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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

ANGÉLICA ALVES DA SILVA

A IMPUNIDADE COMO FORMA DE ESTÍMULO PARA A TRANSGRESSÃO DA


LEI AMBIENTAL: A jurisprudência tornando ineficazes os arts. 29 e 72 da lei nº
9.605, de 12 de fevereiro de 1998

CONTAGEM - MG
2023
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

ANGÉLICA ALVES DA SILVA

A IMPUNIDADE COMO FORMA DE ESTÍMULO PARA A TRANSGRESSÃO DA


LEI AMBIENTAL: A jurisprudência tornando ineficazes os arts. 29 e 72 da lei nº
9.605, de 12 de fevereiro de 1998

Trabalho de conclusão do curso apresentado à


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
como requisito à obtenção do título de bacharel em
direito.

CONTAGEM - MG
2023
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................4

2 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE COMO DEVER DO ESTADO


BRASILEIRO...............................................................................................................7

2.1 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DA


REPÚBLICA.............................................................................................................7

2.1 MECANISMOS INFRACONSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO AO MEIO


AMBIENTE............................................................................................................... 9

3 A PROTEÇÃO DA FAUNA NA LEI 9.605/1998.....................................................13

3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CAPÍTULO V, SEÇÃO I DA LEI


9.605/98..................................................................................................................13

3.2 A GUARDA E MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE ANIMAIS SILVESTRES16

4 A INEFICÁCIA DOS ARTS. 29 E 72 DA LEI 9.605/98 FRENTE À


FLEXIBILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO.........................................................................18

4.1 EFICÁCIA DA LEI............................................................................................18

4.2 O JUDICIÁRIO USURPANDO O PODER DE LEGISLAR: EXEMPLOS DE


CASOS CONCRETOS QUE VÃO EM DIREÇÃO CONTRÁRIA AOS ARTS. 29 E
72 DA LEI AMBIENTAL.........................................................................................19

4.3 A IMPUNIDADE COMO FORMA DE ESTÍMULO PARA A TRANSGRESSÃO


DA LEI AMBIENTAL..............................................................................................23

5 CONCLUSÃO.........................................................................................................26

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 27
1 INTRODUÇÃO

O meio ambiente é pauta obrigatória em todas as discussões internacionais que tentam


jogar uma luz no futuro do nosso planeta. A cada dia que passa mais mecanismos de defesa
do meio ambiente são criados e por vezes escutamos nos jornais que a Terra está sofrendo
com o descaso e com a chamada “sociedade de consumo”. O Brasil ganha cada vez mais o
protagonismo nas referidas discussões, haja vista que sediamos a maior floresta do mundo,
com área de aproximadamente 6,74 milhões km2. A belíssima Floresta Amazônica, pulmão
do mundo, é patrimônio importantíssimo que merece todos os holofotes do legislador
brasileiro, haja vista que sofre cada vez mais com crimes ambientais das mais variadas
espécies. Ocorre que não é somente o estado do Amazonas que sofre em nosso país, sendo os
crimes ambientais problema sistêmico do Estado Brasileiro.
A introdução do meio ambiente no rol de bens importantes a serem tutelados pelo
Estado brasileiro impôs aos legisladores infraconstitucionais a árdua tarefa de criar
mecanismos para a efetivação da aludida proteção. Cumpre destacar que não é uma inovação
da atual constituição a proteção ao meio ambiente, mas é possível apontar que as leis
infraconstitucionais mais elaboradas e eficazes surgiram após a sua promulgação.
Cabe assim ao Estado brasileiro, por meio dos poderes administrativo,
legislativo e judiciário, promover a proteção do meio ambiente. Embalado pela
constituição o Estado promulgou decretos e leis que têm por objeto a proteção do meio
ambiente. Podemos citar sete leis principais que tutelam o meio ambiente em suas diversas
searas: Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – nº 6.938 de 17/01/1981; Lei dos
Crimes Ambientais – nº 9.605 de 12/02/1998; Lei da Política Nacional de Resíduos
Sólidos – nº 12.365 de 02/08/2010; Lei de Recursos Hídricos – nº 9.433 de 08/01/1997; Lei
dos Agrotóxicos – nº 7.802 de 11 de julho de 1989; Novo Código Florestal Brasileiro – nº
12.651 de 25/05/2012 e Lei 11.445/2007 – Política Nacional de Saneamento Básico. Essas
são apenas algumas das normas existentes.
Apesar de possuir munição no tambor, o que vemos é o Estado brasileiro inerte e a
taxa de crimes ambientais crescendo cada vez mais. Segundo dados obtidos no site da
Agência Brasil EBC no Rio de Janeiro aconteceu um registro de 21.476 casos de crimes
ambientais entre o ano de 2017 de 2022 e em São Paulo foram mais de

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34.772 ocorrências no mesmo período. São apenas dois Estados, o que assusta ainda mais e
nos faz questionar sobre a eficácia das leis ambientais em nosso país.
Não é demais destacar que, infelizmente, existe uma banalização dos crimes
ambientais tidos, por muitos, como infrações de menor importância. A banalização das leis
ambientais pela população é um catalisador do aumento da criminalidade, mas não podemos
deixar de destacar que a proteção do meio ambiente é dever do Estado e somente a ele cabe a
imputação de culpa pelos referidos números. O que se verifica é uma falta de respeito pelo
legislador ambiental por parte do poder judiciário que tem flexibilizado cada vez mais artigos
da lei de crimes ambientais, sob o pretexto de adequação ao caso concreto. Ocorre que a
interpretação da lei deve ser à luz de todo o ordenamento jurídico brasileiro e não
considerando apenas casos isolados.
Como exemplo da falta de respeito com a legislação ambiental, podemos citar o caso
da capivara Filó que ganhou grande proporção na mídia e que foi tratado de forma ineficaz e
em total inobservância do ordenamento jurídico brasileiro. O judiciário se rendeu ao apelo da
população e deixou de aplicar integralmente as disposições dos arts. 29 e 72 da Lei
9.605/1998. O animal foi devolvido ao infrator.
Ocorre que a jurisprudência vem decidindo da mesma forma em casos concretos. Mas
o que aparentemente tem feito o judiciário é ignorar o dever de interpretar a lei de forma
sistêmica. Referidos artigos tratam sobre a proteção da fauna contra o tráfico e a criação ilegal
e não podem, de maneira alguma, serem banalizados.
Qual a justificativa do judiciário para não aplicar com seriedade os arts. 29 e 72 da Lei
ambiental e quais são as repercussões negativas dessa conduta e m nosso país? Essas são as
questões que serão respondidas ao final da presente pesquisa.
Para realizar o presente estudo foram delimitados os seguintes objetivos específicos:
apresentar brevemente as disposições constitucionais sobre a proteção do meio ambiente;
apresentar resumidamente leis infraconstitucionais de proteção do meio ambiente; descrever a
importância da proteção da fauna brasileira à luz da lei 9.605/1998; apresentar os arts. 29 e 72
da Lei 9.605/1998; explicar brevemente sobre a eficácia da lei; analisar decisões que
caminham em direção contrária aos dispositivos 29 e 72 da Lei 9.605/1998; analisar se a
inaplicabilidade das sanções penais e administrativas estimula a guarda e criação de animais
silvestres e provoca a banalização da lei ambiental.

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Para efetuar o presente estudo será utilizada a pesquisa bibliográfica, elaborada a partir
de teses, livros, legislação, bem como de materiais publicados que versem sobre o tema em
estudo.

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2 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE COMO DEVER DO ESTADO
BRASILEIRO
2.1 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

Conforme narrado na introdução deste trabalho, a proteção ao meio ambiente não é


novidade em nosso ordenamento jurídico, mas ganhou destaque na constituição da república
de 1988 quando passou a ser dever do Estado tutelá-lo. Como bem destaca Marcelo Abelha
Rodrigues:

Se no passado o entorno era tutelado apenas de maneira indireta, como reflexo da


tutela de outros valores, a partir de 1981, com a Política Nacional do Meio Ambiente
(Lei n. 6.938/81), inaugurou-se uma nova fase, em que o meio ambiente passou a ser
objeto autônomo de tutela jurídica (ABELHA, 2018, pág. 76).

O meio ambiente deixou de ser protegido por ser importante para a efetivação de
outros direitos e passou a ser tutelado por seu valor individual:

Antes, o que ocorria era a proteção de alguns microbens ambientais específicos


(recursos ambientais), contudo sem viés ecológico, mas apenas sanitário e
econômico. Atualmente, é o macrobem (equilíbrio ecológico) que é protegido a
partir da função ecológica dos microbens (recursos ambientais) (ABELHA, 2018,
pág. 76).

Ocorre que o interesse em tutelar o meio ambiente como bem individual surge com a
ideia de que proteger a vida do ser humano não é mais importante do que proteger a qualidade
de vida que este terá. A respeito da eleição do meio ambiente como bem a ser tutelado pelo
Estado brasileiro, destaca Rômulo Sampaio:

A proteção e a conservação do meio ambiente, nesse caso, justificam-se apenas


enquanto intervenção necessária à garantia de padrões de qualidade e bem-estar dos
indivíduos que compõem determinada sociedade. Parte-se do princípio de que o
simples direito à vida já não é mais sufi ciente para atender ao princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana. (SAMPAIO, 2013, pág. 25)

Com base na ideia de tratar o meio ambiente como bem individual a ser tutelado, o
constituinte incluiu artigos para garantir que a proteção ambiental fosse foco do Estado, assim
como outros bens extremamente importantes. Como já foi dito outrora, a Constituição da
República de 1988 deu “nova vida” à proteção do meio

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ambiente. A Carta Maior elevou o patamar dessa tutela dentro de nosso
ordenamento, dando-lhe status constitucional (ABELHA, 2018).
A proteção do meio ambiente foi consagrada por meio do art. 225 da Constituição da
República o qual preceitua em seu caput que “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para
as presentes e futuras gerações”. Além de fixar na constituição o direito a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, a CF/88 cuidou de traçar conceitos fundamentais para nortear as
normas infraconstitucionais que viriam em momento posterior. Conforme explica Abelha:

Mais que isso: a CF/88 ocupou algumas lacunas e espaços existentes na proteção do
meio ambiente; ratificou, agora com índole constitucional, alguns institutos basilares
do Direito Ambiental, tais como a responsabilidade civil objetiva, a responsabilidade
penal da pessoa jurídica, a visão ecocêntrica e holística do meio ambiente, o
EIA/RIMA, 57 fixou a proteção do meio ambiente como princípio da atividade
econômica, etc. (ABELHA, 2018, pág. 78)

Os constituintes inauguraram assim um modelo de constituição alinhada com diversos


outros ordenamentos jurídicos internacionais, dedicando o capítulo VI inteiro para tratamento
especial quanto à proteção do meio ambiente, tendo como motivação precípua a garantia de
qualidade de vida digna para as gerações futuras.
Em sua pesquisa intitulada “ A proteção do meio ambiente na Constituição da
República, no Estatuto da Cidade e na Lei do Plano Diretor”, Cristiane Aparecida de Paiva
Bittencourt explica que a CF/88 estabelece quatro categorias de deveres ambientais:

“Primeiro, no caput do art. 225, encontra-se uma obrigação explícita, genérica,


substantiva e positiva de defesa e preservação do meio ambiente (‘impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo’). Além disso, o
texto constitucional forjou uma obrigação genérica, substantiva e negativa, mas
implícita, de não degradar o meio ambiente, também abrigada no caput do art. 225.
Em ambos os casos, está- se diante de deveres erga omnes, em que são co-obrigados,
indistintamente, o Poder Público, os indivíduos e a coletividade. Em terceiro lugar,
existe, ainda, um conjunto amplo de deveres explícitos e especiais do Poder Público,
independentemente de ser ele degradador ou não, dispostos no art. 225, caput, e §
1°, injunções que são bastante detalhadas, em oposição a dispositivos semelhantes
encontrados em Constituições estrangeiras, caracterizados pela sua vagueza. O
intuito do constituinte, aqui, foi afastar qualquer dúvida sobre a índole cogente das
determinações dirigidas a todo o Estado, na sua posição bifronte de
legislador e de implementador

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administrativo e judicial do ordenamento. Do legislador, espera-se que aprove novas
leis e aperfeiçoe as existentes, vedada a redução das garantias ambientais; do Poder
Judiciário, uma enérgica e rápida aplicação da lei e interpretação conforme a melhor
solução de proteção do meio ambiente. Por último, há um leque de deveres
explícitos e especiais, exigíveis de particulares ou do Estado (art. 225, § § 2° e 3°),
em que este passa a ocupar a posição de degradador potencial ou real (como
minerador, p. ex.)

Traçadas as diretrizes gerais, coube ao legislador infraconstitucional o dever de


traduzir em leis e decretos administrativos os princípios e garantias constitucionais à proteção
do meio ambiente. “Assim, esses princípios dão a tônica sob a qual devem funcionar
as engrenagens do ordenamento jurídico ambiental. Só dessa maneira é que
podemos pensar num verdadeiro sistema, com certo grau de uniformidade, de
proteção ao meio ambiente” (ABELHA, 2018).
No próximo tópico trataremos superficialmente sobre as sete principais leis ambientais
e concentraremos nossos esforços na Lei de crimes Ambientais (Lei 9.602/1998), onde se
encontram os dois artigos objetos da presente pesquisa.

2.2 MECANISMOS INFRACONSTITUCIONAIS DE PROTEÇÃO AO


MEIO AMBIENTE

Com o destaque do meio ambiente na Constituição da República, sendo tratado como


bem a ser tutelado pelo Estado, surgiu para o legislador infraconstitucional o dever de criar
normas a fim de regular e viabilizar o exercício desta proteção. A partir desta premissa foram
criadas leis e promulgados decretos que têm por objeto a tutela do ecossistema.
Considerando que a presente pesquisa não tem por objetivo esmiuçar todas as leis
ambientais, mas sim de analisar com acuidade artigos específicos da lei de crimes ambientais,
neste capítulo inicial traremos apenas aspectos gerais sobre as referidas leis, com base em
informações colhidas no site do Instituto Brasileiro de Florestas (IBF). Traremos as leis em
ordem cronológica e com a definição mais breve e completa.
A primeira lei a ser tratada é a Lei de Fauna (Lei 5.197 – 1967), lei promulgada antes
da Constituição de 1988. Segundo o Instituto Brasileiro de Florestas:

Esta Lei proporcionou medidas de proteção à fauna. Ela classifica como crime o uso,
perseguição, captura de animais silvestres, caça profissional, comércio

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de espécies da fauna silvestre e produtos originários de sua caça, além de proibir a
importação de espécie exótica e a caça amadora sem autorização do IBAMA.
Criminaliza também a exportação de peles e couros de anfíbios e répteis.

Em segundo lugar temos a lei que trata sobre áreas de proteção Ambiental (Lei 6.902 –
1981), também anterior à Constituição de 1998. Segundo o Instituto Brasileiro de Florestas:
Estabelece as diretrizes para a criação das Estações Ecológicas e as Áreas de
Proteção Ambiental (APA’s). As Estações Ecológicas são áreas representativas de
diferentes ecossistemas do Brasil que precisam ter 90% do território inalteradas e
apenas 10% podem sofrer alterações para fins acadêmicos. Já as APA’s,
compreendem propriedades privadas que podem ser regulamentadas pelo órgão
público competente em relação às atividades econômicas para proteger o meio
ambiente.

Existe também a Lei 9.985/2000 que criou o Sistema Nacional de Unidades de


Conservação da Natureza. Conforme bem explica o Instituto Brasileiro de Florestas, a Lei
9.985/2022 tem por objetivo “a conservação de variedades de espécies biológicas e
dos recursos genéticos, a preservação e restauração da diversidade de
ecossistemas naturais e a promoção do desenvolvimento sustentável a partir dos
recursos naturais”.
Outra lei extremamente importante, esta promulgada após a Constituição de 1988, é a
lei da Política Agrícola (Lei 8.171 – 1991). Conforme definição do IBF:

Essa lei objetiva a proteção do meio ambiente e estabelece a obrigação de recuperar


os recursos naturais para as empresas que exploram economicamente águas
represadas e para as concessionárias de energia elétrica. Define que o poder público
deve disciplinar e fiscalizar o uso racional do solo, da água, da fauna e da flora;
realizar zoneamentos agroecológicos para ordenar a ocupação de diversas atividades
produtivas, desenvolver programas de educação ambiental, fomentar a produção de
mudas de espécies nativas, entre outros.

Temos ainda a lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433 – 1997), a
qual estabelece as responsabilidades dos estados brasileiros no gerenciamento dos seus
recursos hídricos. Explica o IBF que a Lei 9.433/1997:

Institui a política e o sistema nacional de recursos hídricos. Define a água como


recurso natural limitado, provido de valor econômico, que pode ter diversos usos,
como por exemplo o consumo humano, produção de energia, transporte, lançamento
de esgotos e outros. Esta lei também prevê a criação do Sistema Nacional para a
coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos
hídricos e fatores que interferem em seu funcionamento.

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Neste ponto, daremos um salto no tempo para falar sobre o Novo Código Florestal
Brasileiro (Lei 12.651 – 2012) e depois retornaremos para 1998, ano em que foi promulgada a
Lei que guarda os artigos em foco neste trabalho. O art. 1°A do Novo Código Florestal
explica que este “estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de
Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de
matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção
dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus
objetivos. Segundo o IBF:

Dispõe sobre a preservação da vegetação nativa e revoga o Código Florestal


Brasileiro de 1965, determinando a responsabilidade do proprietário de ambientes
protegidos entre a Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL)
em preservar e proteger todos os ecossistemas. O Novo Código Florestal levanta
pontos polêmicos entre os interesses ruralistas e ambientalistas até os dias de hoje.

Por fim, citamos a Lei de Crimes ambientais (Lei 9.605 – 1998) que sedia o objeto da
presente pesquisa. A lei 9.605/1998 é instrumento importantíssimo para a efetivação da
proteção do meio ambiente, a ser promovida pelo Estado Brasileiro.
A Lei de Crimes ambientais visa coibir os infratores e punir caso adotem condutas
criminosas que atentem contra as normas ambientais. Além de punir as pessoas que
transgridem seus comandos, a Lei de Crimes ambientais também promove a proteção do meio
ambiente, mediante determinações que visam a preservação e recuperação das áreas, afetadas
e intocadas, e dos animais que compõem o nosso ecossistema. Segundo o IBF a Lei de Crimes
ambientais:

Trata das questões penais e administrativas no que diz respeito às ações nocivas ao
meio ambiente, concedendo aos órgãos ambientais mecanismos para punição de
infratores, como em caso de crimes ambientais praticados por organizações. A
pessoa jurídica, autora ou co-autora da infração, pode ser penalizada, chegando à
liquidação da empresa, se ela tiver sido criada ou usada para facilitar ou ocultar um
crime ambiental. A punição pode ser extinta caso se comprove a recuperação do
dano.

Não é demais afirmar que a Lei de Crimes ambientais é o braço forte do Estado na luta
contra os atentados ao nosso ecossistema e deve ser considerada como um mecanismo de
garantia para um meio ambiente saudável para nossa geração e

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gerações futuras. É na Lei de Crimes ambientais que encontramos sanções administrativas e
penais para os criminosos que atentam contra o meio ambiente e todos os seus elementos que
encontram-se descritos e amparados em nossa Constituição. A respeito dos elementos que
compõem o meio ambiente, explica Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da
Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural de Minas Gerais:

Decompondo os elementos integrantes do meio ambiente (lato sensu), podemos falar


em: a) Meio Ambiente Natural ou Físico — formado pelo solo, recursos hídricos, ar,
fauna, flora e demais elementos naturais responsáveis pelo equilíbrio dinâmico entre
os seres vivos e o meio em que vivem, sendo objeto dos artigos 225, caput, e § 1º da
CF/88; b) Meio Ambiente do Trabalho
— integrado pelo conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza material e
imaterial, em face dos quais o ser humano exerce suas atividades laborais, recebendo
tutela imediata do artigo 200, VIII, da CF/88; c) Meio Ambiente Artificial —
integrado pelo espaço urbano construído pelo homem, na forma de edificações
(espaço urbano fechado) e equipamentos tais como praças, parques e ruas (espaço
urbano aberto), recebendo tratamento não apenas no artigo 225 mas ainda dos
artigos 21, XX e 182, todos da CF/88; d) Meio Ambiente Cultural — integrado pelo
patrimônio histórico, artístico, arquitetônico, paisagístico, arqueológico,
espeleológico, geológico, paleontológico, turístico, científico e pelas sínteses
culturais que integram o universo das práticas sociais das relações de intercâmbio
entre o homem e a natureza ao longo do tempo, recebendo proteção dos artigos 215
e 216 da CF/88.

Em outras palavras, é na Lei de Crimes ambientais que o Estado encontra dispositivos


para valer-se do jus puniendi como mecanismo para tutelar o Meio Ambiente.
Feitas tais considerações gerais sobre as principais leis ambientais contidas no
ordenamento jurídico brasileiro, passaremos agora ao cerne da presente pesquisa com o
estudo mais aprofundado dos artigos 29 e 72 da Lei de Crimes ambientais que têm como
objeto a proteção da fauna. Os artigos foram eleitos para protagonizarem a presente pesquisa,
pois há em nosso país, por parte da população, uma ideia de banalidade da Lei ambiental, a
qual fica bastante evidente em julgados dos nossos tribunais que tinha por objeto a análise de
crimes específicos contra a fauna do nosso país: a guarda e manutenção em cárcere de animais
silvestres.

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3 A PROTEÇÃO DA FAUNA NA LEI 9.605/1998
3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CAPÍTULO V, SEÇÃO I DA LEI 9.605/98

No capítulo anterior abordamos de forma sucinta as leis ambientais mais


importantes do ordenamento jurídico brasileiro. Neste capítulo, concentraremos nossos
esforços na apresentação e explicação da proteção da fauna na Lei 9.605/98. Conhecida
como código penal ambiental, a Lei 9.605/98 trata sobre a responsabilização criminal
e administrativa contra o agente que atenta contra o meio ambiente. Há ainda a possibilidade
de responsabilização na esfera cível. No capítulo V, seção I, da Lei 9.605/98 encontramos
artigos que contém os crimes que têm como objeto atentados contra a fauna. É neste capítulo
que localizamos os crimes possíveis
de serem cometidos contra a vida animal no território brasileiro:

Conforme já exposto, essa lei confere aos animais proteção penal ao elencar, na
seção I do capítulo V, os crimes contra a fauna, proibindo, dentre outras condutas, o
maus-tratos aos animais, que teve sua pena recentemente aumentada em se tratando
de cães ou gatos, passando de três meses a um ano para dois a cinco anos. Destaca-
se, ainda, a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica, previamente
consagrada pela Constituição Federal, desde que satisfeitos os requisitos impostos
pelo artigo 3 da referida Lei. (GALVÃO, pág. 215)

A proteção à fauna está elencada inclusive na Constituição de 1988 que dispõe a


respeito em seu art. 225. Sobre o assunto, explica FERNANDO GALVÃO ROCHA:

Cumpre frisar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de


todos, cabendo ao Estado e à coletividade preservá-lo, conforme prevê o artigo 225
da Constituição Federal. Além disso, dispõe o inciso VII do § 1º do mesmo artigo
que incumbe ao Poder Público “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei,
as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade”. (GALVÃO, pág. 213)

Nota-se, portanto, que a proteção à vida animal ganhou status constitucional. Cumpre
destacar que são vários os tipos penais encontrados no referido capítulo do código penal
ambiental, mas somente um nos interessa, haja vista ser ele o foco da presente pesquisa que
tem por objetivo investigar sobre a banalização do crime de guarda e criação em cativeiro de
animais silvestres sem a devida autorização (art. 29 da Lei 9.605/98).

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Existe um grande equívoco do homem médio comum, que não conhece o
funcionamento de um ecossistema, quando imagina ser um grande serviço adotar e ter em sua
guarda animais silvestres retirados do meio em que vivem. Para Fernando Galvão Rocha:
A biodiversidade é fundamental para o funcionamento e o equilíbrio dos
ecossistemas, além de ser fonte de alimento e matéria-prima para os seres humanos,
sendo a sua conservação, por isso, tão importante. Felizmente, essa importância vem
sendo reconhecida pelos Estados, o que permitiu a ratificação, nas últimas décadas,
de diversos tratados internacionais que visam a proteção do meio ambiente e dos
elementos que o compõem, bem como a implementação de um modelo de
desenvolvimento sustentável. (GALVÃO, pág. 208)

É comum escutarmos de criadores de animais silvestres retirados de seu habitat sem


autorização, frases como: “ele vive melhor que os outros animais que passam necessidade na
natureza” ou “damos amor, carinho e alimento e não existe qualquer prejuízo sem deixá-lo
sob minha guarda”.
Ocorre que casos isolados são raros e é de notório conhecimento que diversas espécies
de animais silvestres são visadas e cobiçadas por muitos, sendo objetos de caça e de retirada
de seu ambiente de convivência para serem transformados à força em animais domésticos.
Mas qual o prejuízo em retirar um animal silvestre da natureza? Reconhecemos neste ponto,
que a resposta para essa pergunta não será encontrada na lei, que apenas tutela o bem
juridicamente importante, razão pela qual buscamos uma resposta objetiva, clara e completa
sobre a importância da fauna para o funcionamento do ecossistema. Segundo informações
colhidas no site Legados da Águas:
A contribuição dos animais para o equilíbrio ecológico é indiscutível. A fauna
participa não apenas da manutenção das matas, mas também de sua renovação. Nos
ecossistemas florestais, muitos animais, como as antas e os muriquis, são
importantes dispersores de sementes que possuem maiores chances de germinarem,
gerando novas plantas e mantendo a floresta em pé. Já morcegos, abelhas e outros
insetos são importantes polinizadores, essenciais para a reprodução de diversas
espécies vegetais, muitas delas com grande relevância econômica. Desta forma, a
redução ou ausência da fauna na natureza levam à uma desregulação ambiental em
série, afetando todas as formas de vida na terra. (THAYNÁ AGNELLI)

Ainda sobre a importância da fauna, registra Fernando Galvão Rocha:

A interação dos animais com os demais seres vivos que compartilham de um mesmo
ambiente é imprescindível para a manutenção e para o equilíbrio dos ecossistemas.
A título de exemplo, pode-se citar a polinização das flores que é realizada, em
grande parte, pelas abelhas, borboletas, beija-flores e aves. Além disso, a fauna
também realiza a importante função de ciclagem de

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nutrientes, por meio do qual a matéria orgânica é decomposta em outras substâncias
que serão utilizadas novamente para o desenvolvimento de novos organismos.
(GALVÃO, pág. 210)

Existe uma crítica e uma observação por parte dos ativistas das causas animais, a
respeito da ausência de garantia constitucional à saúde física e ao bem- estar dos animais em
si. O que percebe-se das disposições constitucionais é uma preocupação na preservação do
meio ambiente como forma de garantir o bem estar dos seres humanos. Sobre o tema, dispõe
Fernando Galvão Rocha:

Merece destaque também o fato de a proteção da fauna ser pautada, principalmente,


na relação que os seres humanos possuem com os animais. Essa perspectiva pode ser
percebida pela carência, no texto constitucional, de disposição acerca da dignidade
do animal, limitando- se, o legislador, em abordar os direitos fundamentais da
pessoa humana, o que favorece o entendimento de que a proteção da fauna, bem
como a do meio ambiente, tem como principal objetivo garantir aos seres humanos
uma vida de qualidade, não o de evitar, primordialmente, o sofrimento dos animais.
(GALVÃO, pág. 213)

Apesar das disposições constitucionais a respeito da proteção da fauna serem rasas em


nossa Constituição, o Código Penal Ambiental cuidou de proteger estes seres garantindo-lhes
direito à proteção contra as ações do homem. Contudo, a Lei de Crimes Ambientais respeitou
o princípio 1º da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada pelo
Brasil em 1992:

Princípio 1: Os seres humanos estão no centro das preocupações com o


desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em
harmonia com a natureza

Na elaboração do Código Penal Ambiental este princípio foi basilar e a proteção à fauna foi
mitigada em algumas situações. Dispõe o art. 37 do Código Penal Ambiental:

Art. 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado: I - em estado de


necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família; II - para proteger
lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde
que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente; III – (VETADO)
IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.

Em contrapartida, o Código Penal Ambiental foi cirúrgico ao criminalizar experiências


cruéis em animal vivo, silvestre, doméstico ou domesticado, ainda que para fins didáticos ou
científicos, conforme explica Fernando Galvão Rocha. Assim,

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ainda que o objetivo por trás de tanta proteção seja garantir aos seres humanos um ambiente
saudável, o CPA preocupou-se em limitar este direito e proibir que o homem abuse de sua
liberdade em situações comuns. Nesta linha de raciocínio, o legislador preocupou-se e tornou
crime a criação de animais silvestres como animais domésticos, sem a devida autorização.
Podemos dizer que esta conduta tem por objetivo proibir que o homem desequilibre o meio
ambiente e prejudique o funcionamento do ecossistema para satisfazer ambições e pretensões
pessoais.
Após esta breve disposições sobre a proteção da fauna no código penal ambiental,
poderemos agora mergulhar mais profundamente no crime de guarda e manutenção em
cativeiro de animais silvestres, para posteriormente escancarar as decisões contraditórias que
o judiciário vem adotando, quando deixa de aplicar sanções administrativas de caráter
pedagógico contidas no art. 72 do referido diploma lega, o que vem tornando totalmente
inócuas as sanções penais contidas no art. 29 do Código Penal Ambiental.

3.2 A GUARDA E MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE ANIMAIS SILVESTRES

O capítulo V, seção I da Lei 9.605/98 contém vários crimes que têm por objeto
práticas inaceitáveis do homem contra animais silvestres e animais domésticos. No art. 29 do
referido diploma legal encontramos o crime de guarda e manutenção em cativeiro de animais
silvestres sem autorização. Vejamos o que dispõe o art. 29 da Lei 9.605/98:

Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre,
nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena - detenção de seis
meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em
desacordo com a obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III- quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou
depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou
em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de
criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da
autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de
extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas,
migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que

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tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território
brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente
no local da infração;
II - em período proibido à caça;
III- durante a noite;
IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar
destruição em massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça
profissional.
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.

Verifica-se do §1º, inciso III do supracitado artigo que é crime contra a fauna adquirir,
guardar ou manter em cativeiro/depósito “espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota
migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em
desacordo com a obtida”. O agente que pratica tais condutas incorrem na pena de detenção de
seis meses a um ano, e multa. Além da sanção penal prevista no art. 29, dispõe o art. 72 do
mesmo diploma legal que o agente sofrerá ainda sanção administrativa, que na espécie em
questão, é a apreensão do animal adquirido e guardado em cativeiro.
Os artigos são de fácil interpretação e contém comandos simples e práticos que
traduzem com clareza a intenção do legislador de evitar que espécies da fauna silvestre sejam
retiradas do meio ambiente e levadas para cativeiros para serem domesticados e criadas fora
de seu habitat, satisfazendo apenas o interesse egoísta do ser humano e prejudicando todo o
ecossistema e o futuro das gerações que ainda virão.
Muitas pessoas são surpreendidas quando descobrem que as aludidas práticas são
criminosas e se revoltam com a possibilidade de sofrerem as sanções penais e administrativas
impostas pelo Estado. Ocorre que a lei de crimes ambientais não é tão falada nos meios de
telecomunicações e por ser a prática de domesticar animais silvestres comum em nosso
território, a população se sente livre e encorajada para investidas criminosas como captura e
compra de tais seres vivos.
Não é demais retomar o assunto da proteção constitucional aos animais neste ponto, ao
passo que esta vem sido utilizada como justificativa para interpretações equivocadas dos
aludidos comandos legais, o que será tratado mais adiante. Registre- se que não foi ignorado
neste trabalho o dever do judiciário de fazer uma interpretação

17
sistêmica dos artigos e que a linha de raciocínio adotada para concluir esta pesquisa levou em
consideração não somente a interpretação literal dos comandos do legislador ambiental, mas
sim a interpretação dos artigos em consonância com todo o cenário do Estado brasileiro e
ainda das disposições constitucionais.
Assim, conforme interpretação do art. 29, §1º, III, da Lei 9.605/98, quem compra,
captura, sequestra ou retira animais silvestres de seu habitat natural para criarem como
animais domésticos comete crime ambiental. Nos referidos artigos não existe qualquer
disposição sobre a qualidade da criação ou sobre o “amor” dos agentes pelos referidos
animais, sendo o legislador firme ao determinar que o crime se aperfeiçoa com a conduta do
agente.

4 A INEFICÁCIA DOS ARTS. 29 E 72 DA LEI 9.605/98 FRENTE À


FLEXIBILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO
4.1 EFICÁCIA DA LEI

A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) traz artigos iniciais que
dispõem sobre a obrigatoriedade, vigência, eficácia, início e fim da produção das leis. A
dinâmica normativa apresenta a interação de termos que pontuam princípios básicos no
campo da atuação da lei e da norma jurídica, tais como: vigor, vigência, eficácia, validade e
existência. Neste capítulo, aprofundaremos sobre a eficácia da Lei.
Quando analisamos a validade de qualquer lei, adentramos na existência da norma
jurídica. A vigência da lei reside no lapso temporal de observância obrigatória por parte de
todos os seus destinatários. Já a eficácia diz respeito ao plano de produção dos efeitos
normativos. Importante ainda destacar que há distinção da eficácia jurídica e da eficácia
social da norma jurídica. A eficácia da lei consiste na aptidão da norma de produzir efeitos
jurídicos quando invocada sua aplicação perante a autoridade competente. Por sua vez, a
eficácia social diz respeito à espontaneidade dos indivíduos em agir conforme o disposto na
norma. Assim, é possível afirmar que toda norma jurídica é juridicamente eficaz, embora
possa não ser socialmente eficaz. O jusfilósofo brasileiro Miguel Reale afirma que toda norma
jurídica, uma vez vigente, pode torna-se eficaz, mesmo quando já revogada. Logo, toda
norma jurídica é juridicamente eficaz, ou seja, está apta a produzir efeitos jurídicos.
Assim, se a

18
Constituição da República se constitui de um conjunto de normas jurídicas que disciplinam o
exercício do poder, conferindo proteção aos direitos fundamentais, podemos afirmar que o
complexo normativo é todo dotado de eficácia jurídica.
Feitas tais considerações, é possível identificar que os artigos 29 e 72 da Lei 9.605/98
estão se tornando ineficazes juridicamente e socialmente, haja vista que não tem produzido
efeitos jurídicos relevantes para os agentes criminosos o que tem promovido a banalização
social dos tipos penais anteriormente retratados.
A respeito da eficácia do direito, dispõe o Professor Giovani Clark em seu artigo “O
fetiche das Leis”:
A eficácia (Getung) do direito depende do fato de sua observância no meio social no
qual é vigente. Eficaz é o direito efetivamente observado e que atinge a sua
finalidade. É assim, um fato, consistindo na observância efetiva da norma por parte
de seus destinatários e, no caso de inobservância, na sua aplicação compulsória
pelos órgãos com competência para aplicá-la (Judiciário, Administração Pública,
Polícia, etc). Significa, com palavras de Kelsen, direito que é “realmente aplicado e
obedecido”. (p. 59)

Assim, podemos dizer que eficaz é a lei que produz os efeitos esperados pelo
legislador na esfera jurídica e social.

4.2 O JUDICIÁRIO USURPANDO O PODER DE LEGISLAR: EXEMPLOS DE


CASOS CONCRETOS QUE VÃO EM DIREÇÃO CONTRÁRIA AOS ARTS. 29 E 72
DA LEI AMBIENTAL

Conforme explicado no tópico anterior, a eficácia da lei, em apertada síntese, reside


nos efeitos jurídicos e sociais que o legislador pretendia produzir ao tempo de sua confecção.
Vale dizer, que, no caso dos artigos 29, §1º, III e 72, IV, da Lei 9.605/98, estes seriam
eficazes se produzissem nos casos concretos os efeitos jurídicos previstos (pena de detenção
ou multa, na esfera criminal, e apreensão dos animais, na esfera administrativa). No que
concerne aos efeitos sociais, entendemos que a eficácia residiria na desestimulação das
práticas criminosas e na inibição de novos crimes que tenho por objeto a guarda e a
manutenção em cativeiro de animais silvestres.
Não podemos ignorar que, no caso das sanções criminais, o próprio art. 29 faculta ao
juiz a aplicação ou não das penalizações, nos casos em que os animais mantidos em
cativeiro não sejam silvestres. Em contrapartida, com relação à

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apreensão dos referidos animais, o art. 72 não traz hipóteses de relativização da aplicação da
sanção administrativa, mas mesmo assim, o judiciário tem aplicado decisões que vão em
direção ao disposto neste artigo. Vejamos a seguir, julgados em que não foi adotado pelo juízo
a aplicação da pena de apreensão dos animais silvestres encontrados em posse ilegal de
agentes criminosos.
O STJ no julgamento do REsp 1.650.672 / SC, proferiu o seguinte acórdão:

ADMINISTRATIVO-AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. INEXISTÊNCIA


DE OFENSA AOS ARTS. 480, 481 DO CPC/1973 E AO ART. 1.022 DO
CPC/2015. APREENSÃO DE ARARAS. ANIMAIS ADAPTADOS AO
CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE
DA RECORRIDA. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS
AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. Não se configura a alegada ofensa ao artigo
1.022 do Código de Processo Civil de 2015, porque o Tribunal de origem julgou
integralmente a lide. Claramente se observa que não se trata de omissão, contradição
ou obscuridade, tampouco de correção de erro material, mas sim de inconformismo
direto com o resultado do acórdão, que foi contrário aos interesses do recorrente. 2.
No tocante à alegada afronta aos arts. 480 a 482 do CPC/1973, a irresignação não
prospera, pois não houve declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais
mencionados, tampouco seu afastamento. 3. In casu, o Tribunal local considerou as
condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que os animais
deveriam continuar sob a guarda da recorrida, uma vez que eram criados como
animais domésticos. 4. A jurisprudência do STJ tem admitido a manutenção em
ambiente doméstico de animal silvestre que já vive em cativeiro há muito tempo,
notadamente quando as circunstâncias do caso concreto levantadas nas instâncias
ordinárias não recomendem o retorno da espécime ao seu habitat natural. Não se
pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade
observada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula 7/STJ. 6. Recurso Especial
não provido.

Verifica-se do aludido julgado, que o STJ adotou a posição de devolver para os


agentes criminosos os animais que estavam sendo mantidos em “cativeiro” como animais
domésticos, sob a alegação de que foi realizada uma interpretação sistêmica, em consonância
com o art. 225 da CF.
Outro caso, este com bastante repercussão nos últimos dias, foi o da capivara Filó, que
vivia sob a custódia de Agenor que publicava diariamente sua rotina como dono de uma
capivara, animal silvestre. A situação da capivara chegou até as autoridades judiciárias e o
animal foi apreendido e o agente infrator penalizado. A decisão do judiciário tomou as redes
sociais e os meios de comunicação e a população, leiga e sem conhecimento técnico sobre as
normas jurídicas e aplicação das leis, começaram um movimento para que o judiciário
devolvesse o animal para o antigo “dono” e para que o agente não sofresse as penas impostas
pelas leis. Dias depois da tomada de decisão sobre a apreensão do animal, o juízo da 9ª Vara
Federal

20
Cível da SJAM decidiu conceder a guarda provisória do animal ao Sr. Agenor e determinou
que o IBAMA entregasse a capivara imediatamente ao autor. Abaixo, segue um trecho da
referida decisão:

Percebe-se, portanto, que não é a Filó que mora na casa de Agenor. É o autor que
vive na floresta, como ocorre com outros milhares de ribeirinhos da Amazônia,
realidade muito difícil de ser imaginada por moradores de outras localidades urbanas
do Brasil. Ante o exposto, concedo a tutela provisória de urgência para que, até o
desfecho da lide, seja deferida a guarda provisória da capivara Filó a Agenor Bruce
Tupinambá. Como consequência, determino que o IBAMA seja compelido a fazer a
entrega do animal ao autor, imediatamente.
Fica autorizado o transporte de Filó, pelo requerente, para que retorne ao seu habitat
natural, desde que se comprove que esse transporte se fará com meios seguros e
adequados, o que deverá ser atestado por Médico Veterinário e/ou Biólogo.

Conforme entendimento adotado pela juíza federal, o autor residia na floresta, no


habitat da capivara, e por isso deveria ser devolvido o animal para sua guarda. Interessante
neste ponto indagar sobre o termo guarda do animal. Seria necessária a devolução de um
animal para guarda de alguém se este estivesse vivendo livremente sem interferência humana
e em seu habitat natural? Parece mais, data vênia, uma decisão para atender ao apelo popular.
Não são raros os casos em que a decisão de devolver o animal para o seu “dono” é
adotada. O judiciário decide pelo bem-estar do animal e aplica em casos “isolados” o
entendimento que entende melhor. Verifica-se a seguir exemplos deste entendimento:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
APREENSÃO DE ANIMAL.LONGO CONVÍVIO EM AMBIENTE
DOMÉSTICO. SÚMULA 7/STJ. PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE.APLICABILIDADE.
1. Inviável a análise de infringência aos dispositivos legais tidos por malferidos de
forma dissociada dos elementos que o Tribunal a quo, à luz do acervo fático-
probatório da causa, considerou como predominantes e preponderantes para a
solução da controvérsia, no caso, a longa permanência da ave no convívio doméstico
com a autora, a ausência de maus-tratos e o evidente prejuízo ao animal na hipótese
de reintegração ao seu habitat natural. Incidência da Súmula 7/STJ.
2. Esta Corte em diversos precedentes firmou entendimento segundo o qual, em
casos como os tais, não se mostra plausível que o direito à apreensão do animal dê-
se exclusivamente sobre a ótica da estrita legalidade. Há que se perquirir, como bem
ponderaram as instâncias ordinárias, sobre o propósito e finalidade da Lei Ambiental
que sabidamente é voltada à melhor proteção do animal. Desse intuito não se afastou
o aresto recorrido quando considerou que – diante da peculiaridade do caso concreto
e em atenção ao princípio da razoabilidade – deva a ave permanecer no ambiente
doméstico do qual jamais se afastou em 15 anos.

21
3. Rechaçadas as afirmações do Ibama relativas à eventual desvirtuamento da
finalidade da Lei Ambiental atribuídas a este Relator e, por conseguinte, desta Casa
de Justiça. A prestação jurisdicional que se exige volta-se exclusivamente ao caso
concreto - esse suficientemente examinado e decidido à luz do direito aplicável e
com base em jurisprudência consolidada desta Corte Superior.
4. O entendimento contrário a tese do insurgente não autoriza a conclusão de que os
institutos legais protetivos à fauna e flora tenham sido maculados, tampouco que
haja chancela ou mesmo autorização para o cativeiro ilegal de aves silvestres como
aduz o agravante. Tais argumentações, além de digressivas, revelam-se inoportunas
pois evocam temas e debate alheio ao presente feito, a não merecer amparo
porquanto evidentemente desprovidas de fundamentação concreta.
5. Agravo interno a que se nega provimento. AgInt no RECURSO ESPECIAL Nº
1.389.418 - PB (2013/0211324-4)

ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL.


NÃO CONFIGURADA A VIOLAÇÃO
DO ART. 1.022/CPC. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE OU
CONTRADIÇÃO. MULTA JUDICIAL POR EMBARGOS PROTELATÓRIOS.
INAPLICÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ. MULTA
ADMINISTRATIVA. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA FÁTICA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INVASÃO DO MÉRITO
ADMINISTRATIVO. GUARDA PROVISÓRIA DE ANIMAL SILVESTRE.
VIOLAÇÃO DA DIMENSÃO ECOLÓGICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
HUMANA. 1. Na origem, trata-se de ação ordinária ajuizada pela recorrente no
intuito de anular os autos de infração emitidos pelo Ibama e restabelecer a guarda
do animal silvestre apreendido. 2. Não há falar em omissão no julgado apta a
revelar a infringência ao art. 1.022 do CPC. O Tribunal a quo fundamentou o seu
posicionamento no tocante à suposta prova de bons tratos e o suposto risco de
vida do animal silvestre O fato de a solução da lide ser contrária à defendida pela
parte insurgente não configura omissão ou qualquer outra causa passível de exame
mediante a oposição de embargos de declaração. 3. Nos termos da Súmula
98/STJ: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de
prequestionamento não têm caráter protelatório". O texto sumular alberga a
pretensão recursal, posto que não são protelatórios os embargos opostos com
intuito de prequestionamento, logo, incabível a multa imposta. 4. Para modificar
as conclusões da Corte de origem quanto aos laudos veterinários e demais elementos
de convicção que levaram o Tribunal a quo a reconhecer a situação de maus-
tratos, seria imprescindível o reexame da matéria fático- probatória da causa, o que é
defeso em recurso especial ante o que preceitua a Súmula 7/STJ: "A pretensão
de simples reexame de prova não enseja recurso especial." Precedentes.5. No
que atine ao mérito de fato, em relação à guarda do animal silvestre, em que pese a
atuação do Ibama na adoção de providências tendentes a proteger a fauna brasileira,
o princípio da razoabilidade deve estar sempre presente nas decisões judiciais, já que
cada caso examinado demanda uma solução própria. Nessas condições, a
reintegração da ave ao seu habitat natural, conquanto possível, pode ocasionar-lhe
mais prejuízos do Documento: 1806039 - Inteiro Teor do Acórdão – Site
certificado - DJe: 28/03/2019 Página 1de 4 Superior Tribunal de Justiça que
benefícios, tendo em vista que o papagaio em comento, que já possui hábitos de ave
de estimação, convive há cerca de 23 anos com a autora. Ademais, a constante
indefinição da destinação final do animal viola nitidamente a dignidade da pessoa
humana da recorrente, pois, apesar de permitir um convívio provisório, impõe o fim
do vínculo afetivo e a certeza de uma separação que não se sabe quando poderá
ocorrer. 6. Recurso especial parcialmente provido. RECURSO
ESPECIALNº 1.797.175 - SP (2018/0031230-
0)

22
Vimos, então, que, apesar da disposição clara do art. 72 do Código Penal Ambiental, a
respeito da obrigatoriedade da apreensão dos animais silvestres mantidos sob guarda
doméstica, o STJ e Tribunais vêm adotando entendimento diverso do objetivado pelo
legislador. As implicações destas decisões é o que pretendemos discutir ao final deste
capítulo.

4.3 A IMPUNIDADE COMO FORMA DE ESTÍMULO PARA A


TRANSGRESSÃO DA LEI AMBIENTAL

O que se verifica, após uma breve pesquisa sobre a aplicação da legislação ambiental,
é uma banalização da população acerca das disposições contidas no referido diploma legal.
Esta impressão não está embasada em pesquisas com dados, mas de uma observação empírica
da realidade. Não é incomum nos deparar com pessoas que acham uma grande bobagem a
existência de normas sobre pescaria, caça e desmatamento. “Qual o problema de pescar na
piracema? qual o problema de matar um veado ou um tatu para comer? por quê proibir a
extração de madeira para fazer móveis, casas e papel? Enquanto pessoas de “bem” são presas,
os verdadeiros bandidos estão por aí”. Todos nós já ouvimos frases desta natureza. A pergunta
é: Por quê? Seria a falta de uma legislação que versa sobre os crimes ambientais e sobre a
importância do meio ambiente ou pela inaplicabilidade com rigor da lei das disposições
contidas nos diplomas legais que tratam sobre o tema?
A presente pesquisa cuidou de trazer à tona a existência de normas ambientais que
criminalizam a guarda, a manutenção em cativeiro e a criação de animais silvestres como
animais domésticos e de trazer ainda decisões judiciais que “preencheram lacunas existentes
na legislação ambiental”. É clarividente que os arts. 29 e 72 da Leis 9.605/98 contêm
comandos diretos e que não se tratam de normas em branco ou imperfeitas que necessitam de
complementação pelo judiciário e do preenchimento de lacunas. O legislador foi objetivo em
suas determinações e a interpretação da lei de crimes ambientais, em consonância com todo o
ordenamento infraconstitucional sobre o tema, nos leva à conclusão de que a aplicabilidade
fiel do texto normativo é a opção mais correta.
A proteção à fauna disposta no art. 225 da CF/98 não diz respeito a casos isolados,
mas sim a todo o ecossistema nacional. Dito isso, é mais do que razoável

23
concluir que a devolução de animais para o convívio com os agentes criminosos e a
possibilidade de reaver a posse dos animais mediante recursos dirigidos ao judiciário
representa risco imensurável à fauna brasileira, haja vista que a impunidade é sempre um
estímulo para a transgressões da lei. Segundo reportagem publicada no site Gazeta do Povo,
após a entrevista a vários especialistas, a conclusão é que a impunidade estimula a violência.
Sendo assim na esfera criminal, por que não fazer uma analogia com a lei de crimes
ambientais? ambos os diplomas legais, Código Penal Brasileiro e Código Ambiental Penal,
tratam sobre crimes e criminosos. A normalização da criação de animais silvestres como
animais domésticos é estímulo para que mais pessoas se sintam encorajadas para capturar,
adquirir e até traficar animais.
Segundo o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência
da Universidade de São Paulo (USP), o judiciário tem aceitado vários recursos dos réus e isto,
somado à falta de investigação séria e efetiva da polícia, culmina na falta de responsabilização
dos agentes criminosos. Se no caso dos crimes positivados no código penal a impunidade
resulta de uma soma de erros do judiciário e da polícia, no caso da lei de crimes ambientais o
resultado é responsabilidade apenas do judiciário que, por diversas vezes, utiliza a faculdade
de intérprete da lei para ampliar conceitos e preencher lacunas que não existem nos
dispositivos legais, desrespeitando o legislador e causando uma deturpação do sentido original
atribuído pelo legislador aos dispositivos.
Interessante reflexão sobre esta atitude do judiciário foi realizada pela ministra Regina
Helena Costa, que no julgamento do recurso REsp 1797365/RS, que tinha por objeto a análise
sobre a estabilização da tutela de urgência antecipada antecedente. A ministra votou pela
interpretação restritiva do art. 304 do CPC e proferiu a seguinte crítica ao judiciário: a
interpretação ampliada do conceito, efetuada pelo tribunal de origem, caracterizaria indevida
extrapolação da função jurisdicional. Entendemos que a interpretação adotada atualmente pelo
judiciário na inaplicabilidade da sanção administrativa disposta no art. 72 da Lei 9.605/98
revela clara usurpação do poder de legislar. Não pode o judiciário aplicar seu entendimento e
ignorar totalmente as disposições do legislador. O princípio da legalidade ficou no passado?
Em conclusão, entendemos que o correto nos casos de guarda e manutenção de
animais silvestres como domésticos é a aplicação de todas as sanções penais e

24
administrativas, a fim de garantir a eficácia jurídica e social da lei de crimes ambientais, haja
vista que a penalização servirá como um desestímulo para a prática de novos crimes da
mesma natureza. Somente assim será atingido o fim precípuo do art. 225, 1º, VII da
Constituição Federal e a fauna será protegida de práticas que provocam a extinção de espécies
e a exposição de animais a maus tratos e condições degradantes.

25
5 CONCLUSÃO

No primeiro capítulo deste trabalho tratamos sobre a proteção do meio ambiente


garantida na Constituição Federal e nas leis ambientais infraconstitucionais. Na segunda parte
do trabalho aprofundamos o estudo sobre a Lei 9.605/98 e concentramos nossos esforços no
detalhamento das disposições dos arts. 29 e 72 do referido diploma legal. No terceiro capítulo
tratamos sobre o conceito de eficácia das leis, sobre as decisões do judiciário que contradizem
as disposições legais sobre a penalização de agentes que praticam os crimes previstos nos arts.
29 do código penal ambiental e concluímos com o resultado da presente pesquisa.
O presente trabalho culminou na conclusão que já imaginávamos no começo dos
trabalhos: a impunidade dos que cometem os crimes dispostos no art. 29 da Lei 9.605/98
estimula a compra, a captura e a criação de animais silvestres em ambiente doméstico. Tal
conduta deságua na ineficácia social e jurídica dos artigos 29 e 72 da Lei de Crimes
Ambientais e ajuda na cultura da população brasileira de não respeitar e de banalizar as leis
ambientais. A atitude do judiciário de compelir o IBAMA a tomar atitudes que contrariam os
fins para o qual o foi criado, qual seja, a proteção do meio ambiente, a garantia da qualidade
ambiental e a promoção da sustentabilidade no uso dos recursos naturais, estimula o
desrespeito da população a este órgão tão importante para o desenvolvimento sustentável do
país. Para todos os efeitos, não pode o judiciário contrariar o poder legislativo e desconsiderar
todo o contexto social em que suas decisões são tomadas. A função do judiciário é aplicar a
lei e agir no silêncio desta para casos em que não existe previsão legal.
A lei de crime ambientais é extremamente importante para a proteção deste bem tão
importante para nossa geração e para o futuro do nosso país e é nosso dever lutar para que
suas disposições sejam respeitadas e para que seja cada vez mais incomum a notícia de crimes
ambientais e de agentes criminosos impunes.

26
REFERÊNCIAS

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silvestres. Domínio Público, 2007. Disponível em
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