de análise predefinido (representado, na figura 7,
pela "largura"). Áreas com maior densidade de pontos terão um alto valor de
kernel, enquanto as áreas com menor densidade no entorno terão um valor
baixo.

Figura 7 – Estimador de intensidade (kernel) de distribuição de ponto.


Fonte: Druck et al. (2004)

No QGIS, esse processamento pode ser feito com a ferramenta “mapa


de calor (estimativa de densidade kernel)” (figura 8). Uma questão essencial é
a escolha do tamanho do raio de análise de vizinhança, pois esse parâmetro
afeta diretamente a representação dos resultados. Outro parâmetro importante
é a definição do tamanho do pixel do arquivo raster resultante. Quanto menor
for o tamanho, mais detalhado será (todavia, o arquivo será maior em termos
de armazenamento). Como consequência, tanto o raio de análise quanto o
tamanho do pixel estão relacionados ao fator de escala e aos objetivos do
trabalho.
Consideremos uma aplicação na área de geografia da saúde, com a
espacialização dos casos de dengue num município. A figura 9 retrata os casos
registrados com pontos (shapefile) devidamente espacializados. A figura 10,
112
por sua vez, representa a aplicação do estimador de densidade kernel com raio
de 125 metros (tamanho médio das quadras), gerando um arquivo raster
contínuo. Observe que o mapa resultante pela interpolação tem maior potencial
comunicativo, pois facilita a compreensão das áreas com maior ocorrência dos
casos de dengue.

Figura 8 – Ferramenta para estimativa de densidade kernel e os parâmetros principais.

Figura 9 – Espacialização de casos de dengue (pontual).

113
Figura 10 – Espacialização de casos de dengue (kernel).

7.4 ORDENAMENTO TERRITORIAL E PLANEJAMENTO URBANO

7.4.1 Uso e cobertura da terra

Os mapeamentos de uso e cobertura da terra, cada vez mais detalhados


e com abrangência têmporo-espacial, são frutos do desenvolvimento recente
das geotecnologias. Muitas ferramentas de geoprocessamento foram
desenvolvidas especificamente para essa temática.

“Entende-se por levantamento o conjunto de operações necessárias


à elaboração de uma pesquisa temática que pode ser sintetizada por
meio de mapas. O levantamento da Cobertura e do Uso da Terra
indica a distribuição geográfica da tipologia de uso, identificada por
meio de padrões homogêneos da cobertura terrestre. Envolve
pesquisas de escritório e de campo, voltadas para a interpretação,
análise e registro de observações da paisagem, concernentes aos
tipos de uso e cobertura da terra, visando sua classificação e
espacialização por meio de cartas” (IBGE, 2013, p. 36).

Entre os dados geoespaciais básicos para projetos de uso e cobertura


da terra constam, certamente, as imagens de satélite (arquivos raster). Além da

114
resolução espacial (tamanho do pixel), as imagens de satélite também
possuem resoluções temporais, espectrais e radiométricas. Os conceitos
derivados do sensoriamento remoto, portanto, são essenciais para trabalhar
com imagens de satélite – e, consequentemente, com uso e cobertura da terra.
As principais ferramentas para essa finalidade são oriundas do processamento
digital de imagens (PDI), cujos conceitos também são fundamentais.
Segundo o IBGE (2013), para análise e interpretação de imagens por
meio do sensoriamento remoto, três elementos são fundamentais a se
considerar: o objeto do estudo, a radiação eletromagnética (aquilo que nossos
olhos conseguem perceber como cores diferentes) e a escolha do sensor. O
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) possui um acervo de imagens
de distintos satélites, tais como o Landsat (em suas distintas versões) que é o
mais popular para estudos regionais.
Com as imagens de satélite é possível efetuar classificações
semiautomáticas ou automáticas de uso e cobertura da terra. Nas
classificações semiautomatizadas, o usuário cria áreas de treinamento com
locais conhecidos (amostras de vegetação, agricultura e áreas urbanas, por
exemplo) e a partir do valor dos pixels das amostras é realizada, na imagem,
uma classificação para todo o recorte de estudo. Existem muitos métodos para
realizar tais processos, como a Máxima Verossimilhança e Distância
Mahalanobis. Nas classificações automáticas o usuário define o número de
classes e, a partir dos valores dos pixels da imagem, há a segmentação de
distintas classes (que posteriormente podem ser interpretadas qualitativamente
pelo usuário).
Para essas classificações, é necessário ter o arquivo das imagens de
satélite. No QGIS, as principais ferramentas de processamento digital de
imagens constam como plugins que podem ser instalados no software. Sugere-
se o Orfeo Toolbox e também o Semi-Automatic Classification Plugin.
Há, também, como elaborar um mapa de uso e cobertura da terra de
modo manual, ou seja, a partir da vetorização realizada por interpretação
visual. Nesse caso, não é necessário ter o arquivo das imagens de satélite que
servirão como base para as delimitações, pois existem serviços de WebSIG
que possibilitam a visualização em tela (com acesso à internet) de acervos de
imagens e outros dados geoespaciais (tal como o Google Maps, que é o mais
popular).

115
Para essa etapa, no QGIS, sugere-se instalar o plugin denominado
“Quick Map Services”, que reúne grande acervo de imagens de satélite (figura
11).

Figura 11 – Instalação do plugin Quick Map Services no QGIS.

7.4.2 Análise multicritério

Quando a análise espacial contempla múltiplas variáveis, comumente


são utilizadas técnicas para a combinação de distintas camadas (normalmente
em formato raster) para a obtenção de novas informações (de síntese).
Tenhamos como exemplo um estudo sobre a suscetibilidade a deslizamentos
de terra. Vários fatores interferem: geologia, relevo, clima, uso do solo e
116
vegetação (entre outros). Se tivermos todas essas informações em escala
compatível, é possível atribuir pesos para cada variável e assim obter um mapa
preliminar da suscetibilidade. Trata-se, portanto, de uma análise multicritério.
Entretanto, esse tipo de análise demanda muita atenção com os preceitos
teórico-metodológicos. Os softwares permitem quaisquer processamentos,
então cabe aos usuários assegurar a consistência e o rigor metodológico. Isso
é imprescindível e urgente!
No QGIS, as análises podem ser feitas com a ferramenta disponível na
aba “Raster > Calculadora raster”. De acordo com Grisotto et al. (2012), as
Avaliações Multicritério (AMC) são ferramentas muito difundidas e aplicadas
em pesquisas científicas. As AMC são tidas como modelos ou métodos de
apoio ao planejamento e à decisão, onde, por meio de técnicas estatísticas e
matemáticas, criam-se condições que possibilitam a combinação e a
comparação de situações, alternativas, recursos e cenários, utilizando, para
isso, medidas, pesos ou notas proporcionais à importância das variáveis
envolvidas. O que se põe em evidência, nesse tipo de ferramenta, é o
gerenciamento de opções de escolha, que buscam orientar a tomada de
decisão na direção de uma escolha acertada.

7.5 MODELAGEM DIGITAL DO RELEVO

7.5.1 Modelos digitais de elevação e atributos geomorfométricos

Recentemente, com o desenvolvimento da análise digital do relevo,


muitas técnicas geomorfométricas em softwares de geoprocessamento têm
favorecido a extração de parâmetros (atributos geomorfométricos) e objetos
(feições ou processos) geomorfológicos com o uso de Modelos Digitais de
Elevação (MDE). Os preceitos teórico-metodológicos dessa área são pautados
pela geomorfometria, definida como a ciência da análise quantitativa da
superfície terrestre (PIKE, 2000).
O MDE é o dado básico para a modelagem digital do relevo e pode ser
definido como uma matriz de pontos, em coordenadas cartesianas, com
atribuição de valores de elevação (altitude). Trata-se, em suma, de um arquivo
raster no qual cada pixel possui um valor de altitude. Como consequência, a

117
resolução espacial do MDE tem relação direta com a escala e as possibilidades
de representação ou aplicação.
Destaca-se, de acordo com Silveira (2019), que há três fontes de dados
para a construção de MDEs: a) técnicas de levantamento de campo, com a
aquisição de pontos precisos de latitude, longitude e elevação (x, y, z); b)
mapas topográficos existentes, com a derivação de curvas de nível, drenagens,
lagos e pontos de elevação; c) sensoriamento remoto, com imagens adquiridas
de satélites, com destaque para a fotogrametria (métodos estereocópicos),
radares e, mais recentemente, levantamentos Laser.
Em relação aos MDE que são produtos de sensoriamento remoto,
destacam-se os principais, gratuitos para download e com cobertura global,
com as seguintes resoluções espaciais: SRTM (30 m), ASTER GDEM (30 m) e
ALOS PALSAR (12,5 m). A figura 12 ilustra um MDE SRTM em perspectiva 3D.
Quanto aos MDE que são gerados por interpolação, destacam-se
aqueles calculados a partir de bases planialtimétricas, que têm como dados de
entrada curvas de nível, pontos cotados e, às vezes, a hidrografia (informações
disponíveis em cartas topográficas). A partir do MDE é possível calcular outras
informações derivadas, chamadas de atributos geomorfométricos (ou
topográficos). Isso é calculado pela valor de elevação do pixel central em
relação aos pixels do entorno.
Os principais atributos geomorfométricos são: declividade (que mensura
a inclinação das vertentes), relevo sombreado (que simula a iluminação com
azimutes específicos), plano e perfil de curvatura, aspecto (que mensura a
orientação das vertentes), área de contribuição e muitos outros. Com esse
último, por exemplo, é possível extrair automaticamente a rede de drenagem a
partir de um MDE. Ou seja, os atributos viabilizam identificar feições fluviais e
formas de relevo.
A figura 12 exemplifica as principais ferramentas disponíveis no QGIS
para a análise digital do relevo. Destaca-se especialmente as ferramentas do
SAGA GIS (figura 12B), que possui muitos atributos geomorfométricos e um
pacote completo para efetuar tais operações (nas opções de “Terrain
Analysis”).

118
Figura 12 – Principais ferramentas de modelagem digital do relevo no QGIS. 1)
Opções default; 2) Ferramentas acopladas do software SAGA GIS; 3) Opções para
visualização 3D.

7.6 SIMBOLIZAÇÃO E ELABORAÇÃO DE MAPAS

7.6.1 Cartografia Temática e Geoprocessamento

Além dos processamentos realizados nos dados geoespaciais, as


representações dos resultados constituem parte essencial dos Sistemas de
Informações Geográficas. Pouco a pouco os métodos de simbolização
advindos da cartografia temática foram incorporados nessas plataformas
119
informatizadas. A comunicação cartográfica, assim, é imprescindível na
elaboração dos resultados. Ressalta-se a importância de conhecer os
principais métodos de simbolização e as variáveis visuais recomendadas para
a representação de cada objeto ou fenômeno geográfico (conceitos da
semiologia gráfica de Jacques Bertin). A figura 13 sintetiza tais considerações,
sendo indispensável à simbolização dos arquivos vetoriais (shapefile), em
pontos, linhas ou polígonos.
Operacionalmente, no QGIS, para alterar a simbologia das camadas
adicionadas basta acessas as propriedades da camada (figuras 14 e 16).

Figura 13 – Variáveis visuais e modos de implantação. Fonte: Cardoso (1984).

120
Figura 14 – Opções de simbologia para um arquivo vetorial (polígono) no QGIS.

Figura 15 – Opções de simbologia para um arquivo matricial (raster) no QGIS.

121
Observe que na figura 14, para um polígono, o software oferece
inúmeras possibilidades de representação e customização (escolha das cores,
do preenchimento, do tamanho da linha etc.). Na figura 15, a característica do
dado é diferente, pois ele é uma matriz contínua (raster). Nesse caso, como os
dados são numéricos, a representação pode ser feita com gradiente de cores
associado a um método de discretização (fatiamento) dos valores.

7.6.2 Como elaborar um layout de mapa?

Primeiramente devemos relembrar quais são os itens que devem


compor um projeto cartográfico:
• Título (que deve informar sobre o tema e o recorte espacial e
temporal);
• Legenda (simbolização do mapa);
• Indicação da escala (numérica e, principalmente, gráfica);
• Referenciais de orientação (como rosa dos ventos e grade de
coordenadas);
• Indicação do sistema de coordenadas, fonte dos dados e autoria;
• Encartes de localização e figuras ou ilustrações opcionais.
Considerando todos esses itens, além das etapas de simbolização das
camadas que serão incluídas no mapa, podemos dar início à elaboração dos
produtos cartográficos. No QGIS, isso é feito pelo item “Novo Compositor de
Impressão”, que direciona para uma janela específica com todas as opções
disponíveis (figura 16).

122
Salienta-se que no compositor de impressão (que é a produção do
layout final, propriamente dito) tudo é customizável. Ou seja, o usuário tem
muitas opções para elaborar suas representações com liberdade criativa – visto
que a cartografia é, historicamente, definida como arte, ciência e técnica.
Sugere-se seguir essas etapas básicas: 1) definir o tamanho da representação
(“Page Properties”); 2) adequar a escala da representação e das camadas
(“Adds a new map to the layout”); 3) Acrescentar a grade de coordenadas
(“Propriedades do Item”); 4) Adicionar a legenda; 5) Adicionar a escala gráfica,
as informações textuais, os encartes adicionais (quando for o caso); 6)
Organizar o layout de modo harmônico, com tamanhos padronizados, tentando
evitar espaços em branco, para que a visualização seja esteticamente
agradável e cartograficamente informativa.

CONCLUSÃO

As técnicas de geoprocessamento dispõem aos usuários,


principalmente, as seguintes análises e ferramentas: consulta espacial; análise
topológica; medição; combinação; transformações; análise de superfícies;
estatística descritiva; inferência espacial; tomada de decisões e otimização;
123
modelização. Considerando as aplicações na Geografia, o aparato técnico
disponível atualmente configura um cenário muito favorável às análises
espaciais.
Compreender a distribuição espacial de dados oriundos de fenômenos
ocorridos no espaço constitui hoje um grande desafio para a elucidação de
questões centrais em diversas áreas relacionadas à análise socioeconômica e
socioambiental. A análise e o processamento dos dados podem fornecer
informações importantes que auxiliam a compreensão dos fenômenos num
contexto mais amplo.
Salienta-se, por fim, que o conhecimento técnico e operacional só é
efetivo quando o usuário domina, de modo concomitante, os conceitos e as
teorias do tema trabalhado e também os métodos, as limitações e
potencialidades operacionais das ferramentas utilizadas. Ou seja, o rigor
metodológico deve ser sempre mantido para evitar a banalização das
geotecnologias.

REFERÊNCIAS

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Poder Executivo, Brasília, DF, 28 nov. 2008.

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