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O RENASCIMENTO NO PENSAMENTO HISTÓRICO

Cinco séculos de interpretação

Wallace K. Ferguson ∗

O renascimento na história cultural – as tradições liberais e idealistas


O Renascimento apareceu relativamente tarde na história geral, ou foi incluído apenas
na forma limitada da tradicional renascença da arte, do conhecimento e das letras. Durante a
primeira metade do século XIX a história geral era majoritariamente política, e a maioria dos
historiadores estava mais interessada em pesquisas de arquivo do que em realizar uma síntese
cultural. Estes aceitavam a divisão convencional entre a Idade Média e o período moderno
1

por volta de 1500 e, ou ignoravam a cultura do Renascimento, ou ecoavam os especialistas


contemporâneos da história da arte e da literatura. Nem Ranke, nem Guizot, apesar de seu
2

incomum interesse pelas ideias fundamentais do período, contribuíram significativamente


para a concepção de Renascimento como tal, ainda que Guizot tenha notado uma tendência
universal em direção à centralização dos povos, culturas e governos como traço dominante do
século XV. 3

Um dos poucos historiadores do início do século XIX a experimentar a


Kulturgeschichte [história cultural] do Renascimento foi o estranhamente erudito advogado de
Liverpool, William Roscoe. Seu trabalho merece atenção em qualquer trabalho historiográfico
sobre a história do Renascimento, não apenas pelo grande estímulo que deu aos estudos
italianos, mas também pelo direcionamento que deu às interpretações mais tardias. Roscoe
4

construiu toda a renovação cultural do Renascimento na Itália centralizada na família Medici,


considerando-a em grande parte o produto do direcionamento intelectual e do patrocínio
liberal daquela família. Ele, então, encarregou-se de escrever uma história geral, cultural e
5

política da Itália do fim do século XV e início do XVI, período entre aqueles que Gibbon e
Robertson trataram nas biografias de dois dos membros mais influentes do clã dos Medici. O
resultado foi o famoso A vida de Lorenzo de Medici, chamado de O Magnífico (1796) e a
obra, menos popular, Vida e Pontificado de Leo, o Décimo (1805). Ambos os trabalhos
tiveram sucesso imediato e duradouro com diversas edições esgotadas e traduções para todas
as principais línguas europeias. Havia boa razão para a recepção entusiástica do trabalho de


FERGUSON, Wallace K. The Renaissance in historical thought. Five centuries of Interpretation. Cambridge:
1
[Voigt, Die Wiederbelebung des classischen Altertums, oder das erste Jabrhundert des Humanismus (Berlin,
1859)], p. 410.
2
Para a historiografia geral do período ver as autoridades citadas acima, p. 113.
3
F. Guizot, Histoire de la civilisation em Europe (1829-32; nova edição. Paris, 1846), pp. 292 ff. Na falta de uma
Renaissancebegriff (?) em Ranke, ver C. Neumann, “Ende des Mittelalters?,” Deutsche Vierteljabrsschrift für
Literaturwissenschaft und Geistesgeschichte, XII (1934), 50 f.
4
Cf. R. Marshall, Italy in English Literature, 1755-1850 (Nova York, 1934), pp. 271 ff.
5
Voltaire e Iselin sugeriram o mesmo (ver acima, pp. 91 e 109), mas Roscoe deu à “era dos Medici” um
significado mais literal.

1
Roscoe. Foi o primeiro deste tipo e excepcionalmente bom, considerando as dificuldades de
pesquisa “numa remota parte deste remoto reino”. A obra, porém, não deixou de ter suas
6

falhas. Roscoe falhou completamente na compreensão de elementos religiosos do pensamento


do período. Suas considerações sobre o renascimento das artes e das letras, ainda que
minuciosas e estimulantes, e mais integradas à história política do que era comum, foram de
certa forma pouco originais, seguindo a tradição do racionalismo clássico. Toda a concepção
de história de Roscoe, na verdade, parece mais próxima da geração de Voltaire do que da sua
própria. Ele tendia a exagerar a influência pessoal dos príncipes esclarecidos e a ignorar
causas gerais. Sua interpretação das ações políticas dos Medici foi constantemente favorável, 7

e a estimativa de seus efeitos foi fora de proporção para a causa. Seu julgamento a esse
respeito foi revertido por vários liberais do século XIX, mas sua convicção de que a influência
dos Medici foi de importância vital tornou-se um fator quase constante na historiografia sobre
o Renascimento. No século atual, a apologia de Roscoe aos Medici foi repetida com poucas
modificações no estudo da família pelo Colonel G. F. Young. 8

O primeiro ataque à concepção de Roscoe da era de ouro italiana e do papel dos


Medici veio pouco mais de uma década depois e partiu do historiador liberal suíço Simonde
de Sismondi. Os dois homens tinham muito em comum. Eram ambos imensamente diligentes,
protestantes por tradição, e ambos haviam herdado suas principais ideias do liberalismo
racional da Era do Esclarecimento. Mas enquanto a filosofia histórica de Roscoe tinha sua
origem em Voltaire e não era incompatível com a fé no despotismo benéfico e esclarecido,
Sismondi era um apóstolo romântico da liberdade da escola de Rousseau. Para ele, liberdade
política era a maior realização possível para um povo e era, por sua vez, a fonte de todas as
outras realizações do intelecto ou da vontade humana. Essa era a base a partir da qual ele
julgava toda a história, e não era um juiz brando. Seu trabalho mais influente, A História das
Repúblicas Italianas na Idade Média (1807-18), foi um grande hino à liberdade seguido por
9

uma ode funerária. Foi também a primeira e única tentativa de escrever uma história completa
e detalhada de todos os estados italianos, desde a ascensão das comunas até o início do século
XVI. A obra foi suplantada em quase todas as suas partes, mas não ainda por inteiro, e sua
abrangência aliada a um grande grau de precisão manteve-a útil até o tempo presente.
Sismondi abre sua história com uma declaração de filosofia histórica que surgiu
diretamente do século XVIII e foi uma negação igualmente direta das teorias românticas
correntes.
Uma das mais importantes conclusões que podemos extrair do estudo
da história [ele escreveu] é que o governo é a causa primordial do
caráter dos povos; que os vícios e virtudes das nações, suas energias

6
W. Roscoe, Life of Lorenzo de Medici, Called the Magnificent (1796; nova ed. Londres, 1846), p. xlii.
7
Ibid., pp. 192 ff.
8
G. F. Young, The Medici, 2 vols. (Londres, 1909).
9
J. C. L. Simonde de Sismondi, Histoire des republiques italiennes au Moyen Age, 16 vols. (Zurique e Paris,
1807-18; eu uso a ed. de Paris, 1826). Tradução condensada para o inglês (Londres, 1832).

2
ou fraquezas, seus talentos, seus esclarecimentos ou ignorâncias,
quase nunca são efeitos do ambiente ou de atributos de uma raça em
particular, mas do trabalho das leis; que tudo foi dado aos homens
pela natureza, mas que o governo retira ou garante aos homens que
são sujeitos a ele a herança da espécie humana. 10

Trabalhando a partir dessa premissa, Sismondi atribuiu o declínio da civilização


romana à tirania dos imperadores, e o renascimento do vigor, da virtude e da cultura italianas
à recuperação da liberdade pelas comunas. Até agora essa tese é curiosamente similar àquela
de Leonardo Bruni na História do Povo Florentino, mas ele adicionou um terceiro ato à peça,
aquela do declínio da moral e da cultura italianas com o fracasso do governo republicano.
Sismondi traçou as origens de tudo que era importante na Itália dos séculos XII e XIII
até a era das comunas com sua cidadania unitária, homogênea e virtuosa, e com sua “energia
de liberdade”. Foi no século XIII que a literatura, o conhecimento e as artes despertaram e
11

causaram séculos de bom gosto para suceder àqueles de barbárie . O século XIV foi mais
12

brilhante. “Em tempo algum as letras foram cultivadas com mais ardor ou os estudiosos foram
honrados com maior entusiasmo, ou maior luz adquirida e amplamente disseminada entre os
homens”. Mas não foi um período feliz, pois a virtude e a moral já estavam sendo
13

corrompidas pelos governos tirânicos e pelo exemplo das cortes tirânicas. Ao século XIV,
segundo Sismondi, faltava o caráter definitivo dos dois séculos precedentes. Ele não tinha
nenhum propósito de unificação. Os indivíduos se separavam da população, diferenciando-se
por grandes feitos, grandes talentos e grandes crimes, mas não impulsionaram sua nação em
direção alguma. Somente Florença reteve o espírito da liberdade, e até esta caiu sob a tirania
14

dos Medici no século seguinte. Em geral, o século XV apresenta uma visão sombria na
15

perspectiva de Sismondi. A destruição progressiva da liberdade foi acompanhada pela ruína


de toda energia e moral privada e pública. Até a literatura estava perdendo seu vigor e sua
imaginação. De qualquer forma, as conquistas literárias e artísticas dos séculos XV e XVI
eram apenas frutos tardios de uma liberdade que estava perecendo rapidamente. Os
historiadores anteriores chamaram atenção para a influência revitalizadora das comunas livres
na cultura medieval, mas esta ênfase corolária no efeito pernicioso da perda da liberdade era
relativamente nova. Isso teve um forte apelo entre vários liberais durante o século XIX,
especialmente na Itália, o que constituiu o tema de História da Itália (1844) e Vida de Dante
(1839) de Cesare Balbo, e os trabalhos de campeões do Risorgimento como Gino Capponi e
16

Carlo Troya.

Ibid., I, v.
10

Ibid., VIII, 2.
11

Ibid., IV, 70 ff.


12

Ibid., VI, 1.
13

Ibid., VIII, 2 f.
14

Ibid., VII, 394, Cf. IX, 33 ff; 358 ff; X, 167 ff; XI, 257 ff.
15

C. Balbo, Sommario dela storia d’Italia (1844, nova ed. Bari, 1913-14); Vita di Dante (Turin, 1839). Tradução
16

para o inglês (Londres, 1852).

3
Perdendo apenas para a política libertária, Sismondi enfatizou o papel predominante
das cidades na formação da vida social e cultural italiana. E não somente porque elas
formaram as comunas. Sismondi sempre admirou a classe burguesa ‘que vive bem’ e tinha
pouco respeito pela nobreza cavalheiresca. Ele notou como um fator extremamente
17

significativo no desenvolvimento das sociedades italianas que os nobres foram cedo atraídos
para as cidades e que os novos senhores não eram feudais, mas filhos das cidades. “Essa
influência predominante das cidades”, ele declarou, “é a verdadeira origem do caráter distinto
dos italianos”. A vida urbana prematura da Itália deu aos italianos um espírito mais ativo,
18

desenvolvendo maiores talentos, um maior patriotismo e mais habilidade. Elas acumularam


mais ricos e causaram um florescimento mais rápido das artes, das letras e do conhecimento.
Em resumo, “os italianos foram formados na escola burguesa”. Essa também é uma ênfase
19

que seria frequentemente repetida pelos historiadores seguintes.


Ainda que Sismondi a princípio rejeitasse as teorias históricas e atitudes românticas,
ele não esteve imune à sua influência. Tornou-se um membro de destaque na corte literária de
Mme. De Staël, e conforme seu trabalho progredia ele mostrou uma tendência crescente a
falar em termos de espírito nacional. Sobre o povo florentino, que ele comparou aos gregos
antigos, escreveu: “É preciso procurar no caráter próprio da nação os motivos da conduta
habitual de seu governo”, uma teoria estranhamente em desacordo com sua premissa
original. Ao tratar da literatura italiana ele refletiu a visão romântica de que o ressurgimento
20

e a imitação dos clássicos haviam tido um efeito pernicioso. Ele desenvolveu essa teoria mais
21

à frente, em sua história d’A Literatura do Sul da Europa (1813). Aqui ele definitivamente
excluiu os homens “aos quais nós devemos o renascimento das literaturas grega e latina” em
sua discussão no sentido de que elas “não pertencem propriamente à literatura italiana”. 22

Aqui, ainda, ele aceitou a distinção de Mme. De Staël entre as nações teutônicas e latinas.
Finalmente, Sismondi esteve em total acordo com os românticos, ainda que nem sempre pelas
mesmas razões, em sua convicção da superioridade moral dos séculos XII e XIII na visão que
apresentou da irreligiosidade, imoralidade, crimes, paixões e egoísmo irresponsável da
sociedade renascentista. 23

O crescente interesse na periodização e a construção filosófica da história, o que já


notamos na história das artes e da literatura em direção a meados do século XIX, receberam
poderosos estímulos a partir da difusão da filosofia de Hegel. A influência de Hegel já era
grande antes de sua morte em 1831, mas sua filosofia da história foi disseminada amplamente

Cf. Sismondi, De la littérature du Midi de l’Europe (Paris, 1813), I, 88 ff. Tradução para o inglês (Londres,
17

1823).
Sismondi, Républiques, V, 3.
18

Ibid., V, 4.
19

Ibid., V, 166; cf. V, 1 ff; VI, 163 ff.


20

Ibid., VI, 166 ff; VIII, 4 ff; X, 1 ff.


21

Sismondi, De la littérature, II, 28 [II, 27]; cf. I, 1 ff; 23 ff.


22

Cf. Sismondi, Républiques, VI, 2 ff; VII, 2 f; VIII, 51 f; 230 f.


23

4
nas publicações póstumas de suas palestras em A Filosofia da História (1837) e {169} A 24

História da Filosofia (1833-36) . Essas obras tiveram como efeito introduzir uma forma de
25

pensar a história que exerceu influência incalculável na historiografia do século passado.


Relativamente poucos historiadores, é verdade, foram estritamente hegelianos. Talvez bons
historiadores não pudessem sê-lo. Ainda assim, numerosos historiadores tiraram de Hegel
ideias que serviam aos seus propósitos, enquanto um número superior de fragmentos da sua
filosofia da história foram utilizados sem estarem cientes da fonte. É então extremamente
difícil determinar a extensão da influência direta de Hegel em casos individuais, tanto que o
próprio Hegel representava uma síntese de quase todas as tendências de pensamento do século
anterior. Consequentemente, ideias que tem alguma conexão com Hegel podem de fato ser ou
o resultado de correntes independentes de pensamento, ou meramente a expressão de um
clima de opinião saturado pelo miasma hegeliano.
Um efeito decisivo da filosofia de Hegel foi o de reviver os hábitos de pensar nos
termos de uma história mundial teleológica, como os teólogos e racionalistas haviam feito.
Mas Hegel substituiu a Divina Providência da fé dos primeiros e a fé no progresso baseado na
razão individual para os últimos pelo conceito metafísico de um espírito do mundo que
funciona através da história por uma lógica própria em direção à realização da Ideia. O
objetivo desse processo teleológico, na mente de Hegel, é o estado moderno, mais
especificamente o estado Prussiano, embora ele tornasse a questão confusa ao tratar da
caminhada do espírito para a consciência da liberdade. Não era necessário, no entanto, aceitar
o propósito último do esquema de Hegel para se encantar por uma teoria que parecia dar um
significado racional à história, e que era equipada de terminologias filosóficas e de um
método aparentemente científico, necessários para torná-la respeitável intelectualmente.
{170} Como os filósofos românticos da história, com os quais tinha muito em comum , Hegel 26

tratou de forças grandes, inconscientes e abstratas. Para citar George Sabine, quem tem uma
aptidão incomum para dar sentido à “terminologia formidável” de Hegel:
Na interpretação hegeliana da história, é a nação, ao invés do
indivíduo ou de qualquer grupo de indivíduos, que forma uma unidade
significativa. O gênio ou espírito da nação (Volksgeist), trabalhando
através de indivíduos mas largamente independentemente de suas
vontades conscientes e de suas intenções, é o verdadeiro criador da
arte, da lei, da moral e da religião. Consequentemente, a história da

G. W. F. Hegel, Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte (Berlim, 1837), Weke (Berlim, 1832-87), IX.
24

Tradução para o inglês (Londres, 1857). O trabalho crítico de Hegel é muito extenso, mas a melhor explicação
de sua filosofia da história ainda é essa em sua própria introdução. Como a linguagem de Hegel é incomumente
difícil, ofereço referências alternativas às traduções americanas para todas as citações. Ver também o sumário em
R. Flint, La philosophie de l’histoire em Allemagne (Paris, 1878), pp. 260-334. Há uma excelente discussão de
Hegel em R. G. Collingwood, The Idea of History (Oxford, 1946), pp. 113-22, da qual eu não tomei
conhecimento até que meu próprio trabalho estivesse em prova. É particularmente interessante a discussão de
Collingwood sobre os predecessores da filosofia histórica de Hegel: Herder, Kant, Fichte e Schelling (ibid., pp.
88-113) e sua análise da dívida de Hegel para com eles.
Hegel, Vorlesungen über die Geschichte der Philosphie, 2 vols. (Berlim, 1833-36), Werke, XIII-XV. Tradução
25

para o inglês (Londres, 1892).


26
Cf. G. von Below, Die Deutsche Geschichtschreibung von den Befreiungskriegen bis zu unsern Tagen
(Munique, 1924), pp. 29 ff.

5
civilização é uma sucessão de culturas nacionais para as quais cada
nação traz sua contribuição peculiar e oportuna para a realização
humana em geral. 27

Deste modo, o espírito nacional é a força criativa, como nos Românticos, mas ele
opera sob a direção do espírito mundial e está constantemente mudando em direção ao
desenvolvimento. Em qualquer ponto da história o espírito mundial se faz manifestar pelo
espírito da nação, em seu estágio particular de desenvolvimento, como o espírito da época. Os
historiadores devem, é claro, selecionar para citar somente aquelas nações, aqueles eventos
em suas histórias ou aspectos de suas culturas, que demonstrem o funcionamento do espírito
mundial, ou seja, que tenham significância histórico-mundial. Ideias como essa, mesmo
quando não aderidas estritamente, levaram facilmente a uma generalização solta sobre o
Zeitgeist [espírito do tempo] ou Volkgeist [espírito do povo], sobre a tarefa de uma nação, seu
papel na história mundial, ou sobre a contribuição que se destina à civilização.
Muito dessa mesma generalização foi fomentada pelo hábito de Hegel de caracterizar
uma nação ou uma era por algumas de suas qualidades abstratas. Esta era uma parte natural de
seu sistema, onde cada civilização nacional representava um aspecto do espírito do mundo em
processo de desenvolvimento. Para citar um exemplo não sem relevância para nosso assunto,
ele caracterizou o espírito grego antigo como “individualmente condicionado pela beleza”, e 28

explicou a civilização grega pelas “diversas radiações de que esta ideia lança mão ao realizar-
se”.
{171} Todas as questões nas obras de arte, podemos organizá-las sob
três cabeças: a obra de arte subjetiva, isto é, a cultura do homem em si
mesmo; a obra de arte objetiva, isto é, a moldagem do mundo das
divindades; e finalmente, a obra de arte política - a forma de
constituição e de relações dos indivíduos que as compõe. 29

Essa é uma generalização que pode facilmente ser adaptada ao Renascimento,


considerando-o como renascimento do espírito Grego.
No próprio pensamento de Hegel a concepção de mundo espiritual era inseparável do
método através do qual o fim da História era alcançado, quer dizer, a dialética, a peculiar
lógica da história. Entretanto, não eram necessariamente inseparáveis. Muitos historiadores
aceitaram o idealismo de Hegel, em parte, pelo menos, sem a dialética. Karl Marx, por outro
lado, adotou a dialética enquanto rejeitava o Espírito. E de forma menos consciente, muitos
historiadores que poderiam não seguir inteiramente a filosofia hegeliana acharam em sua
dialética um instrumento que poderia ser adaptado a seu uso. Em sua forma mais simples, a
dialética serviu para emprestar uma aparente claridade para a interação das tradições ou
tendências culturais. Ensinou os historiadores a procurar pela lógica sucessão de teses,
antíteses, sínteses, para assumir uma relação causal entre o desenvolvimento completo de uma

27
G. H. Sabine, A History of Political Theory (Nova York, Hnery Holt and Company, 1937), p. 261.
28
Hegel, Philosophie der Geschichte, Werke, IX, 292 [p. 248].
29
137 Ibid., IX, 293 [p. 250].

6
tradição, o surgimento e conclusão de seu oposto, e a subsequente amalgamação do que era
mais permanente em ambos para formar uma tradição nova e mais elevada. Nós já notamos
Hagen aplicando este método para o Renascimento na fórmula da diversidade medieval e o
retorno do Renascimento à natureza, e a síntese moderna de ambos produzida pela Reforma.
A dialética hegeliana poderia facilmente fortalecer a duradoura concepção do Renascimento
como antítese da Idade Média e precursor da Reforma, emprestando-lhe a autoridade da
necessidade lógica.
De fato, tal era a própria interpretação de Hegel sobre o Renascimento. Tanto em A
Filosofia da História como em A História da Filosofia, Hegel trabalhou para demonstrar que
durante a Idade Média, feudalismo e Igreja combinaram-se para destruir a liberdade e
depreciar o Espírito. O pensamento escolástico e o sistema sacramental desespiritualizaram a
religião vinculando-a a externalidades. Mas isso, {172} quando totalmente desenvolvido,
30

trouxe reações. No final da Idade Média, os Estados Nacionais substituíram o feudalismo,


assumindo muitas de suas funções com a divina permissão da Igreja. Ao mesmo tempo, o
homem voltou-se, da exclusiva contemplação do “mundo supersensível”, cujo conteúdo
espiritual tinha sido subtraído, para o interesse no mundo presente, ou seja, “este lado de cá”
para “a vida interior do homem e para a natureza exterior”. A lacuna entre o secular e o
eclesiástico foi fechada e o “elemento secular se espiritualizou em si mesmo”. Hegel 31

interpretou isso como o retorno do espírito à consciência da liberdade, isto é, a si mesmo.


Assim os homens chegaram ao ponto de saber que eram livres, e
insistiam no reconhecimento dessa liberdade, tendo o poder de exercer
sua atividade para seus próprios objetos e interesses. Assim, o espírito
voltou a si ... Este novo nascimento é apontado como o renascimento
da arte e das ciências que se preocupam com a matéria presente, a
época em que o espírito ganha confiança em si mesmo e na sua
existência, e encontra seu interesse no presente. É, na realidade,
reconciliado com o mundo. 32

O “retorno do Espírito a si mesmo” é um conceito de ambíguo significado para


qualquer um desacostumado a pensar nos termos hegelianos, mas as conotações que ele lhe
atribuiu não são de forma alguma desconhecidas. Onde quer que a influência do idealismo
germânico se fez sentir, o Renascimento foi identificado, mais ou menos, com ideias de
reação contra o transcendentalismo medieval e a reafirmação da autoconsciência do homem,
sua autonomia moral e intelectual, e sua reconciliação espiritual com o mundo presente. O
Renascimento tornou-se, portanto, a fase necessária da progressão do homem para a
liberdade, como o termo foi entendido pela filosofia idealista.
Hegel viu o renascimento do Espírito atuando em três movimentos específicos. O 33

primeiro foi a ascensão da arte, que espiritualizou parcialmente a religião medieval,

30
138 Ibid., IX, 457 ff; cf. 497 ff [pp.392 ff;429 ff].
31
139 Hegel, Geschichte der Philosophie, Werke, XV, 177 ff [III, 95 ff].
32
140 Ibid., XV, 189 [III, 106 f].
33
141 Ibid., XV, 190 [III, 108]; Philosophie der Geschichte, Werke, IX, 493 ff [pp.425 ff].

7
emprestando beleza e sentimento aos objetos materiais de adoração. O segundo foi o estudo
da {173} antiguidade ou studia humaniora. “O nome humaniora”, Hegel acrescenta, “é muito
expressivo, pois na obra da antiguidade a honra é feita ao ser Humano e ao desenvolvimento
da Humanidade: através deste estudo, o Ocidente conheceu o elemento verdadeiro e eterno na
atividade do homem”. E de novo “Os homens voltaram-se para o trabalho dos antigos….
34

como studia humaniora, onde o homem é reconhecido no que diz respeito a si mesmo e no
que ele faz… Homens, porque eles são homens, considera interessante estudar homens como
homens.” Essa é uma distorção do sentido original do termo, mas que, como já observamos,
35

ganhou crescente aceitação durante o século XIX. Hegel atribuiu essencialmente ao


36

renascimento da antiguidade o “despertar da individualidade do espírito”, mas notou


incidentalmente que sua ocasião aparente foi a queda do Império Bizantino que introduziu a
literatura grega no Ocidente, tradição que há muito havia sido abandonada por quase todos os
historiadores da literatura. No lado filosófico, ele interpretou-o como puro retorno à filosofia
grega, cujo espírito já havia notado como antitético ao da escolástica medieval. Como 37

terceira característica do período, Hegel apontou para “esse impulso do espírito para fora -
esse desejo por parte do homem de se familiarizar com seu mundo”, que resultou nas
explorações e descobertas. “Esses três eventos”, ele conclui, “podem ser comparados com o
rubor do amanhecer, que após longas tempestades indica o brilhante e glorioso dia.” O 38

próximo passo do processo dialético foi, é claro, a Reforma Protestante.


De Hegel, a passagem para a brilhante e errática síntese de Jules Michelet, a primeira
tentativa de isolar e caracterizar o Renascimento, então chamado de um período genérico da
história europeia, parece muito natural. Ainda é difícil estabelecer qualquer conexão direta
entre o filósofo alemão e o historiador francês. Certamente, alguém hesitaria em classificar
Michelet como hegeliano. Ele é, de fato, um homem difícil de adaptar em qualquer categoria
pré-concebida. Fueter trata-o sob o título {174} de “ escola lírico-subjetiva” , Gooch através 39

de “Escola Romântica” , e Robert Flint sob “escola histórica democrática” , enquanto Louis
40 41

Halphen coloca-o à frente do seu capítulo “o retorno para a história sintética” . Há uma razão 42

para cada uma dessas classificações. A reconstrução da história feita por Michelet é ao mesmo
tempo lírica e subjetiva no mais alto grau. Ele compartilhou o amor romântico pelo passado
nacional e sua cor local era a mesma da teoria romântica do espírito nacional. Ele foi o
primeiro grande historiador democrático em virtude de seu sentimento pelo povo e seu ódio a
toda tirania. E estava sempre procurando encontrar em qualquer evento ou personalidade que
atingiu sua impressionável imaginação, um profundo significado, a expressão característica de

34
142 Ibid., IX, 494 [p.427].
35
143 Hegel, Geschichte der Philosophie, Werke, XV, 190 [III, 108]
36
144 Veja acima, p. 155.
37
145 Hegel, Geschichte der Philosophie, Werke, XV, 191 ff; cf. 179 [III, 109 ff; cf.96].
38
146 Hegel, Philosophie der Geschichte, Werke, IX, 496 [p. 428].
39
147 E. Fueter, Geschichte der neueren Historiographie (Munich, 1936), pp. 425 ff.
40
148 G.P. Gooch, History and Historians in the Nineteenth Century (London, 1935), pp. 175 ff.
41
149 R. Flint, History of the Philosophy of History ( New York, 1894), pp. 531 ff.
42
150 L. Halphen, L’ Historie en France depuis cent ans ( Paris, 1914) pp. ,81 ff.

8
uma era ou de uma raça, e construir uma síntese histórica a partir daí. Sempre ávido por
ideias, ele foi assumidamente influenciado por diversos pensadores como Vico, Voltaire,
Rousseau, Herder, Kant, Sismondi e Guizot. Também absorveu boa parte da filosofia idealista
alemã da história a ele contemporânea, provavelmente por intermédio de seus amigos Cousin
e Quinet. Ele foi, de fato, um dos principais expoentes na França do que Augustin Thierry
chamou “aquele método, que vem da Alemanha, que vê em cada fato o símbolo de uma ideia
e no curso dos eventos da humanidade, uma perpétua psicomaquia” , e foi essa tendência,
43

deplorável na visão de Thierry, que emprestava à interpretação de Michelet sobre o


Renascimento um especial significado.
A caracterização da época do Renascimento por Michelet apareceu na introdução do
sétimo volume da sua História da França (1833-62). Doze anos haviam se passado entre a
44

publicação do sexto volume (que tratava do fim da Idade Média) e do sétimo (que tratava do
século XVI) que recebeu o título de La Renaissance (1855). Ao mesmo tempo em que
Michelet escrevia a história da {175} Revolução Francesa, envolveu-se na agitação
democrática e anticlerical que levou à Revolução de 1848. Durante o conflito, perdeu a
cátedra e perdeu também o último vestígio do amor romântico de outrora pela Idade Média. A
discussão retrospectiva sobre a civilização medieval que ocupou grande parte da introdução
do sétimo volume foi motivada por um implacável antagonismo, intensificado por uma
amargura pessoal, em direção à aristocracia, ao clero, e à Igreja. Uma diferença notável entre
este e seus volumes anteriores.
Como Hegel, Michelet pensou a civilização medieval na escala do espírito, e a achou
carente. Estava baseado num erro fundamental. Como Hegel escrevera sobre “a infinita
falsidade que governava a Idade Média e constitui sua vida e espírito”, Michelet pôde então
45

escrever sobre “a bizarra e monstruosa condição, prodigiosamente artificial, que era a da


Idade Média”. A concepção de Michelet sobre os espíritos antitéticos da Idade Média e do
46

Renascimento é, de fato, muito similar à de Hegel, apesar de seus símbolos serem concretos e
particulares mais do que abstratos, e seu argumento depender mais de uma declaração
apaixonada e de um retrato colorido do que da lógica. Ele também viu no feudalismo e na
Igreja os inimigos que destruíram a liberdade humana e, juntamente com a escolástica,
contribuíram para depreciar o Espírito. Suas seções sobre filosofia escolástica foram
eloquentemente intituladas de: “Acerca da criação de um povo de tolos” e “A proscrição da
Natureza”. Mas Michelet não pôde achar esperança, como Hegel fez, no crescimento do
47

Estado Monárquico no fim da Idade Média, embora ele tenha notado o começo de uma

43
151 A. Thierry, Récits des temps merovingiens, précédés de considérations sur l’historie de France (Paris,
1861), p. 181. NT: Aqui suponho que ele faça referência ao poema de Prudêncio. Uma definição bem simples
sobre o poema: lutas alegóricas entre as virtudes e os vícios. Entendo que Thierry quis dizer algo como conflito
dual.
152 J. Michelet, Historie De France (1833-62; ed. définitive, Paris, 1898). Eng. trans. (New York, 1845 ff).
44

153 Hegel, Philosophie der Geschichte, Werke, IX, 444 [p. 380].
45

154 Michelet, Historie De France, VIII, 9.


46

155 Ibid., VII, 27 ff; 36ff.


47

9
“revolução, obscura, mas grandiosa e sagrada” no surgimento das línguas nacionais e do
sentimento pela patrie. Numa expressão remanescente de Hegel, Michelet declarou que a
48

monarquia tornou-se, no final da Idade Média, uma espécie de igreja, de caráter divino, mas 49

lastimou o fato de ela ter ascendido às custas da liberdade municipal. Michelet era demasiado
democrático para depositar sua confiança nos príncipes e, como fez Sismondi, {176}
idealizou comunas democráticas que haviam criado “todas as artes e formas de civilização”. 50

Como resultado, ele considerou os séculos XIV e XV, nos quais essas comunas perderam sua
liberdade e se tornaram não democráticas, como um período de declínio espiritual. Mesmo a
alta burguesia, pela qual ele não compartilha a admiração de Sismondi, possuía o nível
espiritual mais baixo. Com a dominação dessa burguesia por toda a Europa, inclusive na Itália
dos Médici, “o Renascimento não poderia vir por uma revolução popular”. Michelet não 51

pôde encontrar mais do que uma única evidência do renascimento no Quattrocento na Itália, o
gênio de Brunelleschi, e todo o espírito de uma era estava contra ele.
Nunca houve uma época menos favorável a essas altas tendências. A
Itália tinha entrado em uma prosa profunda, o materialismo vivo dos
tiranos e os bandos de mercenários, a banalidade dos homens de
finanças e do dinheiro. Uma religião começou nos bancos de Florença
tendo no ouro sua presença real e nas cartas de câmbio sua eucaristia. 52

O Renascimento de Michelet não foi, portanto, o tradicional renascimento da Itália dos


séculos XIV e XV. O que foi então?
A amável palavra, Renascimento [ele escreveu] recorda aos amigos da
beleza somente a vinda de uma arte nova e o jogo livre da imaginação.
Para o erudito, é a renovação do estudo da antiguidade, para o legista,
o dia que começou a brilhar no caos discordante de nossos velhos
costumes. Isso é tudo?
E ele responde que aqueles que pensam assim esquecem de duas coisas:
a descoberta do mundo e a descoberta do homem. O século XVI… foi
de Colombo a Copérnico, de Copérnico a Galileu, da descoberta da
terra à do paraíso. O homem redescobriu a si mesmo. Enquanto
Vesalius e Servetus revelaram a vida a ele, seu mistério Moral foi
penetrado por Lutero, por Calvino, por Dumoulin e Cujas, por
Rabelais, Montaigne, Shakespeare, e Cervantes. Ele sondou as
profundidades de sua natureza. 53

Nesse grande movimento, a antiguidade ressuscitada tomou seu lugar como um dos
fundamentos da “nova fé”. Isso “reconhece a si mesmo {177} como idêntico à idade
moderna”. Arte, também, foi parte do Renascimento. “Arte e Razão reconciliadas, esse é o
Renascimento, o casamento da beleza e da verdade”. Esse espírito foi previsto por Abelardo
54

e Joachim de Fiori, por Brunelleschi e Jan van Eyck, mas não desenvolvido até Leonardo da

48
156 Ibid., VII, 53 ff;
49
157 Ibid., VII, 14; cf. Hegel, Geschichte der Philosophie, Werke, XV, 188 [III, 106].
50
158 Michelet, VII, 23 f; cf. 15.
51
159 Ibid., VII, 77; cf. 25.
52
160 Ibid., VII, 62.
53
161 Ibid., VII, 7 f.
54
162 Ibid., VII, 66.

10
Vinci. A fonte para a nova arte foi a reconciliação com a natureza. “A Idade Média tremia
timidamente na presença da natureza”. Da Vinci, ao contrário “sentiu que ele próprio era
também natureza”. Lembre-se a frase mais abstrata de Hegel: “Na contemplação da natureza
55

o espírito começa a ter a sensação de estar presente.” O Renascimento de Michelet carecia da


56

base dialética da construção hegeliana, que incluía a Reforma, a qual Hegel considerou um
etapa do progresso do espírito. Mas possuía os mesmos ingredientes essenciais: arte e o
renascimento da antiguidade, reconciliação com a natureza, a redescoberta da natureza interna
dos homens e seu mundo exterior. Mas era acima de tudo um renascimento do espírito
humano. Para Michelet, um renascimento espontâneo e sem precedentes. “Começou a partir
do nada. Foi a explosão heroica de uma imensa vontade”. 57

Com Michelet nós chegamos finalmente ao Renascimento concebido como um


período na história da civilização da Europa, um período com um espírito distintivo,
fortemente contrastado com o da Idade Média. O termo já não era limitado ao renascimento
das artes, literatura, ou dos clássicos, mas aplicado à era como um todo e tinha significado
apenas se a era fosse concebida como tendo um espírito característico expresso nela mesma e
em todas as formas de atividade. Para isso, os historiadores da literatura e da arte sem dúvida
haviam preparado o caminho através da crescente ênfase no espírito da cultura do
Renascimento. Hegel e seus discípulos (Hagen et al) fizeram o que parece ser uma
contribuição essencial relacionando a história filosoficamente ao espiritual ou a causas
idealistas e dando a períodos históricos um caráter especial como aspectos da vida do espírito.
A grande realização de Michelet foi extrair a concepção de renascimento ou renovação
espiritual da esfera das disciplinas especiais, por um lado, e da abstração filosófica, por outro,
para torná-lo simultaneamente {178} universal e concretamente humano. Ainda assim, sua
concepção de Renascimento era em um certo sentido insatisfatória. Limitado como era ao
século XVI, ele adaptou uma longa tradição na história francesa, mas não a tradição mais
geralmente reconhecida da precedência italiana. Para fazer do Renascimento um período
universalmente aceitável, ele devia recuar no tempo e identificar-se principalmente com a
Itália. Ele também deve ser desenvolvido muito mais plenamente. Um epigrama inesquecível
teria de ser expandido em um grande livro. Esse foi o trabalho de Jacob Burckhardt.
{179}
Capitulo 7
Burckhardt e a Formação do Conceito Moderno*

55
163 Ibid., VII, 68 ff.
56
164 Hegel, Geschichte der Philosophie, Werke, XV, 189 [III, 107]; ver também Hagen, acima, pp. 157 ff.
57
Michelet, VII, 13.

11
“Nossa concepção da Renascimento é criação de Jacob Burckhardt”. Dessa forma 58

Karl Brandi abriu seu eloquente esboço da Renascimento Italiana no Propylaen


Weltgeschichte. Essa sentença pode permanecer como um texto, para ser demonstrada ou
modificada, pelo restante deste livro. É verdade, como os capítulos anteriores tentaram
mostrar, que quase todo os materiais separados para a criação da síntese de Burckhardt já
estavam presentes em meados do século XIX. Os primeiros humanistas, os novos humanistas
e os clacissistas da geração de Goethe, protestantes, racionalistas e liberais, romancistas,
hegelianos e os discípulos do Historismus, historiadores das artes e letras, e os pioneiros da
Kulturgeschichte tinham todos feito contribuições essenciais. Não obstante, o Renascimento
Italiano de Burckhardt era na sua totalidade integrada uma criação original, a obra-prima de
um grande artista histórico. Aceita quase sem questionamento pela maioria dos historiadores
por mais de cinquenta anos, ela ainda permanece a concepção clássica pela qual as
tempestades do revisionismo se enfurecem com uma violência cada vez maior. Seu lugar
único na historia da historiografia do Renascimento é atestada hoje pela virulência de seus
oponentes, não menos pela defesa mais moderada daqueles que ainda encontram nele uma
verdade essencial.
{180} Formação Ideológica de Burckhardt e Método Histórico
Como é verdade em grande parte das criações artísticas, o trabalho de Burckhardt
refletiu tanto sua própria personalidade como as tendências e preconceitos de pelo menos
parte de sua geração. Há nisso muito de seu próprio caráter peculiar, mas não teria sido
geralmente tão bem aceito se não tivesse agradado homens de uma grande variedade de
temperamentos que eram ainda crianças de seu século. Em toda as épocas desde o próprio
Renascimento, homens haviam visto esse fenômeno pela perspectiva de seu próprio tempo e
através das lentes astigmáticas de interesses e pressuposições contemporâneas. Isso não era
menos verdade no período que se seguiu a meados do século XIX. O momento estava maduro
para uma nova idealização do Renascimento, análoga à idealização neoclássica da Greca
antiga, ou a reabilitação romântica da Idade Média. Como esses movimentos, ela brotou em
parte do descontentamento com a presente civilização e o desejo de encontrar no passado um
modelo de aspiração contemporânea. Mas ela era também em boa medida uma afirmação de
fé no espírito do mundo moderno. Os filhos favorecidos dessa próspera idade estavam em
maioria, bem contentes com seu bem-estar material, suas liberdades pessoais, e o avanço do
saber científico. A ideia de progresso nunca foi tão amplamente bem aceita. Ainda sim, havia
59

muitos que sentiam que a civilização contemporânea, apesar do progresso essencial, sofria de
problemas graves e que no crescimento do materialismo burguês, da mecanização industrial, e
da democracia havia perigos inerentes para a vida do espírito. Foi dessa combinação de fé no

*Esse capítulo apareceu pela primeira vez como um artigo no Bulletin of the Polish Institute e é reproduzido
com a sua permissão.
W. Goetz, ed., Propylaen Weltgeschichte, IV (Berlin, 1932), p. 157
58

Cf. J. B. Bury, The Idea of Progress (Londres, 1920).


59

12
progresso moderno e repulsa contra certos atributos que o homem se voltou para o
Renascimento como um ideal cultural. À moda do Helenismo e Romantismo sucedeu algo
como um novo movimento intelectual, ao qual historiadores alemães deram o bárbaro nome
de Renaissancismus . O motivo primário do Renascentismo foi, na maioria das instâncias,
60

estético. Como sempre, o Renascimento foi considerada de um lado como a antítese da Idade
Média. {181} Aproveitou dessa maneira a crescente reação contra o sentimento nacionalista,
religioso, e o medievalismo sentimental da crítica romântica do início do século XIX. Ao
mesmo tempo, visto de outro ponto de vista, o Renascimento aparece como o começo da
idade moderna, mas distinguia-se do presente, como tinha sido a visão geral desde
Winckelmann, por um declínio artístico no período intermediário. Ele também se aproveitou
da repulsa contra o gosto burguês contemporâneo e o filistinismo. Estetas do período final do
século XIX estavam frequentemente inclinados a sentir que a produção industrial estava
destruindo a beleza e vulgarizando o gosto, que o reinado do homem de negócios
extremamente ambicioso estava forçando o artista a uma posição de isolamento, e que a arte
contemporânea como um todo era sem forma e superficial. A mesma reação que levou
homens como Ruskin e os pré-rafaelitas de volta à Idade Média tardia guiou para o
Renascimento aqueles cujas inclinações eram clássicas e que valorizavam acima de tudo a
forma. De qualquer modo, isso foi uma reconstrução nostálgica de uma idade em que a arte
havia sido uma parte integral da vida e na qual o artista era universalmente apreciado.
Mas o presente descontentamento e o consequente apelo ao Renascimento se
estenderam além do campo da pura estética, embora raramente dele desassociado de forma
total. Aristocratas intelectuais tendiam a dirigir um olho pessimista sobre a democratização
crescente de todos os ramos da cultura, enquanto humanistas do tipo de Goethe viram na
crescente uniformidade e materialismo que eram os resultados sociais da industrialização uma
ameaça a ambos os valores, humanos e intelectuais. Os primeiros encontraram no
Renascimento uma cultura da elite; os segundos perceberam nela um conceito de humanitas
altamente desenvolvido ausente em seus próprios dias. Finalmente, todos que se encontraram
constrangidos pelos estreitos padrões de moral e as tímidas convenções da sociedade de classe
média estavam propensos a procurar no Renascimento o paraíso para todos seus desejos. Eles
tinham aprendido com Heinse, Stendhal, Byron, Browning, e um grupo de novelistas
românticos a pensar no Renascimento Italiano como o feliz campo de caça de personalidades
desinibidas, fortes e apaixonadas.
Fugas românticas do presente para um passado ideal era, entretanto, apenas um
aspecto da Renascimento, seu lado negativo. Foi como a hora do nascimento do mundo
moderno que o Renascimento adquiriu seu significado histórico positivo, e também a
justificativa para seus excessos.

O termo parece ter sido originado com F. F. Baumgarten, Das Werk C. F. Meyers> Renaissance- Empfinden
60

und Stilkunst (Munique, 1917), Cap. I.

13
{182} As correntes estreitamente associadas do liberalismo, novo humanismo e idealismo
alemão no século XIX tinham se combinado para estabelecer como atributos essenciais do
progresso moderno o crescimento da liberdade individual de pensamento e expressão, o total
desenvolvimento da personalidade autoconsciente e a evolução da autonomia moral baseada
em uma alta concepção da dignidade do homem. A fé no progresso destas qualidades não era
incompatível com o medo de que fossem ameaçadas por outros fatores na vida moderna. Tal
medo, de fato, apenas enfatizou sua importância. Ao mesmo tempo, o crescimento das
ciências naturais e uma racional, secular Weltanschaung [visão de mundo] desde o
Iluminismo haviam apontado para o positivismo mundano como um traço igualmente
distintivo de civilização moderna e uma das mais potentes forças para o progresso.
Finalmente, a tradição ininterrupta do classicismo nunca havia deixado de enfatizar o papel
principal da antiguidade ao moldar uma cultura moderna. E por meados do século XIX, uma
longa série de interpretações, aproximando o problema de vários ângulos, ensinaram o
homem a ver no Renascimento, limitado em um lado pela Idade Média e no outro pela
Reforma e Contra Reforma, a idade na qual todos esses traços do mundo moderno haviam
primeiramente aparecido e florescido com vigor juvenil. A contribuição decisiva de
Burckhardt foi a de reunir todas essas tendências de interpretação juntas em uma única síntese
coerente, baseada em uma respeitável fundação de pesquisa histórica.
Jacob Burckhardt era em muitas maneiras peculiarmente apto para o papel que estava
participando de cristalizar o incipiente Renascentismo do final do século XIX. Nascido em 61

Basel em 1818 de uma família local com uma longa tradição de liderança cultural e religiosa,
ele herdou o individualismo cosmopolita da Suíça, junto com os preconceitos de um
62

intelectual aristocrata. {Pg. 183} Ele era um esteta sensível para quem a beleza da forma era
quase uma religião, um humanista treinado em filologia clássica e profundamente impregnado
do sentimento novo-humanista de dignidade do homem, um mundano cultivado que possuía
ainda uma integridade de caráter ascético e portador de firmes princípios fundamentais da
moral Protestante. Ele odiou os poderes políticos agressivos e a subordinação da liberdade
individual que viu se desenvolver no estado Bismarquiano, mas ele também temia o
crescimento da democracia industrial. Ele era por natureza desapaixonado e de alguma
63

maneira mais um cético observador do que um homem de ação, e sempre foi um completo
individualista. Burckhardt recusou tomar parte nas controvérsias políticas de seu tempo e
procurou somente não ser perturbado em sua vida pessoal. Até a crise pessimista de seus

Há uma vasta literatura sobre Burckhardt. A melhor biografia é feita por K. Lowith (1937); a de Carl Neumann
61

é tendenciosa. Ver também R. Stadelmann, “Jacob Burckhardt und das Mittelalter”, Historische Zeitschrift,
CXLII (1930), 457-515; A introdução de W. Kaegi’s Die Cultur der Renaissance in Italien in Burckhardt,
Gesamtausgabe (Stuttgart, 1930-1934), V; e Nachwort a sua edição de Burckhardt, Weltgeschichtliche
Betrachtungen (Leipzig, 1935) de R. Marx.
Cf. F. Ernst, “La tradition médiatrice de la Suisse”, Revue de littérature comparée, VI (1926), 586-606; K. Joel,
62

Jacob Burckhardt als Geschichtsphilosoph (Basel, 1919), pp. 18 ff.


63
C.f E. Durr, Freiheit und Macht bei Jacob Burckhardt (Basel, 1918); H. Bachtold, “J. Burckhardt und das
offentliche Wesen seiner Zeit, “ in Deutscher Staat und Deutsche Parteien, Festschrift por F. Meinecke
(Munique, 1922), pp. 96 ff; e “Der Geist des modernen Wirtschaftslebens im Urteil J. Burckhardts”,
Schweitzerische Monatsheft fur Politik und Kultur, III (1923), 231 ff.

14
últimos anos, ele manteve uma fé esperançosa no progresso da civilização moderna através do
livre desenvolvimento individual, o qual ele sempre considerou a condição indispensável da
cultura. Entretanto, muito do que havia na sociedade contemporânea ofendia sua estética, sua
64

alma humanista, e fez com que ele, um Petrarca moderno, buscasse fuga no companheirismo
com homens de uma idade mais aprazível. 65

O Renascimento, é verdade, forneceu um asilo ideal por apenas um pequeno período


de tempo na vida madura de Burckhardt. Mas foi o período mais frutífero. Como um
estudante em Berlin na década de 1830, ele havia sido fortemente influenciado pelo
entusiasmo romântico pelo período medieval alemão. Seus primeiros trabalhos refletem uma
forte atração pela arte gótica medieval. Com uma maior maturidade, entretanto, ele rejeitou a
66

mania patriótica e religiosa de seus amigos românticos, e também o sentimentalismo subjetivo


crítico da arte romântica. Duas viagens para a Itália em 1846 e 1853-54 concluíram sua
67

conversão do romantismo para o classicismo. Esse é um padrão familiar. Nós encontramos


isso anteriormente na vida de Goethe, que Burckhardt sempre considerou como um espírito
semelhante. Como seu grande predecessor de Weimar, Burckhardt descobriu na Itália uma
nova casa {184} em uma terra consagrada à beleza eterna de forma harmoniosa e deixou para
trás eternamente a Tempestade e Ímpeto [Sturm und Drang] romântico de sua juventude. É
significativo que ele tenha se aproximado do Renascimento primeiro como um amador da
arte. Sua reconstrução do Handbook de Kugler (1847) e sua incrível análise do declínio da
68

cultura antiga, A Idade de Constantino o Grande (1853) ocuparam o período de transição.


69

Então se seguiram alguns cinquenta anos de intensa preocupação com o Renascimento


Italiano, durante o qual ele escreveu o popular guia para a arte Italiana, o Cicerone (1855) , e 70

o ensaio crucial sobre A Civilização do Renascimento na Itália (1860), e planejou completar o


último com uma compreensiva história da arte renascentista da qual somente um fragmento
sobre arquitetura foi publicado (1867) . Esse foi seu último trabalho sobre o Renascimento.
71

Seu entusiasmo pelo alvorecer da idade moderna foi esmaecido por um crescente pessimismo
sobre seus frutos, um pessimismo estimulado pela melancólica observação das guerras da
Prússia e o barbarismo em massa da Comunaa de Paris de 1870. Quando, em 1889, Ludwig
von Pastor pediu-lhe uma crítica sobre sua obra História dos Papas desde o Fim da Idade
Média, Burckhardt respondeu que ele “infelizmente se distanciou daquela idade”. Ele nunca 72

Cf. Durr, p.10 f.


64

Cf. Durr, p. 10ff


65

66
J. Burckhardt, Kunstwerke der belgischen Stadte (1842); Conrad von Hochstaden (1843); ambos em
Gesamtausgabe, I.
Cf. J. Burckhardt, Cicerone (Leipzig, 19525), p. 91.
67

F. Kugler, Handbuch der Geschichte der Malerei (Berlin, 1837; 2nd ed. Revisada e aumentada por Burckhardt.
68

Berlin 1847. Ver acima, p. 146f.


J. Burckhardt, Die Zeit Constantins des Grossen (Basel, 1853).
69

Stadelmann em Historische Zeitschrift, CXLII, 500, n. 1.


70

J. Burckhardt, Die Renaissance in Italien, in F. Kugler, Geschichte der Baukunst (Stuttgart, 1867), IV.
71

Stadelmann in Historische Zeitschrift, CXLII, 500, n.1.


72

15
publicou outro livro. As palestras filosóficas sobre história mundial (1868-71), as quais 73

refletiram seu pessimismo crescente sobre o mundo moderno e seu História da Civilização
Grega não foram publicados até depois de sua morte com oitenta anos.
74

Críticas recentes de Burckhardt são talvez muito inclinadas a sublinhar os motivos que
levaram à sua idealização do Renascimento e explicar seu sucesso em termos de seus apelos
aos desejos e preconceitos das gerações seguintes. Esses são, de fato, de fundamental
importância. Mas não deve ser esquecido que Burckhardt também era um historiador
excepcionalmente competente {185}, um artista literário, e um dos mais significativos
fundadores da moderna Kulturgeschichte [História da cultura]. A Civilização do
Renascimento não foi apenas a formulação decisiva do conceito moderno de Renascimento,
ela também foi a primeira “obra de arte” em um novo gênero, e com convicção, em parte pelo
menos, devido a seus méritos intrínsecos. Os primeiros ensaios na história da civilização
foram feitos por Voltaire, Winckelmann, os românticos, Guizot, Buckle, Riehl, Freytag e
outros. Voltaire tinha declarado a desiderata com sua habitual claridade. Mas nenhum chegou
tão perto de alcançar o ideal até Burckhardt. A influência de seu exemplo se estendeu muito
além do campo da historiografia renascentista. Para citar um dos mais distinguidos
historiadores da civilização, e um crítico pouco amigável do Renascimento Burckhardtiano:
“Kulturgeschichte hoje enfrenta em muitos aspectos a tarefa de se libertar de Burckhardt, mas
isso não menospreza sua grandeza nem diminui a dívida que lhe temos.” 75

O método histórico de Burckhardt era altamente original e foi largamente responsável


pela qualidade característica de seus ensaios sobre o Renascimento. Mesmo não sendo o
primeiro a se rebelar contra a tirania da história política, ele foi pioneiro em romper com a
forma narrativa. Até mesmo Voltaire não havia se libertado completamente do método
convencional da narração cronológica, e seus sucessores contentavam-se em associar suas
observações gerais sobre a civilização em conjunto com o contexto principal da história
política. O método de Burckhardt, por outro lado, era totalmente atual. Ele trataria uma
civilização inteira como uma unidade em uma série de discussões paralelas, cada uma
aproximando-se do problema central de seu personagem essencial de um ponto de vista
diferente. O resultado para o qual ele trabalhava era coerente, embora estático, uma pintura,
na qual todas as características eram encaixadas em determinado lugar porque todas haviam
sido escolhidas para ilustrar sua concepção do espírito do tempo e da nação. Ele mesmo
reconheceu que seu ponto forte não era nem a narrativa nem a construção filosófica do tipo
hegeliano, mas sim descrição e interpretação intuitiva. Problemas de origens e causas não
despertavam seu interesse. Embora sem dúvida influenciado por Hegel, talvez até mais do que
ele mesmo sabia, foi repelido pela abstrata racionalização da história mundial de Hegel, não

73
J. Burckhardt, Weltgeschichtliche Betrachtungen, ed. J. Oeri (Basel, 1905). Tradução inglesa. Força e
Liberdade, Reflexões na História (Nova Iorque, 1943).
J. Burckhardt, Griechische Kulturgeschichte, 4 vols (Stuttgart, 1898-1902).
74

J. Huizinga, Wege der Kulturgeschichte (Munique, 1930), p. 1940


75

16
somente porque ele não gostava de seu fim teleológico, mas porque {186} era uma construção
cronológica da qual em nenhum ponto demonstrou uma pausa longa o suficiente para dar uma
imagem concreta do cenário humano. Burckhardt preferia pensar em sua aproximação da
76

história como um artista, e não como um filosofo. Tendo identificado a filosofia da história
77

com Hegel, ele nutriu uma perversa satisfação em negar toda a capacidade de pensamento
filosófico. “Eu nunca em minha vida pensei filosoficamente”, escreveu uma vez para um
amigo. E de novo, discutindo seu propósito em Observações da História Mundial: “Além
78

disso, nós renunciamos a qualquer sistema, nós não reivindicamos as ‘ideias históricas
mundiais’, mas estamos satisfeitos com a observação e damos “cortes transversais” à história,
a partir, de fato, do máximo de direções possíveis; acima de tudo não oferecemos nenhuma
filosofia da história. Era nessa tendência de “dar cortes transversais à história”, a qual ele
79

realizou incrivelmente, que estava a grandeza de Burckhardt, e também sua fundamental


fraqueza como um historiador. Isso possibilitou uma notável combinação de análises e
sínteses de um dado período, mas era essencialmente “não-histórico”, em razão de ignorar o
fator do desenvolvimento histórico. A partir disso ele deixou de lado decisivamente a teoria
dos historiadores românticos, dos quais, entretanto, ele havia aprendido muito,
particularmente sobre o caráter orgânico da cultura nacional e o conceito unificador de
Volksgeist [espírito do povo].
Apesar de sua irônica negação da filosofia histórica e seu sistema, Burckhardt havia
devotado bastante tempo a pensar a formulação dos objetivos e métodos da Kulturgeschichte.
Ele estava ciente do que estava fazendo e sumarizou suas ideias sobre o assunto na introdução
à História da Civilização Grega. Elas são dignas de nota por se aplicarem igualmente ao
80

ensaio sobre o Renascimento, escrito uma década antes. Para começar, ele era cuidadoso ao
distinguir entre seus objetivos e os dos antiquaristas e historiadores políticos, os quais haviam
até então monopolizado o campo. Enquanto eles se contentavam em {187} estabelecer “fatos”
e sequências de “eventos”, o historiador da civilização deve devotar sua pesquisa ao
descobrimento da mentalidade das pessoas e do espírito da época. E todo o pensamento
Burckhardtiano era baseado em pressupostos tácitos de que havia uma mentalidade peculiar,
umcaráter, ou espírito, um Volksgeist, comum a toda nação em uma dada época.
Nossa tarefa, como entendemos, é dar à história da Grécia um modo
de pensar e ver as coisas, de lutar pela percepção das forças vivas,
construtivas e destrutivas, que eram ativas na vida grega. Não pela
narrativa, ainda histórica... nós devemos considerar os gregos em sua
peculiaridade essencial... Para isso, para a história do espírito grego,
todo estudo deve ser direcionado. O fato particular e, acima de tudo, o

Cf. Burckhardt, Wetgeschichliche Betrachtungen, Gesamtausgabem VII, 2f. Ver também discussão geral, K.
76

Lowith, “Burckhardts Stellung zu Hegels Geschichtsphilosophie,” Deutsche Vierteljahrsschrift fur


Literaturwissenschaft und Geistesgeschichte, Vi (1928), 719 ff; and G. von Below, Die Deutsche
Geschichtschreibung von den Befreiungsriegen bis zu unsern Tagen (Munique, 1924), p. 70
Marx, pp. 277f.
77

Ibid., p. 278
78

Burckhardt, Gesamtausgabe,I VII, 1.


79

Burckhardt, Griechiche Kulturgeschichte, Gesamtausgabe, VIII, 1f.


80

17
tão chamado evento pode ser medido aqui apenas como evidência do
comum, não próprio interesse em si mesmo; por meio dos dados o que
nós procuramos são os modos de pensamento, os quais são também
fatos. Mas as fontes, se nós as consideramos desse ponto de vista,
falarão muito diferentemente do que em uma mera pesquisa de
material antiquário.
Burckhardt era consciente de o suo que fazia das fones diferia do método crítico-
histórico que havia aprendido em um seminário de Ranke, mas ele pensava que era um
resultado necessário aos objetivos da Kulturgeschichte, a qual “vive principalmente do que
fontes e monumentos indicam involuntariamente, sem interesse próprio, além deles mesmos”.
Ele estava mais interessado no ponto de vista expresso pelas fontes do que propriamente em
sua precisão. “Se uma ação recontada em realidade não aconteceu, ou não aconteceu dessa
forma, ainda assim o ponto de vista a partir do qual se afirma que aconteceu de tal maneira
possui seu valor por causa da qualidade típica do relato.” Aqui Burckhardt estava
racionalizando a prática, comum entre historiadores românticos, de tratar todas as fontes
literárias como expressões autênticas do espírito nacional, e esquecendo, como eles fizeram,
81

que uma novela pode ser “mentirosa” como um documento oficial. Como o que ele buscava
era o constante e o típico de uma civilização, seguiu-se que “uma característica parece maior e
mais instrutiva do que uma ação; pois ações são apenas as únicas expressões das capacidades
internas correspondentes... O que é desejado e planejado é, dessa forma, tão significativo
quanto qualquer coisa realmente realizada.” Partindo desse argumento, {188} Burckhardt era
otimista e estava convencido de que a Kulturgeschichte tem maior veracidade que a história
tradicional, a qual não pode nunca estabelecer dados para além das perguntas. Ela tem
“primum gradum certitudinis”. Contudo, ele reconheceu certas dificuldades. “Como alguém
sabe o que é constante e típico, e o que é uma força e o que não é?” E para essa pergunta a
única resposta que foi capaz de encontrar foi uma leitura ampla das fontes materiais
disponíveis. A longo prazo, a percepção de Burckhardt do espírito interno da civilização, a
qual era o objetivo maior de sua pesquisa e seu único guia para a seleção e avaliação de
fontes, era baseada em nada mais do que em sua intuição e sem dúvida, sua familiaridade com
a literatura dos campos escolhidos.

A civilização do Renascimento na Itália


A civilização do Renascimento na Itália , obra-prima de Burckhardt, foi planejada
82

como uma pesquisa sobre o espírito interno da Itália durante o Renascimento ao longo das
linhas então formuladas. Seu subtítulo, Um ensaio, não era meramente o produto de sua
habitual e irônica modéstia. Ele não pretendia que a obra fosse uma história compreensiva ou
um livro de referência, como Geiger fez dele mais tarde. Mesmo no uso de material ilustrativo

C.f E. Fueter, Geschichte der neuren Historiographie (Munique, 1936), p. 463 f.


81

82
J. Burckhardt, Die Celsur der Renaissance in Italien: Ein Versuch (Basel, 1860). A terceira (1877) e última
edições foram expandidas por Ludwig Geiger até o texto original ficar praticamente encoberto. Este foi
restaurado por W. Goetz na décima terceira edição. Tradução para o inglês, 2 volumes, (Londres, 1878). Eu uso
a primeira edição alemã e a oitava edição inglesa (Londres, 1921).

18
ele praticava uma restrição permanente. Ele se congratulava de que não a tinha feito “três
vezes mais espessa”, como ele facilmente poderia ter feito. Mas ele não queria confundir a
tese essencial ou prejudicar a forma artística da obra. Como resultado, o desenho
arquitetônico se estende claramente e deixa a impressão de uma síntese perfeitamente
integrada.
Destacar o argumento do livro tão bem conhecido pode parecer um injustificável
desperdício de espaço, ainda que de nenhuma outra forma se possa fazer justiça à construção
orgânica que é uma das suas características mais efetivas. No entanto, não é impossível que
existam estudiosos cuja familiaridade com a interpretação do Renascimento de Burckhardt
seja baseada em alguma coisa menor do que a leitura completa de seu trabalho. {189} O livro
é dividido em seis partes, cada uma visando a civilização da Itália do início do século XIV ao
início do século XVI a partir de diferentes ângulos. A primeira parte estabelece o pano de
fundo político geral. Aqui Burckhardt se aproximou quase totalmente da tradição narrativa,
embora mesmo aqui a narrativa esteja estritamente subordinada à discussão tópica de uma
condição prevalecente. O caráter particular da política da Itália ele atribuiu, em geral, ao
conflito entre os imperadores e os papas. Mas a causa não era seu maior interesse. A principal
tese desta parte é indicada no título: “O Estado como uma obra de arte”, uma frase
remanescente da caracterização de Hegel da civilização grega. Há narrativas suficientes para
ilustrar sua conclusão de que nos estados italianos “o moderno espírito de estado europeu
apareceu pela primeira vez, livre para seguir suas próprias inclinações”, e que com eles “um
novo fator entra na história, o estado como uma criação consciente e calculada, o estado como
uma obra de arte”. Entrelaçado com este tema maior está o tema secundário do caráter do
83

homem do Renascimento como ilustrado e condicionado por sua atividade política. A


ilegitimidade do governo despótico e a luta partidária nas repúblicas criaram um novo tipo de
indivíduo, completamente dependente de seus próprios recursos e assim sendo,
desenvolvendo-os na sua extensão máxima, visando apenas a fins egocêntricos, e sem a
inibição de padrões sentimentais ou tradicionais. “O cálculo consciente de todos os meios, do
quais nenhum príncipe fora da Itália tinha na época a menor ideia, combinado com um quase
absoluto poder no interior dos limites do estado, produziu aqui homens e modos de vida que
eram totalmente peculiares”. 84

Daqui Burckhardt continua naturalmente para a segunda parte, dedicada à tese


mais significativa do livro: “O desenvolvimento do indivíduo”, que ele pensa como o
resultado em grande medida da condição política única dos estados italianos.
No caráter desses estados, se repúblicas ou despotismos, repousa não a única
mas a principal razão para a evolução inicial do italiano em direção ao homem
moderno. Que ele se torna o primogênito entre os filhos da Europa moderna
vincula-se a este ponto.

83
Ibid., p. 2f [p.4].
84
Ibid., p. 6 [p. 8]; cf. 132f.

19
Na Idade Média, ambos os lados da consciência humana – a que se voltava
para fora em direção ao mundo e a que se voltava ao interior {p. 190} em
direção ao próprio homem – quedavam-se sonhando semi-acordados sob um
véu comum. O véu era tecido de fé, ilusão e predisposição infantil, pelo qual o
mundo e a história eram vistos vestidos em estranhas tonalidades. O homem
tinha consciência de si mesmo apenas como membro de uma raça, povo,
partido, família ou corporação - apenas por meio de alguma categoria geral. Na
Itália esse véu primeiro se dissipou no ar; ali desenvolveu-se uma consideração
e tratamento, do estado e de todas as coisas deste mundo, objetivos; ao mesmo
tempo o subjetivo afirmou-se com poder total; o homem tornou-se um
indivíduo espiritual e se reconheceu como tal. Da mesma maneira com que os
gregos uma vez se distinguiram dos bárbaros... 85

Existem ecos de Hegel nisso e uma notável similaridade com a análise de Voigt do
espírito corporativo da Idade Média e da percepção da consciência de Petrarca acerca da
personalidade individual como um traço de distinção do “antepassado do mundo moderno” . 86

Ainda, Burckhardt não havia lido Voigt até seu próprio trabalho estar quase impresso , e ele 87

não precisava ter realmente lido Hegel. Que o individualismo foi o traço dominante da
civilização moderna e que primeiramente apareceu durante o Renascimento foram ideias que
estiveram no ar por algum tempo . E os românticos tinham enfatizado o inconsciente,
88

qualidades corporativas da sociedade medieval ad nauseam. Mas ninguém tinha desenvolvido


o conceito de individualismo renascentista tão completamente em relação a cada aspecto da
cultura desse período. Burckhardt fez disso o ponto central sobre o qual toda a sua síntese foi
construída. Talvez por esta razão, ele permaneceu um conceito bastante proteico. Às vezes
Burckhard o aplicava à consciência de dependência do indivíduo a suas fontes de poder e
sucesso em uma sociedade perigosa que havia perdido muito de suas sanções tradicionais. Ou
ainda, isso podia denotar o interesse autocentrado de “homem privado, indiferente à política e
ocupado em parte com buscas sérias, em parte com os interesses de um diletante” . Em vários 89

casos isso evidentemente significou uma nova autonomia moral ou emancipação dos padrões
e autoridades herdados. {p. 191} O cosmopolitismo era ainda outro de seus traços eventuais. 90

Nesta seção, na qual ele desenvolve a ideia mais especificamente, Burckhardt enfatizou acima
de tudo a estimulante consciência da personalidade, e o impulso resultante de dar total
expressão a cada talento e cada face do personagem. Leo Battista Alberti, o multifacetado
homem e artista, é aqui o protótipo. Desta consciência da personalidade em si mesmo e em
outros resultou a ideia moderna de fama e sua contraparte, a sagacidade maldosa e a sátira dos
humanistas. O egoísmo era um ingrediente sempre presente na mistura, mas mais significante
é a constante sugestão da liberação, uma nova consciência de liberdade espiritual.
Na terceira parte, mas não antes dela, Burckhardt defendeu a “Redescoberta da
Antiguidade”, “o ‘renascimento’ da qual havia sido unilateralmente escolhido para resumir

85
Ibid., p. 131[p.129].
86
G. Voigt, Die Wiederbelebung des classischen Altertums (Berlin, 1859), p. 81.
87
Cf. Burckhardt, Cultur, p. 564.
88
CL R. Koebner, "Zur Begriffsbildung der Kulmrgeschichte,” Historische Zeitschrift, CXLIX (1933), 253-93.
89
Burckhardt, Cultur, p. 134 [p. 131].
90
Cf. ibid. 135 f.

20
todo o período”. E ele começou com a notável afirmação de que, apesar da influência dos
antigos colorir a civilização do Renascimento em mil maneiras, não foi essencial para sua
evolução. “A essência do fenômeno poderia ter sido a mesma sem a renovação da
antiguidade.”
Nós precisamos insistir nisto [ele adicionou] como uma das proposições
principais deste livro, que não foi apenas o renascimento da antiguidade, mas
sua união com o gênio (Volksgeist) do povo italiano, que alcançou a conquista
do Mundo Ocidental. 91

Aqui Burckhardt estava correndo contra uma poderosa tradição, apesar de Hegel,
Hagen, e, mutatis mutandis, Jules Michelet já terem sugerido que o renascimento clássico era
apenas uma parte do Renascimento. Burckhardt foi mais longe que eles, entretanto, em
demonstrar sua relação com tendências maiores da época como um resultado mais que uma
causa.
Por isto [o entusiasmo italiano pela antiguidade] um desenvolvimento da vida
cívica foi requerido, o que se deu somente na Itália, e lá não até então [o século
XIV]. Foi necessário que nobre e burguês devessem primeiro aprender a viver
juntos em termos iguais, e que surgisse um mundo social que sentiu o desejo
de cultura e teve o tempo livre e meios de obtê-la. Mas a cultura, quando
primeiro tentou livrar-se das fantasias da Idade Média, não pôde encontrar seu
caminho para o conhecimento do mundo físico e intelectual pelo puro
empirismo. Precisava de um guia, e encontrou um na civilização antiga com
sua riqueza de verdade evidente, objetiva, em cada esfera intelectual. 92

{p. 192} Além disso, a consideração de Burckhardt do renascimento da antiguidade é


digno de nota principalmente por sua descrição dos humanistas como uma nova classe na
sociedade e marcada pelos traços modernos de individualismo e secularidade. Seus frequentes
defeitos de caráter ele os atribuía ao perigo de sua posição social assim como à influência da
antiguidade pagã.
Tendo assim estabelecido as bases da civilização renascentista na situação política, na
emergência do individual e na redescoberta da antiguidade, Burckhardt devotou o restante do
livro à análise dos caminhos pelos quais esses fatores operaram na vida cultural, social e
moral do período. Sob o título, “O descobrimento do mundo e do homem,” ele expandiu o
conceito e preencheu o conteúdo da famosa frase de Michelet com uma quantidade de variado
material ilustrativo. À exploração geográfica do mundo, ele adicionou a descoberta da beleza
natural e o progresso em todas as ciências físicas. A maior parte desta seção, entretanto, é
devotada ao descobrimento do homem e ao delineamento da personalidade na literatura da
época. Aqui o desenvolvimento do individual e da consciência da individualidade é mais uma
vez um ponto chave, condicionado em sua expressão pela influência da literatura antiga. “Mas
o poder de percepção está posto na era e na nação.” 93

91
lbid., p. 171 [p. 171].
92
Ibid., p. 175 [p. 175].
93
Ibid., p. 304 [p. 308].

21
Na quinta seção, “Sociedade e festivais”, Burckhardt prossegue para colocar o
indivíduo em sua configuração social. Aqui o fator primário é novamente a associação de
nobre e burguês em uma sociedade urbana fundada em riqueza e cultura ao invés de
nascimento. Como resultado disso “o indivíduo foi forçado a aproveitar ao máximo suas
94

qualidades pessoais, e a sociedade a encontrar seu valor e charme em si mesma. A conduta de


indivíduos, e todas as formas superiores de relação social, tornaram-se uma obra de obra livre
e conscientemente criada”. A ilustração de Burckhardt deste tema é um modelo autêntico
95

para Kulturgeschichte social.


Finalmente, na última parte, “Moralidade e religião”, Burckhardt voltou-se,
hesitantemente e com qualificações que seus sucessores muito frequentemente ignoraram , ao 96

julgamento dos homens de sua era favorita. {p. 193} O tom desta parte é ditado pela máxima
de Maquiavel: “Nós italianos somos irreligiosos e corruptos acima de todos os outros”. E
Burckhardt concluiu que “a Itália no início do século XVI se encontrou em meio a uma grave
crise moral” . Sem nenhum suporte moral restante exceto a noção de honra pessoal, as classes
97

superiores permitiram que imaginação e paixão reinassem livres, com resultados que eram
frequentemente deploráveis. A concepção de Burckhardt de moralidade renascentista se
enquadrava na tradição de Heinse e Stendhal, com qualificações, mas ele não idealizou
egocentrismo e paixões desinibidas. Ele pode ter inconscientemente sentido o fascínio de
forças de caráter que não possuía, mas sua moralidade suíça protestante era demasiado e
firmemente enraizada para permitir a suspensão de julgamentos morais. Ele estava de fato
distante da aprovação positiva de Nietzsche do super-homem amoral. A apologia de
98

Burckhardt ao homem Renascentista era baseada puramente em motivações históricas:


O vício principal deste [o Italiano] personagem era ao mesmo tempo uma
condição de sua grandeza, nomeadamente o individualismo excessivo. … Mas
este desenvolvimento individual não caiu sobre ele por algum defeito seu, mas
por uma necessidade histórica. Não caiu sobre ele sozinho, mas também, e
principalmente, por meio da cultura italiana, frente às outras nações da Europa,
e constituiu desde então a atmosfera elevada por eles respirada. Em si mesmo
não é nem bom nem mau, mas necessário; neste cresceu um padrão moderno
de bem e mal, que é essencialmente diferente daqueles que era familiar à Idade
Média. Mas o italiano do Renascimento teve de suportar a primeira poderosa
torrente de uma nova era. ... 99

Isso foi o mais longe que ele conseguiu ir para desculpar a imoralidade dos homens
renascentistas, ou sua indiferença à religião, pois, como Piere Bayle e Voltaire, ele estava
convencido que eles tinham pouca religião, apesar de frequentemente notar sinais de piedade
verdadeira. O tom irreligioso da sociedade renascentista foi por ele considerado parcialmente
culpa da Igreja, em parte por reverência à Antiguidade pagã, mas principalmente como

94
Ibid., pp. 355 ft.
95
Ibid., p. 365 [p. 369]; cf. pp. 379 ft.
96
Ibid,. p. 427 f.
97
Ibid., p. 429 f [p. 433].
98
Cf. Stadelmann in Historische Zeitschrift, CXLII, 493 f.
99
Burckhardt, Cultur, p. 455 f [p. 454 f].

22
resultado do mesmo individualismo que fez do Renascimento italiano em todos os aspectos
precursor do mundo moderno.
{p. 194} Esses homens modernos... nasceram com os mesmos instintos
religiosos de outros europeus medievais. Mas seu individualismo mais
poderoso fez deles na religião, como em outras coisas, inteiramente subjetivos,
e o encanto intenso que os universos externo e interno exerciam sobre eles os
tornaram marcadamente seculares. 100

Portanto, até o fim, individualismo e modernidade permaneceram para Burckhardt as


chaves gêmeas para a interpretação do Renascimento.
Após gerações de revisionismo é fácil discernir as falhas nas sínteses de Burckhardt. O
contraste com a Idade Média era demasiado estático e abruptamente delimitado no tempo e no
espaço, assim como era muito forte o contraste com os outros países da Europa. Além disso,
estava limitada, como o próprio Burckhardt por vezes esteve consciente , às classes mais altas
101

da Itália. Omitiu a vida econômica da Itália quase inteiramente e subestimou o efeito de


fatores econômicos. Realçou em demasia o individualismo, e com isso a imoralidade e
irreligião da sociedade renascentista, bom como sua energia criativa. Finalmente, toda a
síntese foi construída sobre uma fundação incerta, sobre a suposição duvidosa de que havia
um espírito comum específico à sociedade italiana por um período de duzentos anos, nascido
da coabitação mística do antigo espírito com o Volksgeist italiano, e que este era
essencialmente moderno, o protótipo do mundo moderno. Porém com todos seus defeitos e
exageros, continha análises brilhantemente penetrantes, e muitas verdades evidentes. E não
era mais unilateral do que muitas das revisões posteriores.

100
Ibid., p. 494 [p. 490].
101
Ibid., p. 428.

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