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Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo – 20 a 23.08.

2013

A CONTRACULTURA EM HAGAR, DE DIK BROWNE

Fabio Antonio Costa

Pontifícia Unificada Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil

RESUMO

Esse estudo tem por direcionamento o exame da série de tiras em quadrinhos Hagar, o Horrível
criada em 1973 pelo desenhista estadunidense Dik Browne, totalizando um universo de 200 tiras
que compunham o primeiro ano da publicação pelo jornal Folha de São Paulo. Foi aprofundado
como esse quadrinho, através de seus muitos recursos, desenvolveu concepções de mundo ao
desconstruir ideias e discursos, valorizando outras manifestações humanas e grupos sociais que
estavam pouco evidentes na conturbada década de 1970 nos Estados Unidos. Foram também
trabalhadas algumas categorias de análise, como o humor, a arte, o cotidiano, os quadrinhos, a
cultura, entre outros, que em seu conjunto contribuem quanto ao melhor entendimento das
potencialidades de Hagar, que se afirma numa significativa crítica aos eventos e ideias daquela
conjuntura, ao construir um universo rico de possibilidades de reflexão de mundo. Cabe
ressaltar que Hagar esteve situado com os movimentos contraculturais das décadas de 1960 e 1970
nos Estados Unidos, ao reafirmar a crítica que esse movimento produziu, como as políticas e
discursos no campo econômico e ideológico, corroborando com ideias que fluíam em oposição aos
grupos que se encontravam no poder e que enfrentavam forte oposição de outras parcelas da
sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Hagar, o Horrível; Dik Browne; tiras em quadrinhos.

Esse estudo, desenvolvido no programa de História Social da PUC-SP, é baseado na


série de tiras em quadrinhos Hagar, o Horrível, do desenhista estadunidense Dik Browne.
Meu interesse em desenvolver essa pesquisa foi impulsionado por diversas possibilidades
que esse quadrinho possui, entre eles o humor, característica presente na maioria dos
quadrinhos1, possibilitando perceber uma das muitas alternativas de leituras de mundo, e
não apenas o humor pelo humor, pensando-se em seu uso sem a possibilidade de criticidade
ou reflexão. Conforme o recorte temporal optado nesse estudo, serão estudadas tiras do
Hagar editadas pelo jornal Folha de São Paulo entre maio de 1973 e maio de 1974. Em
relação ao original, publicado nos Estados Unidos, o “atraso” nos lançamentos no Brasil

1
Alguns especialistas usam o termo “tira cômica” (como Paulo Ramos) e nos Estados Unidos os quadrinhos
são chamados de comics, que numa tradução livre pode ser ligado com “cômico”.
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girava entre dois ou três meses, considerado quase “simultâneo”, pensando na questão do
envio dos originais e na tradução entre Estados Unidos e Brasil, numa época que recursos
de comunicação encontravam-se em graus de desenvolvimento diferentes dos atuais.
O objetivo central desse estudo é o universo nos quadrinhos de Hagar e a leitura que
essa tira faz de sua conjuntura, pensando na sugestão de mundo construída. A proposta
geral de Hagar pode ser mais bem compreendida relacionando suas histórias, não de modo
ilustrativo, à conjuntura estadunidense, assim como devem ser trabalhadas algumas
categorias de análise, como artes, cultura, linguagem, política, entre outras.
A metodologia adotada neste artigo é como o autor de Hagar, Dik Browne,
desenvolveu estratégias que possibilitou divulgar suas formas de ver e interpretar o mundo.
Destacam-se nesse caso os diálogos do enredo de Hagar, o desenrolar das histórias e ações
dos personagens.
Uma categoria importante a este estudo são os quadrinhos, considerados tema em
aberto e que a história tem começado a explorar melhor recentemente há poucas décadas.
Não existe consenso sobre quando surgiram ou quem os criou, ressaltando a existência de
diversas manifestações artísticas semelhantes aos quadrinhos atuais, ampliando ainda mais
essa discussão2. Os quadrinhos, enquanto categoria de análise são entendidos como uma
instância ampla, englobando outras áreas não de modo hierárquico, buscando relações e
semelhanças. As histórias em quadrinhos, tiras em quadrinhos e a charge3 são
complementares, conforme o exemplo que se queira seguir. Nas tiras em quadrinhos - uma
das manifestações que originaram as histórias em quadrinhos -, normalmente a preferência
é pelos formatos retangulares e quadrados, embora existam outros formatos4, mas mesmo

2
McCloud mostra que o conceito de quadrinhos pode ser estendido até o século XI com o exemplo da
Tapeçaria de Bayeux (Bayeux tapesty), ou no século XVI no manuscrito em imagem pré-colombiano
encontrado pelos invasores espanhóis. MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: Makron
Books. 1995, p. 10-12.
3
Termo adotado por Sheila do Nascimento Garcia referente a uma forma de representação humorística,
caricatural e de caráter potencialmente político, satirizando fatos específicos e demonstrando entendimento
muito próximo à caricatura. GARCIA, Sheila do Nascimento. Revista Careta. Mestrado em História.
UNESP. São Paulo. 2005. p.71.
4
Antonio Pietroforte estudou alguns quadrinhos com formas alternativas do desenhista brasileiro Luiz Gê, e
entre elas destacam-se a história em quadrinhos Os Tubarões Voadores, uma mistura de desenhos mais
caricaturados e realistas, e histórias quadrinhos em 3D, a partir de um manequim chamado Borba Gata.
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nessa “limitação” de espaço das tiras se comparado às histórias em quadrinhos, a


criatividade do desenhista faz diferença. Um recurso muito utilizado, principalmente nas
tiras, é a simplificação de imagens. Segundo Ramos,

Por isso, há necessidade de simplificação no uso delas para serem


reconhecidas de maneira mais rápida pelo leitor. A função da imagem
seria comunicativa. Comunicar algo, recriando uma porção do real.
Quanto maior o número de detalhes, mais complexa: quanto menos
informações visuais, por oposição, menos complexas.5

A simplificação das imagens funciona para ajudar quanto ao seu entendimento,


tendo em vista o pouco espaço físico destinado as tiras em quadrinhos, sem que se torne
como regra geral, pois existem casos de tiras em quadrinhos ricas em detalhes.
Nos tópicos apresentados a partir da definição dos quadrinhos e em outras categorias
que possuam particularidades, foram destacadas algumas estratégias desenvolvidas nas
tiras, como as textuais ou de signos presentes, combinados aos personagens, que se somam
quanto a composição das tiras. No caso de Hagar, conforme discutimos neste trabalho, é
igualmente necessária alguma noção a respeito da tira, assim como dos personagens, suas
histórias e linguagem adotadas. Outro aspecto que se destaca é a própria inserção do
quadrinho fora da conjuntura de criação original, como o caso de Hagar no Brasil e o
desencadeamento das histórias, carregadas neste caso, de valores, ideias, tensões e críticas,
ganhando outros significados. Pode-se salientar nesse caso que os quadrinhos expressam
valores, expectativas, num curto espaço físico, que permite um tipo de leitura, normalmente
rápida, que por um lado podem ser entendidos como uma complexa educação do olhar.
Entre os teóricos de significativa contribuição destacam-se os estudos do filósofo
russo Mikhail Bakhtin que examinou como o humor pode expressar inúmeras críticas a
determinados grupos, como os rígidos estratos das classes mais privilegiadas da Idade
Média, em que segundo esse autor os papéis em determinadas épocas, como os festejos
carnavalescos medievais, invertiam-se, como o fato que era comum os bufões e palhaços
incorporavam o papel de rei. O questionamento desse filósofo sobre a crítica pela via do

PIETROFORTE, Antonio Vicente Seraphim. Análise textual da história em quadrinhos. São Paulo:
Annablume. 2009.
5
RAMOS, Paulo Eduardo. Tiras Cômicas e Piadas. Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa. USP. São
Paulo. 2007. p. 60.
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humor interessa, pois demonstra a sutileza presente neste tipo de expressão. Destaca-se,
então, a sofisticação do humor, entendido não como inocente ou despolitizado, e sim
crítico, assim como pode ser observado com Hagar, em que Dik Browne problematizou
alguns eventos de sua conjuntura, pensando na rigidez das instituições com as quais esteve
envolvido, como o syndicate, destacando o caminho do humor para driblar essas
imposições.
Pode-se apontar que inicialmente os quadrinhos tiveram um tipo de produção mais
artesanal, para, não muito tempo depois estarem situados dentro da indústria cultural,
estando, por esta ótica, incluídos no conceito de lucratividade do capitalismo, entretanto
cabe ressaltar tensões existentes entre as produções artísticas e os interesses
mercadológicos. Cabe diferenciar que essas duas esferas, que não são isoladas em si,
possuem propositos e objetivos que comumente não podem ser iguais, como o objetivo do
lucro pela indústria cultural, e o da reflexão das artes. Outro ponto importante, dentro da
ótica da indústria cultural, é o aspecto de reprodução que a obra de arte possui. Para Walter
Benjamim:
Em sua essência, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens
faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação era
praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos mestres, para a difusão
das obras, e finalmente por terceiros, meramente interessados no lucro.6

No tocante a reprodutividade da obra de arte, conceito desenvolvido por Walter


Benjamim, constatamos que os quadrinhos não fogem a esta regra, pois quanto maior o
público leitor, maior o consumo de quadrinhos, gerando mais lucratividade. Para ele, na
reprodução da obra de arte um importante aspecto está ausente: o aqui e agora. Os vestígios
da obra só podem ser melhor compreendidos a partir do local onde se encontra o original,
pois na reprodução constam todas as modificações a que esteve submetida. No aqui e agora
da obra de arte pode ser entendida sua autenticidade, sendo a primeira versão considerada
“autêntica”. Algumas artes, como cinema e quadrinhos, foram absorvidos dentro da própria
era da reprodutividade, entretanto, esse aspecto não esvazia seu aqui e agora, ressaltando
que mesmo vinculado à ideia de reprodução, os quadrinhos têm nessa origem uma parte
importante de concepção.

6
BENJAMIM, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense. 1985, p.166.
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Dialogando com Raymond Williams, a cultura pode ser entendida como modos de
vida e, também, modos de luta da sociedade. A ação dos sujeitos neste processo ajuda a
entender as transformações e como estas afetam a cultura, em um movimento contínuo.
Raymond Williams desenvolveu extensa experiência no âmbito profissional, acadêmico e
de militância, como Edward Thompson e Eric Hobsbawn. A cultura, entendida como
experiência histórica e estudo do processo histórico, teve em épocas anteriores outros
significados e deve ser entendida, assim como outros conceitos, em sua especificidade
histórica, como um processo ativo, contrário a ideia de algo estático, sem necessidade de
revisão ou estudo. Mais especificamente, Raymond Williams define cultura como artes,
sistemas de significados de valores, entendidos na esfera política, e também como
compreensão de modos de vida, ressaltando que isso deve ser entendido em sua
complexidade de configurações e de força ativa na sociedade. Se Hagar é um produto
histórico, situado por uma determinada cultura, pode ser entendido como expressão e
interesses de determinados grupos? O exame mais detalhado desta fonte mostra que, longe
de “reflexo”, Hagar é um produto ativo, em que sua substância (entendido como seu
processo histórico) deve ser compreendida em sua conjuntura e em suas particularidades.
Para o autor:
O conceito de “cultura”, quando considerado no contexto amplo do
desenvolvimento histórico, exerce uma forte pressão contra os termos
limitados de todos os outros conceitos. Essa é sempre a sua vantagem; é
sempre também uma fonte de dificuldades, tanto na definição como na
compreensão.7

Como salientado pelo historiador inglês, a cultura recebe “modificações” de agentes


humanos, proporciona alterações a outras áreas, numa circularidade constante. No tocante
ao presente estudo, a cultura se faz no contato entre “agentes” cujas manifestações culturais
podem ser sentidas na interação entre esses grupos.
Até o momento de fechamento desta dissertação foram publicados três estudos mais
aprofundados sobre a série Hagar: uma tese de doutorado de 2007 e duas dissertações de
mestrado, ambas de 2008, todos da área de Letras. Foram também publicados outros
estudos como artigos, que além de Hagar, tratam de outros quadrinhos. Nesse caso serão

7
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar. 1979, p.37.
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utilizados os que melhor se encaixam nas propostas desenvolvidas da perspectiva deste


trabalho.
O primeiro estudo é o doutorado de José Ricardo Carvalho da Silva, intitulado A
Leitura do Gênero Tira de Humor em uma Perspectiva enunciativa8, sendo investigadas as
bases enunciativas que constituem o gênero tiras em quadrinhos, tendo o viés dos estudos
de Mikhail Bakhtin, sendo que, segundo o autor afirma o contexto sociocomunicativo da
obra um dos principais aspectos metodológicos a ser averiguado. Sua tese, além de analisar
a tira Hagar, também discute a série Mafalda do desenhista argentino Quino, quadrinho
muito conhecido, aludindo à Argentina no período ditatorial na conjuntura da Guerra Fria.
José Silva analisa também como o humor é trabalhado por esses autores a partir de recursos
linguísticos, como o jogo argumentativo propositalmente falho, que provoca riso no leitor.
Ele enfatiza o modo como os discursos dos personagens se estruturam no discurso do
humor sob uma perspectiva enunciativa, e também os vários mecanismos linguísticos
utilizados para a promoção do chamado efeito risível.
O segundo estudo é o mestrado intitulado Tiras Jornalísticas e Ensino: estratégias
de leitura do texto icônico verbal9 de Jair Alcindo Lobo de Melo, que analisa as marcas
linguísticas (do ramo da linguística aplicada) oferecidas no texto icônico-verbal. Para o
autor, devido às várias características que a tira jornalística apresenta, enquanto gênero
discursivo de leitura compõe elemento vivo, considerando que no pequeno universo de
cinco tiras analisadas, denotavam-se vários tipos de sentidos, tanto de intenções do autor
como também de entendimentos dos leitores, capazes de produzir múltiplos significados em
suas leituras. Por fim, Jair Melo afirma que histórias em quadrinhos são a combinação de
dois códigos gráficos: visual e linguístico; além de possuírem outros recursos como os
paralinguísticos, expressões faciais, gestos, posturas e pictogramas no estilo icônico verbal.

8
SILVA, José Ricardo Carvalho da. A leitura do gênero tira de humor em uma perspectiva enunciativa.
Doutorado em Letras. UFF. 2007.
9
MELO, Jair Alcindo Lobo de. Tiras jornalísticas e ensino: estratégias de leitura do texto icônico-verbal.
Mestrado em Letras. Universidade de Taubaté. 2008.
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O terceiro estudo intitula-se (Des)enquadres interativos nos quadrinhos de Dik


Browne e Zappa: um estudo sobre os (des)alinhamentos de Helga e Jandira10 de Joseane
Serra Lazarini Pereira. Ela afirma que o (des)alinhamento de uma situação dentro do
universo dos quadrinhos gera o (des)enquadre, sintetizado como um comportamento
contrário ao esperado socialmente, o que por extensão é entendido por Joseane Pereira
como parte da linguagem do humor.
Nestes três estudos foram privilegiados aspectos da linguagem, como discursivos,
por uma ótica mais técnica, aprofundando vários recursos utilizados pelos desenhistas de
cada quadrinho, que denota que tanto Dik Browne quanto dos outros desenhistas possuíam
um variado leque de conhecimentos em seus quadrinhos. A ideia aqui não é apontar falhas
de pesquisas, e sim as várias possibilidades de reflexão e estudo que trouxeram. De um
modo geral, os três estudos em suas análises não fizeram a separação entre as tiras
produzidas por Dik Browne, que as desenhou de 1973 até 1988, e Chris Browne, que as
assumiu de 1989 desde então, unificando até certo ponto a arte e as histórias desenvolvidas
por pai e filho. A conjuntura de criação e produção das tiras foi pouco explorada, assim
como a trajetória artística de Dik Browne e as diferenças e particularidades de Hagar no
Brasil e Estados Unidos.11
A guerra é um dos temas mais presentes em Hagar e Dik Browne o redimensionou
criticamente a partir dos acontecimentos que teve contato, sendo que em alguns assuntos,
como a Guerra do Vietnã, a Guerra Fria e as ditaduras (como ocorridas na América Latina)
eram muito presentes no dia a dia das pessoas, estando em paralelo aos movimentos
contraculturais.
Cabe destacar a sequência de tiras a seguir.

10
PEREIRA, Joseane Serra Lazarini. (Des) enquadres interativos nos quadrinhos de Dik Browne e
Zappa: um estudo sobre os (des) alinhamentos de Helga e Jandira. UFES. Mestrado em Estudos Lingüísticos.
2008.
11
Cabe ressaltar que Hagar fez muito sucesso por vários países, como na Escandinávia e Europa, recebendo
vários nomes conforme o país que foi sendo publicado.
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Figura 1: Hagar, o Horrível.


Fonte: Folha de São Paulo. 16.06.1973.

Nesta sequência Dik Browne desconstruiu a ideia tradicionalmente aceita sobre a


importância da guerra, de enfrentamento de grupos humanos, e nesse ínterim o conceito fica
esvaziado, pois, ao se colocar um exército sem condições de enfrentamento do inimigo,
como pode ser observado na Figura 1, é gerado uma situação de confusão e falta de ação.
Outro ponto explorado pelo autor é a banalização da guerra, numa crítica pertinente
sobre os efeitos que poderia acarretar as pessoas comuns. Nesse caso o autor produz sua
crítica a várias guerras e intervenções que os Estados Unidos promoveram a outras nações.
Pode-se ponderar, por exemplo, que naquela conjuntura essas intervenções se realizavam
com certa frequência, destacando-se que Dik Browne esteve diretamente envolvido na
Segunda Guerra Mundial.

Figura 2: Hagar, o Horrível. 12


Fonte: Folha de São Paulo. 03.07.1973.

12
Sempre quando for necessário serão transcritos os discursos dos personagens.
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Hagar: Cuidado! Isso pode ser um truque!


Castelo: [mensagem] “Bem vindos vikings!”.

O autor promove outra possibilidade de reflexão à guerra, como o fato do exército


de Hagar ser visto comumente armado, inclusive muito mais que os outros, pois como no
exemplo apresentado na Figura 2, a diferença entre os dois é gritante, que alude a uma ideia
de exagero, causando estranheza aos outros exércitos. Por outro lado Hagar e seu grupo são
recebidos com flores, que lhes gera outra estranheza, pois o mais comum aos participantes
da guerra seria enfrentarem outros, igualmente armados. As flores remetem a uma ideia
mais metafórica de delicadeza, inverso da ideologia da guerra, como a violência e
destruição.

Figura 3: Hagar, o Horrível.


Fonte: Folha de São Paulo. 14.08.1973.

Na Figura 3 pode ser observado que os cidadãos comuns são protegidos pelos muros
e portões, mesmo destrancados, e vivem suas vidas alheias às guerras que se desenrolam do
lado de fora. Nisso, a guerra é, em si, um tema ao mesmo tempo delicado quanto separado
da sociedade, e ao tratar da guerra pela via da banalização Dik Browne quis mostrar como
isso pode dificultar ou impedir um olhar mais crítico, pensando-se em seus resultados
destrutivos e desigualdade de condições, sendo que legitima ao mesmo tempo as ações
bélicas e seus propósitos civilizatórios. Hagar é visto como um personagem que alude a
essas ideias, pois tem como função saquear aldeias e castelos, fazendo parte de seu destino,
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decidindo como, quando e porque fazer, sem ter a necessidade de consultar ninguém. Para
ele todos são potencialmente inimigos.
Isso também pode se desdobrar no discurso de legitimação da guerra, que inverso a
isso poderia ser ganha sem grande esforço, ou de grandes investimentos. Nisso, Dik
Browne produz sua crítica na falta ou pouco reconhecimento do outro, exemplificando no
ímpeto civilizatório dos Estados Unidos. Podem ser observadas outras possibilidades, como
o castelo, um personagem sempre pronto a ser invadido dentro dessa lógica, possivelmente
como uma metáfora de conquista, cabendo ressaltar que a maioria das ações se passam na
área externa a ele. Na Figura 3, como outra proposta de reflexão, é observado no calor da
batalha Eddie Sortudo abrindo o portão que dá acesso ao interior do castelo e nele pessoas
alheias a batalha, indiferentes ao caos total da guerra. Isso serve de crítica, pela via do
humor, de como as pessoas comuns estavam indiferentes à guerra, e ela em pouca sintonia
com suas vidas, e por outro lado, apresenta uma alusão do discurso da luta para conquista,
em que Dik Browne satirizou ao colocar uma simples porta sem apresentar resistência
alguma, para transpor o castelo, e não fora de questão imaginar como se ao optar pelo
caminho do portão acontece o esvaziamento do discurso da guerra.

Figura 4: Hagar, o Horrível.


Fonte: Folha de São Paulo. 30.10.1973.

Na Figura 4 Hagar toma uma torta na cara ao ameaçar o inimigo de fome, numa
metafórica referência da banalização da guerra enquanto tal, pois pode ser aplicada a ideia
de que a seriedade, uma característica comumente ligada à guerra, não é mais uma vez
aplicada. Outro desdobramento desta tira é que o inimigo de Hagar é dotado daquilo que
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exatamente lhe é afirmado não possuir, como a torta na cara de Hagar em oposição à falta
de alimento.

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PEREIRA, Joseane Serra Lazarini. (Des) enquadres interativos nos quadrinhos de Dik Browne
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Dissertação de Mestrado em Estudos Lingüísticos. 2008.

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