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All content following this page was uploaded by Marcos Brioschi on 26 March 2015.
8 Centro de Dor do HC/FMUSP. Diretor da Liga de Dor da FMUSP e da Escola de Enfermagem da USP.
O comprometimento ético de tratar a dor obri- de onda do infravermelho longo, entre 7,5 e 13 µm.
ga investigação para determinar aquelas técnicas e Por tratar-se de um método que mensura on-
métodos que facilitarão diagnósticos e tratamentos das de radiação infravermelha, utiliza-se o termo
que sejam seguros e eficazes, ainda obriga a utili- hiper-radiação para indicar o aquecimento provo-
zação destes métodos na prática clínica. cado pelo aumento do fluxo sanguíneo local devi-
A termografia infravermelha (IR) é um exame do à hipoatividade neurovegetativa simpática va-
diagnóstico funcional que mensura a energia infra- somotora e hiporradiação no caso de resfriamento
vermelha emitida pelo corpo, demonstrando por por diminuição do fluxo sanguíneo ou hiperativi-
imagem de alta resolução a distribuição térmica da dade neurovegetativa simpática vasomotora. Ana-
superfície cutânea. O aparelho consiste de um lisa-se a distribuição cutânea de mudanças térmi-
radiômetro que capta as ondas infravermelhas cas (mapa) de até 0,07oC não discerníveis pela sen-
emitidas pelo corpo sem nenhum tipo de contato sibilidade humana.
ou radiação iônica. A energia emitida por unidade
de tempo aumenta à medida que a temperatura INDICAÇÃO GERAL
aumenta. Dessa forma se pode mensurar a tempe-
ratura a partir da energia emitida pela superfície O diagnóstico diferencial das dores crônicas
cutânea de forma totalmente segura, isto é, sem relacionadas aos tecidos moles é ainda um desafio.
contraindicação alguma. Do extremo da simulação ao frustrante dilema da
A energia irradiada pelo corpo depende da dor crônica sem diagnóstico, a documentação tem
emissividade de sua superfície. E o corpo humano sido baseada na, maioria das vezes, experiência
atinge valores maiores que 97,8% no comprimento clínica do profissional de saúde.
Figura 1 - Paciente com SDRC em mão direita confirmado pela sequência de imagens após teste de estímulo frio. Notar
a hiper-radiação reativa em mão devido à inibição do reflexo vasoconstritor.
Estabelecer às causas relacionadas à dor crôni- mas imitam os de outras enfermidades. Uma das
ca costuma ficar na dependência, sobretudo, da principais indicações do IR são, portanto, o diag-
história do paciente e de completo exame físico. nóstico precoce e o diferencial da SDRC1.
No entanto, devido à subjetividade que cada paci- Nos primeiros estágios desse distúrbio neuro-
ente refere seus sintomas, nem sempre se identifi- vegetativo, a IR pode revelar precocemente súbi-
ca a etiologia do problema na avaliação clínica. O tas mudanças assimétricas de temperatura relacio-
não reconhecimento da efetiva causa geradora da nadas com a instabilidade vasomotora inicial, com
dor é responsável por numerosos diagnósticos er- sensibilidade 93% e especificidade de 89%, poden-
rôneos e insucessos terapêuticos, de sintomas do- do definir o bloqueio simpático mais corretamen-
lorosos crônicos, perda da produtividade e conse- te. Particularmente útil no diagnóstico diferencial
quente incapacidade biopsicossocial. Em virtude das condições com sinais e sintomas que mimetizam
disso, muitos doentes com dor crônica são consi- SDRC, como mononeuropatias periféricas, síndro-
derados simuladores, hipocondríacos e neuróticos, me pós-traumática, inflamação localizada e doen-
apresentando anormalidades psicossomáticas ou ça vascular (vasoespasmos).
transtornos psíquicos. Na SDRC tipo I aguda, o membro acometido 9
Cerca de 87% dos pacientes com dor crônica se apresenta hiporradiante, entretanto após o teste
não tem um substrato anatômico demonstrável por de estímulo ao frio, em que se mergulha o mem-
exames rotineiros de imagem que explique sua dor. bro sadio colateral em água a 10oC, ocorre vasodi-
Na maioria dos casos são disfunções do sistema latação imediata do membro comprometido devi-
neuro-osteomuscular, o que justifica o uso de ou- do aumento do fluxo sanguíneo (Figura 1). Eviden-
tros recursos diagnósticos, sobretudo funcionais, cia-se uma hiper-radiação no membro afetado de-
que possam auxiliar no estudo da dor e no direcio- vido à inibição do reflexo vasoconstritor com dife-
namento clínico e terapêutico desses pacientes. E renças maiores que 1oC. A inibição central da ativi-
nestes casos a imagem infravermelha deve ser utili- dade simpática produz diminuição na liberação de
zada. norepinefrina nestas terminações nervosas.
Já previsto na tabela da Associação Médica Brasi- Na SDRC tipo I crônica evolui com hiper-radi-
leira com o nome termometria cutânea (39.01.007-4), ação devido à vasodilatação do membro compro-
é solicitado na quantidade de 34 territórios para metido, sem preservação do reflexo vasoconstritor
avaliação que abranja toda região cervical e mem- após teste de estímulo ao frio. Há vasodilatação
bros superiores, 36 para lombossacral e membros axônica reflexa devido à inibição ou à perda com-
inferiores, 36 tronco e 28 cefálico1,2. pleta do reflexo vasoconstritor após teste de estí-
mulo frio do membro contralateral.
SÍNDROME DE DOR REGIONAL COMPLEXA Nestas duas situações se confirma o distúrbio,
(SDRC) corroborando tratamentos medicamentosos espe-
cíficos e até mesmo bloqueio de gânglio simpático.
A detecção precoce da SDRC é fundamental Já na síndrome de lesão pós-traumática ocasio-
para o sucesso do tratamento, embora a detecção nado por trauma agudo, apesar da assimetria e hi-
no estágio inicial seja difícil, pois os sinais e sinto- porradiação do membro afetado, esta diferente-
Figura 2 - Diagrama de dor do ponto gatilho do músculo elevador da escápula com sua respectiva imagem infravermelha
em paciente com reflexo somatossomático.
da por uma resposta reflexa medular somatocutâ- cas difusas, presença de pontos dolorosos em regi-
nea provocada pela disfunção miofascial, indepen- ões anatomicamente bem determinadas e por cri-
dente da profundidade em que o músculo se en- térios bem definidos pelo Colégio Americano de
contre. A dor precipita vasodilatação da derme com Reumatologia10. O diagnóstico dessa síndrome é
inibição de receptores alfa-adrenérgicos, devido a eminentemente clínico.
impulsos nociceptivos locais dos PG, provocados Entretanto, o paciente com fibromialgia apre- 11
por contratura, isquemia e liberação de substânci- senta uma imagem IR hiper-radiante característica,
as algogênicas (substância P, histamina, bradicinina, de menor intensidade que na disfunção miofascial,
prostaglandinas, óxido nítrico)7. porém ampla e difusa sobre os pontos clássicos da
Também é possível identificar precocemente por doença, extensamente distribuída sobre a região
IR uma situação menos comum de hiporradiação e cervicotorácica em forma de “manto”, região lom-
vasoconstrição persistente devido à dor referida bar e glútea. Cerca de 70% dos casos estão associ-
somática, a síndrome pós-traumática já comentada. ados ao fenômeno de Raynaud leve com extremi-
Diversos autores demonstraram que a vasoconstri- dades frias e hiper-radiação periocular, devido con-
ção associada com lesões musculares, ligamentares gestão venosa palpebral provocada por distúrbio
ou articulares têm mal prognóstico e maior tempo do sono (Figura 3)11.
de recuperação8,9. O que torna prudente a investi- A imagem simétrica, porém anormal, sugere
gação por IR o mais breve possível nos casos de trau- alteração do mecanismo central de termorregulação
matismo ou lesão aguda, especialmente em atletas ainda pouco compreendido11. A imagem térmica
profissionais. É possível identificar um pior prognósti- oferece um critério objetivo no diagnóstico com-
co pela presença de vasoconstrição (hiperatividade plementar da fibromialgia12,13 que, geralmente, tem
simpática sem instabilidade vasomotora ao teste de sintomatologia vaga associada a componente psi-
estímulo frio) e orientar uma abordagem terapêuti- cossomático muito forte14. A IR pode ser um méto-
ca dirigida e mais agressiva, aumentando as chances do auxiliar na documentação diagnóstica e acom-
de uma recuperação mais rápida e completa. panhamento desta síndrome11,13,15-17, principalmen-
te quando associada a outras doenças que passam
Diagnóstico diferencial com fibromialgia despercebidas, como artrites reumatóides sorone-
A fibromialgia é uma síndrome crônica carac- gativas; neuropatias compressivas periféricas; sín-
terizada por queixas dolorosas músculo-esqueléti- drome miofascial, tendinopatias e outras11.
Figura 3 - Hiper-radiação ampla e simétrica junto aos pontos clássicos da fibromialgia, associado à hiporradiação das
mãos (fenômeno de Raynaud) e hiper-radiação periocular (distúrbio do sono).
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Figura 4 - Diagrama de alteração térmica e sua respectiva imagem infravermelha em paciente com radiculopatia L5
esquerda. Observar heat flame lombar nível L4-L5 associado à assimetria de membros inferiores com hiporradiação
seguindo dermátomo de L5 esquerdo.
Figura 5 - Imagem infravermelha demonstrando hiper-radiação de joelho e punho direito em paciente com artrite
reumatóide soronegativa.