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Monitorização Neurofisiológica Intra-Operatória e Anestesia

Chapter · January 2018

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Carlos Darcy Alves Bersot Marcos Lopes de Miranda


Universidade Federal de São Paulo Rio de Janeiro State University
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Monitorização Neurofisiológica
Intraoperatória
Carlos Darcy Alves Bersot
Marcos Lopes de Miranda

Caso clínico

Paciente do gênero masculino, 68 anos de idade, portador


de cifoescoliose toracolombar grave foi submetido a ins-
trumentação espinhal posterior com implantação de para-
fusos pediculares nos segmentos T10-L5 sob anestesia ve-
nosa total e com auxílio de monitorização neurofisiológica
intraoperatória. Durante a cirurgia, houve violação do
pedículo esquerdo de L3, detectada por eletromiografia, o
que motivou o reposicionamento do parafuso do pedículo.

1) Qual a importância da monitorização neurofisiológica


intraoperatória (MNIO) em cirurgias da coluna
vertebral / medula espinhal?

As cirurgias da coluna vertebral / medula espinhal envolvem


um amplo espectro de procedimentos com risco potencial
de lesão de estruturas neuronais. Durante a realização de
grandes reconstruções da coluna, como para a correção
da deformidade cifoescoliótica, estruturas como a medula
espinhal e raízes nervosas estão propensas a lesões
transitórias ou definitivas com significativa morbidade e
consequências médico-legais e econômicas devastadoras.

A MNIO é uma técnica de monitorização capaz de avaliar


Capítulo 11

em tempo real a integridade funcional das estruturas


neurológicas sob risco potencial de lesão, permitindo uma
correlação entre a manipulação cirúrgica e as alterações
neurofisiológicas que precedem as lesões decorrentes do
trauma cirúrgico, no momento em que essas ainda podem
ser revertidas.

117
Referência:
Alemo S, Sayadipour A. Role of intraoperative neurophysiologic monitoring in
lumbosacral spine fusion and instrumentation: a retrospective study. World
Neurosurg. 2010;73(1):72-6.

2) Quais modalidades de MNIO são comumente utilizadas?

Diversas modalidades de monitorização neurofisiológica estão disponíveis


atualmente para uso no ambiente cirúrgico e são capazes de avaliar a integridade
das vias neuronais ascendentes e descendentes e do seu respectivo suprimento
sanguíneo. O uso integrado dos potenciais evocados somatossensoriais (PESS),
potenciais evocados motores (PEM) e da eletromiografia (EMG) compõe a
técnica de MNIO mais comumente empregada e fornece alta sensibilidade
e especificidade na prevenção de lesões neurológicas no intraoperatório em
cirurgias da coluna vertebral e medula espinhal.
Referência:
Gonzalez AA, Jeyanandarajan D, Hansen C, Zada G, Hsieh PC. Intraoperative
neurophysiological monitoring during spine surgery: a review. Neurosurg Focus
2009;27(4):E6.

3) Descreva as características do potencial evocado somatossensorial?

O registro do PESS tem como objetivo avaliar a integridade funcional


das vias neuronais sensitivas ascendentes a partir do nervo periférico,
através da coluna dorsal, até o córtex sensorial. O registro é realizado
em regiões correspondentes aos nervos estimulados e às áreas passíveis
de lesão durante o ato cirúrgico. O nível da cirurgia determina quais vias
neuronais serão monitorizadas. Tipicamente a estimulação é realizada no
nervo tibial posterior e no nervo mediano.

Os dados são processados e mensurados para determinar a latência e


a amplitude. A latência é uma medida de tempo. A amplitude é uma
medida de força e é caracteristicamente mais variável que a latência. Um
aumento da latência maior que 10% e uma redução da amplitude superior
a 50% em relação ao registro realizado antes do início do procedimento
cirúrgico (baseline) constituem sinais de alarme e potencial lesão de
estruturas nervosas. Com o início da utilização da monitorização do
PESS em cirurgias de coluna, estudos multicêntricos observaram que a
paraplegia pós-operatória foi reduzida em mais de 50% e os resultados
falso-negativos ocorreram em apenas 0,063% dos casos.

118 - Casos Clínicos Comentados - Volume 2


Os PESSs são alterados em procedimentos cirúrgicos por fatores mecânicos,
como compressão ou lesão de estruturas nervosas, ou de forma secundária
a processos isquêmicos locais ou globais. O registro do PESS também
pode se alterar devido a eventos não necessariamente relacionados à
lesão de estruturas nervosas, como hipotensão, anemia, hipotermia e
hipoxemia. Porém, essas alterações ocorrem de forma global em todos os
potenciais mensurados e não exclusivamente nos locais correspondentes
às estruturas nervosas sob risco devido a manipulação cirúrgica.
Referência:
Smith PN, Balzer JR, Khan MH, Davis RA, Crammond D, Welch WC, et al.
Intraoperative somatosensory evoked potential monitoring during anterior cervical
discectomy and fusion in nonmyelopathic patients-a review of 1,039 cases. Spine
J. 2007;7(1):83-7.

4) Descreva as características do potencial evocado motor?

O registro do PEM tem como objetivo avaliar a integridade funcional das


vias neuronais motoras descendentes. A obtenção do PEM por estimulação
elétrica transcraniana é realizada através de pulsos elétricos aplicados sobre
a calota craniana em pontos representativos da área motora. Esses pulsos
estimulam inicialmente o primeiro neurônio motor de forma a provocar
múltiplas ondas descendentes com potência suficiente para atingir o limiar
de despolarização dos neurônios motores secundários, levando a contração
das fibras ou grupamentos musculares correspondentes. Os músculos são
selecionados com base no procedimento cirúrgico realizado e no nível
medular envolvido. Os músculos usualmente utilizados para registro
do PEM nos membros superiores incluem o músculo tênar, hipotênar e o
primeiro músculo interósseo dorsal da mão. Os músculos mais utilizados
para registro do PEM nos membros inferiores incluem o tibial posterior e
o abdutor do hálux. De forma análoga a monitorização do PESS, o registro
do PEM possui como sinais de alarme um aumento da latência maior que
10% e uma redução da amplitude superior a 50% em relação aos valores
registrados no baseline. As lesões podem ser decorrentes de isquemia,
alterações metabólicas, trauma mecânico ou compressão.

A monitorização do PEM possui como principal desvantagem a necessidade


de adaptações da técnica anestésica, incluindo o uso criterioso de
bloqueador neuromuscular, que deve ser minimizado ou até não utilizado,
e a escolha de agentes anestésicos com menor grau de interferência no
registro dos potenciais evocados.

Capítulo 11 - Monitorização Neurofisiológica Intraoperatória - 119


A estimulação ativa do masseter e a sua contração vigorosa pode produzir
laceração da língua, fratura dentária ou até mesmo fratura da mandíbula.
Esses riscos podem ser minimizados ou eliminados com o uso apropriado
de bloqueadores de mordedura. É importante ressaltar que a estimulação
direta do hemisfério cerebral também oferece riscos. O registro do
PEM é contraindicado para pacientes portadores de epilepsia, lesões
corticais, defeitos no crânio, pressão intracraniana aumentada e em uso
de dispositivos intracranianos implantados ou marcapassos.
Referência:
MacDonald DB, Skinner S, Shils J, Yingling C, American Society of Neurophysiological
Monitoring. Intraoperative motor evoked potential monitoring–a position statement
by the American Society of Neurophysiological Monitoring. Clin Neurophysiol.
2013;124(12):2291-316.

5) Qual a importância da eletromiografia em cirurgias da coluna


vertebral?

Em condições basais, em que as raízes nervosas estão intactas, nenhuma


atividade muscular é registrada. Manipulações cirúrgicas que levam a
tração ou compressão de nervos causam descargas neuronais, resultando
em atividade no grupamento muscular por eles inervado. A monitorização
dessa atividade eletromiográfica espontânea (EMG espontânea) pode
ajudar a prevenir a radiculopatia pós-operatória durante cirurgias
espinhais com instrumentação, incluindo a implantação de parafusos
pediculares. Essa técnica não requer estimulação e pode ser registrada
continuamente a partir de grupos musculares pré-selecionados com base
nas raízes nervosas potencialmente em risco de lesão. A EMG espontânea
possui alta sensibilidade para irritação da raiz nervosa. Porém, um
resultado falso-positivo pode ocorrer durante a irrigação com solução
salina fria, cauterização e uso de broca de alta velocidade, uma vez que a
EMG espontânea é também bastante sensível às mudanças de temperatura
do local avaliado. É importante ressaltar que os sinais da EMG podem
sofrer interferência em pacientes submetidos a bloqueio neuromuscular
e em portadores de distúrbios neuromusculares como miastenia gravis ou
distrofia muscular.

A monitorização intraoperatória da atividade eletromiográfica induzida


(EMG induzida) detecta irritação e lesão da raiz nervosa após a violação
do pedículo medial pela implantação de parafusos em cirurgias de
coluna. A EMG induzida utiliza o princípio de que o osso cortical isolaria

120 - Casos Clínicos Comentados - Volume 2


eletricamente um parafuso pediculado bem implantado em relação a uma
raiz nervosa adjacente. Na ocorrência de violação do pedículo medial, o
parafuso pediculado perderia esse isolamento, alterando a EMG induzida e
indicando lesão da raiz nervosa. Dessa forma, se o parafuso for estimulado
com uma tensão constante superior a 30 volts (V) sem ativação da EMG, é
improvável que ele tenha se aproximado do córtex vertebral. No entanto,
a resposta a uma estimulação inferior a 20 V sugere um defeito ósseo que
fornece uma via de baixa impedância para a raiz do nervo.

Referência:
Dias AA, Lanna RAB, Ferreira-Junior MA, Duarte MGP, Falcon RS, Porto-Filho MA,
et al. Electromyography and instrumentation in patients with idiopathic scoliosis.
Coluna/Columna 2017;16(1):29-32.

6) Qual interferência dos fármacos anestésicos na MNIO. É necessária


adequação da técnica anestésica?

Tanto o PESS quanto o PEM são afetados por diversos fatores farmacológicos
e fisiológicos, sendo que as alterações nos PEMs ocorrem de forma mais
intensa do que nos PESSs. Uma vez que todos os fármacos anestésicos
alteram a excitabilidade neuronal, por meio de mudanças na função
sináptica ou na condução axonal, eles podem interferir na avaliação
dos potenciais evocados, usualmente diminuindo a sua amplitude e
aumentando a latência. O impacto dos agentes anestésicos na MNIO
aumenta com o número de sinapses das vias monitorizadas. Fato esse que
explica uma maior interferência dos fármacos anestésicos inalatórios nos
potenciais evocados mensurados em região cortical do que nos medidos
em localização subcortical (tronco cerebral) e medular.

Na escolha da técnica anestésica, deve-se levar em consideração que, de


uma forma geral, os efeitos dos agentes inalatórios sobre os potenciais
evocados são mais pronunciados que os dos anestésicos venosos. Apesar
disso, ambas as técnicas anestésicas permitem condições para a MNIO
se forem apropriadamente conduzidas, sendo um ponto fundamental
para a adequada mensuração dos potencias evocados a manutenção
de um steady-state nas concentrações alveolares ou sanguíneas dos
agentes utilizados. No entanto, devido ao possível relaxamento muscular
causado pelos agentes inalatórios halogenados, com efeito deletério
para avaliação dos PEMs, deve-se evitar a anestesia inalatória quando se
objetiva a monitorização otimizada dos PEMs.

Capítulo 11 - Monitorização Neurofisiológica Intraoperatória - 121


Referência:
Sloan TB, Heyer EJ. Anesthesia for intraoperative neurophysiologic monitoring of
the spinal cord. J Clin Neurophysiol. 2002;19(5):430-43.

7) Quais são os efeitos dos anestésicos inalatórios na MNIO?

Desflurano, sevoflurano e isoflurano produzem um efeito dose-dependente


de aumento da latência e redução da amplitude dos potenciais evocados.
Esse efeito é aparentemente resultado da inibição da ativação piramidal
dos neurônios motores medulares ao nível do corno anterior da medula
ou da depressão na transmissão sináptica no córtex cerebral. Como o
efeito depressor dos anestésicos inalatórios é mais intenso na transmissão
sináptica do que na condução axonal, a interferência na avaliação dos
potenciais é mais evidente em região cortical do que em áreas subcorticais.

Os PEMs são abolidos pelos agentes inalatórios halogenados mais


facilmente do que os PESSs, sendo a utilização de concentrações
alveolares de anestésicos inalatórios superiores a 0,5 CAM incompatível
com a obtenção de um PEM confiável. No entanto, as ondas D registradas
no espaço epidural, antes da sinapse no corno anterior da medula ou na
junção neuromuscular, são mais resistentes aos efeitos dos anestésicos
inalatórios, sendo facilmente registradas, mesmo com altas concentrações
desses agentes. Dessa forma, os efeitos dos anestésicos no corno anterior
da medula podem ser superados por estimulação transcraniana com
múltiplos pulsos de alta intensidade quando são utilizadas concentrações
alveolares de anestésicos inalatórios inferiores a 0,5 CAM. Apesar disso, o
melhor plano anestésico seria evitar o uso de agentes inalatórios quando
se objetiva otimizar a monitorização dos PEMs.

O óxido nitroso reduz a amplitude e aumenta a latência dos potenciais


evocados, sem modificar a morfologia das ondas, quando usado de forma
isolada ou em associação com anestésicos inalatórios halogenados. O efeito
real do óxido nitroso na obtenção dos potenciais evocados pode variar
dependendo dos outros agentes anestésicos utilizados. Por exemplo, a
adição de até 50% de N2O a fármacos anestésicos menos supressivos como
opioides, cetamina ou baixas doses de infusão de propofol não causa
interferência significativa na avaliação dos PEMs quando a técnica de
estimulação multi-pulso é utilizada por via transcraniana. Porém, quando
utilizado em concentrações anestésicas equipotentes, o óxido nitroso
produz alterações mais profundas nos PESSs corticais e nos PEMs obtidos

122 - Casos Clínicos Comentados - Volume 2


por estimulação transcraniana do que qualquer outro agente anestésico
inalatório. Dessa forma, a sua utilização não é recomendada.
Referência:
Thornton C, Heneghan CP, James MF, Jones JG. Effects of halothane or enflurane with
controlled ventilation on auditory evoked potentials. Br J Anaesth. 1984;56(4):315-23.

8) Quais são os efeitos dos anestésicos venosos na MNIO?

Opioides

Os opioides são frequentemente administrados no intraoperatório e


no pós-operatório como agentes analgésicos para cirurgia espinhal. Os
efeitos dos opioides sintéticos utilizados em anestesia, como o fentanil,
alfentanil, sufentanil e remifentanil, nos potenciais evocados são de
menor intensidade do que os obtidos com o uso de agentes inalatórios.
Quando administrados no neuroeixo ou por via intravenosa geram pouca
depressão da amplitude e da latência dos potenciais corticais. Essa
característica faz com que eles sejam importantes componentes da
técnica anestésica quando se objetiva a monitorização do PESS e PEM.
O sufentanil e o remifentanil utilizados em infusão contínua tem como
principal vantagem a manutenção de concentrações séricas constantes,
com pouca interferência na obtenção dos potenciais evocados, permitindo
uma mensuração consistente dos mesmos. Essa característica faz da
utilização dessas drogas um dos pilares da anestesia para monitorização
neurofisiológica.

Cetamina

Os efeitos da cetamina nos potenciais evocados diferem daqueles


observados na maioria dos anestésicos: ela gera um aumento da amplitude
dos PESSs e PEMs em respostas registradas em músculos e na medula
espinhal. Por provocar o aumento da amplitude dos potenciais evocados,
a cetamina é uma boa alternativa para pacientes que possuem lesão
neurológica prévia e apresentam potenciais evocados de baixa amplitude
e elevada latência na avaliação baseline. A cetamina tem como benefício
adicional promover analgesia adequada para pacientes com dor crônica
que foram submetidos a um elevado número de cirurgias associadas a dor
intensa no pós-operatório. No entanto, sua administração pode cursar
com aumento da pressão intracraniana e alucinações, o que pode limitar
o seu uso.

Capítulo 11 - Monitorização Neurofisiológica Intraoperatória - 123


Barbitúricos e benzodiazepínicos

Barbitúricos não são administrados habitualmente quando se utiliza a


MNIO em cirurgias de coluna uma vez que as respostas dos potenciais
evocados são sensíveis a essa classe de fármacos e os seus efeitos são
prolongados. A diminuição da amplitude e o aumento da latência ocorrem
imediatamente após a indução com o tiopental. A latência de ondas
corticais é mais afetada, enquanto que efeitos mínimos são observados
nas respostas subcorticais e periféricas. A perda completa das respostas
do PEM ocorre com doses de tiopental de 4 a 9 mg.kg-1.

Os benzodiazepínicos podem causar depressão da amplitude dos PEMs,


mas esse efeito é inferior ao do tiopental. O diazepam tem demonstrado
pequeno efeito na latência e amplitude dos PEMs quando utilizado
como medicação pré-anestésica. O midazolam apresenta a propriedade
desejável de causar amnésia e tem sido utilizado para monitorização
dos PESSs corticais. Em doses de indução de anestesia, e na ausência de
outros agentes, o midazolam produz uma discreta depressão dos PESSs
corticais e mínimos efeitos nos componentes subcorticais e periféricos.
Porém, como o tiopental, ele produz acentuada depressão do PEM.

Etomidato

Com efeito análogo ao da cetamina, o etomidato aumenta a amplitude


dos PESSs corticais após injeção em bolus, sem alterações nas respostas
sensoriais subcorticais e periféricas. Esse aumento da amplitude parece
coincidir com a mioclonia observada após a administração da droga. O
etomidato produz mínima supressão dos PEMs quando comparado aos
barbitúricos ou propofol. A administração da dose de indução cursa com
uma depressão leve e transitória da amplitude dos PEMs, sem alterações
em sua latência. De todos os agentes intravenosos estudados, o etomidato
é o que resulta em menor nível de interferência na amplitude dos
potenciais após dose de indução ou durante infusão intravenosa contínua.
Porém, a supressão adrenocortical que se segue à administração dessa
droga limita o seu uso em infusão contínua.

Propofol

A indução com propofol produz uma redução dose-dependente da


amplitude dos PESSs e PEMs, com mínimo efeito na latência dos mesmos
e rápida recuperação após término da infusão da droga. O propofol

124 - Casos Clínicos Comentados - Volume 2


em infusão contínua é uma excelente opção para a monitorização dos
potenciais evocados, pois apresenta características farmacocinéticas que
possibilitam manter concentrações séricas da droga em níveis constantes
e esperados, permitindo o ajuste da profundidade anestésica sem
prejuízo da monitorização dos potenciais. Comparando-se o efeito do
propofol sobre a MNIO com aquele observado com a utilização de agentes
inalatórios, concluiu-se que o propofol proporciona melhores condições
de registro do PESS e PEM. Esse dado corrobora a utilização de propofol
em infusão contínua como a abordagem anestésica padrão para registro
dos potenciais evocados durante a MNIO.

Agonistas alfa 2

A clonidina, utilizada isoladamente ou em associação com anestésicos


inalatórios, não altera a latência ou a amplitude dos potenciais evocados.
A dexmedetomidina altera de forma clinicamente não significativa a
amplitude dos PESSs, podendo ser utilizada sem prejuízo para a MNIO até
uma dose de 1,2 mcg.kg-1.h-1.

Bloqueadores neuromusculares

Os bloqueadores neuromusculares utilizados em anestesiologia atuam


na junção neuromuscular e acarretam pouco efeito sobre o registro
eletrofisiológico do PESS, tendo em vista que esse não necessita de atividade
muscular para sua mensuração. No entanto, o bloqueio neuromuscular
profundo é incompatível com o registro do PEM. Alguns autores advogam
que um bloqueio neuromuscular parcial teria o benefício de reduzir uma
porção substancial dos movimentos do paciente, secundários à estimulação
para obtenção dos PEMs, e atuaria facilitando procedimentos cirúrgicos
nos quais o relaxamento muscular fosse necessário para permitir a
manipulação de estruturas adjacentes aos músculos. A manutenção de
duas de quatro contrações no monitor de train-of-four (TOF), com o uso
de infusão contínua de relaxantes musculares, não seria proibitiva para
a mensuração do PEM. Porém, não existe padronização do valor ideal de
TOF ou embasamento na literatura que permita o uso de bloqueadores
neuromusculares concomitantemente à mensuração do PEM, sem prejuízo
para a monitorização. Portanto, a recomendação atual é o uso de relaxantes
musculares de curta ou média duração durante a indução anestésica, para
facilitar a intubação traqueal, com posterior reversão do efeito dos mesmos
por fármaco antagonista específico. O objetivo é manter o valor de TOF em

Capítulo 11 - Monitorização Neurofisiológica Intraoperatória - 125


100% durante o procedimento cirúrgico e mensuração dos PEMs, com o
intuito de aumentar a sensibilidade da monitorização e reduzir as chances
de ocorrência de uma lesão neuronal não diagnosticada.
Referência:
Taniguchi M, Nadstawek J, Langenbach U, Bremer F, Schramm J. Effects of four
intravenous anesthetic agents on motor evoked potentials elicited by magnetic
transcranial stimulation. Neurosurgery. 1993;33(3):407-15; discussion 415.

9) Quais são os principais fatores não farmacológicos que afetam a MNIO?

Alterações hemodinâmicas

Além das alterações resultantes da manipulação cirúrgica do sistema


nervoso e dos efeitos dos anestésicos, a homeostase fisiológica desempenha
um importante papel na função neuronal. O PESS e o PEM são sensíveis a
eventos ocorridos na medula espinhal produzidos por isquemia vascular
ou compressão mecânica. No entanto, como os tratos sensitivo e motor
são topograficamente separados um do outro, o PESS e o PEM podem
demonstrar diferentes sensibilidades a um evento isquêmico. Estudos
demonstram uma relação linear entre o fluxo sanguíneo cerebral e as
respostas corticais evocadas. Sob efeitos dos anestésicos, as respostas
subcorticais parecem ser menos sensíveis do que as respostas corticais
as alterações do fluxo sanguíneo. Fatores locais podem produzir isquemia
regional não predita por parâmetros hemodinâmicos sistêmicos utilizados
isoladamente. Por exemplo, durante uma cirurgia espinhal, os efeitos da
hipotensão sobre as raízes nervosas podem ser agravados pela tração das
mesmas. Deste modo, um limite aceitável de hipotensão não pode ser
determinado sem a utilização da MNIO.

Pressão intracraniana e hematócrito

Devido aos seus efeitos compressivos sobre as estruturas corticais, a


pressão intracraniana aumentada resulta na redução das respostas dos
PESSs corticais. Assim, a elevação da pressão intracraniana está associada a
redução da amplitude e aumento da latência dos PESS corticais. Em relação
ao PEM, um aumento gradual no início das respostas ocorre a medida que a
pressão intracraniana se eleva, até que a resposta não seja mais produzida.

Alterações no hematócrito podem interferir tanto na capacidade de


transporte de oxigênio quanto na viscosidade sanguínea. Sabe-se que um

126 - Casos Clínicos Comentados - Volume 2


hematócrito entre 30 e 32% fornece as condições ideais de monitorização
dos potencias evocados.

Ventilação, temperatura e outras variáveis fisiológicas

O metabolismo oxidativo e a alteração da homeostase celular secundários


à redução crítica da oxigenação tissular neuronal, devido a diminuição
nas concentrações inspiradas de oxigênio, inibem o registro do PEM. A
hipoxemia pode levar a deterioração dos potenciais evocados antes
mesmo que outros parâmetros clínicos sejam alterados. Níveis de PaCO2
inferiores a 20 mmHg ocasionam vasoconstricção cerebral excessiva e
isquemia do tecido neuronal, cursando com alterações nos registros dos
PESSs e PEMs corticais. Para se obter um registro adequado do PESS e
do PEM é necessária a manutenção de normocarbia e da oxigenação dos
tecidos cerebrais em níveis normais.

A hipotermia pode aumentar os resultados falso-negativos da MNIO em


cirurgias de coluna. A hipotermia está associada a alterações no registro dos
PESSs e PEMs, levando ao aumento da latência e redução da velocidade de
condução. Com a temperatura central abaixo de 28ºC, o registro dos PESSs
e PEMs desaparece. Assim como o efeito dos fármacos anestésicos e da
isquemia, as alterações relacionadas à hipotermia são mais proeminentes no
córtex cerebral. A hipertermia reduz a latência e aumenta a velocidade de
condução dos potenciais evocados. A amplitude dos PESSs espinhais não sofre
alterações, porém os PESSs corticais e os PEMs deterioram com temperaturas
centrais acima de 42ºC. Devido às significativas alterações na latência
dos PEMs e PESSs com a elevação ou redução da temperatura central, é
recomendado que as medidas dos potenciais evocados sejam realizadas com
uma variação máxima de 2 a 2,5ºC em relação à temperatura basal medida.

Alterações em outras variáveis fisiológicas podem interferir na obtenção


das respostas dos potenciais evocados durante a MNIO. Por exemplo,
alterações na glicemia, eletrólitos, redução do volume sanguíneo
circulante ou aumento na pressão da veia cava superior são associadas a
modificações no registro dos potenciais evocados.
Referência:
Lotto ML, Banoub M, Schubert A. Effects of anesthetic agents and physiologic
changes on intraoperative motor evoked potentials. J Neurosurg Anesthesiol.
2004;16(1):32-42.

Capítulo 11 - Monitorização Neurofisiológica Intraoperatória - 127

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